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Contagem Regressiva

Enviado: 23 Dez 2005, 08:34
por Res Cogitans
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6 ... -1,00.html

Contagem regressiva

Gênio para alguns, catastrofista para outros, o filósofo John Gray defende a idéia de que a vida do homem está com os dias contados

Luiz Octávio de Lima

Celebrado como um dos grandes pensadores do século XXI, o britânico John Gray causa mais impacto a cada obra publicada. A tese central de seu mais recente trabalho, Cachorros de Palha, é a idéia de que a humanidade se engana ao acreditar que ocupa um lugar de destaque no universo, que pode controlar seu destino e algum dia será capaz de construir um mundo melhor. A explicação para o título de seu livro está num poema do filósofo taoísta Lao-Tsé sobre cachorros feitos de palha que eram reverenciados nos rituais religiosos chineses e, após as cerimônias, eram incinerados. 'A raça humana deverá ter o mesmo destino - será descartada quando não tiver mais utilidade para o planeta', afirma. Segundo ele, a contagem regressiva para a humanidade deixar a Terra já começou. E poderá estar zerada antes do próximo século. Neoliberal que se entusiasmou com Margareth Thatcher e depois rompeu com sua doutrina para apoiar o hoje primeiro-ministro Tony Blair - de quem agora é crítico -, o escritor é um polemista que recusa a coerência fácil ou a cristalização das próprias idéias. E não se acanha ao abandonar a defesa de suas teses, se conclui que estão equivocadas ou ultrapassadas. Considerado excepcionalmente lúcido por seus admiradores e um catastrofista por seus críticos, John Gray concedeu a ÉPOCA a seguinte entrevista:



John Gray


Dados pessoais
Nasceu na Inglaterra, tem 58 anos

Formação
Cursou Filosofia na Universidade de Oxford

Ocupação atual
Professor de Pensamento Europeu na London School of Economics

Obras
Tem 14 livros, entre eles: O Falso Amanhecer; Al Quaeda e o Que Significa Ser Moderno; Cachorros de Palha

Foto: Matthew Mendelsohn/Corbis/Stock Photos


ÉPOCA - Por que senhor afirma que o homem não é mais um habitante da Terra, mas um invasor do planeta?
John Gray - A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso.

ÉPOCA - O senhor afirma que o ser humano não é tão diferente dos demais animais, e tampouco superior. Mas o desenvolvimento tecnológico, o avanço da ciência e da cultura não são provas de uma superioridade?
Gray - Os seres humanos diferem dos animais principalmente pela capacidade de acumular conhecimento. Mas não são capazes de controlar seu destino nem de utilizar a sabedoria acumulada para viver melhor. Nesses aspectos, somos como os demais seres. Através dos séculos, o ser humano não foi capaz de evoluir em termos de ética ou de uma lógica política. Não conseguiu eliminar seu instinto destruidor, predatório. No século XVIII, o Iluminismo imaginou que seria possível uma evolução através do conhecimento e da razão. Mas a alternância de períodos de avanços com declínios prosseguiu inalterada. Regimes tirânicos se sucederam. A história humana é como um ciclo que se repete, sem evoluir.

'' Duvido que os grupos pacifistas e de defesa do meio ambiente consigam salvar o mundo. A crescente demanda por combustível fóssil e a rápida industrialização da China só agravam o problema ''
ÉPOCA - Pelo que se depreende de suas teses, o senhor não duvida da noção de progresso, apenas acredita que o homem é falho e incapaz de controlá-lo. É isso mesmo?
Gray - Não acredito que haja avanços em ética e política. Temos momentos melhores e piores, mas em geral a História humana é um ciclo intermitente de anarquia e tirania. Trazemos em nosso DNA a inclinação para a autodestruição e somos incapazes de mudar. Nesse sentido, não há progresso. A atual Guerra do Iraque mostra isso. Os Estados Unidos não eram a nação mais desenvolvida do mundo? No entanto, não puderam impedir a tortura de prisioneiros em Abu Graib. Se alcançamos estágios avançados por um lado, a todo momento perdemos essas conquistas.

