CAIXA PRETA - Comando foi disputado no pouso
Enviado: 11 Ago 2007, 09:31
Comando foi disputado no pouso
MARCELO FLEURY
No meio do caminho entre o pouso do A320 da TAM em Congonhas e a colisão contra o prédio da empresa, o co-piloto Henrique Stephanini - sentado à direita na cabine, com a tarefa de monitorar os instrumentos - assumiu o controle da aeronave, às vezes fazendo movimentos opostos ao do comandante, Kleyber Lima.
A informação foi constatada pelos técnicos americanos que analisaram a caixa-preta com os dados do vôo. Um documento descrevendo todas as ações tomadas a bordo do Airbus foi entregue à CPI do Apagão Aéreo na Câmara, mas a Aeronáutica se negou a interpretar os dados, dispostos em forma de gráficos.
Um deles mostra as ações dos dois pilotos sobre seus respectivos sidesticks - espécies de joysticks que, nos aviões da Airbus, substituem os tradicionais manches. O normal é que o piloto no comando maneje seu sidestick até o pouso, alinhando a aeronave com a pista, e depois não toque mais nele, usando apenas os pedais que controlam o leme de direção para mantê-la em linha reta enquanto desacelera. Foi o que Kleyber fez. Como o avião não desacelerava, Stephanini agarrou seu sidestick e, até o final, tentou direcionar o avião para a esquerda, para a direita, esquerda e direita de novo, com força, e finalmente para a direita, no momento da colisão. Nesse meio tempo, também pedia ao colega:
- Vira, vira, vira.
Kleyber tentou controlar o avião com o leme de direção. Por alguns instantes, o leme e o sidestick chegaram a atuar em direções opostas. Fator desencadeador do desastre, a manete da turbina direita ficou na posição de aceleração desde o início do pouso, não sendo alterada até o final, o que tornou praticamente inútil todo esse esforço em frear e manter a direção do A320 na pista.
Especialistas e pilotos consultados por Zero Hora acharam inusitada a tentativa do piloto que não estava no comando de tentar controlar o avião.
- É estranho que isso possa ter ocorrido. E mais ainda por se dar no chão, já que o normal é não se mexer mais no sidestick depois do pouso, um vez que o leme é muito mais eficaz - afirma o professor de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Enio Dexheimer.
Computador faz média se há comandos distintos
Um piloto de A320 da TAM disse que, diferentemente do que ocorre em outros aviões, as aeronaves da Airbus não impedem que duas pessoas a comandem ao mesmo tempo. Na hipótese de dois pilotos realizarem movimentos distintos em seus sidesticks, o computador de bordo seguirá a média entre as duas ações. Outro recurso permite a qualquer dos dois ocupantes da cabine, por meio de um botão, desabilitar as ações do outro. Não se sabe se esse foi o caso do vôo 3054, mas é pouco provável, já que se costuma avisar o companheiro sobre a ação.
O relator da CPI do Apagão Aéreo, Marco Maia (PT), admite a disputa de controle:
- A atitude pode ter representado o desespero final de evitar a colisão, um impulso.
Apesar de Kleyber estar no comando do vôo entre Porto Alegre e Congonhas, ambos os pilotos tinham o cargo de comandante e experiência parecida em termos de números de horas voadas na carreira. No vôo anterior, no sentido inverso, o pouso foi bem sucedido porque as manetes - inclusive a da direita, referente ao reverso defeituoso - foram colocadas em reverso máximo, como indica o manual. O motivo de uma delas ter sido deixada na posição de aceleração no pouso em Congonhas ainda tem de ser investigado pela Aeronáutica.
As informações das duas caixas-pretas do avião da TAM (de som e de dados), permitem sincronizar os diálogos da cabine com as ações tomadas a bordo. Às 18h47min53seg, por exemplo, a transcrição dos sons de cabine indica o ruído do piloto automático sendo desconectado, mesmo instante em que a caixa-preta de dados registou o primeiro movimento de Kleyber no sidestick, segurando-o para preparar o avião para o pouso.
Da análise da caixa-preta de dados também se depreende que, apesar de não terem tentado levantar vôo novamente em nenhum momento, na hora da colisão contra o prédio da TAM, o avião estava com o nariz levantado praticamente no mesmo ângulo em que pousou.
