As meninas mortas
Enviado: 16 Jun 2007, 11:02
"O Globo" 15/06/07
As Meninas Mortas
Um olhar macho sobre as semanas de moda
Arthur Dapieve
O que leva um homem heterossexual a conferir avidamente a cobertura jornalística dessas semanas de moda que pululam por aí? Primeira pista: não é descobrir quais as tendências da estação — porque estação de macho é a Maracanã.
Segunda pista: não é conferir quais as cores da moda — porque cores da moda para macho são sempre aquelas do seu time de coração (no meu caso, preto e branco). Terceira pista, não é examinar os novos tecidos — porque, para macho, é tudo pano.
Resposta: um homem heterossexual confere avidamente a cobertura jornalística dessas semanas de moda que pululam por aí se perguntando: Pegava ou não pegava? Fazia ou não fazia?
Ou ainda, se ele for espectador de “Pânico na TV”, vô-num-vô? Pelo visto, é cada vez pior de ir, hein? Seguemse dramáticos trechos do diário de um macho dando uma conferida na cobertura do GLOBO do 11oFashion Rio.
“Edição de segunda-feira, 4 de junho. Meia página, duas fotos, quatro barbados e uma mulher. Sílvia Pfeiffer, vestida e sentada. Os desfiles não começaram no domingo.
“Edição de terça-feira, 5 de junho. Duas páginas, 11 fotos, três modelos e um barbado desfilando. A moça de biquíni na página 17 parece ter sido atropelada.
“Edição de quarta-feira, 6 de junho. Duas páginas, 11 fotos, duas modelos, dois braços e um tronco com ‘maxipulseiras’ na passarela.
Gisele Bündchen na primeira página do jornal e, na 19, dizendo-se feliz com ‘sua bundinha’.
A supermodelo é superbacana, superpegável, mas continua supermelhor vindo do que indo. Discutir sua bundinha é como discutir sexo dos anjos, honestidade de político ou futebol na seleção do Dunga.
“Edição de quinta-feira, 7 de junho. Duas páginas, 11 fotos, cinco modelos e o Toni Garrido na passarela. Bündchen, de costas, comprova o que se disse na véspera. As modelos da Sommer não devem estar bem de saúde.
Letícia Birkeuer, de maiô da Lenny, também comeu alface estragada. Moça bonitinha, em plano médio, no desfile da Cantão.
“Edição de sexta-feira, 8 de junho. Duas páginas, 10 fotos, 28 modelos e o Paulo Zulu posando. posando.
O auge da cobertura, nem tanto pela Deborah Secco num vestidinho vermelho da Animale, mas pela es-pe-ta-cu-lar Miss Brasil Natália Guimarães dentro de um maiô azul da TNG. Tremendo avião com as luzes de navegação acesas. No mesmo desfile, a bela nariguda Mariana Weickert. Parecida com aquela Barbra não-sei-o-quê.
“Edição de sábado, 9 de junho. Duas páginas dedicadas ao último dia do Fashion Rio, 12 fotos, quatro modelos, um efebo e o Serjão Loroza na passarela. Todas as moças aparentam não estar se sentindo muito bem. De quem era o catering na Marina da Glória? “Bem, o catering, eu não sei, mas com certeza os maquiadores foram importados do ‘C.S.I.’.
Porque, no balanço final de seis dias, 10 páginas e meia de cobertura, 44 modelos, apenas quatro mulheres estavam respirando: Gisele, Deborah, Natália e, vá lá, Mariana.” Pois é. A estética preponderante nas passarelas hoje em dia mistura necrofilia, pedofilia e vegetarianismo radical. Falta vida, falta sensualidade, falta carne.
E a carne que há vem em roxo hematoma ou verde sétimo dia. Se os desfiles de miss doutrora tinham como vade-mécum “O pequeno príncipe”, de Saint Exupery, os desfiles de moda contemporâneos devem estar se inspirando inspirando em “A menina morta”, de Cornélio Penna.
Muito tempo atrás, tanto que o programa do Jô Soares ainda estava no SBT, a vivíssima Luciana Gimenez foi uma de suas entrevistadas.