ÉPOCA - Há esperanças de que esse quadro se modifique?
Gray - Pode haver progressos em alguns lugares do mundo, em certos momentos. Mas não haverá uma mudança efetiva, generalizada. Observe que mesmo as convenções de guerra existentes não são respeitadas. Em termos de desafios ambientais, a situação ainda é pior. As mudanças climáticas afetam o mundo inteiro, ameaçam toda a civilização.

ÉPOCA - Não há nada a ser feito?
Gray - O que temos a fazer é trabalhar com objetivos modestos, com expectativas mais baixas e realistas. Não esperar pela salvação do planeta, mas buscar uma qualidade de vida melhor, criar condições para retardar o declínio. Isso é possível.

ÉPOCA - O senhor não estaria sendo muito cético levando-se em conta os movimentos de defesa do meio ambiente, ações pacifistas e outros que tentam reveter esse quadro?
Gray - Duvido muito que consigam. Sou descrente de que será feito algo realmente eficaz para combater o aquecimento global. A demanda de combustível fóssil vem aumentando a um ritmo de 1,9% ao ano. A rápida industrialização da China só agrava esse problema. Não quero dizer com isso que não se deva fazer nada. Cada nação pode perfeitamente contribuir de alguma forma. Mas os esforços ainda seriam tímidos e há poucas razões para otimismo quanto a uma reversão radical do quadro.

ÉPOCA - E depois do homem, o que ficará? Em seu livro, o senhor prevê que, antes de desaparecer, a humanidade terá dado fim a muitas outras espécies, e também afirma que as máquinas vão continuar a existir, sendo capazes de tomar decisões.
Gray - Não acredito que a inteligência artificial chegará a ser mais avançada que a humana, nem que os robôs e as máquinas sucedam aos seres humanos no sentido evolutivo, ou cheguem ao ponto de se tornar uma ameaça a nossa espécie. Isso pertence mais ao terreno da ficção científica. Mas vislumbro que serão capazes de executar a maior parte das tarefas humanas, e reparar-se mutuamente em caso de falhas. As máquinas poderão continuar quando o homem não estiver mais aqui. Tudo isso, é claro, vai depender da disponibilidade de energia de então.

ÉPOCA - Em que o senhor se baseia para dizer que o homem não possui livre-arbítrio?
Gray - Não temos controle sobre nosso destino. Nem sequer somos co-autores de nossas vidas. Chegamos ao mundo sem escolher nossos pais, nosso lugar, a língua que vamos falar. O que fazemos é improvisar diante da realidade que encontramos.

ÉPOCA - Por que o senhor afirma que as idéias cristãs causaram grandes prejuízos à humanidade?
Gray - Minha maior crítica ao cristianismo é sua tentativa de salvar toda a humanidade. O Islã também se coloca numa missão salvacionista, e por isso traz consigo tantos desastres. Não sou contra as religiões, e até acredito que os piores regimes foram os de base ateísta, como os de Stlálin e Mao Tse-tung. O cristianismo é em grande medida benigno e devemos muito a ele. Mas é preciso buscar um certo grau de ceticismo, ter cautela para não buscar verdades absolutas. Desconfiar. O colapso do comunismo foi algo positivo, pois essa ideologia também havia se tornado uma crença. Em contrapartida liberou forças muito perigosas baseadas em religião. Acredito que as filosofias orientais, como o taoísmo, são mais benéficas ao ser humano, porque têm objetivos mais modestos, nada expansionistas.

ÉPOCA - Parte do mundo islâmico vive tempos de radicalismo, e a Igreja Católica dá uma guinada conservadora para afirmar seus valores. É uma volta ao fundamentalismo?
Gray - Hoje quase não temos mais movimentos revolucionários. Eles estão restritos ao Nepal e a um ponto ou outro do planeta. O comunismo e o fascismo também entraram em extinção. Mas estão voltando outras formas de fundamentalismo - étnico, religioso, nacionalista -, que haviam desaparecido. Os Estados Unidos vivem uma onda fundamentalista, parte religiosa, parte política. O nacionalismo na Europa está muito intenso. Todos os tipos são temerários, porque alimentam conflitos e impedem seres humanos de viver juntos.

