Separatistas se armam na Bolívia
Enviado: 01 Mai 2007, 01:31
Separatistas se armam na Bolívia
Grupo que exige autonomia para região rica
do país tem milícias com 12 mil homens
'Ou mais autonomia, ou independência'
Leonardo Valente
Ofim dos trabalhos da Assembléia Constituinte da Bolívia, previsto para agosto, pode se transformar no estopim de uma das mais graves crises da história recente da América do Sul. A parte do país conhecida como Meia Lua, formada principalmente pelos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, se prepara para deflagrar um confronto separatista armado de grandes proporções, caso as exigências de maior autonomia para a região não sejam atendidas pela nova Carta Magna. Segundo líderes regionais e analistas políticos, o movimento, chamado Nação Camba, tem milícias de cerca de 12 mil homens, armadas secretamente por lideranças locais, e que estariam recebendo treinamento de paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). Fontes militares brasileiras temem que, em caso de conflito, o governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, intervenha a favor de Evo Morales, criando um cenário dramático numa frágil e vasta região de fronteira com o Brasil.
- Só estamos aguardando o fim dos trabalhos da Assembléia Constituinte. Se não garantirem a autonomia que exigimos na Constituição, o caminho é a separação. Não existe meio termo, a situação é insustentável. Somos favoráveis à via política, mas não cederemos em nossos projetos pois é o desenvolvimento e a vontade do povo que estão em jogo. Tudo é possível - disse Sergio Antelo, um dos líderes do movimento Nação Camba.
Armas seriam compradas de Israel
O território reivindicado pelos separatistas representa cerca de 70% da Bolívia, gera a maior parte da riqueza do país e tem os melhores indicadores sociais de um dos Estados mais pobres do continente. O movimento existe há décadas mas ficou mais forte com a chegada do presidente Evo Morales ao poder e suas propostas de "refundar" a Bolívia e rever o que chama de injustiças históricas contra a maioria indígena - a parcela mais pobre do país. Os defensores da autonomia alegam que Morales, com sua postura centralizadora, retira recursos das regiões mais ricas, por meio do recolhimento de impostos, sem dar contrapartida em investimentos.
- Não temos culpa da pobreza da parte andina do país. O que ele (Morales) está fazendo é empobrecer toda a Bolívia, pois o nosso dinheiro investido nas comunidades indígenas também não está melhorando a situação deles. Temos um objetivo claro, que é slogan de campanha: pátria ou morte - disse um funcionário de alto escalão do departamento de Santa Cruz, integrante do movimento, que pediu anonimato e confirmou a existência de milícias com cerca de 12 mil homens.
Três dos quatro departamentos fazem fronteira com o Brasil, com uma extensão de 3.423 quilômetros. Um conflito armado na região representaria uma séria ameaça ao Brasil. Além da preocupação de militares brasileiros de que uma intervenção de Chávez em favor de Evo Morales agrave o conflito, deve-se levar em consideração que a influência na crise dos paramilitares colombianos aumenta a instabilidade na região.
O projeto de autonomia proposto a La Paz pelos separatistas para ser incluído na nova Constituição é o de um modelo de "Estado binacional", o que daria aos departamentos (estados) da Nação Camba independência na gestão de recursos, na segurança interna e na administração. Morales rebate dizendo que isso não é um projeto condizente com um Estado soberano e integrado, e que a proposta é uma "desculpa para iniciativas que ferem a unidade e a soberania". Morales conta com um efetivo de cerca de 25 mil homens nas Forças Armadas, e nos últimos meses recebeu helicópteros e armas da Venezuela.
- Se nossas exigências não forem atendidas, temos condições de fechar rapidamente a via de acesso que liga Santa Cruz à região andina (onde está La Paz). Isso impede a entrada de tropas de Morales. Mas já sabemos que se fizermos isso, Morales terá apoio de Hugo Chávez para fazer ataques aéreos. Mas se ele aceitar isso, vai estar nos ajudando em vez de atrapalhar. Se a Venezuela se meter, teremos mais apoio da comunidade internacional - disse o funcionário, confirmando também que milícias estão recebendo treinamento das AUC e que armas estão sendo encomendadas a Israel. - Não somos bobos, precisamos estar preparados para qualquer coisa.
Segundo fontes, as armas negociadas com Israel estariam chegando à região pelo Paraguai.
O professor e historiador da UFRJ Francisco Carlos Teixeira viajou pela Bolívia pelo Programa Pró-Defesa da Capes e da UFRJ - que tem como objetivo uma análise em larga escala das relações internacionais, com ênfase em questões da América de Sul - e confirma a gravidade da situação política na região e o clima de tensão, especialmente em Santa Cruz:
- Santa Cruz reclama do recolhimento dos impostos e dos privilégios dados por Morales aos aymarás (povo indígena). Por um lado, rever a miséria da população indígena é historicamente justo. Por outro, Santa Cruz também tem uma alegação justa, que é a de que a região, com forte colonização européia, nunca participou da exploração indígena no resto do país.
