Re.: Liberalismo e aborto
Enviado: 16 Ago 2007, 14:13
A Questão do Aborto
Rodrigo Constantino
“Rights do not pertain to a potential, only to an actual being; a child cannot acquire any rights until it is born.” (Ayn Rand)
Considero a questão do aborto uma das mais “cabeludas” de todas. Mexe com profundos sentimentos enraizados no ser humano, e não há como tocar no assunto polêmico sem despertar fortes paixões e revoltas. Já participei de muitos debates sobre o tema, e por isso acredito conhecer vários argumentos de ambos os lados. Na minha conclusão, a questão central passa pela definição de ser humano, de quando esta vida humana de fato começa. O feto é ou não um ser humano? Eis o que considero a pergunta mais importante sobre o assunto.
Dito isto, creio que seja útil passar por alguns pontos relevantes. Em primeiro lugar, aqueles que são enfaticamente contrários ao direito do aborto por motivos religiosos, pois assumem que o feto tem uma alma desde o dia da concepção e já é por isso um ser humano, precisam ser contra qualquer caso de aborto, para manter a coerência. Afinal, eles alegam que o aborto é o assassinato de um ser humano inocente, tal como seria matar um bebê. Logo, não podem existir exceções. Se colocam o direito à vida desse “humano” acima de tudo, não podem relativizar tal direito depois. Ninguém defenderia o direito de assassinato de um bebezinho, pelo motivo que fosse. Precisam, então, condenar o “assassinato” até mesmo no caso de um estupro. O fato de a mulher ter engravidado por conta de um estupro, e não um ato de amor consciente, seria irrelevante para o ponto de vista desses religiosos. Tem que ser, para não caírem em contradição. Quantos estão dispostos a manter uma postura intransigente em relação ao aborto mesmo no caso de uma mulher que foi estuprada?
Fora isso, seria interessante que esses religiosos explicassem melhor essa coisa de alma no dia da concepção. Pelo que já li a respeito, mesmo sendo leigo no assunto, existe a possibilidade do embrião se dividir depois de alguns poucos dias da concepção. Ora, o que acontece nesse caso sob a ótica religiosa? A alma se divide também? Uma nova alma é criada pelo The Guf para o novo zigoto? Pode ser possível o caso contrário, de dois embriões se fundirem. O que ocorre nesse caso? As almas fazem uma fusão também? Na verdade, seria interessante que os religiosos começassem provando a existência da alma, para não ficarem apenas na fé de um dogma, que muitos podem não compartilhar.
Os religiosos alegam ainda que o zigoto seja humano, pois já possui o DNA. Mas considero esse argumento muito fraco. Ora, até mesmo um fio de cabelo nosso contém o DNA, mas nem por isso consideramos assassinato de um ser humano o ato de cortar o cabelo. Um zigoto não tem cérebro, cabeça, habilidade de ver, escutar, cheirar, tocar, não possui órgãos internos, consciência, razão. Até a idade de um mês, por exemplo, um embrião humano não pode ser facilmente distinguido de um embrião de gato ou cachorro. Os que defendem o direito de escolha da mulher dizem que basicamente três características nos tornam humanos: habilidade de pensamento, senso moral e aparência física. O zigoto não exibe nenhuma delas.
Conheço o argumento aristotélico de ato e potência, que alguns usam para combater o direito do aborto. Mas como Leonard Peikoff disse, “não devemos confundir potencialidade com atualidade”. Um embrião é um ser humano em potencial. Ele pode, se a mulher desejar, se desenvolver até se tornar uma criança. Mas o que ele de fato é durante o primeiro trimestre de gestação não passa de uma massa de células que fazem parte do corpo da mulher. Peikoff diz: “Se nós considerarmos o que ele é em vez do que ele pode se tornar, devemos reconhecer que o embrião durante os três meses é algo mais primitivo que um sapo ou um peixe”. Comparar isso com uma criança é absurdo. Se devemos aceitar a lógica da potência e chamar um embrião de “criança não nascida”, poderíamos, pelo mesmo raciocínio, chamar qualquer adulto de “corpo ainda não morto”, e enterrá-lo vivo. Potência não é atualidade. Sementes plantadas podem virar árvores, se regadas, mas dificilmente alguém diria que essas sementes são uma floresta.
A massa de células que existe dentro da mulher é parte de seu corpo. Não é um ser que exista de forma independente, um organismo biologicamente formado, muito menos uma pessoa. Aquele que vive dentro do corpo de alguém não pode exigir direito sobre seu hospedeiro. Direitos pertencem apenas aos indivíduos, não a partes do indivíduo. Nenhuma outra pessoa, nem mesmo seu marido, tem o direito de dizer o que a mulher pode fazer com seu corpo. Trata-se de um princípio fundamental da liberdade.