ÉPOCA - Depois da Guerra Fria, o mundo pôde se tornar mais pluralista. Essa diversidade poderia contribuir para evitar uma tensão mundial como a daquele período?
Gray - A história da humanidade é uma sucessão de embates, e é ridículo pensar que a causa desses conflitos é o choque entre civilizações diferentes que não se entendem apenas por motivos ideológicos. As guerras sempre foram motivadas por outros fatores, como a busca por recursos. A Guerra do Iraque foi iniciada com o pretexto de ali estar se formando um Estado fascista. Falácia. Se hoje assistimos à contenda entre as nações islâmicas e o resto do mundo, isso se deve à crescente demanda por petróleo barato. As nações ricas precisam de uma quantidade cada vez maior de combustível, o que gera essa tensão. Mas o pior ainda pode ser evitado.

ÉPOCA - De que maneira?
Gray - Retirar as tropas do Iraque seria um grande passo. Mas as políticas energéticas são a fonte alimentadora do terror. Seria importante que as nações se tornassem menos dependentes de petróleo. Isso aliviaria as tensões entre o Ocidente e o mundo islâmico.


ÉPOCA - O modelo intervencionista da política americana se esgotou?
Gray - É evidente que Bush fracassou. Seu desafio agora é como sair dessa situação sem grandes prejuízos. A guerra teve um custo muito alto e seus efeitos serão sentidos por décadas. Em 20 ou 30 anos, a influência dos EUA sobre o mundo será bem mais limitada. Os americanos terão de ser mais cautelosos e vão depender ainda mais da ajuda de outras nações.

ÉPOCA - O senhor criou polêmica entre seus pares ao defender aspectos do regime de Fidel Castro.
Gray - Ele já teve pontos positivos. Nunca foi benéfico no que se refere às liberdades individuais. No entanto, obteve avanços ao reduzir as taxas de mortalidade e implantar um eficiente sistema de saúde. Mas mesmo esses benefícios se perderam. Agora, o regime cubano caminha para o colapso total, o que provavelmente ocorrerá com a morte de Fidel.

ÉPOCA - Que regime político seria ideal para responder às questões que se colocam no momento à maioria das nações ocidentais?
Gray - Não devemos procurar por um único sistema ideal. Ainda temos no mundo regimes péssimos, como o da Coréia do Norte, por exemplo. A democracia representativa geralmente é citada como a mais benéfica, mas também está sujeita a erros e não é uma garantia de respeito ao estado de direito, como o governo Bush demonstrou. Temos de utilizar um conjunto de experiências, tentar agregar aos regimes democráticos existentes mais garantias às liberdades individuais, mais mecanismos de vigilância e controle da administração pública, assistência social eficiente e proteção do cidadão pelo Estado.

Divulgação

'' Não temos mais movimentos revolucionários, comunismo nem facismo. Mas estão voltando outras formas de fundamentalismo - ético, religioso e nacionalista -, que haviam desaparecido no século XX ''
ÉPOCA - O senhor já foi um apoiador do modelo liberal e hoje advoga fortes mecanismos de controle para o que chama de fundamentalismo do mercado...
Gray - Sim, mas nunca fui um fundamentalista do mercado. Os modelos econômicos e os projetos políticos precisam estar em permanente mutação. Não podemos nos agarrar a uma crença e ficar presos a ela para sempre. Os desafios mudam. Entre os riscos do mundo atual, por exemplo, está o de termos Estados fracos. E cada vez mais acredito que um Estado fraco é um mau Estado.

