Quando as religiões se tornam tóxicas
Enviado: 09 Ago 2007, 21:29
Quando as religiões se tornam tóxicas
Por João Carvas *
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=22710&op=all
Qual a razão pela qual as religiões, em certas fases da sua história se tornam tóxicas, eliminando qualquer racionalismo da sua acção? Porque existem algumas religiões que se conseguem propagar melhor nas sociedades? Estará o fenómeno religioso sujeito as regras da evolução, por exemplo, será uma religião mais preparada para sobreviver do que outra? Neste sentido, qual será o futuro da religião?
* João Carvas é estudante de doutoramento no Laboratory of Vascular Biology da Fribourg Medical Faculty, Friburgo, Suíça.
Haverá uma hegemonização de uma religião particular, relativamente a outra – se isso acontecer não virá concerteza sem muito sofrimento para os convertidos - ou veremos nos próximos séculos a transformação dos templos religiosos em museus? Ninguém parece ter respostas para estas perguntas porque até hoje, o fenómeno religiosos tem permanecido fora do alcance de um estudo científico adequado.
No seu último livro "Breaking the spell – religion as a natural phenomenom", o filósofo Daniel Dennett defende isto mesmo: a religião é um fenómeno com tanta importância nas sociedades contemporâneas que é não apenas desejável, como vital, estuda-la sob varias lentes científicas para conhecer melhor em que consiste fenomenologicamente e como tenderá a evoluir. É isto que acontece com a economia, com os mercados, com o aquecimento global, porque não aplicar também o método científico ao estudo das religiões?
Dennett elegantemente convoca todas as religiões para uma autoanálise empírica para proteger as gerações futuras da ignorância que elas tendem a gerar e atrás da qual se escondem. O feitiço que ele pretende quebrar, como ele sugere, não é a crença religiosa em si mas a convicção de que esta está fora de qualquer possivel inquérito científico.
A sensação actual, ao olhar para o estado do mundo, é que existe uma bipolarizações religiosa da população mundial. Analisando os números, sabemos que em número de fiéis em primeiro lugar aparece o Cristianismo (com as suas diversas vertentes) com 1.7 biliões, logo seguida do Islamismo com 1,3 biliões. O terceiro grupo de indivíduos mais representativo é aquele que não professa qualquer religiões. São os ateus, os agnósticos, os naturalistas etc. Não são assim tão poucos, mas a sua voz não se tem feito ouvir durante os recentes debates reliosos no mundo.
Para que isto mude foi criado um termo abrangente: os bright – que pode levar a interpretações erradas pela tradução literal – que pretende reunir todas as sensibilidades não religiosas para assim se facilitar a sua expressão. Um bright é alguém que tem uma visão naturalista do mundo, livre de entidades sobrenaturais, ou forças místicas. Na génese desta nova organização está Paul Geisert, um antigo professor de biologia em Chicago, mas conta já hoje com uma vasta aderência de personalidades da ciência e da cultura como o filósofo Daniel Dennett, ou o biólogo evolucionista Richard Dawkins, autor do influente livro "O gene egoísta" ou o seu mais recente "The God delusion".
Richard Dawkins criou o conceito meme como sendo uma unidade de informação cultural, que se propaga de mente para mente de maneira análoga aquela que o gene usa para se propagar de um organismo para outro, como uma unidade de informação genética. A ciência e a religião não passam de um conjunto de memes também. A religião terá nascido de uma cacofonia de superstições do homem primitivo, mais ou menos na mesma altura em que se inventou a agricultura.
Assim o exigia a nova condição sedentária e social do homem, que uma vez incapaz de tomar decisões, as delegava nas superstições e mais tarde nas deidades locais. Memes lutando contra memes, memes que evoluem, se adaptam ao meio, uns com mais capacidade de proliferar do que outros. Vista sob este prisma, um fenómeno natural, a religião não é mais do que outro qualquer fenómeno, e pode ser mesmo analisado epidemiologicamente como uma doença, que pode não ter qualquer utilidade ao homem, porque vale por si mesma.