Chegamos ao ponto de questionar o termo usado pelos que condenam o aborto: pró-vida. Seria o caso de perguntar: a vida de quem é realmente defendida como prioridade? Não parece ser a vida da mulher que não deseja um filho, pelo motivo que for, incluindo até mesmo o nefasto ato de um estupro. Com certeza não é a vida dessa mulher que está sendo colocada como uma prioridade. Também não parece ser o foco principal a vida da criança que nascerá. Se fosse esse o caso, essas pessoas deveriam dedicar muito mais energia e tempo para a vida após o nascimento, investindo pesado em movimentos de adoção e tudo mais. Afinal, não é algo muito bom ser um filho totalmente indesejado. Steven Levitt, da Escola de Chicago, tentou mostrar em seu livro Freakonomics que a redução da criminalidade americana teve como uma das mais importantes causas a legalização do aborto uma geração antes. Filhos indesejados, que os pais não gostariam de ter tido ou não estavam preparados, filhos de adolescentes solteiras sem maturidade alguma, têm infinitamente mais probabilidade de virarem criminosos.
Ter um filho é um ato deveras importante, que muda totalmente a vida das pessoas, e exige profunda responsabilidade, maturidade e equilíbrio psicológico. É algo maravilhoso, para aqueles que desejam isso. A atitude dos que condenam o aborto parece ser de pouca ou nenhuma preocupação com a vida dos seres humanos já existentes. Não importa o sofrimento dos pais que não desejam um filho, de uma mulher que foi estuprada, ou que terá que carregar por nove meses um feto anencéfalo que não sobreviverá. O sacrifício dessas vidas é exigido em troca da vida de um tecido que somente será um humano no futuro, se tudo correr bem. Ainda assim, os que condenam o aborto se intitulam “pró-vida”, numa cruzada onde a sensação de pertencer a um grupo “moralmente superior” é mais importante que os resultados concretos. Para eles, qualquer mulher que fez um aborto voluntário é uma espécie de Hitler. Seria indiferente, para eles, uma mulher tomar uma pílula que abortasse a gestação nos primeiros meses ou dar veneno para seu bebê vivo. Deveriam perguntar às mulheres que já sofreram aborto involuntário nos primeiros meses de gravidez – algo comum, se este sofrimento, mesmo para aquelas que desejavam ter um filho, é sequer comparável à dor da perda de um filho de verdade. Um feto não é um filho, é um filho em gestação.
Os “anti-aborto” tentam monopolizar a virtude, como se apenas aqueles que condenam o aborto defendessem a vida humana. Não posso deixar de perguntar uma vez mais: qual vida humana eles defendem? Pois entre a vida de uma mulher adulta e aquele minúsculo zigoto sem consciência ou sentimento, eu fico com a primeira opção. A felicidade e a liberdade de escolha do ser humano valem mais.
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/ ... borto.html
Rodrigo Constantino
“Rights do not pertain to a potential, only to an actual being; a child cannot acquire any rights until it is born.” (Ayn Rand)
Considero a questão do aborto uma das mais “cabeludas” de todas. Mexe com profundos sentimentos enraizados no ser humano, e não há como tocar no assunto polêmico sem despertar fortes paixões e revoltas. Já participei de muitos debates sobre o tema, e por isso acredito conhecer vários argumentos de ambos os lados. Na minha conclusão, a questão central passa pela definição de ser humano, de quando esta vida humana de fato começa. O feto é ou não um ser humano? Eis o que considero a pergunta mais importante sobre o assunto.
Dito isto, creio que seja útil passar por alguns pontos relevantes. Em primeiro lugar, aqueles que são enfaticamente contrários ao direito do aborto por motivos religiosos, pois assumem que o feto tem uma alma desde o dia da concepção e já é por isso um ser humano, precisam ser contra qualquer caso de aborto, para manter a coerência. Afinal, eles alegam que o aborto é o assassinato de um ser humano inocente, tal como seria matar um bebê. Logo, não podem existir exceções. Se colocam o direito à vida desse “humano” acima de tudo, não podem relativizar tal direito depois. Ninguém defenderia o direito de assassinato de um bebezinho, pelo motivo que fosse. Precisam, então, condenar o “assassinato” até mesmo no caso de um estupro. O fato de a mulher ter engravidado por conta de um estupro, e não um ato de amor consciente, seria irrelevante para o ponto de vista desses religiosos. Tem que ser, para não caírem em contradição. Quantos estão dispostos a manter uma postura intransigente em relação ao aborto mesmo no caso de uma mulher que foi estuprada?
Fora isso, seria interessante que esses religiosos explicassem melhor essa coisa de alma no dia da concepção. Pelo que já li a respeito, mesmo sendo leigo no assunto, existe a possibilidade do embrião se dividir depois de alguns poucos dias da concepção. Ora, o que acontece nesse caso sob a ótica religiosa? A alma se divide também? Uma nova alma é criada pelo The Guf para o novo zigoto? Pode ser possível o caso contrário, de dois embriões se fundirem. O que ocorre nesse caso? As almas fazem uma fusão também? Na verdade, seria interessante que os religiosos começassem provando a existência da alma, para não ficarem apenas na fé de um dogma, que muitos podem não compartilhar.
