A verdadeira religião!
Enviado: 26 Ago 2007, 22:24
Retirei dois diálogos de um livro que estou lendo, eles me fizeram lembrar das discussões que tive com os ateus e teístas crentes, aqui e em outros fóruns.
É interessante pra quem "acha" que eu interpreto a religião de um modo muito particular...
O primeiro dialogo é com um clérigo e o segundo com um filósofo.
Eliphas Levi é o que se poderia chamar de um "místico", é ele quem discute com esses dois.
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PRIMEIRO DIÁLOGO
UM CLÉRIGO e ELIPHAS LEVI
O CLÉRIGO — Tuas pretensas ciências vêm do inferno e tuas razões são blasfêmias.
ELIPHAS LEVI — Não sei se tua ignorância vem do céu, porém, tuas razões assemelham-se muito
às injúrias.
O CLÉRIGO — Eu chamo as coisas pelo seu nome; pior para ti se estes nomes te resultam injuriosos. Como tu, que tendo saído da Igreja, que procurando ajudar a impiedade a minar em sua base seu edifício eterno, tens o louco orgulho de crer que ela vacila sob os golpes de teus semelhantes; e para o cúmulo do ultraje, estendes, para sustentá-la, tua mão sacrílega?
Não temas a sorte de Oza, a quem Deus castigou mortalmente, porque, com intenção melhor que a
tua e com mãos talvez mais puras, quis sustentar a arca Santa?
ELIPHAS LEVI — Detenho-te aqui, Senhor; citas a Bíblia sem compreende-la e preferiria em teu
lugar, compreendê-la sem citá-la. A morte de Oza, da qual me falas, assemelha-se um pouco ao trágico fim dos quarenta e dois meninos devorados pelos ursos por terem-se rido do profeta Eliseu, que era calvo. Felizmente, diz Voltaire à este respeito, não existem ursos na Palestina.
O CLÉRIGO — Então a Bíblia é um tecido de mentiras e ris dela como Voltaire?
ELIPHAS LEVI — A Bíblia é um livro hierático, ou seja, sagrado; está escrita em estilo sacerdotal,
misturado com histórias e alegorias.
O CLÉRIGO — Somente a Igreja tem o direito de interpretar a Bíblia. Crés na sua infalibilidade?
ELIPHAS LEVI — Sou da Igreja e não tenho dito e nem escrito nada que seja contrário aos meus
ensinamentos.
O CLÉRIGO — Admiro tua desenvoltura. Não és um livre pensador? Não crês no progresso? Não
admites as temeridades da ciência moderna que dá todos os dias desmentidos à Santa Escritura? Não
acreditas na antigüidade indefinida do mundo e na diversidade, seja simultânea, seja sucessiva das
raças humanas? Não consideras como mito ou fábula, o que é a mesma coisa, a história da maçã de
Adão, sobre a qual fundamenta-se o dogma do pecado original? Porém, tu sabes bem que então tudo
se derruba, não mais revelação nem encarnação, pois todo o cristianismo não tem sido mais que um
longo erro; a Igreja não pode se manter senão prescrevendo o bom senso e propagando a ignorância?
Admites isto e ousas chamar-te católico?
ELIPHAS LEVI — Que quer dizer a palavra católico? Não quer dizer universal? Creio no dogma
universal e me cuido das aberrações de todas as seitas particulares. Suporto-as porém, na esperança de que o progresso se cumprirá e de que todos os homens se reunirão na fé das verdades
fundamentais; o que tem-se cumprido já naquela sociedade conhecida em todo o mundo, chamada
franco-maçonaria.
O CLÉRIGO — Ânimo Senhor, tiras a máscara por fim, completamente; és sem dúvida Franco
Maçom e sabes perfeitamente, que os Franco-Maçons acabam de ser excomungados recentemente,
pelo Papa.
ELIPHAS LEVI — Sim, o sei; e, desde então, tenho deixado de ser Franco-Maçom, porque os
Franco-Maçons excomungados pelo Papa, não acreditavam que deviam tolerar o catolicismo. Tenho
me separado deles, para resguardar a minha liberdade de consciência e para não me associar as suas
represálias, talvez desculpáveis, se não legítimas; porém, seguramente inconseqüentes, já que a
essência da Maçonaria é a tolerância à todos os cultos.