Os últimos acontecimentos no Reino Unido - os atentados terroristas consumados e aqueles que falharam - trazem uma lição importante e arrepiante à humanidade. As religiões podem envenenar mesmo os espíritos mais racionais. Um conjunto de acções terroristas planificadas de tal maneira que causaria dezenas de mortos e concerteza bastante sofrimento levada a cabo por uma mão cheia de, imagine-se, médicos. É urgente estudar estes fenómenos, é urgente perceber porquê. Faça-se luz sobre a religião. jmcarvas@gmail.com
http://www.the-brights.net/
Comentários
Renato César Monteiro, em 2007-08-08 às 12:43, disse:
Um dos mais importantes avanços foi a interpretação da religião como um simples acontecimento natural sociológico humano, e passou a ser pesquisado cientificamente. Visto dessa forma, a mesma não possui nenhuma utilidade ao homem, e nada impede categorizar a religião como uma doença. Uma doença? Então combatê-la seria o próximo passo lógico. No entanto estamos lidando com memes, que evoluem, se adaptam ao meio, e quanto maior for a capacidade do mesmo fazer isso, maior será a dificuldade para combatê-lo, e assim como um vírus, serão selecionadas algumas mutações. Quais são os possíveis resultados da interação entre as futuras mutações dos memes dos brights e da religião? Está tão distante assim o aparecimento de uma xenofobia entre religiosos e não-religiosos de resultados desastrosos?
João Carvas, em 2007-07-20 às 14:56, disse:
Muito obrigado pelo comentário. É sempre bom haver esta troca de argumentos. Como teve oportunidade de ler, as minhas opiniões não são minimamente originais. Apenas se baseiam no que tem sido publicado sobre o tema pelos mais notáveis pensadores do nosso tempo. Acho que devo clarificar primeiramente que sou ateu, apesar de não gostar de etiquetas, no sentido em que não acredito em deus ou em qualquer fenómeno sobrenatural. Acho que simplesmente não tenho qualquer talento para acreditar. Apesar disto a minha matriz cultural é católica. Estou perfeitamente ciente da contribuição que, em determinados momentos da história, os intelectuais islãmicos deram para a evolução da ciência (cho que não disse o contrário ao longo do artigo). Reconhecerá também que já não é o caso actualmente. Já houve alturas em que o Islamismo foi uma religião bem mais tolerante do que o Catolicismo, mas isso já não é assim agora. Essa falta de abertura é demonstrada pela fatwa imposta a Salman Rushdie, por Ayatollah Khomeini por exemplo, ou pelas reacções aos cartoons de um jornal Europeu (aproveitadas politicamente também sei). As sociedades Islãmicas tardam em desenvolver-se satisfatoriamente e não será concerteza devido à excessiva secularização ou democratização. Deve no entanto ter em conta que ao contrário da religião, a ciência não necessita de invocar deus para demonstrar as suas hipóteses. Sendo assim, é improdutivo afirmar que muito cientistas são religiosos ou que alguns religiosos são cientistas, porque se trata de diferentes magistérios, como já S.J. Gould defendeu. Não obstante, o que Dennett defende é que é altura de a religião passar pelo escrutínio da ciência. Não se trata de analisar se as crenças religiosas são verdadeiras ou não, porque isso nunca poderá ser demonstrado, mas sim em analisar a religião como um fenómeno natural, como a música por exemplo. Rejeito completamente a sua justificação do terrorismo por questões de injustiça económica, política ou judicial. Como se tem constatado, na religião e nos seus escritos sagrados podem-se encontrar justificações para todos os actos – desde o amor universal e a tolerancia à guerra santa. Apesar se o senhor se encontrar numa faixa moderada dessa religião, a verdade é que outras existem, mais extremas e o que é chocante é que se baseiam nas mesmas fontes de informação que as do senhor. Todos somos potenciais terroristas, no sentido em que todos pordemos ser "infectados" por estes memes, estas ideias, que se reproduzem nos nossos cérebros e se propagam melhor ou pior e que nos dão