No caso de uma situação de conflito, o principal temor do Brasil, segundo fontes militares, é o de uma intervenção da Venezuela, que em diversas ocasiões manifestou intenção de ajudar Morales com armas e homens.
- Brasília ainda não deu a devida atenção ao assunto. O momento de agir diplomaticamente é agora, evitando o mal maior que é termos um confronto em nossas fronteiras. O principal medo é a interferência de Hugo Chávez na região. Esse seria o pior cenário. Mas também não podemos menosprezar outros efeitos muito graves, como a ação de paramilitares e os estragos políticos desse tipo de confronto para a integração regional. Precisamos agir com inteligência imediatamente - disse um militar de alta patente, que pediu anonimato.
Envio de gás ao Brasil pode ser prejudicado
Tarija, que faz parte da Meia Lua, é o maior exportador do produto
A possibilidade de um confronto entre milícias da Meia Lua boliviana e tropas do governo de Evo Morales poderia pôr em risco o fornecimento de gás tanto para o Brasil quanto para a Argentina. O departamento de Tarija, que é responsável por mais de 90% do gás natural enviado aos dois países, faz parte da Meia Lua e seria território reivindicado pelos separatistas da Nação Camba em caso de conflito. É lá que estão os dois megacampos operados pela Petrobras (San Alberto e San Antonio), ambos responsáveis por cerca de 80% do gás boliviano consumido pelo Brasil.
Há duas semanas, uma disputa pela posse de um dos dois grandes campos de hidrocarbonetos (petróleo e gás) de Tarija por duas províncias limítrofes fizeram manifestantes tomarem o controle de uma estação de petróleo, cortarem a maior parte do fornecimento de gás para a Argentina e uma pequena parte para o Brasil. O incidente gerou um mal-estar diplomático entre Brasília e La Paz.
Quanto à postura do Brasil para evitar a crise na região, o professor de relações internacionais da UFF e da Uerj Williams Gonçalves diz que Brasília, se necessário, usará o diálogo e o apelo às regras democráticas como estratégica.
- Qualquer conflito desta natureza conspira contra as instituições democráticas e contra a estabilidade da América do Sul. O Brasil certamente apelará ao respeito e a uma solução pacífica para o tema - afirmou.
A Petrobras não quis se pronunciar sobre o tema, alegando ser um assunto interno da Bolívia. (L.V.)
Grupo que exige autonomia para região rica
do país tem milícias com 12 mil homens
'Ou mais autonomia, ou independência'
Leonardo Valente
Ofim dos trabalhos da Assembléia Constituinte da Bolívia, previsto para agosto, pode se transformar no estopim de uma das mais graves crises da história recente da América do Sul. A parte do país conhecida como Meia Lua, formada principalmente pelos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija, se prepara para deflagrar um confronto separatista armado de grandes proporções, caso as exigências de maior autonomia para a região não sejam atendidas pela nova Carta Magna. Segundo líderes regionais e analistas políticos, o movimento, chamado Nação Camba, tem milícias de cerca de 12 mil homens, armadas secretamente por lideranças locais, e que estariam recebendo treinamento de paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC). Fontes militares brasileiras temem que, em caso de conflito, o governo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, intervenha a favor de Evo Morales, criando um cenário dramático numa frágil e vasta região de fronteira com o Brasil.
- Só estamos aguardando o fim dos trabalhos da Assembléia Constituinte. Se não garantirem a autonomia que exigimos na Constituição, o caminho é a separação. Não existe meio termo, a situação é insustentável. Somos favoráveis à via política, mas não cederemos em nossos projetos pois é o desenvolvimento e a vontade do povo que estão em jogo. Tudo é possível - disse Sergio Antelo, um dos líderes do movimento Nação Camba.
Armas seriam compradas de Israel
O território reivindicado pelos separatistas representa cerca de 70% da Bolívia, gera a maior parte da riqueza do país e tem os melhores indicadores sociais de um dos Estados mais pobres do continente. O movimento existe há décadas mas ficou mais forte com a chegada do presidente Evo Morales ao poder e suas propostas de "refundar" a Bolívia e rever o que chama de injustiças históricas contra a maioria indígena - a parcela mais pobre do país. Os defensores da autonomia alegam que Morales, com sua postura centralizadora, retira recursos das regiões mais ricas, por meio do recolhimento de impostos, sem dar contrapartida em investimentos.
- Não temos culpa da pobreza da parte andina do país. O que ele (Morales) está fazendo é empobrecer toda a Bolívia, pois o nosso dinheiro investido nas comunidades indígenas também não está melhorando a situação deles. Temos um objetivo claro, que é slogan de campanha: pátria ou morte - disse um funcionário de alto escalão do departamento de Santa Cruz, integrante do movimento, que pediu anonimato e confirmou a existência de milícias com cerca de 12 mil homens.