O CLÉRIGO — Queres dizer, a indiferença em matéria de religião?
ELIPHAS LEVI — Dizes em matéria de superstições.
O CLÉRIGO — Oh! Sei que para ti, a Religião e a superstição são uma só e mesma coisa.
ELIPHAS LEVI — Creio, pelo contrário, que são duas coisas opostas e inconciliáveis, tanto que, aos meus olhos, os supersticiosos são ímpios. Quanto à religião, não há mais que uma. E não tem havido nunca, senão uma verdadeira. É a esta que chamo verdadeiramente de Católica ou universal.
Um muçulmano pode praticá-la como o tem demonstrado muito bem o emir Abd-el-Kader, quando salvou os Cristãos de Damasco. Esta religião é a Caridade; o símbolo da caridade é a Comunhão; e o oposto da comunhão é excomunhão; comungar é evocar a Deus, excomungar é evocar ao diabo.
O CLÉRIGO — É por isto que tens o diabo no corpo, pois com certeza, semelhantes doutrinas
fazem de ti um excomungado.
ELIPHAS LEVI — Se eu tivesse o diabo, serias tu quem me o teria dado, e eu não seria, por certo,
bastante mau para devolvê-lo a ti; tratá-lo-ia como os comerciantes tratam as falsas moedas, que
pregam-nas no seu balcão para retirá-las de circulação.
O CLÉRIGO — Não quero escutar-te mais. És um extravagante e um ímpio.
ELIPHAS LEVI — (Rindo). Sabes tudo a meu respeito! E falas coisas das quais estou longe de
suspeitá-las em mim; não sou tão sábio e não direi o que és. Faço-te observar, somente que o que me
dizes, não é nem caritativo nem cortês.
O CLÉRIGO — És um dos mais perigosos inimigos da Igreja.
ELIPHAS LEVI — É o senhor de Mirville que tem dito isto. Porém, eu responderei à ele, como à ti,
com estes versos do nosso bom e grande La Fontaine:
NADA É MAIS PERIGOSO DO QUE UM AMIGO IMPRUDENTE;
MAIS VALERIA UM INIMIGO SÁBIO
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SEGUNDO DIÁLOGO
UM FILÓSOFO e ELIPHAS LEVI
O FILÓSOFO – (Entrando) — Que fazias com aquele energúmeno?
ELIPHAS LEVI — Nada muito bom, creio; teria apreciado poder acalmá-lo, no entanto, só consegui
enraivecê-lo ainda mais.
O FILÓSOFO — Também, que tens a fazer com semelhante gente? E porque obstinas em
declarar-te ainda católico? Alijas-te de ti os livres pensadores e os católicos te desprezam.
ELIPHAS LEVI — É um mal entendido.
O FILÓSOFO — Do qual és a causa. Porque te obstinas em dizer "cachorro" quando se trata de
"gato"?
ELIPHAS LEVI — Não creio ter me permitido semelhantes excentricidades de linguagem; chamo as
coisas pelo seu nome, porém tem me acontecido ver cachorros e gatos que se entendem
maravilhosamente.
O FILÓSOFO — Isto nada prova em favor de teu sonho que é um acordo impossível entre a
religião e a ciência, entre a autoridade dogmática e a liberdade de exame.
ELIPHAS LEVI — Porque impossível?
O FILÓSOFO — Porque a religião é o sonho que quer fazer a lei para a razão; é o absurdo que se
impõe com a obstinação da loucura; é o orgulho da ignorância que, para se crer sobrenatural, inventa
virtudes contra a natureza; é Alexandre VI posto no lugar de Deus; é a chave do céu colocado nas
mãos sangrentas dos inquisidores.
ELIPHAS LEVI — Não, a religião não é nada disso; a religião é a fé, a esperança e a caridade.
O FILÓSOFO — À que chamas fé?
ELIPHAS LEVI — A fé é a afirmação do que deve ser; e, a aspiração confiada no que é bom
esperar.
O FILÓSOFO — Vamos sair das nuvens, se permites. Dizes católico; pois bem, sabes o que é um
católico?
