O Efeito Werther dos nossos tempos

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Res Cogitans
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O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

Opinião - Contágio
O Estado de S. Paulo - 09/04/2007


Eliana Cardoso




Entre economistas, contágio é palavra que evoca a propagação da euforia e da ruína nos mercados financeiros através do globo. Mas aqui trato de outra forma de contágio.

Diz Thomas Mann que, durante a campanha no Egito, Napoleão carregou em sua mochila a tradução francesa do primeiro best seller europeu - Os Sofrimentos do Jovem Werther (Goethe, 1774). Napoleão proclamava aos quatro ventos que o lera sete vezes.

A casaca - que Werther estreara com um colete amarelo no baile onde dançara com Lotte pela primeira vez - ficara rota. Ele encomendou uma cópia ao alfaiate. Vestiu-se com ela e deu um tiro na cabeça acima do olho direito. Criou uma moda singular. Por toda a Europa, rapazes se trajavam como Werther e se matavam.

Itália, Alemanha e Dinamarca proibiram a circulação do livro. E Napoleão talvez estivesse preocupado com a possibilidade de uma onda de suicídios entre seus soldados.

Dois séculos mais tarde, David Phillips, um professor de sociologia da Universidade da Califórnia, em San Diego, cunhou a expressão “efeito Werther” para descrever o contágio provocado pela divulgação de suicídios. Mostrou que o número deles aumentava bastante nos meses em que The New York Times relatava na primeira página a história de uma pessoa que se matara.

Com base nas reportagens do jornal e nas taxas oficiais de suicídios, Phillips identificou períodos de controle - aqueles nos quais notícias de autodestruição estavam ausentes dos jornais. Usou os números observados nesses períodos para gerar taxas esperadas de suicídios mês a mês. Em seguida, comparou-as com as observadas. Descontou a influência de outros fatores e mostrou que havia uma correlação forte entre aumentos de suicídios e reportagens no jornal.

Phillips observou ainda que, em seguida à divulgação de um suicídio, havia também um salto no número de acidentes de automóveis (um aumento de 31% em média no terceiro dia após a publicação). E mais: as pessoas envolvidas nesses acidentes costumavam ter a mesma idade do suicida retratado no jornal.

Os testes de Phillips confirmavam um fenômeno conhecido: o de epidemias de suicídios nos hospitais psiquiátricos e na história da humanidade. Seis séculos antes de Cristo, Roma pôs fim a uma série de fatalidades entre soldados ao proclamar que quem se matasse teria o corpo exibido em público pregado a uma cruz. Alguns séculos depois, para interromper uma onda de suicídios entre mulheres, as autoridades decretaram que o corpo da mulher que se enforcasse seria arrastado nu pelas ruas preso à corda usada para cometer o ato. Bem mais tarde, uma lei semelhante foi promulgada em Marselha.

Histórias de contágio no mundo moderno são muitas. Em maio de 1962, 197 suicídios moldaram-se na descrição que os jornais fizeram da morte de Marilyn Monroe (um aumento de 12% em relação ao número usual nos EUA em maio).

Depois do ataque terrorista ao World Trade Center (11/9/2001), um jovem de 15 anos se suicidou pilotando um Cessna contra o edifício do Bank of América (6/1/2002). No mesmo fim de semana, ocorreram 17 colisões de pequenos aviões (7 eram Cessna e 7 resultaram em mortes). Um número pouco comum de acidentes aéreos num único fim de semana.

A imitação é apenas o fator que precipita a autodestruição? Com seus dados em mãos, Phillips argumenta que a publicidade gera suicídios que não ocorreriam em sua ausência. Talvez um suicida em potencial seja propenso a imitações e algumas representações sirvam como modelo para solução de problemas, em particular se deixam transparecer um fim de vida indolor. Outras lhe dão uma feição romântica, sobretudo para o leitor que se identifica com o anti-herói.

Animais se suicidam? Em 10/11/2006, 77 baleias-piloto encalharam na Praia de Ruakaka (Nova Zelândia). Apesar da rápida ação de cientistas e equipes de resgate, 37 morreram. Quarenta foram devolvidas ao mar, enquanto barcos as impediam de voltar à praia. Uma baleia procura a morte de propósito? E por que o faz em grupo?

Entre os humanos, as taxas de suicídio são mais altas entre os que perderam parentes e amigos dessa forma. Um grupo indígena (sorowaha, do ramo lingüístico aruaque), que ocupa uma área demarcada próxima ao município de Tapauá (AM), contava em média com 124 habitantes entre 1980 e 1995, período em que ocorreram 38 suicídios entre eles. Indigenistas verificaram que o costume de se envenenar pela ingestão do sumo da raiz de um tipo de timbó existia há seis gerações. A Revista de Psiquiatria Clínica (SP, 2003) documenta o fato, mas não apresenta uma interpretação convincente.

Em 1995, 55 índios guaranis mataram-se em Dourados (MS). Naquele ano e naquela população de 25,5 mil índios, essa taxa extraordinária de mortes por suicídio (0,216 % da população) equivalia a quase 50 vezes a taxa média do Brasil em 2004 - 0,0045% (ou 4,5 suicídios por 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde). A Organização Mundial de Saúde divulga taxas que variam entre mais de 0,025% da população nos países do Leste Europeu e Japão, 0,01% nos EUA e menos de 0,01% na Espanha e Itália.

