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Quebrando paradigmas: há outras formas de se ver...

Enviado: 27 Abr 2007, 02:42
por Apocaliptica
Um dos problemas que observo entre os brasileiros, geração após geração, é a resistência à mudanças. Verdades são repetidas, ditados populares são vistos como bagagem importante e deduções ( por vezes baseadas em conceitos rasos, rótulos gastos e amarelados...) são absorvidos como virtudes inquestionáveis. Isto faz de nós um povo que se repete, que acredita piamente em fórmulas ultrapassadas há muito em vários países do mundo, inclusive em nossos vizinhos, aos quais tecemos críticas por vezes desmerecidas.

O ranço do Brasil em algumas áreas é de arrepiar. Ranços políticos, culturais, idéias de grandeza desproporcionais à realidade, ao mesmo tempo em que sofremos de paranóias ( quando o imaginário inimigo nem ao menos está pensando em nós ou nem sabe da nossa existência). Perdemos tempo nos repetindo, copiando, comparando, esperneando e ruminando reminiscências e traumas que já devíamos ter é usado como aprendizado.

Por que somos assim? Sofremos de alguma síndrome colonialista e míope. Temos ataques e xiliques de petulância, nos auto-vitimamos, desdenhamos, endeusamos, remamos contra marés rasas, esquecendo o foco e abandonando verdadeiras chances de sermos assertivos. Somos um povo sem rumo? Uma vítima da história eternamente, e condenados à manipulação e ao arremedo?

Parece que só criticamos, porque não sabemos o que fazer. Mas não admitimos nossos erros. Endossamos a falsidade e a hipocrisia ( e passamos a sensação de esperança a nossos filhos, de crença no porvir), acomodando-nos empoleirados em nossos saudosismo, em nossa nostalgia, comparando o ontem e o hoje..."ah...no meu tempo não era assim...".

Que nada! Sempre foi assim. E sempre será se continuarmos repetindo, acreditando, fazendo de conta, postergando, justificando erros como se fossem reles e aceitáveis falhas.

Somos um país doente. Um país que rema desordenado, sem voz de comando e por inércia, se não por chutes no traseiro, que teimamos em exibir na janela.



Talvez por isto alguns me vejam como niilista, quando na verdade sou rebelde e subversora desde que nasci. Passei pela Revolução de 64 e pela ditadura quase sem consciência sobre o que estava acontecendo. Porque poucas famílias tinham coragem para ser claras o suficiente com seus filhos ,porque não sabiam que fim teria isto. Era melhor tocar a vida e se calar. Ou sumir. Ou morrer.

Mas percebia o tempo todo , quietinha e sem coragem para perguntar, que havia algo muito estranho e ruim no ar. Que algo não devia ser feito. Nem dito.
Estudava numa escola pública grande e conceituada no centro de Porto Alegre, onde passaram, entre outros, Julio Cesar Médici, sobrinho do nada saudoso Presidente Emílio Garrastazú Médici. Julio Cesar era um alemãozinho tímido e medianamente estudioso, que sentava-se ...ao meu lado.

Era o ano de 1970, ano que se se seguiu à indicação e posse de Médici para a presidência da República.

Sabíamos que o coleguinha Julio Cesar era sobrinho do Presidente. Mas quase ninguém brincava com ele, talvez por ele ser meio protegido, ou por ser introvertido, até hoje não descobri.

Eu só sei que nunca dirigi a palavra a ele, depois que surgiu uma brincadeira em sala, com uma equação na calculadora, que resultava em dígitos que , invertidos, eram a palavra "MEDICI" escrita. Depois de algumas risadinhas inocentes, lembro de que alguém nos assoprou um sutil conselho para parar....

Tirando isto ainda havia um sussurro entre paredes, de que devíamos "ter cuidado com o que falávamos", pois "tinha gente disfarçada". E também lembro que corria e brincava de roda, sempre sob as vistas de fardas e escopetas bem acima de meus olhos, em contraste com o azul do céu outonal de Porto Alegre.

Algo me dizia, que eu estudava num lugar importante e assustador, pois meu colégio ficava atrás do Palácio do Governo, muito próximo do Tribunal de Contas, da Assembléia Legislativa ( que eu vi construir ) e da Catedral Metropolitana da capital gaúcha.