ELIPHAS LEVI — Católico quer dizer universal; um católico é aquele que se religa às crenças universais, ou seja, à religião única, cujo fundo encontra-se nos dogmas de todos os povos e de todos os tempos.
O FILÓSOFO — Não senhor, um católico, de acordo com Veuillot, a quem Roma não condena, é
aquele que crê que Jesus Cristo é o único Deus e que fala pela boca do Papa.
ELIPHAS LEVI — Deixemos Veuillot e raciocinemos.
O FILÓSOFO — Não, já que falamos de religião, bem sabes que, segundo um padre da Igreja, muito autorizado, o objeto da crença é o absurdo.
ELIPHAS LEVI — O infinito não é absurdo? Entretanto, a ciência está obrigada a acreditar nele. O
eterno acercamento de duas linhas que jamais se tocarão, não é por acaso um absurdo?; sem dúvida,
a geometria se vê obrigada a admiti-lo. Existem absurdos de duas espécies: uns são senão aparentes e são aqueles que vem de uma falha da nossa inteligência; outros são evidentes: as afirmações contrárias às verdades demonstradas; agora, a religião não nos obriga a aceitar estas últimas.
FILÓSOFO — Não entremos no labirinto de teus mistérios. O dogma emaranhado à gosto de teus
teólogos, me daria fáceis possibilidades de controvérsia; porém, estas antigalhas estão abandonadas
hoje em dia, que não nos preocupamos mais com elas, nem mesmo para rir. Resumindo, o
Cristianismo está superado pelo progresso há tempos; e se queres pôr vinho novo em teu odre velho,
perderas o odre e o vinho! Deixa o velho catolicismo morrer em paz; ele não te aceita; és para ele um
renegado e um sacrílego; tens o valor de teu livre pensamento e deixa aos mortos sepultar os mortos.
Fazer ridículos esforços para conciliar a civilização moderna é o "syllabus"; e na verdade, que isto
deve matar àquilo. Queres conciliar Polichinelo e a Força; porém Polichinelo não quer ouvir falar desta
e pensas em enforcar ele mesmo, ao verdugo, não importando os arranhões do gato. Perdoa-me se
sou pouco sério; é porque na verdade, tua fé de expedientes e de preconceitos não é séria; ela
exagera o absurdo para aumentar seus malabarismos. Pode ser muito bonita, porém isso não é útil à
ninguém e se torna muito molesta para ti.
ELIPHAS LEVI — Deixemos de lado meus interesses pessoais, não os tenho e não quero ter outros a não ser os da verdade.
O FILÓSOFO — Pois bem. A verdade, a verdade evidente para qualquer pessoa de boa fé, é que não existe relação universal, e as religiões devoram-se entre si. Todos os sectários afirmam que Deus lhes tem falado, porém, bem sabes que Deus não fala nunca senão que pela boca de seus sacerdotes, que se amaldiçoam uns aos outros e não estarão, de acordo jamais. Queres conservar o dogma e suprimir o sacerdote, porém eles se equilibraram entre si e até se suportam mutuamente.
Deus é o sacerdote do céu, assim como o sacerdote afirma ser Deus na terra. Dispensas ao
sacerdote; ele levará seu Deus e te provará que és ateu.
ELIPHAS LEVI — Eu não quero dispensar a ninguém, senão que desejaria iluminar a todos.
O FILÓSOFO — Talvez, até aos sacerdotes?
ELIPHAS LEVI — Sobretudo aos sacerdotes, porque lhes devo a minha primeira educação.
O FILÓSOFO — Não o digas; pois, nota-se bastante. Entre eles é que aprendestes às conciliações jesuíticas e às asserções com segundas intenções.
ELIPHAS LEVI — Eu escrevo sobre ciências ocultas.
O FILÓSOFO — Entendo, e acreditas que tens que ocultar teu pensamento; porém, haveria um meio bem simples para ocultá-lo; seria o de não escrevê-lo.
ELIPHAS LEVI — E de não falar; porém, então eu não teria a vantagem de discutir hoje contigo.
O FILÓSOFO — Eu não discuto as tuas crenças, condeno-as em nome da ciência e do progresso.
