Nesse framework onde ninguém é de ninguém é que os comunistas mandaram ver, o fundamento e a justificativa para o tratamento das pessoas como bestas animais sem nenhum valor está enraizado no ateísmo desses líderes comunistas, e o ateísmo, como eu disse, é o framework ideológico que está por trás de todo massacre comunista do século XX.
Esta é uma análise simplista e incompleta.
Assim como alguns marxistas cometem o erro de reduzir toda realidade humana à economia, alguns religiosos reduzem esta realidade à interpretação dada pelas doutrinas que seguem.
Um ponto comparativo a ser levantado é que os nazistas foram assassinos mais produtivos que os comunistas. Só mataram menos no computo final porque tiveram menos tempo que os vermelhos para realizar o serviço.
Bem, o nazismo chegou ao poder pela via democrática institucional na Alemanha, berço histórico do protestantismo, com pouquíssima oposição das igrejas, adesão entusiasmada de algumas e fortíssimo apoio de uma população tradicionalmente cristã.
Pode-se discutir se os líderes nazistas eram ateus, cristãos heréticos, neo-pagãos ou esotéricos meia-boca, mas é fato que as tropas que marcharam pela Europa, invadiram países e mataram milhões eram compostas majoritariamente de cristãos e não me consta que operações de extermínio foram canceladas porque seus perpetradores reivindicaram oposição de consciência.
Antes que se use a velha escusa de que as atrocidades nazistas foram cometidas pelos criminosos da SS e Gestapo, é preciso lembrar que na Rússia e outros países ocupados massacres contra populações civis rendidas foram levadas a cabo pelo exército regular, composto, como já dito, majoritariamente de cristãos.
Pode soar intelectual e filosófico falar de framework ateísta por trás dos massacres em oposição a uma moral religiosa absoluta que os impediria, mas a verdade histórica mostra o contrário.
A tal moral religiosa absoluta não impediu povos cristãos de massacrarem populações nativas, escravizar povos mais fracos, travar guerras vis e, finalmente, desfilar erguendo suásticas e gritando heil e sig.
Quem negará que era um cristão devoto, não raro um líder eclesiástico, o senhor de escravos do sul dos Estados Unidos no século XIX, que comprava e vendia gente como se fosse gado, açoitava pessoas no tronco ao menor sinal de desobediência e mandava matar implacavelmente os mais rebeldes?
Em que framework tais cristãos, que não eram minoria, se inspiravam?
O comunismo e o nazismo não assombraram o mundo por suas matanças, mal que sempre houve ao longo da História.
Auschwitz-Birkenau chocou o mundo por utilizar a mais avançada tecnologia industrial e logística a serviço deste mal.
Se cruzados e muçulmanos ou católicos e protestantes em suas guerras religiosas tivessem acesso a tais recursos, talvez o resultado final não fosse muito diferente.
No mais, a análise científica do totalitarismo comunista pode ser encontrada na obra de especialistas, como Hanna Arendt, não cabendo aqui expor em poucas linhas o conteúdo de centenas de páginas, que mostram muito bem o quanto a coisa vai além das dicotomias simplistas propostas por religiosos.
Estes religiosos, ironicamente, incidem na mesma trilha perigosa dos comunistas, valorizando demais o poder da ideologia e reduzindo a responsabilidade decisiva da consciência individual.
Não há qualquer diferença entre o cristão e o ateu que optam pelo BEM, pois é fundamento do cristianismo que a salvação da alma e a redenção perante Deus é uma questão pura e simples de escolha.
No fim, cada qual a seu modo, é sempre a escolha individual e apenas a escolha individual que faz a diferença moral.
Escolhas morais se fazem da constatação óbvia de que a felicidade é melhor que o sofrimento e que a liberdade é melhor que a opressão. Tanto quanto "2 + 2 = 4" pode ou não ser atribuído a uma coerência dada à realidade por um Deus, sem deixar de ser verdadeiro em qualquer caso, escolhas morais se dão no universo da descoberta, seja ela física ou metafísica, e não no universo da invenção.