Era estranho ver os militares e guardas sempre a nossa volta. Era bizarro e estranhamente deprimente sentir uma espécie de orgulho de ter os padres da Cúria Metropolitana nos dando santinhos, ao lado daqueles soldadinhos de chumbo. A própria catedral tinha soldadinhos fazendo ronda constante, enquanto brincávamos na Praça da Matriz, em frente.

Todos os dias, exceto quando chovia, entrávamos em formação no pátio da escola, calávamos totalmente as peraltices infantis, e simplesmente aceitávamos a rotina de asteamento da bandeira e do Hino Nacional. Depois do Hino, começávamos, turma por turma, a subir as escadarias de mármore italiano, rumo às salas de aula. Durante a entrada toda, de mais de 1000 alunos por turno, ouvíamos alto e bom som, sempre as mesmas músicas, espécies de marchas militares ( que eu achava lindas, algumas me emocionavam quase às lágrimas).

Nas datas cívicas, ensaiávamos à perfeição e com uniformes engomados, a marcha em volta da praça, sob os olhares de algumas autoridades. O 7 de setembro era o êxtase nacional e eu me sentia comprometida e pertinente.

Infância estranha a minha...A inocência perfeitamente enquadrada.

Encontrei um texto sobre educação na Internet e trago aqui para fazer pensar sobre a quebra de paradigmas, sobre questionar o que vovô-dizia-e-que-deve-ser-verdade. E o que
nos dizem ser o certo, pode ser nossa maior condenação.
Estejam atentos. Não acreditem. Nós erramos quando aceitamos fórmulas prontas, e nossa credulidade se reflete em nosso fracasso ou auto-engano de sucesso. Pode ser muito, muito diferente do que é, porque é muito, muito diferente do que às vezes parece ser.
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."Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas"

Um dos maiores choques de minha vida foi na noite anterior ao meu primeiro dia de pós-graduação em administração. Havia sido um dos quatro brasileiros escolhidos naquele ano, e todos nós acreditávamos, ingenuamente, que o difícil fora ter entrado em Harvard, e que o mestrado em si seria sopa. Ledo engano.
Tínhamos de resolver naquela noite três estudos de caso de oitenta páginas cada um. O estudo de caso era uma novidade para mim. Lá não há aulas de inauguração, na qual o professor diz quem ele é e o que ensinará durante o ano, matando assim o primeiro dia de aula. Essas informações podem ser dadas antes. Aliás, a carta em que me avisaram que fora aceito como aluno veio acompanhada de dois livros para ser lidos antes do início das aulas.

O primeiro caso a ser resolvido naquela noite era de marketing, em que a empresa gastava boas somas em propaganda, mas as vendas caíam ano após ano. Havia comentários detalhados de cada diretor da companhia, um culpando o outro, e o caso terminava com uma análise do presidente sobre a situação.

O caso terminava ali, e ponto final. Foi quando percebi que estava faltando algo. Algo que nunca tinha me ocorrido nos dezoito anos de estudos no Brasil. Não havia nenhuma pergunta do professor a responder. O que nós teríamos de fazer com aquele amontoado de palavras? Eu, como meus outros colegas brasileiros, esperava perguntas do tipo "Deve o presidente mudar de agência de propaganda ou demitir seu diretor de marketing?". Afinal, estávamos todos acostumados com testes de vestibular e perguntas do tipo "Quem descobriu o Brasil?".

Harvard queria justamente o contrário. Queria que nós descobríssemos as perguntas que precisam ser respondidas ao longo da vida.

Uma reviravolta e tanto. Eu estava acostumado a professores que insistiam em que decorássemos as perguntas que provavelmente iriam cair no vestibular.

Adorei esse novo método de ensino, e quando voltei para dar aulas na Universidade de São Paulo, trinta anos atrás, acabei implantando o método de estudo de casos em minhas aulas. Para minha surpresa, a reação da classe foi a pior possível.

"Professor, qual é a pergunta?", perguntavam-me. E, quando eu respondia que essa era justamente a primeira pergunta a que teriam de responder, a revolta era geral: "Como vamos resolver uma questão que não foi sequer formulada?".