óptimas razões para morrer. Não falo apenas de religião, mas também de ideias como a liberdade por exemplo. Foi por isto que falei de doenças. Mas poderia dar o exemplo de alguns simbiontes por exemplo, que também nos infectam, mas que trazem globalmente benefício ao nosso organismo. Aceito que a religião possa significa para algumas pessoas uma ética de vida, mas rejeito a ideia de que seja condição essencial acreditar em Deus para levar uma vida com padrões morais elevados. São estes aspectos que poderiam ser escrutinados pela ciência, e assim verificar se a religião é algo positivo para a humanidade ou não. Também para saber porque consideramos algumas religiões melhores do que outras e porque normalmente ridicularizamos as mais pequenas, displicentemente chamando-as de seitas.Como cientista não parto com preconceitos a este nível, mas é preciso conhecer melhor estes fenómenos que hoje ganham acrescida importância, quando nada o faria prever há algumas décadas atrás. Concordo consigo quando defende o ecumenismo das religiões. É a isto que me refiro quando escrevi "ignorância". A ignorância relativamente às outras religiões, a outras maneiras de ver o mundo, que é imposta por diversas confissões religiosas apenas como mecanismo de sobrevivência. Uma medida essencial seria ensinar história das religiões, de todas as principais religiões, as crianças. Dito isto. Não é objectivo do artigo afender ninguém. Partilhamos concerteza muitos princípios e valores morais. Acredito por exemplo no repeito pelo outro. Não acredito que a verdade seja justificação suficiente para impor alguma coisa aos outros. Temos ambos a nossa verdade, eu simplesmente não preciso de Deus para demonstar a minha. João Carvas
Radhouane Ben-Hamadou, em 2007-07-18 às 14:03, disse:
Sobre o artigo de João Carvas : Quando as religiões se tornam tóxicas. “Luz sobre Luz” é a definição da revelação divina ditada pela religião islâmica. A luz da revelação sobe a luz do raciocínio e da inteligência da pessoa. É por isso que na historia da religião islâmica os cientistas eram no mesmo tempo os imãs das mesquitas (todos que estabilizaram as bases para a revolução cientifica na Europa, Ibn Rushd (Averoes), Ibn Zuhr (Avenzoar), Ibn Nafis (que deve conhecer, pois fui ele a descobrir a circulação pulmonar do sangue) , Ibn Sina (Avicenne), e a lista é tão cumprida)… é claro que aqui: mais estamos próximos da natureza e da ciência mais estamos próximos de Deus. É só para recordar que fui com Ibn Rushd que a ciência descobriu a metodologia experimental que todos nos utilizamos. É verdade que isso não é a norma no passado (e o presente) das sociedades ocidentais onde são bem comuns os conflitos ou pelo menos as fricções entre a religião e a ciência. Nasceram assim os séculos DAS luzes, em contradição com os séculos DA luz, quando os cientistas, de cultura cristã, divorciarem da igreja. Acho importante relembrar isso, antes de dar o meu comentário, porque não podem os cientistas de hoje, tratar do assunto da religião como se fosse um fenómeno de superstições onde as pessoas escondam-se porque não encontrar a resposta as perguntas e porque estas religiões geram ignorância e fanatismo. Fazer este género de sensacionalismo quando estas a falar num ambiente de científicos não é do mais correcto, chama-se extrapolação, em vez de fazer interpolação (um bocadinho de geo-estatística não fará mal a nenhum). Olhar assim “do buraco da chave da porta” esquecendo que as religiões tem as suas próprias autocrítica e evolução, que estas religiões são também as primeiras a condenar o terrorismo e fanatismo, mas chama também para perceber o porque que um medico, pode tornar-se, bombista, não é dentro dos genes (o eugenismo já não é de actualidade), não dentro da religião (seria eu também um terrorista potencial), mas se calhar dentro dos factores económicos, políticos e sociais que fazem que não se vê uma saída se não de tudo explodir. A ignorância da historia e das dinâmicas das religiões (mais principalmente