Herdeiros do vírus desafiam a AIDS
Enviado: 01 Ago 2007, 16:03
Herdeiros do vírus desafiam a AIDS
A primeira geração de crianças nascidas com HIV chega agora à fase adulta. Aqui, eles revelam que viver é matar um leão por dia
PATRÍCIA ZAIDAN E FERNANDA QUINTA
Ninguém antes deles viveu para contar como é nascer e crescer sob o fantasma da aids - no começo da década de 80, os bebês infectados pela mãe não tinham a menor chance de sobrevida e morriam logo.Vinte e cinco anos depois da descoberta da síndrome da imunodeficiência adquirida e 19 anos após o surgimento do AZT, o remédio pioneiro contra a doença, essa é a primeira geração de herdeiros do HIV que se aproxima da idade adulta. Eles começam a definir a própria identidade, ensaiam uma escolha profissional e experimentam o sexo. Nesse período de passagem, enfrentam um desafio um tanto mais agudo do que para a maioria dos jovens: a aids ainda é uma doença carregada de mitos, associada à morte, ao preconceito e ao isolamento social.Somase
a isso o fato de que,em geral já órfãos, lidam com os sofridos efeitos colaterais do tratamento (hoje à base de um coquetel que combina até 17 drogas) e com o dilema de revelar ou esconderque são soropositivos. Se foram uma incógnita para os pesquisadores, que não sabiam como se desenvolveriam e quanto tempo resistiriam, eles agora dão uma resposta para a ciência:podem levar uma vida normal.Tentam compensar a limitação física se esforçando nos estudos ou no trabalho e se agarram ao lado leve da vida."Os jovens que acompanho saem com os amigos, vão a shows, a baladas, viajam, quase todos namoram", diz o infectologista Sidnei Pimentel,do Centro de Referência e Treinamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CRT/Aids).
A ROTINA
O paulistano Pedro tem 19 anos. Como 90% dos casos de transmissão vertical, ele pode ter sido infectado no parto, quando pele e mucosas entram em contato com o sangue da mãe. Gosta de ler jornais e revistas, se anima quando arruma uma discussão sobre política e entende de black music. Apesar de apresentar os sintomas e de estar bem mais magro, sente que já superou o pior. "Quando me contaram, aos 8 anos, que era portador do vírus, tive medo, pensei: 'Vou morrer logo'. Depois, vi que não era bem assim, que havia um monte de gente morrendo por outras causas", diz ele, que já enfrentou várias doenças oportunistas. O desconforto atual de Pedro é a discriminação profissional. Nos processos de seleção, tudo vai bem até a etapa do teste de saúde. Acaba reprovado ao comunicar, aos que solicitam exames de sangue, que é portador do HIV. "Aí, inventam uma porção de desculpas e me dispensam. Nunca alegam que é por causa da aids, porque sabem que conheço meus direitos e iria denunciá-los." Mesmo assim, aposta no futuro: quer seguir com os planos de estudar computação, casar e construir uma família. "Ter o vírus não é uma realidade que fica o tempo todo martelando a minha cabeça", afirma. Pedro só não esquece que o portador do vírus precisa ser responsável na relação sexual. "Meu pai e minha mãe foram muito inconseqüentes, transaram sem camisinha, e ele usava drogas. Resultado, quem está pagando por isso sou eu", conta Pedro, que, órfão desde cedo, chegou a morar numa casa de apoio para crianças portadoras de HIV.
O SEXO
A primeira transa, o medo de contaminar o parceiro ou de ser rejeitado por ele mobilizam essa geração. Aos 15 anos, a paulistana Ana não beijava na boca se tivesse afta. Se as carícias ficavam quentes, ela dava um jeito de esfriar o namorado. "Não sabia como poupá-lo do vírus." O romance acabou um ano depois, por pressão da mãe do garoto, que fez de tudo para ele se afastar da namorada soropositiva. Aos 17, Ana conheceu outro rapaz pela internet. Foi com ele que deixou de ser virgem. "Eu estava menstruada e não havia contado que tinha o vírus." Na época, ela ensinava, numa peça de teatro, a colocar a camisinha, mas se atrapalhou na hora de pôr as lições na prática. "A iniciativa partiu dele. Me passou tanta segurança que o sexo rolou." Ana, então, revelou ser portadora: o rapaz arregalou os olhos e saiu calado. Ela dava o romance por encerrado quando, ainda no ônibus, o celular tocou. Era ele dizendo que tudo continuaria como antes. Como outra pessoa qualquer,um soropositivo tem que adotar a camisinha, e, se ela furar, deve agir rápido. Isso significa levar o parceiro, em até 72 horas, ao sistema de saúde para a profilaxia pósexposição, que reduz a possibilidade de contágio. No caso de a dupla resolver ter filhos, é imprescindível que a mulher infectada use a medicação anti-retroviral durante a gravidez e o parto. O risco de transmitir o vírus para o bebê, antes de 25%, com o tratamento caiu para 2%.
