Auto-retrato: Rajaa Alsanea
Rjaa Alsanea, 25 anos, abalou a Arábia Saudita com a publicação de um romance cujo tema principal é a vida amorosa da juventude saudita. Lançado há dois anos e ainda sem previsão de sair em português, o livro é best-seller no mundo árabe e na Europa. Rajaa, que cursa odontologia em Chicago, falou à repórter Denise Dweek.
Você diz que as sauditas vivem um paradoxo. Por quê?
Nós, as sauditas, temo acesso às tecnologias mais modernas, vivemos no estilo de vida ocidental em casa, nas roupas e na educação. Mas quando se trata de coisas básicas da vida, como se apaixonar, escolher o marido, estudar no exterior, somos submetidas às mesmas regras da época de nossas avós.
Que regras são essas?
São de todo tipo. Algumas famílias obrigam suas filhas a se casar com alguém de quem não gostam, apesar de o Islã dizer que a moça deve ter a última palavra sobre o pretendente. Também não há nada na religião que permita ao marido bater na mulher. Ainda assim, tal violência é aceita na Arábia Saudita. Proibir as mulheres de dirigir é outra norma sem sustentação religiosa.
As mulheres não podem ter contato com homens, exceto parentes. Como é isso na prática?
O contato é permitido no local de trabalho. É a única exceção. Uma mulher só pode sentar sozinha com um homem no restaurante se ele for seu parente. Quando vê um casal sentado a sós, a polícia religiosa solicita os documentos deles. Se os dois não forem parentes, vão para a delegacia.
Você diz que os jovens namoram sem se encontrar. Como é isso?
Quando estão em grupos maiores, meninos de um lado e meninas de outro, encontram-se no shopping e caminham próximos e trocam números de telefone para passar mensagens. Para conheceros um homem, nós dependemos mais das ligações telefônicas do que de encontros.
A proibição do sexo antes do casamento é respeitada?
Sim. Não só na Arábia Saudita, mas em todo o mundo islâmico. É uma questão religiosa e também envolve honra e respeito. Mesmo os sauditas não religiosos são contra o sexo antes do casamento.
A internet está mudando os costumes na Arábia Saudita?
A rede permitiu aos dois sexos conhecerem um ao outro. Conversar online não é proibido. Muitas famílias consentem que as filhas batam papo com meninos pelo computador, porque eles não estão se encontrando às escondidas. A internet permitiu a nós, mulheres, descobrir como os homens pensam.
Foi o único impacto da internet?
Talvez o maior impacto tenha sido permitir o encontro de diferentes setores da sociedade saudita. Hoje é possível encontrar um xiita e um sunita no mesmo fórum de discussão, algo que nunca se vê nas ruas.
Como os jovens sauditas se divertem?
Não temos bares, nem salões de festas. Aniversários, casamentos, toda a diversão é dentro de casa. Há festas só para mulheres, só para homens e também mistas.
Não há namoro no escurinho do cinema?
Não temos cinemas. Antes da internet comprávamos ou alugávamos DVDs para assistir em casa. Agora baixamos o últimos seriados e filmes da internet.
Você anda sempre de véu?
Só na rua ou na presença de um homem desconhecido. Quando estou em casa com minhas amigas, uso saia curta, camiseta, o que quero.
O que há debaixo dos mantos negros que cobrem as sauditas da cabeça aos pés?
Quem vai a uma festa feminina, onde não se usa o véu, nota que as sauditas se vestem igual a todas as mulheres do mundo. Seguem as últimas tendências da oda e até o mesmo tipo de maquiagem.
Você sofre pressões por causa do livro?
Algumas pessoas tentaram comprar todo o estoque do livro para que ninguém o lesse. Também sofri ameaças de morte por e-mail. Fiquei preocupada, mas vi que eram apenas mensagens. Recebi várias ligações da família real encorajando-me a continuar.
Fonte: Veja, ed. 2022, ano 40, nº 33, 22/08/2007, página 95