Quando uma árvore cai na floresta...
Enviado: 10 Mai 2007, 16:20
...e não existe nada nos arredores para ouví-la cair. Ela faz barulho?
Não.
"Sons" assim como "cores" e "cheiros" não são o que John Locke chamava de "propriedades primárias" como altura, massa ou comprimento de onda. Sons, cores e cheiros são "propriedades secundárias", disposições que só existem porque existem sistemas capazes de ouvir, ver e cheirar. Para compreender essas disposições, pense em chaves e fechaduras: uma não existe sem a outra.
É tentador achar que sons, cores e cheiros formam uma identidade com conjuntos de propriedades primárias como amplitudes de ondas mecânicas, frequências de ondas eletromagnéticas e quiralidade de compostos químicos. Mas isso simplesmente não é o que ocorre, essas disposições apesar de em vários casos serem altamente correlacionadas às propriedades primárias não são redutíveis às mesmas.
Dou como exemplo as "qualidades fenomenais" mais estudadas da filosofia da mente: cores.
Popularmente, é ensinado que que cores diferentes estão distintamente associadas a diferentes comprimentos de onda do espectro de "luz visível". Quando dizemos que o casaco é azul, estaríamos dizendo que a propriedade de ser azul é a capacidade do tecido do casaco de refletir toda a "luz azul" e absorver todo o resto.
Entretanto, essa visão simplista é falsa. Conhecemos vários exemplos de superfícies com propriedades de reflexão de luz radicalmente diferentes mas que nos causam a mesma sensação de cor. Sabemos também como que diferentes condições de luminosidade em uma mesma superfície podem causas percepção de cores diferentes.
A não ser quando somos confrontados com ilusões ópticas, não percebemos o quanto nossa visão em cores é repleta de macetes e simplesmente encontra resultados diferentes de aparelhos científicos. Nossa representação do mundo é muito imperfeita e cheia de truques.
Afinal, por quê existem essas "propriedades secundárias", essas "disposições" "coloridas" que causam estados discriminatórios em sistemas que conseguem "ver"?
Assim como chaves e fechaduras - uma feita sobre medida para a outra, uma tendo uma existência incoerente sem a outra - a propriedade "verde" e sistemas para enxergar "verde" foram feitos um para o outro. Visão em cores surgiu de forma independente e em designs diferentes em répteis, mamíferos e aves: sistemas visuais diferentes com objetivos diferentes.
Há uma explicação bem interessante e substanciada para o nosso tipo de visão em cores. Nossa visão tricromática é carregada por inércia de ancestrais que eram pequenos primatas frugívoros. Algumas coisas eram muito importantes para serem vistas, como o ponto de maturação dos frutos. Frutas só existem porque existem animais que comem frutas que espalham suas sementes. Essa visão em cores foi apenas um novo otimizador para destacar nesse antigo ambiente florestal as frutas mais nutritivas, no ponto de serem consumidas. Tons de cinza ganharam muito mais contraste.
Os vegetais que não se adequaram a essa exigência de mercado de divulgar seus frutos maduros em cores berrantes, utilizando a codificação em cores que apetecesse seus consumidores inteligentes que enxergavam em cores ficaram para trás. Co-evolução entre coisas que precisavam ser vistas e aqueles que a enxergavam, nesse caso.
Portanto, da próxima vez que contemplarem a vermelhidão das nuvens de um belo pôr-do-sol, pensem na possibilidade poética disso ser efeito colateral da capacidade de seus ancestrais longínquos de discriminarem frutas vermelhas de frutas verdes.
Não.
"Sons" assim como "cores" e "cheiros" não são o que John Locke chamava de "propriedades primárias" como altura, massa ou comprimento de onda. Sons, cores e cheiros são "propriedades secundárias", disposições que só existem porque existem sistemas capazes de ouvir, ver e cheirar. Para compreender essas disposições, pense em chaves e fechaduras: uma não existe sem a outra.
É tentador achar que sons, cores e cheiros formam uma identidade com conjuntos de propriedades primárias como amplitudes de ondas mecânicas, frequências de ondas eletromagnéticas e quiralidade de compostos químicos. Mas isso simplesmente não é o que ocorre, essas disposições apesar de em vários casos serem altamente correlacionadas às propriedades primárias não são redutíveis às mesmas.
Dou como exemplo as "qualidades fenomenais" mais estudadas da filosofia da mente: cores.
Popularmente, é ensinado que que cores diferentes estão distintamente associadas a diferentes comprimentos de onda do espectro de "luz visível". Quando dizemos que o casaco é azul, estaríamos dizendo que a propriedade de ser azul é a capacidade do tecido do casaco de refletir toda a "luz azul" e absorver todo o resto.
Entretanto, essa visão simplista é falsa. Conhecemos vários exemplos de superfícies com propriedades de reflexão de luz radicalmente diferentes mas que nos causam a mesma sensação de cor. Sabemos também como que diferentes condições de luminosidade em uma mesma superfície podem causas percepção de cores diferentes.
A não ser quando somos confrontados com ilusões ópticas, não percebemos o quanto nossa visão em cores é repleta de macetes e simplesmente encontra resultados diferentes de aparelhos científicos. Nossa representação do mundo é muito imperfeita e cheia de truques.
Afinal, por quê existem essas "propriedades secundárias", essas "disposições" "coloridas" que causam estados discriminatórios em sistemas que conseguem "ver"?
Assim como chaves e fechaduras - uma feita sobre medida para a outra, uma tendo uma existência incoerente sem a outra - a propriedade "verde" e sistemas para enxergar "verde" foram feitos um para o outro. Visão em cores surgiu de forma independente e em designs diferentes em répteis, mamíferos e aves: sistemas visuais diferentes com objetivos diferentes.
Há uma explicação bem interessante e substanciada para o nosso tipo de visão em cores. Nossa visão tricromática é carregada por inércia de ancestrais que eram pequenos primatas frugívoros. Algumas coisas eram muito importantes para serem vistas, como o ponto de maturação dos frutos. Frutas só existem porque existem animais que comem frutas que espalham suas sementes. Essa visão em cores foi apenas um novo otimizador para destacar nesse antigo ambiente florestal as frutas mais nutritivas, no ponto de serem consumidas. Tons de cinza ganharam muito mais contraste.
Os vegetais que não se adequaram a essa exigência de mercado de divulgar seus frutos maduros em cores berrantes, utilizando a codificação em cores que apetecesse seus consumidores inteligentes que enxergavam em cores ficaram para trás. Co-evolução entre coisas que precisavam ser vistas e aqueles que a enxergavam, nesse caso.
Portanto, da próxima vez que contemplarem a vermelhidão das nuvens de um belo pôr-do-sol, pensem na possibilidade poética disso ser efeito colateral da capacidade de seus ancestrais longínquos de discriminarem frutas vermelhas de frutas verdes.