Na época, Luciana era somente a linda modelo, nem a morena burra que interpreta na TV nem a mãe de Lucas Jagger. Ela contou causos picantes de suas temporadas na Europa e disse que as manequins eram enfeadas porque o mundo da moda era dominado por gays e mulheres feias vingativas.
Não sei. Não tenho como saber. Não passo nem na porta do Fashion Rio, mas conheço pessoalmente um heterossexual no ramo, Fred D’Orey, da Totem. Ele acha mais ou menos as mesmas coisas que Luciana Gimenez.
Diz que, volta e meia, se vê impedido de escolher as modelos que gostaria, mais fornidas, pelas “tendências da moda”. Talvez por esse dilaceramento, a moça que representava as suas cores na foto no jornal, uma nipo-mulata interessante, bem brasileira, se debatia entre a vida e a morte.
Nem discuto mais, veja bem, a necessidade de as modelos serem magras, porque “magras vestem melhor qualquer coisa”, tá certo, já entendi, embora deplore os exageros anoréxicos.
A questão é que, de algumas temporadas para cá, além de magérrimas, as meninas vêm com a causa mortis pendurada no dedão. Desde sempre desinteressado em moda, mas ainda ligado na beleza feminina, vejo cada vez menos graça nas eleitas do mundo fashion.
Qualquer minuto de observação em qualquer esquina do centro do Rio rende mais em apreciação estética ou fantasia erótica do que 52 semanas de moda.
Deve ser por isso que, na coluna de Mônica Bergamo, na “Folha de S. Paulo” de domingo, modelos cariocas se queixavam de discriminação por um “complô paulista” na seleção para o Fashion Rio, complô que privilegiaria as meninas branquinhas e magricelas.
Fotos e declarações lhes davam razão. Sob o carimbo “reprovada”, a morena carioca merecia o adesivo “vô”. Sob o carimbo “aprovada”, a pálida paulista merecia o adesivo “num vô”. É o triunfo da estética “A noiva cadáver”. Só falta o vermezinho na testa.
As Meninas Mortas
Um olhar macho sobre as semanas de moda
Arthur Dapieve
O que leva um homem heterossexual a conferir avidamente a cobertura jornalística dessas semanas de moda que pululam por aí? Primeira pista: não é descobrir quais as tendências da estação — porque estação de macho é a Maracanã.
Segunda pista: não é conferir quais as cores da moda — porque cores da moda para macho são sempre aquelas do seu time de coração (no meu caso, preto e branco). Terceira pista, não é examinar os novos tecidos — porque, para macho, é tudo pano.
Resposta: um homem heterossexual confere avidamente a cobertura jornalística dessas semanas de moda que pululam por aí se perguntando: Pegava ou não pegava? Fazia ou não fazia?
Ou ainda, se ele for espectador de “Pânico na TV”, vô-num-vô? Pelo visto, é cada vez pior de ir, hein? Seguemse dramáticos trechos do diário de um macho dando uma conferida na cobertura do GLOBO do 11oFashion Rio.
“Edição de segunda-feira, 4 de junho. Meia página, duas fotos, quatro barbados e uma mulher. Sílvia Pfeiffer, vestida e sentada. Os desfiles não começaram no domingo.
“Edição de terça-feira, 5 de junho. Duas páginas, 11 fotos, três modelos e um barbado desfilando. A moça de biquíni na página 17 parece ter sido atropelada.
“Edição de quarta-feira, 6 de junho. Duas páginas, 11 fotos, duas modelos, dois braços e um tronco com ‘maxipulseiras’ na passarela.
Gisele Bündchen na primeira página do jornal e, na 19, dizendo-se feliz com ‘sua bundinha’.
A supermodelo é superbacana, superpegável, mas continua supermelhor vindo do que indo. Discutir sua bundinha é como discutir sexo dos anjos, honestidade de político ou futebol na seleção do Dunga.