ÉPOCA - Tendo por base os dilemas contemporâneos, como vê o mundo daqui a 20, 30 anos? Quais serão as questões em pauta?
Gray - É difícil dizer. O terrorismo e o crime organizado já são problemas agudos hoje. Parece evidente que as questões ambientais vão se aprofundar, e que a explosão populacional vai se agravar. Teremos 1,2 bilhão de habitantes a mais no planeta em 2050. Mas tentar prever o futuro é algo traiçoeiro. Há fatores imponderáveis. Quem poderia imaginar, 20 anos antes, que o comunismo entraria em colapso no fim da década de 80? O importante é entendermos as questões contemporâneas e tratarmos delas adequadamente. Woody Allen disse certa vez que "fazer previsões é muito difícil, especialmente sobre o futuro". Eu digo que fazer previsões é fácil, entender o presente é bem mais complicado.

ÉPOCA - Seus críticos afirmam que o senhor se expressa por meio de afirmações apocalípticas e que suas teses pecam por um catastrofismo que não leva a conclusão alguma.
Gray - Não sou um missionário, um neocristão, um neoliberal, um neocomunista. Não tenho crenças a defender nem trago uma doutrina, um manual de salvação para determinado grupo. Eu só estou interessado em estimular as pessoas a pensar, levando a elas subsídios que lhes sirvam de alertas. Há questões desagradáveis a ser encaradas e meu intuito é ajudá-las nesse processo.

ÉPOCA - Alguma palavra de alento sobre o destino da humanidade?
Gray - Essa não é minha área (risos). Recomendo que as pessoas busquem a religião para isso.

Re.: Contagem Regressiva

Enviado: 23 Dez 2005, 08:35
por Res Cogitans
Trecho do livro Cachorros de Palha, de John Gray


CIÊNCIA versus HUMANISMO


Atualmente, a maior parte das pessoas pensa que pertence a uma espécie que pode ser senhora de seu destino. Isso é fé, não ciência. Não falamos de um tempo em que as baleias ou os gorilas serão senhores de seus destinos. Por que então os humanos?
Não precisamos de Darwin para perceber que nos parecemos com os outros animais. Basta observar um pouco nossas vidas para sermos levados à mesma conclusão. No entan­to, como a ciência tem hoje uma autoridade com a qual a expe­­­­ri­ên­­­­­­­­­cia comum não pode rivalizar, observemos o ensinamento de Darwin de que as espécies são apenas aglomerados de genes interagindo aleatoriamente uns com os outros e com seus ambientes em permanente mudança. Espécies não podem controlar­ seus destinos. Espécies não existem. Isso se aplica igualmente aos humanos. No entanto é esquecido sempre que as pessoas falam sobre “o ­progresso da humanidade”. Elas depositaram sua fé numa abstração que ninguém pensaria em levar a sério se não fosse formada por restos de esperanças cristãs descartadas.­

Se a descoberta de Darwin tivesse sido feita numa cultura taoísta ou xintoísta, hinduísta ou animista, muito provavelmente teria se tornado apenas um fio a mais no entrelaçado de suas mitologias. Nessas crenças, os humanos e os outros animais são afins. Ao contrário, tendo surgido entre cristãos que punham os humanos acima de todas as outras coisas vivas, o trabalho de Darwin desencadeou uma ácida controvérsia que grassa, furiosamente, até os dias de hoje. Nos tempos vitorianos, esse era um conflito entre cristãos e incréus. Hoje é entre humanistas e os poucos que compreendem que os humanos, não mais do que qualquer outro animal, não podem ser senhores de seu destino.

Humanismo pode significar muitas coisas, mas para nós significa crença no progresso. Acreditar no progresso é acreditar que, usando os novos poderes que nos são propiciados pelo crescente conhecimento científico, os humanos podem se libertar dos limites que constrangem a vida de outros animais. Essa é a esperança de praticamente todo mundo hoje em dia, mas não tem fundamento. Pois, embora o conhecimento humano muito provavelmente continue a crescer e com ele o poder humano, o animal humano permanecerá o mesmo: uma espécie altamente inventiva que também é uma das mais predadoras e destrutivas.