Três dos quatro departamentos fazem fronteira com o Brasil, com uma extensão de 3.423 quilômetros. Um conflito armado na região representaria uma séria ameaça ao Brasil. Além da preocupação de militares brasileiros de que uma intervenção de Chávez em favor de Evo Morales agrave o conflito, deve-se levar em consideração que a influência na crise dos paramilitares colombianos aumenta a instabilidade na região.
O projeto de autonomia proposto a La Paz pelos separatistas para ser incluído na nova Constituição é o de um modelo de "Estado binacional", o que daria aos departamentos (estados) da Nação Camba independência na gestão de recursos, na segurança interna e na administração. Morales rebate dizendo que isso não é um projeto condizente com um Estado soberano e integrado, e que a proposta é uma "desculpa para iniciativas que ferem a unidade e a soberania". Morales conta com um efetivo de cerca de 25 mil homens nas Forças Armadas, e nos últimos meses recebeu helicópteros e armas da Venezuela.
- Se nossas exigências não forem atendidas, temos condições de fechar rapidamente a via de acesso que liga Santa Cruz à região andina (onde está La Paz). Isso impede a entrada de tropas de Morales. Mas já sabemos que se fizermos isso, Morales terá apoio de Hugo Chávez para fazer ataques aéreos. Mas se ele aceitar isso, vai estar nos ajudando em vez de atrapalhar. Se a Venezuela se meter, teremos mais apoio da comunidade internacional - disse o funcionário, confirmando também que milícias estão recebendo treinamento das AUC e que armas estão sendo encomendadas a Israel. - Não somos bobos, precisamos estar preparados para qualquer coisa.
Segundo fontes, as armas negociadas com Israel estariam chegando à região pelo Paraguai.
O professor e historiador da UFRJ Francisco Carlos Teixeira viajou pela Bolívia pelo Programa Pró-Defesa da Capes e da UFRJ - que tem como objetivo uma análise em larga escala das relações internacionais, com ênfase em questões da América de Sul - e confirma a gravidade da situação política na região e o clima de tensão, especialmente em Santa Cruz:
- Santa Cruz reclama do recolhimento dos impostos e dos privilégios dados por Morales aos aymarás (povo indígena). Por um lado, rever a miséria da população indígena é historicamente justo. Por outro, Santa Cruz também tem uma alegação justa, que é a de que a região, com forte colonização européia, nunca participou da exploração indígena no resto do país.
No caso de uma situação de conflito, o principal temor do Brasil, segundo fontes militares, é o de uma intervenção da Venezuela, que em diversas ocasiões manifestou intenção de ajudar Morales com armas e homens.
- Brasília ainda não deu a devida atenção ao assunto. O momento de agir diplomaticamente é agora, evitando o mal maior que é termos um confronto em nossas fronteiras. O principal medo é a interferência de Hugo Chávez na região. Esse seria o pior cenário. Mas também não podemos menosprezar outros efeitos muito graves, como a ação de paramilitares e os estragos políticos desse tipo de confronto para a integração regional. Precisamos agir com inteligência imediatamente - disse um militar de alta patente, que pediu anonimato.
Envio de gás ao Brasil pode ser prejudicado
Tarija, que faz parte da Meia Lua, é o maior exportador do produto
A possibilidade de um confronto entre milícias da Meia Lua boliviana e tropas do governo de Evo Morales poderia pôr em risco o fornecimento de gás tanto para o Brasil quanto para a Argentina. O departamento de Tarija, que é responsável por mais de 90% do gás natural enviado aos dois países, faz parte da Meia Lua e seria território reivindicado pelos separatistas da Nação Camba em caso de conflito. É lá que estão os dois megacampos operados pela Petrobras (San Alberto e San Antonio), ambos responsáveis por cerca de 80% do gás boliviano consumido pelo Brasil.
Há duas semanas, uma disputa pela posse de um dos dois grandes campos de hidrocarbonetos (petróleo e gás) de Tarija por duas províncias limítrofes fizeram manifestantes tomarem o controle de uma estação de petróleo, cortarem a maior parte do fornecimento de gás para a Argentina e uma pequena parte para o Brasil. O incidente gerou um mal-estar diplomático entre Brasília e La Paz.
Quanto à postura do Brasil para evitar a crise na região, o professor de relações internacionais da UFF e da Uerj Williams Gonçalves diz que Brasília, se necessário, usará o diálogo e o apelo às regras democráticas como estratégica.
- Qualquer conflito desta natureza conspira contra as instituições democráticas e contra a estabilidade da América do Sul. O Brasil certamente apelará ao respeito e a uma solução pacífica para o tema - afirmou.
A Petrobras não quis se pronunciar sobre o tema, alegando ser um assunto interno da Bolívia. (L.V.)