“Edição de quinta-feira, 7 de junho. Duas páginas, 11 fotos, cinco modelos e o Toni Garrido na passarela. Bündchen, de costas, comprova o que se disse na véspera. As modelos da Sommer não devem estar bem de saúde.
Letícia Birkeuer, de maiô da Lenny, também comeu alface estragada. Moça bonitinha, em plano médio, no desfile da Cantão.
“Edição de sexta-feira, 8 de junho. Duas páginas, 10 fotos, 28 modelos e o Paulo Zulu posando. posando.
O auge da cobertura, nem tanto pela Deborah Secco num vestidinho vermelho da Animale, mas pela es-pe-ta-cu-lar Miss Brasil Natália Guimarães dentro de um maiô azul da TNG. Tremendo avião com as luzes de navegação acesas. No mesmo desfile, a bela nariguda Mariana Weickert. Parecida com aquela Barbra não-sei-o-quê.
“Edição de sábado, 9 de junho. Duas páginas dedicadas ao último dia do Fashion Rio, 12 fotos, quatro modelos, um efebo e o Serjão Loroza na passarela. Todas as moças aparentam não estar se sentindo muito bem. De quem era o catering na Marina da Glória? “Bem, o catering, eu não sei, mas com certeza os maquiadores foram importados do ‘C.S.I.’.
Porque, no balanço final de seis dias, 10 páginas e meia de cobertura, 44 modelos, apenas quatro mulheres estavam respirando: Gisele, Deborah, Natália e, vá lá, Mariana.” Pois é. A estética preponderante nas passarelas hoje em dia mistura necrofilia, pedofilia e vegetarianismo radical. Falta vida, falta sensualidade, falta carne.
E a carne que há vem em roxo hematoma ou verde sétimo dia. Se os desfiles de miss doutrora tinham como vade-mécum “O pequeno príncipe”, de Saint Exupery, os desfiles de moda contemporâneos devem estar se inspirando inspirando em “A menina morta”, de Cornélio Penna.
Muito tempo atrás, tanto que o programa do Jô Soares ainda estava no SBT, a vivíssima Luciana Gimenez foi uma de suas entrevistadas.
Na época, Luciana era somente a linda modelo, nem a morena burra que interpreta na TV nem a mãe de Lucas Jagger. Ela contou causos picantes de suas temporadas na Europa e disse que as manequins eram enfeadas porque o mundo da moda era dominado por gays e mulheres feias vingativas.
Não sei. Não tenho como saber. Não passo nem na porta do Fashion Rio, mas conheço pessoalmente um heterossexual no ramo, Fred D’Orey, da Totem. Ele acha mais ou menos as mesmas coisas que Luciana Gimenez.
Diz que, volta e meia, se vê impedido de escolher as modelos que gostaria, mais fornidas, pelas “tendências da moda”. Talvez por esse dilaceramento, a moça que representava as suas cores na foto no jornal, uma nipo-mulata interessante, bem brasileira, se debatia entre a vida e a morte.
Nem discuto mais, veja bem, a necessidade de as modelos serem magras, porque “magras vestem melhor qualquer coisa”, tá certo, já entendi, embora deplore os exageros anoréxicos.
A questão é que, de algumas temporadas para cá, além de magérrimas, as meninas vêm com a causa mortis pendurada no dedão. Desde sempre desinteressado em moda, mas ainda ligado na beleza feminina, vejo cada vez menos graça nas eleitas do mundo fashion.
Qualquer minuto de observação em qualquer esquina do centro do Rio rende mais em apreciação estética ou fantasia erótica do que 52 semanas de moda.
Deve ser por isso que, na coluna de Mônica Bergamo, na “Folha de S. Paulo” de domingo, modelos cariocas se queixavam de discriminação por um “complô paulista” na seleção para o Fashion Rio, complô que privilegiaria as meninas branquinhas e magricelas.
Fotos e declarações lhes davam razão. Sob o carimbo “reprovada”, a morena carioca merecia o adesivo “vô”. Sob o carimbo “aprovada”, a pálida paulista merecia o adesivo “num vô”. É o triunfo da estética “A noiva cadáver”. Só falta o vermezinho na testa.