ELIPHAS LEVI — Mas como! Até a minha crença em Deus, na imortalidade da alma, na solidariedade entre todos os homens e no espírito da caridade?
O FILÓSOFO — Estas são, talvez, idéias respeitáveis; porém, que não existem e não poderiam existir para a ciência, pois não são nem demonstráveis nem demonstradas.
ELIPHAS LEVI — De forma que, não acreditas em nada?
O FILÓSOFO — Perdoa-me; creio na natureza, na ciência e no progresso.
ELIPHAS LEVI — Tuas crenças, são as minhas; não se trata senão de nos entendermos; e, antes de outra coisa, o que é a natureza para ti?
O FILÓSOFO — Força e matéria.
ELIPHAS LEVI — Como? Sem espírito?
O FILÓSOFO — O espírito é a força diretriz.
ELIPHAS LEVI — Muito bem, não te peço mais; acrescentarei só "evocadora" e teremos encontrado a Deus.
O FILÓSOFO — Deus, sempre Deus! Não posso sentir esta palavra, ela não pertence à ciência.
ELIPHAS LEVI — É verdade, pertence à fé; porém, a ciência não pode prescindir-se dela.
O FILÓSOFO— É o que eu nego.
ELIPHAS LEVI — Sim, sem poder provar a força da tua negação.
O FILÓSOFO — A ti cabe provar, já que afirmas.
ELIPHAS LEVI — Afirmo que a fé existe e que ela está na natureza do homem. Afirmo que a fé é razoável, dado que a ciência está limitada. Afirmo, por fim, que a fé é necessária, porque, como tu, acredito no progresso. Sem a fé, a ciência não leva senão à dúvida absoluta e ao desgosto por todas
as coisas. Sem a fé, a vida não é senão um sonho, que terminará, sem o despertar, no nada. Sem a fé, os afetos são vazios, a honra não é mais do que engano, a virtude, mentira; e, a moral, decepção.
Sem a fé, a ciência não é mais do que o despotismo das riquezas; a igualdade é impossível e a fraternidade não existe. "Filósofos do ateísmo, partidários da força cega e da matéria motriz, vós não sois homens de progresso. À um de nossos mestres, no século passado, já fizestes rir; chamava-se
Lamatthie e era um dos médicos do rei da Prússia. É triste vos ver malgastar tanto espírito para provar que sois bests." Digo-te senhor, não poderias ser dirigido, pois credes na força inteligente e no progresso. A força inteligente é o espírito e o progresso é a imortalidade.
O FILÓSOFO — Tudo isto não está demonstrado, Porém o que é evidente para ti não o é para mim?
ELIPHAS LEVI — Estendo-te a mão e separemo-nos como bons amigos.
O FILÓSOFO — Adeus, pois!
ELIPHAS LEVI — Sim, à Deus! Pois pretendes não crer em Ele apesar de que o invocas sem pensar.
Fonte: O Livro dos Sábios - por Eliphas Levi
É interessante pra quem "acha" que eu interpreto a religião de um modo muito particular...
O primeiro dialogo é com um clérigo e o segundo com um filósofo.
Eliphas Levi é o que se poderia chamar de um "místico", é ele quem discute com esses dois.
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PRIMEIRO DIÁLOGO
UM CLÉRIGO e ELIPHAS LEVI
O CLÉRIGO — Tuas pretensas ciências vêm do inferno e tuas razões são blasfêmias.
ELIPHAS LEVI — Não sei se tua ignorância vem do céu, porém, tuas razões assemelham-se muito
às injúrias.
O CLÉRIGO — Eu chamo as coisas pelo seu nome; pior para ti se estes nomes te resultam injuriosos. Como tu, que tendo saído da Igreja, que procurando ajudar a impiedade a minar em sua base seu edifício eterno, tens o louco orgulho de crer que ela vacila sob os golpes de teus semelhantes; e para o cúmulo do ultraje, estendes, para sustentá-la, tua mão sacrílega?
Não temas a sorte de Oza, a quem Deus castigou mortalmente, porque, com intenção melhor que a
tua e com mãos talvez mais puras, quis sustentar a arca Santa?