Darwin mostrou que os humanos são como os outros animais, e os humanistas afirmam que não. Os humanistas insistem em que, usando nosso conhecimento, podemos controlar nosso ambiente e florescer como nunca. Ao afirmar isso, renovam uma das mais dúbias promessas do cristianismo - que a salvação está ao alcance de todos. A crença humanista no progresso é apenas uma versão secular dessa fé cristã.

No mundo apresentado por Darwin não há nada que possa ser chamado progresso. Para qualquer um criado à base de esperanças humanistas, isso é intolerável. Como resultado, o ensinamento de Darwin foi virado de cabeça para baixo, e o pecado capital do cristianismo - que os humanos são diferen­tes de todos os outros animais - ganhou novo alento de vida.

Re.: Contagem Regressiva

Enviado: 23 Dez 2005, 11:13
por Claudio Loredo
Concordo com Gray, se as nações não começarem a colaborar umas com as outras para a redução dos poluentes, a humanidade será extinta.

A competição entre as nações já nos levou a duas guerras mundiais. Esta competição pode também nos levar ao esgotamento dos recursos naturais.

A falta de recursos naturais ou a ambição por eles, também pode levar nações a guerra. Como foi o caso da invasão américana ao Iraque com o único propósito de dominar aquele país e o seu petróleo.

Existe um apelo muito forte para que as pessoas consumam cada vez mais, pois um maior consumo significa mais lucro para as empresas. Somos incentivados a comprar aparelhos eletrônicos que duram no máximo dois anos. A mudar nosso guarda roupas sempre que a moda muda. A propaganda está em todo lugar nos mandando consumir, consumir e consumir.

O grande problema desse consumo excessivo é que ele não é sustentável. Os recuros naturais são limitados e há um gigantesco desperdício de recursos nos gastos feitos em bens que duram apenas uma estação.

Por tudo isto faz-se necessário uma maior colaboração entre os povos e um planejamento econômico a nível mundial para uma melhor alocação dos recursos planetários.

Re.: Contagem Regressiva

Enviado: 23 Dez 2005, 12:11
por Fernando Silva
Não deixa de ser uma certa arrogância achar que a espécie humana vai se autodestruir. É verdade, no curto prazo (em termos de espécie humana), mas, no longo prazo, o clima vai mudar e a civilização que conhecemos vai, ou desaparecer ou ter que se adaptar a uma nova era glacial.
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Publicado em 10 de novembro de 2005 "O Globo"

Arthur Dapieve

A vaca e o frango

Bem, se o artista for mesmo a antena da raça, como escreveu o poeta americano Ezra Pound, seu colega e compatriota T.S. Eliot é a parabólica da raça. Ele parece-me ter captado, no ar do começo do século passado, sinais que só agora fazem pleno sentido. “Os homens ocos”, por exemplo. Tenho pensado muito neste poema de 1925.

A certa altura, Eliot nele versejou: “Esta é a terra morta/ Esta é a terra do cacto/ Aqui as imagens de pedra/ Estão eretas, aqui recebem elas/ A súplica da mão de um morto/ Sob o lampejo de uma estrela agonizante” (a preciosa tradução da Nova Fronteira foi feita pelo poeta Ivan Junqueira, atual presidente da Academia Brasileira de Letras).

Na quadra final, Eliot arremata uma prece: “Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Não com uma explosão, mas com um suspiro”. A Humanidade, que se tem em tão alta conta, sempre imaginou para si própria um final redentor. Os cristãos anteviram, poeticamente, um Apocalipse de Cecil B. DeMille.

Esperávamos um fim do mundo a reboque de quatro cavalos, uma explosão. Estamos entregues à vaca e ao frango, um suspiro. Ou o hálito da febre aftosa e da gripe aviária. Some-se a ele a agonia do peixe nos rios secos da Amazônia e teremos uma nova raça de vegetarianos compulsórios. Até quando o buraco na camada de ozônio deixar, claro.

Sério. A febre aftosa não afeta as gentes, a pandemia da gripe aviária ainda é uma especulação científica e a salvadora temporada das chuvas é esperada para breve lá naquela região que George W. Bush não sabia onde ficava. Tais fatos, entretanto, somam-se a outros, de natureza distinta, para transmitir a sensação de que o mundo já vai tarde.