neste caso a religião islâmica) e as simplificações que se podem achar, fazem que as pessoas julgam o que é errado. Aqui um ponto crucial: quando interessa-se a um assunto (na ciência pelo menos) vai-se pesquisar pelo autor do tópico ou pelo menos do grupo de investigação ao qual pertence, não dos comentadores do artigo original. Assim para saber o que o Islão por exemplo diz sobre o fanatismo, podes consultar uns sites de muçulmanos, reconhecidos de autoridade e não buscar no “Guardian” inglês, nem no “La Liberté” de Suiça. Vais assim descobrir, como por encantamento, que a religião não é a final uma doença, mas sim uma ética, uma moral que conduz a pessoa no viagem da vida para ser o melhor que ele pode ser. Não caro João, os religiosos não são seguidores do homem primitivo, nem metidos dentro da cacofonia de superstições, mas se calhar para a maioria deles quando vêem um arvore ou o sol, vêem a prova da existência do transcendente, de Deus, enquanto que os outros vêem um arvore ou o sol. Nenhum pode criticar o outro porque cada um esta convencido dos argumentos dele. Temos, mais que nunca, infinitamente necessidade um do outro. Sobre o caminho da minha vida, quantos amigos cristãos recordaram-me de não esquecer de amar "Deus é amor". Quanto humanista ou racionalistas ateus ou agnósticos foram os companheiros da exigência no diálogo: saber, aos seus lados, que a intensidade de uma fé não se opõe nunca à rigorosa actividade da razão. Todos juntos temos a testemunhar das nossas convicções humanistas contratando-nos para o respeito dos seres humanos e a promoção de uma cidadania responsável, confundindo nunca a força necessária das nossas convicções com nefasto tentação das certezas que rejeitam e que excluem. Espiritualidade é uma escola da paz: na qual, requer muito amor, paciência, um sentido da complexidade e de relatividade. Tal é o ensino de todas as espiritualidades, de todas as religiões, de todos os humanistas: amor e exigência. Caro João, nem contra te que escrevo nem contra ninguém é contra esta ignorância que estas a chamar os outros para combater, … para fazer luz sobre a religião. Desculpem o português,
Por João Carvas *
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=22710&op=all
Qual a razão pela qual as religiões, em certas fases da sua história se tornam tóxicas, eliminando qualquer racionalismo da sua acção? Porque existem algumas religiões que se conseguem propagar melhor nas sociedades? Estará o fenómeno religioso sujeito as regras da evolução, por exemplo, será uma religião mais preparada para sobreviver do que outra? Neste sentido, qual será o futuro da religião?
* João Carvas é estudante de doutoramento no Laboratory of Vascular Biology da Fribourg Medical Faculty, Friburgo, Suíça.
Haverá uma hegemonização de uma religião particular, relativamente a outra – se isso acontecer não virá concerteza sem muito sofrimento para os convertidos - ou veremos nos próximos séculos a transformação dos templos religiosos em museus? Ninguém parece ter respostas para estas perguntas porque até hoje, o fenómeno religiosos tem permanecido fora do alcance de um estudo científico adequado.
No seu último livro "Breaking the spell – religion as a natural phenomenom", o filósofo Daniel Dennett defende isto mesmo: a religião é um fenómeno com tanta importância nas sociedades contemporâneas que é não apenas desejável, como vital, estuda-la sob varias lentes científicas para conhecer melhor em que consiste fenomenologicamente e como tenderá a evoluir. É isto que acontece com a economia, com os mercados, com o aquecimento global, porque não aplicar também o método científico ao estudo das religiões?
Dennett elegantemente convoca todas as religiões para uma autoanálise empírica para proteger as gerações futuras da ignorância que elas tendem a gerar e atrás da qual se escondem. O feitiço que ele pretende quebrar, como ele sugere, não é a crença religiosa em si mas a convicção de que esta está fora de qualquer possivel inquérito científico.