SOU SOROPOSITIVA E
Minha mãe foi infectada por um namorado antes de casar com meu pai. Só descobriu o vírus na gravidez. Era advogada e teve dois filhos - meu irmão mais novo não é soropositivo como eu. Ela morreu jovem e paraplégica, não tomava os remédios corretamente. Eu tomo, tenho esperança. A cada dia, surgem pesquisas que vão levar ao tratamento definitivo. Ter o vírus nunca me atrapalhou. Desde a morte da minha mãe, moro com uma tia-avó - meu pai se casou de novo. Estudo, quero fazer relações internacionais e viajar pelo mundo. Se puder, vou morar em Londres, onde fiz intercâmbio. Adoro línguas, aprendi um pouco de japonês e me interesso por mangá. Toco guitarra e já tive uma banda. Fiz natação, vôlei de praia, sapateado e luta de espada japonesa. Não sei cozinhar, mas curto um churrasco de picanha. Enfim, levo uma vida como todo mundo. O que não quer dizer que saio por aí contando o meu caso. Só revelo para os íntimos. A última pessoa com quem me abri se assustou. Por quê?
Ora, sou de classe média, arrumadinha, as pessoas acham que o vírus é coisa de pobre. Nunca fui vítima direta do preconceito. Mas já ouvi piadinha de um colega que, sem saber da minha história, ofereceu sua Coca-Cola e avisou: 'Fica tranqüila, não tenho aids'. É ranço mesmo, porque as pessoas já entendem que aids não passa pela saliva ou pelo ar. A doença ainda é um tabu. Numa palestra sobre HIV, um professor mostrou fotos de gente em estado terminal. Isso reforça o mito. Os portadores não acabarão, necessariamente, daquele jeito. Namoro firme, há cinco meses, um rapaz de 21 anos. Na primeira vez que ficamos, avisei: 'Se você tiver algum problema com a aids, fala logo que eu vou embora'. Ele topou. Depois me acompanhou à consulta médica para conversarmos sobre sexo seguro. Além dele, uma irmã está por dentro, mas os dois decidiram não contar para a mãe. Sabe como é, os pais superprotegem os filhos. Está tudo ótimo, não tenho medo de morrer. Afinal, moro no Rio de Janeiro, uma cidade violenta. Se ficar pensando na morte, não saio de casa.
LAURA, 17 ANOS
O SEGREDO
A doença, que já eliminou 25 milhões de pessoas no mundo, continua incurável, mas passou a ser considerada uma enfermidade crônica, passível de controle por meio do coquetel. O complicado é fazer um jovem manter a medicação. Quem, aos 17 ou 20 anos, quer entupir a bolsa de remédios? Se ele pretende guardar segredo, como justificará, para os amigos, numa viagem, as dezenas de cápsulas? "Nós ajudamos o portador a arrumar uma boa mentira", diz Sidnei Pimentel. "Ele pode falar que os remédios são para anemia." A doutora em educação Elisabete Franco, do Grupo de Incentivo à Vida, lembra que ninguém é obrigado a expor a intimidade. "As pessoas fogem de quem tem o vírus, o estigma é grande. Revelar-se é uma decisão difícil." Ao mesmo tempo, defende ela, a sociedade precisa saber que o soropositivo não se reduz à condição de portador, como ser humano tem inúmeras possibilidades. Para a psicóloga Eliana Galano, do Ambulatório de Pediatria do CRT/Aids, quanto mais cedo uma criança é preparada para a realidade, melhor será a vida adulta dela. A curitibana Gabriela, 17 anos, soube aos 11 que era portadora. "A minha psicóloga achou que era hora de minha mãe contar", recorda. "Não fiquei revoltada. Dois meses antes, havia visto uma garota com aids na novela MALHAÇÃO, isso me ajudou." Há dois anos, Gabriela formou um grupo de soropositivos para trocar experiências. "Não fazia sentido falar do assunto com as amigas da escola", diz. Muitas vezes, os membros se juntam apenas para ir a museus e cinemas. Embora sintam-se seguros entre portadores, se esforçam para se aproximar dos outros. "É natural, desejam ser vistos como jovens comuns", explica Eliana.
