Bastidores da desgraça...nauseante...
Enviado: 30 Jul 2007, 00:29
27/07/2007 - 22H26
Um olhar sobre os familiares das vítimas da TAM
A relação de solicitude e opressão dos funcionários da empresa aérea com as famílias envolvidas na tragédia do vôo 3054
ANDREA LEAL
Entrar no hotel Blue Tree Towers Ibirapuera é como visitar um circo. No centro do picadeiro, os tristes atores são os familiares das vítimas do desastre aéreo da TAM. Os espectadores, ávidos por cenas e declarações, são os repórteres de jornais e de TVs, que montaram plantão no hall da torre de vidro. Os seguranças são funcionários contratados pela empresa aérea para manter os hóspedes assistidos nos dois sentidos da palavra: confortados e vigiados.
Os hóspedes estão longe de casa, fora da rotina, sem trabalhar, num hotel de luxo e com muito conforto. Mas não estão ali para descansar. Suas férias foram forçadas pela tragédia. Uma amálgama de dor e solidariedade parece tê-los tornado, em poucos dias, grandes companheiros. Nos corredores, apertos de mão, abraços, compaixão. No subsolo do hotel, eles formaram seu QG, com laptops plugados constantemente em sites de notícias. Ali, peritos e bombeiros interrogavam os parentes sobre descrições que pudessem ajudar no trabalho de identificação. Alguns liam e trocavam informações, outros se aquietavam com os olhares perdidos.
Pequenos detalhes transformam-se em bálsamos preciosos para quem carece de algum conforto de espírito. Um engenheiro que perdeu o tio no avião fez o minucioso trabalho de criar um gráfico no computador identificando a posição em que estava cada um dos passageiros, coisa que a TAM não tinha feito até então. Depois, ele circulava cada um dos nomes de vítimas identificadas pelo IML, para que as famílias pudessem saber qual a chance de seus entes serem, finalmente, os próximos a sair da lista do anonimato. Cada um dos familiares olhava para o trabalho com zelo e carinho. Também o escondiam dos funcionários contratados pela TAM. "Se eles virem isso, vão querer pegar", disse um dos familiares. E por que não poderiam? "Nós fizemos o nosso trabalho, eles que façam os deles".
É assim a relação entre os representantes da TAM e os familiares das vítimas do acidente, como a convivência entre dois inimigos íntimos que dividem o mesmo teto, desconfiando e sabotando um ao outro o tempo todo. Os funcionários são servis e opressores ao mesmo tempo. São solícitos. Providenciam remédios, psicólogos e até artigos de vestuário. E mantém a guarda, tentando sempre evitar que repórteres se aproximem, e quando não conseguem – o que quase sempre acontece – ficam colados para ouvir o que está sendo dito.
Em algumas ocasiões, a insensibilidade inábil da TAM beira o amadorismo. Parece piada, e seria risível se não fosse trágico, mas a empresa enviou aos familiares uma carta de condolências. No dia 24 de julho, uma semana depois do acidente. "Fiz questão de picar em pedacinhos e jogar no lixo", disse a mãe de uma das vítimas. É nesse clima que a dor e a tristeza também se transfiguram em força e combatividade. E essa disposição briga contra o tempo, para que as lonas se mantenham de pé e as luzes não se afastem dos atores enquanto os legistas não identificarem seus filhos, pais e irmãos, os responsáveis não forem apontados, os que devem não forem obrigados a pagar com seus lucros pelo dano que causaram, os jornalistas lhes dêem as costas e eles sejam mais um marco histórico esquecido, um número citado em crises futuras, sozinhos na escuridão de sua dor e no abandono das autoridades.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... 56,00.html