A sensação actual, ao olhar para o estado do mundo, é que existe uma bipolarizações religiosa da população mundial. Analisando os números, sabemos que em número de fiéis em primeiro lugar aparece o Cristianismo (com as suas diversas vertentes) com 1.7 biliões, logo seguida do Islamismo com 1,3 biliões. O terceiro grupo de indivíduos mais representativo é aquele que não professa qualquer religiões. São os ateus, os agnósticos, os naturalistas etc. Não são assim tão poucos, mas a sua voz não se tem feito ouvir durante os recentes debates reliosos no mundo.
Para que isto mude foi criado um termo abrangente: os bright – que pode levar a interpretações erradas pela tradução literal – que pretende reunir todas as sensibilidades não religiosas para assim se facilitar a sua expressão. Um bright é alguém que tem uma visão naturalista do mundo, livre de entidades sobrenaturais, ou forças místicas. Na génese desta nova organização está Paul Geisert, um antigo professor de biologia em Chicago, mas conta já hoje com uma vasta aderência de personalidades da ciência e da cultura como o filósofo Daniel Dennett, ou o biólogo evolucionista Richard Dawkins, autor do influente livro "O gene egoísta" ou o seu mais recente "The God delusion".
Richard Dawkins criou o conceito meme como sendo uma unidade de informação cultural, que se propaga de mente para mente de maneira análoga aquela que o gene usa para se propagar de um organismo para outro, como uma unidade de informação genética. A ciência e a religião não passam de um conjunto de memes também. A religião terá nascido de uma cacofonia de superstições do homem primitivo, mais ou menos na mesma altura em que se inventou a agricultura.
Assim o exigia a nova condição sedentária e social do homem, que uma vez incapaz de tomar decisões, as delegava nas superstições e mais tarde nas deidades locais. Memes lutando contra memes, memes que evoluem, se adaptam ao meio, uns com mais capacidade de proliferar do que outros. Vista sob este prisma, um fenómeno natural, a religião não é mais do que outro qualquer fenómeno, e pode ser mesmo analisado epidemiologicamente como uma doença, que pode não ter qualquer utilidade ao homem, porque vale por si mesma.
Os últimos acontecimentos no Reino Unido - os atentados terroristas consumados e aqueles que falharam - trazem uma lição importante e arrepiante à humanidade. As religiões podem envenenar mesmo os espíritos mais racionais. Um conjunto de acções terroristas planificadas de tal maneira que causaria dezenas de mortos e concerteza bastante sofrimento levada a cabo por uma mão cheia de, imagine-se, médicos. É urgente estudar estes fenómenos, é urgente perceber porquê. Faça-se luz sobre a religião. jmcarvas@gmail.com
http://www.the-brights.net/
Comentários
Renato César Monteiro, em 2007-08-08 às 12:43, disse:
Um dos mais importantes avanços foi a interpretação da religião como um simples acontecimento natural sociológico humano, e passou a ser pesquisado cientificamente. Visto dessa forma, a mesma não possui nenhuma utilidade ao homem, e nada impede categorizar a religião como uma doença. Uma doença? Então combatê-la seria o próximo passo lógico. No entanto estamos lidando com memes, que evoluem, se adaptam ao meio, e quanto maior for a capacidade do mesmo fazer isso, maior será a dificuldade para combatê-lo, e assim como um vírus, serão selecionadas algumas mutações. Quais são os possíveis resultados da interação entre as futuras mutações dos memes dos brights e da religião? Está tão distante assim o aparecimento de uma xenofobia entre religiosos e não-religiosos de resultados desastrosos?