ELIPHAS LEVI — Detenho-te aqui, Senhor; citas a Bíblia sem compreende-la e preferiria em teu
lugar, compreendê-la sem citá-la. A morte de Oza, da qual me falas, assemelha-se um pouco ao trágico fim dos quarenta e dois meninos devorados pelos ursos por terem-se rido do profeta Eliseu, que era calvo. Felizmente, diz Voltaire à este respeito, não existem ursos na Palestina.
O CLÉRIGO — Então a Bíblia é um tecido de mentiras e ris dela como Voltaire?
ELIPHAS LEVI — A Bíblia é um livro hierático, ou seja, sagrado; está escrita em estilo sacerdotal,
misturado com histórias e alegorias.
O CLÉRIGO — Somente a Igreja tem o direito de interpretar a Bíblia. Crés na sua infalibilidade?
ELIPHAS LEVI — Sou da Igreja e não tenho dito e nem escrito nada que seja contrário aos meus
ensinamentos.
O CLÉRIGO — Admiro tua desenvoltura. Não és um livre pensador? Não crês no progresso? Não
admites as temeridades da ciência moderna que dá todos os dias desmentidos à Santa Escritura? Não
acreditas na antigüidade indefinida do mundo e na diversidade, seja simultânea, seja sucessiva das
raças humanas? Não consideras como mito ou fábula, o que é a mesma coisa, a história da maçã de
Adão, sobre a qual fundamenta-se o dogma do pecado original? Porém, tu sabes bem que então tudo
se derruba, não mais revelação nem encarnação, pois todo o cristianismo não tem sido mais que um
longo erro; a Igreja não pode se manter senão prescrevendo o bom senso e propagando a ignorância?
Admites isto e ousas chamar-te católico?
ELIPHAS LEVI — Que quer dizer a palavra católico? Não quer dizer universal? Creio no dogma
universal e me cuido das aberrações de todas as seitas particulares. Suporto-as porém, na esperança de que o progresso se cumprirá e de que todos os homens se reunirão na fé das verdades
fundamentais; o que tem-se cumprido já naquela sociedade conhecida em todo o mundo, chamada
franco-maçonaria.
O CLÉRIGO — Ânimo Senhor, tiras a máscara por fim, completamente; és sem dúvida Franco
Maçom e sabes perfeitamente, que os Franco-Maçons acabam de ser excomungados recentemente,
pelo Papa.
ELIPHAS LEVI — Sim, o sei; e, desde então, tenho deixado de ser Franco-Maçom, porque os
Franco-Maçons excomungados pelo Papa, não acreditavam que deviam tolerar o catolicismo. Tenho
me separado deles, para resguardar a minha liberdade de consciência e para não me associar as suas
represálias, talvez desculpáveis, se não legítimas; porém, seguramente inconseqüentes, já que a
essência da Maçonaria é a tolerância à todos os cultos.
O CLÉRIGO — Queres dizer, a indiferença em matéria de religião?
ELIPHAS LEVI — Dizes em matéria de superstições.
O CLÉRIGO — Oh! Sei que para ti, a Religião e a superstição são uma só e mesma coisa.
ELIPHAS LEVI — Creio, pelo contrário, que são duas coisas opostas e inconciliáveis, tanto que, aos meus olhos, os supersticiosos são ímpios. Quanto à religião, não há mais que uma. E não tem havido nunca, senão uma verdadeira. É a esta que chamo verdadeiramente de Católica ou universal.
Um muçulmano pode praticá-la como o tem demonstrado muito bem o emir Abd-el-Kader, quando salvou os Cristãos de Damasco. Esta religião é a Caridade; o símbolo da caridade é a Comunhão; e o oposto da comunhão é excomunhão; comungar é evocar a Deus, excomungar é evocar ao diabo.
O CLÉRIGO — É por isto que tens o diabo no corpo, pois com certeza, semelhantes doutrinas
fazem de ti um excomungado.
ELIPHAS LEVI — Se eu tivesse o diabo, serias tu quem me o teria dado, e eu não seria, por certo,
bastante mau para devolvê-lo a ti; tratá-lo-ia como os comerciantes tratam as falsas moedas, que
pregam-nas no seu balcão para retirá-las de circulação.