Temos um ensino no Brasil voltado para perguntas prontas e definidas, por uma razão muito simples: é mais fácil para o aluno e também para o professor. O professor é visto como um sábio, um intelectual, alguém que tem solução para tudo. E os alunos, por comodismo, querem ter as perguntas feitas, como no vestibular.

Nossos alunos estão sendo levados a uma falsa consciência, o mito de que todas as questões do mundo já foram formuladas e solucionadas. O objetivo das aulas passa a ser apresentá-las, e a obrigação dos alunos é repeti-las na prova final.

Em seu primeiro dia de trabalho você vai descobrir que seu patrão não lhe perguntará quem descobriu o Brasil e não lhe pagará um salário por isso no fim do mês. Nem vai lhe pedir para resolver "4/2 = ?". Em toda a minha vida profissional nunca encontrei um quadrado perfeito, muito menos uma divisão perfeita, os números da vida sempre terminam com longas casas decimais.

Seu patrão vai querer saber de você quais são os problemas que precisam ser resolvidos em sua área. Bons administradores são aqueles que fazem as melhores perguntas, e não os que repetem suas melhores aulas.

Uma famosa professora de filosofia me disse recentemente que não existem mais perguntas a ser feitas, depois de Aristóteles e Platão. Talvez por isso não encontramos solução para os inúmeros problemas brasileiros de hoje. O maior erro que se pode cometer na vida é procurar soluções certas para os problemas errados.

Em minha experiência e na da maioria das pessoas que trabalham no dia-a-dia, uma vez definido qual é o verdadeiro problema, o que não é fácil, a solução não demora muito a ser encontrada.

Se você pretende ser útil na vida, aprenda a fazer boas perguntas mais do que sair arrogantemente ditando respostas. Se você ainda é um estudante, lembre-se de que não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas.


Stephen Kanitz é administrador por Harvard (http://www.kanitz.com.br)

Editora Abril, Revista Veja, edição 1898, ano 38, nº 13, 30 de março de 2005, página 18



Imagem

:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: Quino era um gênio.

Re: Quebrando paradigmas: há outras formas de se ver...

Enviado: 27 Abr 2007, 08:44
por Jeanioz
Apocaliptica escreveu:Imagem

:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: Quino era um gênio.


:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:

(Vou ler o texto quando tiver um tempo... :emoticon33: )

Enviado: 27 Abr 2007, 10:08
por André
O povo brasileiro ainda está longe de uma forma geral ter cultura democrática. Esse é um dos motivos pq ele tão facilmente delega a outros a função de resolver seus problemas, quando na verdade cada individuo deve estar empenhado em resolver seus problemas, e não esperar que a solução venha de fora( Claro que os miseráveis são incapazes quase sempre pela própria condição de resolver isso por si próprios e exigir desses isso seria um equivoco logo não falo deles). Se possível e assim desejar, pode ainda colaborar para resolução de problemas coletivos. Essa segunda parte é ainda mais difícil.

Além disso, é resistente a mudanças pq é conservador, quer um paizão, por isso Vargas foi tão popular durante boa parte de sua vida, ACM boa parte dos últimos 30 anos da Bahia. Embora enquanto indivíduos, Vargas seja entre os dois inegavelmente uma figura menos macabra apesar de todos seus equívocos.

Diria que politicamente é a infância de valores democráticos.

De mais não sei se vc sabe, mas concordo que a crença vazia no porvir não é grande fonte de mudança. (A diferença é que eu não tenho uma crença inexorável, eu acredito na possibilidade, e a minha não é vazia tem conteúdo e propostas não faço apenas criticar).

O ranço do autoritarismo é uma verdadeira praga, e parece ser a mais difícil de extirpar. Ela remonta de quase toda nossa história, e mesmo mudados os meios, e chegando a meios democráticos, isso não automaticamente mudou nossa elite política, nem é claro, deu educação política ao nosso povo. Que a vem adquirindo lentamente.

Re: Quebrando paradigmas: há outras formas de se ver...

Enviado: 27 Abr 2007, 13:48
por Apocaliptica
Jeanioz escreveu:
Apocaliptica escreveu:Imagem

:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: Quino era um gênio.


:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:

(Vou ler o texto quando tiver um tempo... :emoticon33: )


Não deixe de ler... :emoticon1:

Enviado: 27 Abr 2007, 14:07
por Apocaliptica
André escreveu:O povo brasileiro ainda está longe de uma forma geral ter cultura democrática. Esse é um dos motivos pq ele tão facilmente delega a outros a função de resolver seus problemas, quando na verdade cada individuo deve estar empenhado em resolver seus problemas, e não esperar que a solução venha de fora( Claro que os miseráveis são incapazes quase sempre pela própria condição de resolver isso por si próprios e exigir desses isso seria um equivoco logo não falo deles). Se possível e assim desejar, pode ainda colaborar para resolução de problemas coletivos. Essa segunda parte é ainda mais difícil.

Além disso, é resistente a mudanças pq é conservador, quer um paizão, por isso Vargas foi tão popular durante boa parte de sua vida, ACM boa parte dos últimos 30 anos da Bahia. Embora enquanto indivíduos, Vargas seja entre os dois inegavelmente uma figura menos macabra apesar de todos seus equívocos.

Diria que politicamente é a infância de valores democráticos.

De mais não sei se vc sabe, mas concordo que a crença vazia no porvir não é grande fonte de mudança. (A diferença é que eu não tenho uma crença inexorável, eu acredito na possibilidade, e a minha não é vazia tem conteúdo e propostas não faço apenas criticar).

O ranço do autoritarismo é uma verdadeira praga, e parece ser a mais difícil de extirpar. Ela remonta de quase toda nossa história, e mesmo mudados os meios, e chegando a meios democráticos, isso não automaticamente mudou nossa elite política, nem é claro, deu educação política ao nosso povo. Que a vem adquirindo lentamente.


Não é um ranço do passado, como um ferida que demora para ser cicatrizada. Se fosse assim, tudo bem. O que foi, não pode ser desfeito, apenas cicatrizado. Mas nunca esquecido.
Acontece que acreditamos de alguma forma naquilo. Vou postar hoje outro texto que mostra que não estamos numa democracia. Um texto que talvez só seja totalmente compreendido ( e sentido através de arrepios )por quem viveu aquilo.
Vocês verão como alguns sinais ( o ranço que falo ) são idênticos. A alma da ditadura está entre nós. Mas as gerações mais novas jamais entenderão, a menos que vivam de novo. E o pior, o novo líder, além de um ditador em potencial, é um fraco. Ele apenas está lá porque é apoiado pelo povo. Ele serve ao sistema. E ele tem o perfil adoecido dos que desdenham da tirania, e foi um rebelde do pior tipo: o que desdenha porque quer comprar. E é isso que os crentes nele- numa inocência estranhamente anestesiada-, não entendem.

Olhe as coisas que a Marta têm trazido aqui. A censura está funcionando. De forma diferente daquela claramente amordaçante do Regime Militar. Esta é uma bruxa com cara de fadinha. E que faz isto quando lhe tocam em alguma ferida que possa contaminar sua sede de poder.
Lula nunca esteve contra os Militares pela ditadura. Ele é a favor dela, só que pelo modelo socialista comunistóide.
Lula só não mostra mais as garras, porque se sente apoiado pelo povo. Programas de Esmolas o mantém no poder. Programas de cotas. Programas populistas bagunçados e que na verdade lavam muito dinheiro, que já enriqueceu muita gente neste governo.
Há outra coisa em Lula, ele pensava estar cercado por gente como ele, esperto, mas manipulável por gente muito mais esperta do que ele. Mas já viu que Morales e Chavez são de outro tipo. Chutaram o traseiro dele assim que quiseram. Lula é um analfabeto do tipo que pensa que é um vencedor . Mas dentro do governo e nas vizinhas , tem gente muuuito mais esperta ( e doida ) do que ele.
Castro está morto. E Bush é um maluco a ser levado a sério. Mas vai acabar também.
Se Lula pudesse teria a carreira de Castro. Exatamente igual. O que é muito pior do que uma ditadura assumida. A menos que mostre realmente que está preparado para isto. Precisaria se cercar melhor. O que espero que nunca aconteça.