OS EFEITOS
Gabriela não tem sintomas, nunca tomou o coquetel. "Sou um caso raro, meu organismo reage bem. Se um dia precisar, começo sem dramas." Desde 1996, o coquetel prolonga a vida de pessoas com sintomas. Há controvérsias sobre a prescrição para portadores que não desenvolveram a doença, porque os efeitos tóxicos são cruéis. Ocorrem alergias, diarréia e enjôo. No longo prazo, há o fantasma da osteoporose, pancreatite e problemas cardíacos. "O colesterol fica alto. Em dez anos, pode gerar cardiopatias", diz Sidnei Pimentel. "Uma dieta balanceada e atividade física ajudam, mas o paciente precisa persistir." O abandono do tratamento é muito comum. "Sempre que enfrento crises sentimentais, desisto dos remédios", conta Ana, agora com 19 anos. Já cheguei a pensar: "Se o namorado não me quer, por que vou me cuidar? Isso me leva à depressão." Para evitar recaídas, ela colabora em um blog que tira dúvidas (http://www.cedocjovem.blogspot.com).
Um dos temas corriqueiros, ali, é o medo da lipodistrofia, a seqüela visível do uso do coquetel. A distribuição da gordura corporal se altera: rosto, braços e pernas afinam, a barriga e o peito crescem e, para complicar, brota uma indesejável corcova. O Ministério da Saúde patrocina a lipoaspiração e o preenchimento dos sulcos do rosto para tentar reduzir o malestar que a aparência provoca. Mesmo sabendo que pode enfrentar esse capítulo, Ana decidiu ir em frente: "Quero ser protagonista do meu futuro".
*Todos os nomes dos adolescentes foram trocados para a preservação de sua identidade.
http://claudia.abril.uol.com.br/edicoes ... 9979.shtml
A primeira geração de crianças nascidas com HIV chega agora à fase adulta. Aqui, eles revelam que viver é matar um leão por dia
PATRÍCIA ZAIDAN E FERNANDA QUINTA
Ninguém antes deles viveu para contar como é nascer e crescer sob o fantasma da aids - no começo da década de 80, os bebês infectados pela mãe não tinham a menor chance de sobrevida e morriam logo.Vinte e cinco anos depois da descoberta da síndrome da imunodeficiência adquirida e 19 anos após o surgimento do AZT, o remédio pioneiro contra a doença, essa é a primeira geração de herdeiros do HIV que se aproxima da idade adulta. Eles começam a definir a própria identidade, ensaiam uma escolha profissional e experimentam o sexo. Nesse período de passagem, enfrentam um desafio um tanto mais agudo do que para a maioria dos jovens: a aids ainda é uma doença carregada de mitos, associada à morte, ao preconceito e ao isolamento social.Somase
a isso o fato de que,em geral já órfãos, lidam com os sofridos efeitos colaterais do tratamento (hoje à base de um coquetel que combina até 17 drogas) e com o dilema de revelar ou esconderque são soropositivos. Se foram uma incógnita para os pesquisadores, que não sabiam como se desenvolveriam e quanto tempo resistiriam, eles agora dão uma resposta para a ciência:podem levar uma vida normal.Tentam compensar a limitação física se esforçando nos estudos ou no trabalho e se agarram ao lado leve da vida."Os jovens que acompanho saem com os amigos, vão a shows, a baladas, viajam, quase todos namoram", diz o infectologista Sidnei Pimentel,do Centro de Referência e Treinamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CRT/Aids).
