O Beijo da Morte
Enviado: 02 Jul 2007, 00:23
"29/06/2007
O Beijo da Morte
Kennedy Alencar
O roteiro já é conhecido. Um importante integrante do governo ou da coalizão lulista aparece no centro de uma grave crise. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifesta a sua solidariedade. Em alguns casos, chegou a dizer que jamais substituiria os ministros "insubstituíveis".
No entanto, o processo político, para usar um eufemismo, torna insustentável a posição do amigo, auxiliar ou aliado. Lula faz o quê? Toca a sua vida. Afinal, como ele diz nessas horas, sua missão é governar o Brasil.
Na última quinta-feira (28/06), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi a duas cerimônias oficiais no Palácio do Planalto. Como decidiu que não vai morrer com o barulho da bala, estranho seria Renan se encolher e fugir de solenidades.
Do seu ponto de vista, portanto, está coberto de razão quando tenta se abraçar a Lula e vender ao presidente que o "Renangate" é uma cortina de fumaça para esconder algo maior: nova tentativa da oposição de minar o governo.
Gato escaldado, Lula adota as atitudes de praxe. Em audiência na quarta-feira (27/06), mostrou-se solidário a Renan. Até reclamou de processos de linchamento político. No dia seguinte, na solenidade de recondução do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, fez declarações que foram entendidas, no prevísivel comportamento de manada da mídia, como uma defesa velada de Renan.
No entanto, registre-se claramente: Lula não comprou a briga do peemedebista. Quem acompanha os discursos presidenciais já ouviu Lula dizer dezenas de vezes que todos são inocentes até prova em contrário, que o Ministério Público e a Polícia Federal não devem cometer abusos, que condenar um inocente é tão grave quanto inocentar um culpado etc. etc. Ah, mas é simbólico ele discursar assim na frente de Renan.
Realmente, é simbólico mesmo. Para efeito público, Lula cumpriu o manjado ritual de solidariedade a um amigo ou aliado em apuros. Renan já não tem mais o que cobrar do presidente. Tornaram-se desnecessários os recadinhos de bastidor, as ameaças de que o Congresso poderia ficar parado por meses, atrasando a aprovação de matérias de interesse do Executivo.
Lula acompanhará os próximos passos da crise, ciente de que o cenário de queda de Renan é hipótese real. Torcerá para que ele se salve, mas não empenhará forças para resgatá-lo. Reservadamente, Lula já disse que sabe que Renan quer pular para a sua canoa, mas que não vai dar. Cabe ao próprio Renan se salvar.
Um conhecedor do "Manual Lula de Sobreviver a Crises" diz, com alguma dose de crueldade, que a audiência de quarta e o discurso de quinta foram uma espécie de beijo da morte que o presidente da República deu no presidente do Senado. José Dirceu e Antonio Palocci Filho, os "czares" do primeiro mandato, já estiveram no palco hoje ocupado por Renan.
Lição do caso Jader
Em 2001, num dia em que a crise de Jader Barbalho se agravou, o então presidente do Senado disse a um jornalista a seguinte frase: "Quando ganha pernas, o fato político perde a cabeça". Experiente, culto e hábil em manobras de bastidor, Jader compreendeu ali o seu destino.
Renan vive processo parecido. A eleição de Leomar Quintanilha (PMDB-TO) para presidir o Conselho de Ética reforçou a impressão de manobra destinada a proteger Renan. O convite, o desconvite e novo convite a Renato Casagrande (PSB-ES) para relator do imbróglio confirmaram a impressão.
Ações desse tipo aumentam o desgaste do Senado. E fazem crescer o número dos que acham que uma licença da presidência da Casa seria a melhor solução.