( marcelo.fleury@zerohora.com.br )
MARCELO FLEURY
No meio do caminho entre o pouso do A320 da TAM em Congonhas e a colisão contra o prédio da empresa, o co-piloto Henrique Stephanini - sentado à direita na cabine, com a tarefa de monitorar os instrumentos - assumiu o controle da aeronave, às vezes fazendo movimentos opostos ao do comandante, Kleyber Lima.
A informação foi constatada pelos técnicos americanos que analisaram a caixa-preta com os dados do vôo. Um documento descrevendo todas as ações tomadas a bordo do Airbus foi entregue à CPI do Apagão Aéreo na Câmara, mas a Aeronáutica se negou a interpretar os dados, dispostos em forma de gráficos.
Um deles mostra as ações dos dois pilotos sobre seus respectivos sidesticks - espécies de joysticks que, nos aviões da Airbus, substituem os tradicionais manches. O normal é que o piloto no comando maneje seu sidestick até o pouso, alinhando a aeronave com a pista, e depois não toque mais nele, usando apenas os pedais que controlam o leme de direção para mantê-la em linha reta enquanto desacelera. Foi o que Kleyber fez. Como o avião não desacelerava, Stephanini agarrou seu sidestick e, até o final, tentou direcionar o avião para a esquerda, para a direita, esquerda e direita de novo, com força, e finalmente para a direita, no momento da colisão. Nesse meio tempo, também pedia ao colega:
- Vira, vira, vira.
Kleyber tentou controlar o avião com o leme de direção. Por alguns instantes, o leme e o sidestick chegaram a atuar em direções opostas. Fator desencadeador do desastre, a manete da turbina direita ficou na posição de aceleração desde o início do pouso, não sendo alterada até o final, o que tornou praticamente inútil todo esse esforço em frear e manter a direção do A320 na pista.
Especialistas e pilotos consultados por Zero Hora acharam inusitada a tentativa do piloto que não estava no comando de tentar controlar o avião.
- É estranho que isso possa ter ocorrido. E mais ainda por se dar no chão, já que o normal é não se mexer mais no sidestick depois do pouso, um vez que o leme é muito mais eficaz - afirma o professor de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Enio Dexheimer.
Computador faz média se há comandos distintos
Um piloto de A320 da TAM disse que, diferentemente do que ocorre em outros aviões, as aeronaves da Airbus não impedem que duas pessoas a comandem ao mesmo tempo. Na hipótese de dois pilotos realizarem movimentos distintos em seus sidesticks, o computador de bordo seguirá a média entre as duas ações. Outro recurso permite a qualquer dos dois ocupantes da cabine, por meio de um botão, desabilitar as ações do outro. Não se sabe se esse foi o caso do vôo 3054, mas é pouco provável, já que se costuma avisar o companheiro sobre a ação.
O relator da CPI do Apagão Aéreo, Marco Maia (PT), admite a disputa de controle:
- A atitude pode ter representado o desespero final de evitar a colisão, um impulso.
Apesar de Kleyber estar no comando do vôo entre Porto Alegre e Congonhas, ambos os pilotos tinham o cargo de comandante e experiência parecida em termos de números de horas voadas na carreira. No vôo anterior, no sentido inverso, o pouso foi bem sucedido porque as manetes - inclusive a da direita, referente ao reverso defeituoso - foram colocadas em reverso máximo, como indica o manual. O motivo de uma delas ter sido deixada na posição de aceleração no pouso em Congonhas ainda tem de ser investigado pela Aeronáutica.
As informações das duas caixas-pretas do avião da TAM (de som e de dados), permitem sincronizar os diálogos da cabine com as ações tomadas a bordo. Às 18h47min53seg, por exemplo, a transcrição dos sons de cabine indica o ruído do piloto automático sendo desconectado, mesmo instante em que a caixa-preta de dados registou o primeiro movimento de Kleyber no sidestick, segurando-o para preparar o avião para o pouso.
Da análise da caixa-preta de dados também se depreende que, apesar de não terem tentado levantar vôo novamente em nenhum momento, na hora da colisão contra o prédio da TAM, o avião estava com o nariz levantado praticamente no mesmo ângulo em que pousou.
( marcelo.fleury@zerohora.com.br )