A ROTINA
O paulistano Pedro tem 19 anos. Como 90% dos casos de transmissão vertical, ele pode ter sido infectado no parto, quando pele e mucosas entram em contato com o sangue da mãe. Gosta de ler jornais e revistas, se anima quando arruma uma discussão sobre política e entende de black music. Apesar de apresentar os sintomas e de estar bem mais magro, sente que já superou o pior. "Quando me contaram, aos 8 anos, que era portador do vírus, tive medo, pensei: 'Vou morrer logo'. Depois, vi que não era bem assim, que havia um monte de gente morrendo por outras causas", diz ele, que já enfrentou várias doenças oportunistas. O desconforto atual de Pedro é a discriminação profissional. Nos processos de seleção, tudo vai bem até a etapa do teste de saúde. Acaba reprovado ao comunicar, aos que solicitam exames de sangue, que é portador do HIV. "Aí, inventam uma porção de desculpas e me dispensam. Nunca alegam que é por causa da aids, porque sabem que conheço meus direitos e iria denunciá-los." Mesmo assim, aposta no futuro: quer seguir com os planos de estudar computação, casar e construir uma família. "Ter o vírus não é uma realidade que fica o tempo todo martelando a minha cabeça", afirma. Pedro só não esquece que o portador do vírus precisa ser responsável na relação sexual. "Meu pai e minha mãe foram muito inconseqüentes, transaram sem camisinha, e ele usava drogas. Resultado, quem está pagando por isso sou eu", conta Pedro, que, órfão desde cedo, chegou a morar numa casa de apoio para crianças portadoras de HIV.
O SEXO
A primeira transa, o medo de contaminar o parceiro ou de ser rejeitado por ele mobilizam essa geração. Aos 15 anos, a paulistana Ana não beijava na boca se tivesse afta. Se as carícias ficavam quentes, ela dava um jeito de esfriar o namorado. "Não sabia como poupá-lo do vírus." O romance acabou um ano depois, por pressão da mãe do garoto, que fez de tudo para ele se afastar da namorada soropositiva. Aos 17, Ana conheceu outro rapaz pela internet. Foi com ele que deixou de ser virgem. "Eu estava menstruada e não havia contado que tinha o vírus." Na época, ela ensinava, numa peça de teatro, a colocar a camisinha, mas se atrapalhou na hora de pôr as lições na prática. "A iniciativa partiu dele. Me passou tanta segurança que o sexo rolou." Ana, então, revelou ser portadora: o rapaz arregalou os olhos e saiu calado. Ela dava o romance por encerrado quando, ainda no ônibus, o celular tocou. Era ele dizendo que tudo continuaria como antes. Como outra pessoa qualquer,um soropositivo tem que adotar a camisinha, e, se ela furar, deve agir rápido. Isso significa levar o parceiro, em até 72 horas, ao sistema de saúde para a profilaxia pósexposição, que reduz a possibilidade de contágio. No caso de a dupla resolver ter filhos, é imprescindível que a mulher infectada use a medicação anti-retroviral durante a gravidez e o parto. O risco de transmitir o vírus para o bebê, antes de 25%, com o tratamento caiu para 2%.
SOU SOROPOSITIVA E
Minha mãe foi infectada por um namorado antes de casar com meu pai. Só descobriu o vírus na gravidez. Era advogada e teve dois filhos - meu irmão mais novo não é soropositivo como eu. Ela morreu jovem e paraplégica, não tomava os remédios corretamente. Eu tomo, tenho esperança. A cada dia, surgem pesquisas que vão levar ao tratamento definitivo. Ter o vírus nunca me atrapalhou. Desde a morte da minha mãe, moro com uma tia-avó - meu pai se casou de novo. Estudo, quero fazer relações internacionais e viajar pelo mundo. Se puder, vou morar em Londres, onde fiz intercâmbio. Adoro línguas, aprendi um pouco de japonês e me interesso por mangá. Toco guitarra e já tive uma banda. Fiz natação, vôlei de praia, sapateado e luta de espada japonesa. Não sei cozinhar, mas curto um churrasco de picanha. Enfim, levo uma vida como todo mundo. O que não quer dizer que saio por aí contando o meu caso. Só revelo para os íntimos. A última pessoa com quem me abri se assustou. Por quê?