João Carvas, em 2007-07-20 às 14:56, disse:
Muito obrigado pelo comentário. É sempre bom haver esta troca de argumentos. Como teve oportunidade de ler, as minhas opiniões não são minimamente originais. Apenas se baseiam no que tem sido publicado sobre o tema pelos mais notáveis pensadores do nosso tempo. Acho que devo clarificar primeiramente que sou ateu, apesar de não gostar de etiquetas, no sentido em que não acredito em deus ou em qualquer fenómeno sobrenatural. Acho que simplesmente não tenho qualquer talento para acreditar. Apesar disto a minha matriz cultural é católica. Estou perfeitamente ciente da contribuição que, em determinados momentos da história, os intelectuais islãmicos deram para a evolução da ciência (cho que não disse o contrário ao longo do artigo). Reconhecerá também que já não é o caso actualmente. Já houve alturas em que o Islamismo foi uma religião bem mais tolerante do que o Catolicismo, mas isso já não é assim agora. Essa falta de abertura é demonstrada pela fatwa imposta a Salman Rushdie, por Ayatollah Khomeini por exemplo, ou pelas reacções aos cartoons de um jornal Europeu (aproveitadas politicamente também sei). As sociedades Islãmicas tardam em desenvolver-se satisfatoriamente e não será concerteza devido à excessiva secularização ou democratização. Deve no entanto ter em conta que ao contrário da religião, a ciência não necessita de invocar deus para demonstrar as suas hipóteses. Sendo assim, é improdutivo afirmar que muito cientistas são religiosos ou que alguns religiosos são cientistas, porque se trata de diferentes magistérios, como já S.J. Gould defendeu. Não obstante, o que Dennett defende é que é altura de a religião passar pelo escrutínio da ciência. Não se trata de analisar se as crenças religiosas são verdadeiras ou não, porque isso nunca poderá ser demonstrado, mas sim em analisar a religião como um fenómeno natural, como a música por exemplo. Rejeito completamente a sua justificação do terrorismo por questões de injustiça económica, política ou judicial. Como se tem constatado, na religião e nos seus escritos sagrados podem-se encontrar justificações para todos os actos – desde o amor universal e a tolerancia à guerra santa. Apesar se o senhor se encontrar numa faixa moderada dessa religião, a verdade é que outras existem, mais extremas e o que é chocante é que se baseiam nas mesmas fontes de informação que as do senhor. Todos somos potenciais terroristas, no sentido em que todos pordemos ser "infectados" por estes memes, estas ideias, que se reproduzem nos nossos cérebros e se propagam melhor ou pior e que nos dão óptimas razões para morrer. Não falo apenas de religião, mas também de ideias como a liberdade por exemplo. Foi por isto que falei de doenças. Mas poderia dar o exemplo de alguns simbiontes por exemplo, que também nos infectam, mas que trazem globalmente benefício ao nosso organismo. Aceito que a religião possa significa para algumas pessoas uma ética de vida, mas rejeito a ideia de que seja condição essencial acreditar em Deus para levar uma vida com padrões morais elevados. São estes aspectos que poderiam ser escrutinados pela ciência, e assim verificar se a religião é algo positivo para a humanidade ou não. Também para saber porque consideramos algumas religiões melhores do que outras e porque normalmente ridicularizamos as mais pequenas, displicentemente chamando-as de seitas.Como cientista não parto com preconceitos a este nível, mas é preciso conhecer melhor estes fenómenos que hoje ganham acrescida importância, quando nada o faria prever há algumas décadas atrás. Concordo consigo quando defende o ecumenismo das religiões. É a isto que me refiro quando escrevi "ignorância". A ignorância relativamente às outras religiões, a outras maneiras de ver o mundo, que é imposta por diversas confissões religiosas apenas como mecanismo de sobrevivência. Uma medida essencial seria ensinar história das religiões, de todas as principais religiões, as crianças. Dito isto. Não é objectivo do artigo afender ninguém. Partilhamos concerteza muitos princípios e valores morais. Acredito por exemplo no repeito pelo outro. Não acredito que a verdade seja justificação suficiente para impor alguma coisa aos outros. Temos ambos a nossa verdade, eu simplesmente não preciso de Deus para demonstar a minha. João Carvas
Radhouane Ben-Hamadou, em 2007-07-18 às 14:03, disse:
Sobre o artigo de João Carvas : Quando as religiões se tornam tóxicas. “Luz sobre Luz” é a definição da revelação divina ditada pela religião islâmica. A luz da revelação sobe a luz do raciocínio e da inteligência da pessoa. É por isso que na historia da religião islâmica os cientistas eram no mesmo tempo os imãs das mesquitas (todos que estabilizaram as bases para a revolução cientifica na Europa, Ibn Rushd (Averoes), Ibn Zuhr (Avenzoar), Ibn Nafis (que deve conhecer, pois fui ele a descobrir a circulação pulmonar do sangue) , Ibn Sina (Avicenne), e a lista é tão cumprida)… é claro que aqui: mais estamos próximos da natureza e da ciência mais estamos próximos de Deus. É só para recordar que fui com Ibn Rushd que a ciência descobriu a metodologia experimental que todos nos utilizamos. É verdade que isso não é a norma no passado (e o presente) das sociedades ocidentais onde são bem comuns os conflitos ou pelo menos as fricções entre a religião e a ciência. Nasceram assim os séculos DAS luzes, em contradição com os séculos DA luz, quando os cientistas, de cultura cristã, divorciarem da igreja. Acho importante relembrar isso, antes de dar o meu comentário, porque não podem os cientistas de hoje, tratar do assunto da religião como se fosse um fenómeno de superstições onde as pessoas escondam-se porque não encontrar a resposta as perguntas e porque estas religiões geram ignorância e fanatismo. Fazer este género de sensacionalismo quando estas a falar num ambiente de científicos não é do mais correcto, chama-se extrapolação, em vez de fazer interpolação (um bocadinho de geo-estatística não fará mal a nenhum). Olhar assim “do buraco da chave da porta” esquecendo que as religiões tem as suas próprias autocrítica e evolução, que estas religiões são também as primeiras a condenar o terrorismo e fanatismo, mas chama também para perceber o porque que um medico, pode tornar-se, bombista, não é dentro dos genes (o eugenismo já não é de actualidade), não dentro da religião (seria eu também um terrorista potencial), mas se calhar dentro dos factores económicos, políticos e sociais que fazem que não se vê uma saída se não de tudo explodir. A ignorância da historia e das dinâmicas das religiões (mais principalmente neste caso a religião islâmica) e as simplificações que se podem achar, fazem que as pessoas julgam o que é errado. Aqui um ponto crucial: quando interessa-se a um assunto (na ciência pelo menos) vai-se pesquisar pelo autor do tópico ou pelo menos do grupo de investigação ao qual pertence, não dos comentadores do artigo original. Assim para saber o que o Islão por exemplo diz sobre o fanatismo, podes consultar uns sites de muçulmanos, reconhecidos de autoridade e não buscar no “Guardian” inglês, nem no “La Liberté” de Suiça. Vais assim descobrir, como por encantamento, que a religião não é a final uma doença, mas sim uma ética, uma moral que conduz a pessoa no viagem da vida para ser o melhor que ele pode ser. Não caro João, os religiosos não são seguidores do homem primitivo, nem metidos dentro da cacofonia de superstições, mas se calhar para a maioria deles quando vêem um arvore ou o sol, vêem a prova da existência do transcendente, de Deus, enquanto que os outros vêem um arvore ou o sol. Nenhum pode criticar o outro porque cada um esta convencido dos argumentos dele. Temos, mais que nunca, infinitamente necessidade um do outro. Sobre o caminho da minha vida, quantos amigos cristãos recordaram-me de não esquecer de amar "Deus é amor". Quanto humanista ou racionalistas ateus ou agnósticos foram os companheiros da exigência no diálogo: saber, aos seus lados, que a intensidade de uma fé não se opõe nunca à rigorosa actividade da razão. Todos juntos temos a testemunhar das nossas convicções humanistas contratando-nos para o respeito dos seres humanos e a promoção de uma cidadania responsável, confundindo nunca a força necessária das nossas convicções com nefasto tentação das certezas que rejeitam e que excluem. Espiritualidade é uma escola da paz: na qual, requer muito amor, paciência, um sentido da complexidade e de relatividade. Tal é o ensino de todas as espiritualidades, de todas as religiões, de todos os humanistas: amor e exigência. Caro João, nem contra te que escrevo nem contra ninguém é contra esta ignorância que estas a chamar os outros para combater, … para fazer luz sobre a religião. Desculpem o português,