Durkheim (Le Suicide, 1897) verificou que na Europa, na segunda metade do século 19, o suicídio era mais freqüente na cidade do que no campo; entre os homens do que entre as mulheres; entre os ricos do que entre os pobres; entre os solteiros e divorciados do que entre gente casada. Essas generalizações continuam verdadeiras.

Mas hoje, como no tempo de Durkheim, não existe uma teoria do suicídio que permita prevê-lo. Os médicos sabem quais são os grupos mais vulneráveis. Conhecem seus instrumentos e ocasiões mais comuns. Não sabem, entretanto, por que as pessoas se matam.

Os economistas também têm teorias para explicar o suicídio. Discuto as explicações de meus colegas no artigo do mês que vem.

Eliana Cardoso, doutora em Economia pelo MIT, é professora titular da FGV-SP
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

Há poucos minutos estava lendo um pouco sobre o trabalho de David Phillips e outros trabalhos sobre "imitação em larga escala". As conclusões dos estudos são assustadoras.
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DaviDeMogi
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por DaviDeMogi »

Otimo aumentar o numero de pessoas suicidando-se. Sobra mais comida e agua.
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

Na verdade não estou muito preocupado com o suicídio e sim com a imitação em larga escala, pois homicídios entram na jogada.
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Re: Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Alter-ego »

DaviDeMogi escreveu:Otimo aumentar o numero de pessoas suicidando-se. Sobra mais comida e agua.

Errado. Se dá exatamento ao contrário.
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DaviDeMogi
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Re: Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por DaviDeMogi »

Res Cogitans escreveu:Na verdade não estou muito preocupado com o suicídio e sim com a imitação em larga escala, pois homicídios entram na jogada.


Ah é verdade! Neguinho se aproveita do embalo, zera o desafeto e põe tudo na conta ... :emoticon16:
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por aknatom »

Se esse padrão de imitação seguir outras coisas, além de suicídio, já pensou que maravilha seria os jornais pararem de noticiar crimes brutais ou mesmo assaltos?
The Pensêitor admitindo que estava enganado: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=53315#53315
Eu concordando plenamente em algo com o VM: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=239579#239575

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Re: Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

aknatom escreveu:Se esse padrão de imitação seguir outras coisas, além de suicídio, já pensou que maravilha seria os jornais pararem de noticiar crimes brutais ou mesmo assaltos?


Ele não é tão amplo assim, o imitador tem que identificar com o imitado. Suicídios de gente famosa não gera o mesmo padrão que suicídio de anônimos. Os padrões são interessantes, jovens suicidas inspiram jovens suicidas mas não velhos. Velhos suicidas inspiram velhos suicidas mas não jovens.
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

Aliás as pessoas não precisam usar dos mesmos métodos. Um suicídio amplamente divulgado aumenta o número de acidentes automobilisticos fatais logo depois da divulgação e é um aumento considerável, ao menos onde foi analisado (EUA). A explicação é que estes suicidas camuflaram seu suicídio para parecer um acidente.
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por aknatom »

Será que é algo ligado a pulsão de morte?
The Pensêitor admitindo que estava enganado: http://www.rv.cnt.br/viewtopic.php?p=53315#53315
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DaviDeMogi
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por DaviDeMogi »

O governo do Japão esses dias, iniciou uma campanha para identificar e reprimir os chamados grupos de "suicidio coletivo". Há até sites com instruções de como se comete um sobe-gás indolor e outros que arregimenta os doidos que têm medo de se acabar sozinho. Cada uma viu?!
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

Se um suicida mata algumas pessoas e depois se mata ele gera imitadores que que se suicidam levando mais gente junto, é o caso de motoristas que batem se matam batendo num carro alheio. Pilotos de aviões pequenos que provocam acidentes fatais (os números analisados mostram que a morte em acidentes aéreos pode aumentar em até 10 vezes). Motoristas de ônibus...
Se um suicida somente se mata ele gera um padrão de imitadores cujos acidentes provocam apenas a morte do suicida imitador.
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Re: Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Res Cogitans »

aknatom escreveu:Será que é algo ligado a pulsão de morte?


Pulsão de morte, salvo engano, é conceito psicanalitico. E eu considero psicanálise bullshit.
Esses padrões são estudados em psicologia social e, até o momento, é o campo de conhecimento que oferece as melhores respostas e com o melhor embasamento estatístico.
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Fedidovisk
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Re.: O Efeito Werther dos nossos tempos

Mensagem por Fedidovisk »

O interessante do suicídio é que ele é coisa de momento... como tantas outras coisas na vida, a principal diferença é a única ação do homem que não tem volta... ao menos com sua consciência visto que ações irreversíveis dependem do ponto de vista.

Por isso um momento de reflexão é sempre muito importante, principalmente na eminência de um ato desses... nada contra o ato, mas ele se prolonga por período o qual já não faz mais parte, mas que no entanto não tem volta...

Eu pessoalmente sou suicída mil vezes... :emoticon13:

Trancado