Ora, sou de classe média, arrumadinha, as pessoas acham que o vírus é coisa de pobre. Nunca fui vítima direta do preconceito. Mas já ouvi piadinha de um colega que, sem saber da minha história, ofereceu sua Coca-Cola e avisou: 'Fica tranqüila, não tenho aids'. É ranço mesmo, porque as pessoas já entendem que aids não passa pela saliva ou pelo ar. A doença ainda é um tabu. Numa palestra sobre HIV, um professor mostrou fotos de gente em estado terminal. Isso reforça o mito. Os portadores não acabarão, necessariamente, daquele jeito. Namoro firme, há cinco meses, um rapaz de 21 anos. Na primeira vez que ficamos, avisei: 'Se você tiver algum problema com a aids, fala logo que eu vou embora'. Ele topou. Depois me acompanhou à consulta médica para conversarmos sobre sexo seguro. Além dele, uma irmã está por dentro, mas os dois decidiram não contar para a mãe. Sabe como é, os pais superprotegem os filhos. Está tudo ótimo, não tenho medo de morrer. Afinal, moro no Rio de Janeiro, uma cidade violenta. Se ficar pensando na morte, não saio de casa.
LAURA, 17 ANOS
O SEGREDO
A doença, que já eliminou 25 milhões de pessoas no mundo, continua incurável, mas passou a ser considerada uma enfermidade crônica, passível de controle por meio do coquetel. O complicado é fazer um jovem manter a medicação. Quem, aos 17 ou 20 anos, quer entupir a bolsa de remédios? Se ele pretende guardar segredo, como justificará, para os amigos, numa viagem, as dezenas de cápsulas? "Nós ajudamos o portador a arrumar uma boa mentira", diz Sidnei Pimentel. "Ele pode falar que os remédios são para anemia." A doutora em educação Elisabete Franco, do Grupo de Incentivo à Vida, lembra que ninguém é obrigado a expor a intimidade. "As pessoas fogem de quem tem o vírus, o estigma é grande. Revelar-se é uma decisão difícil." Ao mesmo tempo, defende ela, a sociedade precisa saber que o soropositivo não se reduz à condição de portador, como ser humano tem inúmeras possibilidades. Para a psicóloga Eliana Galano, do Ambulatório de Pediatria do CRT/Aids, quanto mais cedo uma criança é preparada para a realidade, melhor será a vida adulta dela. A curitibana Gabriela, 17 anos, soube aos 11 que era portadora. "A minha psicóloga achou que era hora de minha mãe contar", recorda. "Não fiquei revoltada. Dois meses antes, havia visto uma garota com aids na novela MALHAÇÃO, isso me ajudou." Há dois anos, Gabriela formou um grupo de soropositivos para trocar experiências. "Não fazia sentido falar do assunto com as amigas da escola", diz. Muitas vezes, os membros se juntam apenas para ir a museus e cinemas. Embora sintam-se seguros entre portadores, se esforçam para se aproximar dos outros. "É natural, desejam ser vistos como jovens comuns", explica Eliana.
OS EFEITOS
Gabriela não tem sintomas, nunca tomou o coquetel. "Sou um caso raro, meu organismo reage bem. Se um dia precisar, começo sem dramas." Desde 1996, o coquetel prolonga a vida de pessoas com sintomas. Há controvérsias sobre a prescrição para portadores que não desenvolveram a doença, porque os efeitos tóxicos são cruéis. Ocorrem alergias, diarréia e enjôo. No longo prazo, há o fantasma da osteoporose, pancreatite e problemas cardíacos. "O colesterol fica alto. Em dez anos, pode gerar cardiopatias", diz Sidnei Pimentel. "Uma dieta balanceada e atividade física ajudam, mas o paciente precisa persistir." O abandono do tratamento é muito comum. "Sempre que enfrento crises sentimentais, desisto dos remédios", conta Ana, agora com 19 anos. Já cheguei a pensar: "Se o namorado não me quer, por que vou me cuidar? Isso me leva à depressão." Para evitar recaídas, ela colabora em um blog que tira dúvidas (http://www.cedocjovem.blogspot.com).
Um dos temas corriqueiros, ali, é o medo da lipodistrofia, a seqüela visível do uso do coquetel. A distribuição da gordura corporal se altera: rosto, braços e pernas afinam, a barriga e o peito crescem e, para complicar, brota uma indesejável corcova. O Ministério da Saúde patrocina a lipoaspiração e o preenchimento dos sulcos do rosto para tentar reduzir o malestar que a aparência provoca. Mesmo sabendo que pode enfrentar esse capítulo, Ana decidiu ir em frente: "Quero ser protagonista do meu futuro".
*Todos os nomes dos adolescentes foram trocados para a preservação de sua identidade.
http://claudia.abril.uol.com.br/edicoes ... 9979.shtml