Neste desânimo cósmico, tsunamino Sul da Ásia, furacão na América do Norte, terremoto na Cachemira, desastres naturais, aliam-se à incapacidade do governo dos EUA para ajudar Nova Orleans, à incapacidade do governo da França para entender a revolta dos banlieues , à incapacidade do Estado brasileiro para governar, desastres humanos.

Então o mundo estaria mesmo acabando, climática, biológica e historicamente? Ora, que besteira... O mundo tal como o conhecemos nunca deixou de estar acabando. Apenas o processo é tão lento que tomamos o nosso agora - e não me refiro a 11 de novembro de 2005, mas à existência da Humanidade, uma brevidade astronômica - como a eternidade.

É imperiosa, louvável e, diria, até comovente a defesa da natureza contra as agressões do homem. Nossos filhos, netos e sabe-se lá quantas outras gerações depois deles agradecem. Bush poderia assinar logo o Protocolo de Kyoto, o Brasil poderia declarar guerra ao desmatamento da Amazônia, o Greenpeace poderia substituir a ONU.

Tudo isto, porém, ainda omitiria da consciência a perturbadora realidade: as maiores devastações do meio ambiente são causadas pelo próprio meio ambiente. Mesmo o homo ecologicus pouco pode diante de seus acessos de fúria. Repare na retórica antropomórfica desta expressão, sintoma de megalomania e onipotência. A natureza não fica furiosa. Ela também não é sábia, como se diz. A natureza nem irracional é. A natureza simplesmente é.

Num livro recentemente editado pela Jorge Zahar, “Uma breve história do homem”, o historiador inglês Michael Cook nos ajuda a entender a efemeridade desta nossa idéia de eternidade. Antes de se debruçar sobre as civilizações, do Paleolítico ao mundo moderno, ele tem de se indagar por que elas surgiram quando surgiram, ou seja, por que surgiram nos últimos dez mil anos. Boa parte da explicação, lógico, está fora do homem.

Cook lembra que os últimos dez mil anos - período chamado pelos geólogos de Holoceno - se caracterizam por serem “inusitadamente quentes” e terem uma “extraordinária estabilidade climática”. No Pleistoceno, precisar-se-ia recuar 100 mil anos, até o Eemiano, para se encontrar um período parecido em termos de temperatura. Contudo, ainda assim, 120 mil anos atrás havia muito mais oscilações bruscas do que na nossa era.

“A história (...) encaixa-se confortavelmente nesse quente e estável nicho climático do Holoceno”, escreve Cook, na tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. “Não há nada de muito misterioso nessa associação. Tentar fazer história numa idade do gelo - que foi o que se teve na maior parte do tempo entre o Eemiano e o Holoceno - não teria sido muito divertido. Mais especificamente, a história humana funda-se na agricultura, e faz sentido supor que seu desenvolvimento e manutenção teriam sido muito difíceis, se não de todo impossíveis, num clima mundial que não fosse ao mesmo tempo quente e estável.”

Do ponto de vista geológico, portanto, o aquecimento global agudiza uma característica do Holoceno. Ao fim de nosso período quente, relativamente curto, a história da Terra prevê um longo período frio, coisa de 100 mil anos. Bem antes de a estrela agonizante da qual falava Eliot dar seu último suspiro, a civilização tal como a conhecemos terá se tornado inviável. Qual nosso poder nisso? Algumas pessoas têm feito esta pergunta.

Por exemplo e por vias transversas, Michael Crichton, autor americano de livros de ficção científica. Ele chegou a pensar em escrever um ensaio questionando a existência do aquecimento global. Lançou foi o romance “Estado de medo”, recém-publicado pela Rocco. Excomungado pelos ecologistas, Crichton gerou uma polêmica das boas lá fora. Talvez um aspecto positivo dela venha a ser o redimensionamento de nossa insignificância.