Garota de 19 anos ainda está em liberdade assistida.
Ela está cursando administração numa faculdade na região de Ribeirão Preto.

Sem escrivaninha no quarto, a garota costuma estudar na mesa da cozinha
Os dois anos na Fundação Casa (ex-Febem) não fizeram com que Carolina (nome fictício), 19 anos, desistisse dos planos de cursar uma faculdade. Estudiosa, ela fez o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem buscar) no ano passado, durante o período que ficou na instituição. Tirou 81,27 (numa escala de 0 a 100), e garantiu uma vaga num curso superior pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), do Governo Federal, que dá bolsas de estudos em entidades privadas.
O G1 não pode divulgar o nome verdadeiro da jovem porque ela está em liberdade assistida até o final do mês. Carolina foi presa por tráfico de drogas e depois do tempo na fundação, recebeu o benefício de poder ficar em casa contanto que frequente atendimento especializado semanalmente.
A nota da estudante no Enem foi superior à média nacional dos participantes do exame em 2006 que tiraram 42,95. A pontuação da ex-interna também foi maior que a média da escola que apresentou o melhor desempenho do Brasil, o colégio piauiense Dom Barreto, com nota de 74,71.
Carolina é extrovertida e fala de forma articulada. Não evita nenhum assunto e não se encabula quando é questionada sobre os problemas que causaram sua prisão.
Desde o começo deste mês, ela cursa administração, à noite, numa entidade privada na região de Ribeirão Preto. A jovem pediu para omitir o nome da faculdade porque teme sofrer preconceito dos colegas que não sabem que ela é uma ex-interna. “Vou contar para eles depois que me conhecerem bem. Já pensei até como vou falar, na frente da sala, para todo mundo ouvir. Sei que depois eles vão me fazer um monte de perguntas, mas não me importo, quero explicar o que é viver na Febem”, diz ela. “Não é um lugar bom, mas ajuda quem está disposto a mudar”, completa.
A graduação não é exatamente o que ela queria, preferia serviço social, mas não havia vaga para este curso. Persistente, diz que vai cursar a graduação que realmente quer depois que concluir administração. O gosto pela área veio do contato com as assistentes sociais da Fundação Casa. “Elas sabem conversar e me ajudaram muito”, relata.
Única entre os seis irmãos
Moradora da região de Ribeirão Preto, a cerca de 300 km de São Paulo, e filha do meio de uma família de seis irmãos, Carolina foi até agora a única a concluir o ensino médio. Sua mãe, uma agricultora aposentada de 46 anos, é semi-analfabeta e não entende bem o que é fazer uma faculdade. Nem comemorou quando soube que a filha havia conseguido uma vaga. "Ela ficou normal, como não estudou, não sabe direito o que é isso [faculdade]", conta Carolina.
Calada, a agricultora diz que não gosta de falar e se limita a dizer que desde cedo colocou os filhos na creche e na escola porque não tinha com quem deixá-los. “Meu marido me abandonou quando essa menina tinha 3 anos, criei todos sozinha.” A família (Carolina, um irmão e uma irmã, além da mãe) vive numa casa de três quartos que foi construída num terreno doado pela prefeitura num bairro da periferia. A mãe ganha um salário mínimo de aposentadoria.
A falta de estímulo em casa não atrapalhou Carolina a se dedicar aos estudos. "Nunca faltava à aula e prestava atenção em tudo o que os professores diziam, não ficava conversando", conta. Ela diz que sua matéria preferida era ciências, porque tinha curiosidade de entender o funcionamento do corpo humano. Ela cursou o segundo e terceiro ano do ensino médio na fundação e diz que o lado bom é que lá tinha mais tempo para estudar.
“Vocês aqui fora reclamam que não têm tempo, mas lá o tempo sobra. Eu estudava até no sábado e domingo. Pegava livro na biblioteca e ficava lendo. Quando não tinha o material que eu precisava, pedia aos professores e eles traziam para mim”, conta.
“Só não dava para fazer exercício porque não pode levar nem caneta nem lápis para o módulo [espécie de casa onde fica um grupo de adolescentes] porque essas coisas podem ser usadas como arma”, explica.
Prisão
A garota esteve na Fundação Casa durante dois períodos: de fevereiro a dezembro de 2005 e de janeiro de 2006 a março de 2007. No intervalo, ficou em liberdade assistida durante 26 dias e foi detida novamente quando ia pegar drogas com uma irmã mais velha, de 22 anos, que foi presa e condenada a quatro anos de detenção. Carolina diz que só estava acompanhando a irmã e que não queria voltar para o crime.

Ex-interna da Febem se prepara para ir à aula (Foto: Luísa Brito/G1)
Carolina foi presa a primeira vez com 230 gramas de maconha escondidas na casa de sua irmã mais velha, de 26 anos. Ela diz que era a primeira vez que negociava droga, apesar de ser usuária de maconha desde os dez anos. A jovem acredita que foi traída por amigos. “Na vida do crime é assim, um quer ser melhor que o outro e entregam [para a polícia] mesmo.”
A prisão foi mais traumatizante do que ela podia esperar porque acabou envolvendo também sua irmã. Com R$ 600 na bolsa, de um empréstimo bancário, a irmã foi presa, pois os policiais pensaram que o dinheiro era fruto de venda de drogas. Ela passou dois meses na cadeia até ser libertada.
Carolina diz que resolveu vender droga após “ter se revoltado”, aos 16 anos, com a perda do filho que nasceu prematuro, com seis meses e viveu apenas 17 dias. “Quando Deus levou meu filho fiquei mal, não queria saber mais de nada. Via os outros traficando e parecia fácil, achava que eu só ia ganhar”, relata.
Hoje em dia ela afirma que não tem mais contato com os amigos daquela época. Do tempo da Febem, também não guarda boas recordações das colegas. “É complicado viver com um monte de mulher durante 24 horas. É muita intriga, muita inveja. Tem menina que não gosta quando vê as outras melhorando e arma logo uma confusão.”
Passados os anos de dificuldade, agora sua preocupação é com o futuro. “Vou estudar muito para conseguir um estágio, depois um bom emprego”, conta. “Quero ir morar numa cidade como Ribeirão, casar e ter filhos. Uma vida normal”. Algum conselho para quem acha que não pode melhorar de vida? “Para a gente conseguir alguma coisa é preciso lutar e não pensar nos problemas e sim nas soluções. Ser positivo, dizer ‘vou vencer’ e caminhar para frente.”
http://g1.globo.com/Noticias/Vestibular ... 04,00.html