Mais: as tentativas de controlar a investigação e de limitar seu alcance tendem a prejudicar Renan. Apesar da descrença de muitos, o Brasil vem melhorando ano a ano. É uma democracia que amadureceu. Tem uma opinião pública que conta. Não será fácil assar essa pizza. "
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pens ... 8099.shtml
O Beijo da Morte
Kennedy Alencar
O roteiro já é conhecido. Um importante integrante do governo ou da coalizão lulista aparece no centro de uma grave crise. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifesta a sua solidariedade. Em alguns casos, chegou a dizer que jamais substituiria os ministros "insubstituíveis".
No entanto, o processo político, para usar um eufemismo, torna insustentável a posição do amigo, auxiliar ou aliado. Lula faz o quê? Toca a sua vida. Afinal, como ele diz nessas horas, sua missão é governar o Brasil.
Na última quinta-feira (28/06), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi a duas cerimônias oficiais no Palácio do Planalto. Como decidiu que não vai morrer com o barulho da bala, estranho seria Renan se encolher e fugir de solenidades.
Do seu ponto de vista, portanto, está coberto de razão quando tenta se abraçar a Lula e vender ao presidente que o "Renangate" é uma cortina de fumaça para esconder algo maior: nova tentativa da oposição de minar o governo.
Gato escaldado, Lula adota as atitudes de praxe. Em audiência na quarta-feira (27/06), mostrou-se solidário a Renan. Até reclamou de processos de linchamento político. No dia seguinte, na solenidade de recondução do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, fez declarações que foram entendidas, no prevísivel comportamento de manada da mídia, como uma defesa velada de Renan.
No entanto, registre-se claramente: Lula não comprou a briga do peemedebista. Quem acompanha os discursos presidenciais já ouviu Lula dizer dezenas de vezes que todos são inocentes até prova em contrário, que o Ministério Público e a Polícia Federal não devem cometer abusos, que condenar um inocente é tão grave quanto inocentar um culpado etc. etc. Ah, mas é simbólico ele discursar assim na frente de Renan.
Realmente, é simbólico mesmo. Para efeito público, Lula cumpriu o manjado ritual de solidariedade a um amigo ou aliado em apuros. Renan já não tem mais o que cobrar do presidente. Tornaram-se desnecessários os recadinhos de bastidor, as ameaças de que o Congresso poderia ficar parado por meses, atrasando a aprovação de matérias de interesse do Executivo.
Lula acompanhará os próximos passos da crise, ciente de que o cenário de queda de Renan é hipótese real. Torcerá para que ele se salve, mas não empenhará forças para resgatá-lo. Reservadamente, Lula já disse que sabe que Renan quer pular para a sua canoa, mas que não vai dar. Cabe ao próprio Renan se salvar.
Um conhecedor do "Manual Lula de Sobreviver a Crises" diz, com alguma dose de crueldade, que a audiência de quarta e o discurso de quinta foram uma espécie de beijo da morte que o presidente da República deu no presidente do Senado. José Dirceu e Antonio Palocci Filho, os "czares" do primeiro mandato, já estiveram no palco hoje ocupado por Renan.
Lição do caso Jader
Em 2001, num dia em que a crise de Jader Barbalho se agravou, o então presidente do Senado disse a um jornalista a seguinte frase: "Quando ganha pernas, o fato político perde a cabeça". Experiente, culto e hábil em manobras de bastidor, Jader compreendeu ali o seu destino.
Renan vive processo parecido. A eleição de Leomar Quintanilha (PMDB-TO) para presidir o Conselho de Ética reforçou a impressão de manobra destinada a proteger Renan. O convite, o desconvite e novo convite a Renato Casagrande (PSB-ES) para relator do imbróglio confirmaram a impressão.
Ações desse tipo aumentam o desgaste do Senado. E fazem crescer o número dos que acham que uma licença da presidência da Casa seria a melhor solução.
Mais: as tentativas de controlar a investigação e de limitar seu alcance tendem a prejudicar Renan. Apesar da descrença de muitos, o Brasil vem melhorando ano a ano. É uma democracia que amadureceu. Tem uma opinião pública que conta. Não será fácil assar essa pizza. "
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pens ... 8099.shtml