Os religiosos alegam ainda que o zigoto seja humano, pois já possui o DNA. Mas considero esse argumento muito fraco. Ora, até mesmo um fio de cabelo nosso contém o DNA, mas nem por isso consideramos assassinato de um ser humano o ato de cortar o cabelo. Um zigoto não tem cérebro, cabeça, habilidade de ver, escutar, cheirar, tocar, não possui órgãos internos, consciência, razão. Até a idade de um mês, por exemplo, um embrião humano não pode ser facilmente distinguido de um embrião de gato ou cachorro. Os que defendem o direito de escolha da mulher dizem que basicamente três características nos tornam humanos: habilidade de pensamento, senso moral e aparência física. O zigoto não exibe nenhuma delas.
Conheço o argumento aristotélico de ato e potência, que alguns usam para combater o direito do aborto. Mas como Leonard Peikoff disse, “não devemos confundir potencialidade com atualidade”. Um embrião é um ser humano em potencial. Ele pode, se a mulher desejar, se desenvolver até se tornar uma criança. Mas o que ele de fato é durante o primeiro trimestre de gestação não passa de uma massa de células que fazem parte do corpo da mulher. Peikoff diz: “Se nós considerarmos o que ele é em vez do que ele pode se tornar, devemos reconhecer que o embrião durante os três meses é algo mais primitivo que um sapo ou um peixe”. Comparar isso com uma criança é absurdo. Se devemos aceitar a lógica da potência e chamar um embrião de “criança não nascida”, poderíamos, pelo mesmo raciocínio, chamar qualquer adulto de “corpo ainda não morto”, e enterrá-lo vivo. Potência não é atualidade. Sementes plantadas podem virar árvores, se regadas, mas dificilmente alguém diria que essas sementes são uma floresta.
A massa de células que existe dentro da mulher é parte de seu corpo. Não é um ser que exista de forma independente, um organismo biologicamente formado, muito menos uma pessoa. Aquele que vive dentro do corpo de alguém não pode exigir direito sobre seu hospedeiro. Direitos pertencem apenas aos indivíduos, não a partes do indivíduo. Nenhuma outra pessoa, nem mesmo seu marido, tem o direito de dizer o que a mulher pode fazer com seu corpo. Trata-se de um princípio fundamental da liberdade.
Chegamos ao ponto de questionar o termo usado pelos que condenam o aborto: pró-vida. Seria o caso de perguntar: a vida de quem é realmente defendida como prioridade? Não parece ser a vida da mulher que não deseja um filho, pelo motivo que for, incluindo até mesmo o nefasto ato de um estupro. Com certeza não é a vida dessa mulher que está sendo colocada como uma prioridade. Também não parece ser o foco principal a vida da criança que nascerá. Se fosse esse o caso, essas pessoas deveriam dedicar muito mais energia e tempo para a vida após o nascimento, investindo pesado em movimentos de adoção e tudo mais. Afinal, não é algo muito bom ser um filho totalmente indesejado. Steven Levitt, da Escola de Chicago, tentou mostrar em seu livro Freakonomics que a redução da criminalidade americana teve como uma das mais importantes causas a legalização do aborto uma geração antes. Filhos indesejados, que os pais não gostariam de ter tido ou não estavam preparados, filhos de adolescentes solteiras sem maturidade alguma, têm infinitamente mais probabilidade de virarem criminosos.
Ter um filho é um ato deveras importante, que muda totalmente a vida das pessoas, e exige profunda responsabilidade, maturidade e equilíbrio psicológico. É algo maravilhoso, para aqueles que desejam isso. A atitude dos que condenam o aborto parece ser de pouca ou nenhuma preocupação com a vida dos seres humanos já existentes. Não importa o sofrimento dos pais que não desejam um filho, de uma mulher que foi estuprada, ou que terá que carregar por nove meses um feto anencéfalo que não sobreviverá. O sacrifício dessas vidas é exigido em troca da vida de um tecido que somente será um humano no futuro, se tudo correr bem. Ainda assim, os que condenam o aborto se intitulam “pró-vida”, numa cruzada onde a sensação de pertencer a um grupo “moralmente superior” é mais importante que os resultados concretos. Para eles, qualquer mulher que fez um aborto voluntário é uma espécie de Hitler. Seria indiferente, para eles, uma mulher tomar uma pílula que abortasse a gestação nos primeiros meses ou dar veneno para seu bebê vivo. Deveriam perguntar às mulheres que já sofreram aborto involuntário nos primeiros meses de gravidez – algo comum, se este sofrimento, mesmo para aquelas que desejavam ter um filho, é sequer comparável à dor da perda de um filho de verdade. Um feto não é um filho, é um filho em gestação.
Os “anti-aborto” tentam monopolizar a virtude, como se apenas aqueles que condenam o aborto defendessem a vida humana. Não posso deixar de perguntar uma vez mais: qual vida humana eles defendem? Pois entre a vida de uma mulher adulta e aquele minúsculo zigoto sem consciência ou sentimento, eu fico com a primeira opção. A felicidade e a liberdade de escolha do ser humano valem mais.
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