O CLÉRIGO — Não quero escutar-te mais. És um extravagante e um ímpio.
ELIPHAS LEVI — (Rindo). Sabes tudo a meu respeito! E falas coisas das quais estou longe de
suspeitá-las em mim; não sou tão sábio e não direi o que és. Faço-te observar, somente que o que me
dizes, não é nem caritativo nem cortês.
O CLÉRIGO — És um dos mais perigosos inimigos da Igreja.
ELIPHAS LEVI — É o senhor de Mirville que tem dito isto. Porém, eu responderei à ele, como à ti,
com estes versos do nosso bom e grande La Fontaine:
NADA É MAIS PERIGOSO DO QUE UM AMIGO IMPRUDENTE;
MAIS VALERIA UM INIMIGO SÁBIO
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SEGUNDO DIÁLOGO
UM FILÓSOFO e ELIPHAS LEVI
O FILÓSOFO – (Entrando) — Que fazias com aquele energúmeno?
ELIPHAS LEVI — Nada muito bom, creio; teria apreciado poder acalmá-lo, no entanto, só consegui
enraivecê-lo ainda mais.
O FILÓSOFO — Também, que tens a fazer com semelhante gente? E porque obstinas em
declarar-te ainda católico? Alijas-te de ti os livres pensadores e os católicos te desprezam.
ELIPHAS LEVI — É um mal entendido.
O FILÓSOFO — Do qual és a causa. Porque te obstinas em dizer "cachorro" quando se trata de
"gato"?
ELIPHAS LEVI — Não creio ter me permitido semelhantes excentricidades de linguagem; chamo as
coisas pelo seu nome, porém tem me acontecido ver cachorros e gatos que se entendem
maravilhosamente.
O FILÓSOFO — Isto nada prova em favor de teu sonho que é um acordo impossível entre a
religião e a ciência, entre a autoridade dogmática e a liberdade de exame.
ELIPHAS LEVI — Porque impossível?
O FILÓSOFO — Porque a religião é o sonho que quer fazer a lei para a razão; é o absurdo que se
impõe com a obstinação da loucura; é o orgulho da ignorância que, para se crer sobrenatural, inventa
virtudes contra a natureza; é Alexandre VI posto no lugar de Deus; é a chave do céu colocado nas
mãos sangrentas dos inquisidores.
ELIPHAS LEVI — Não, a religião não é nada disso; a religião é a fé, a esperança e a caridade.
O FILÓSOFO — À que chamas fé?
ELIPHAS LEVI — A fé é a afirmação do que deve ser; e, a aspiração confiada no que é bom
esperar.
O FILÓSOFO — Vamos sair das nuvens, se permites. Dizes católico; pois bem, sabes o que é um
católico?
ELIPHAS LEVI — Católico quer dizer universal; um católico é aquele que se religa às crenças universais, ou seja, à religião única, cujo fundo encontra-se nos dogmas de todos os povos e de todos os tempos.
O FILÓSOFO — Não senhor, um católico, de acordo com Veuillot, a quem Roma não condena, é
aquele que crê que Jesus Cristo é o único Deus e que fala pela boca do Papa.
ELIPHAS LEVI — Deixemos Veuillot e raciocinemos.
O FILÓSOFO — Não, já que falamos de religião, bem sabes que, segundo um padre da Igreja, muito autorizado, o objeto da crença é o absurdo.
ELIPHAS LEVI — O infinito não é absurdo? Entretanto, a ciência está obrigada a acreditar nele. O
eterno acercamento de duas linhas que jamais se tocarão, não é por acaso um absurdo?; sem dúvida,
a geometria se vê obrigada a admiti-lo. Existem absurdos de duas espécies: uns são senão aparentes e são aqueles que vem de uma falha da nossa inteligência; outros são evidentes: as afirmações contrárias às verdades demonstradas; agora, a religião não nos obriga a aceitar estas últimas.
FILÓSOFO — Não entremos no labirinto de teus mistérios. O dogma emaranhado à gosto de teus
teólogos, me daria fáceis possibilidades de controvérsia; porém, estas antigalhas estão abandonadas
hoje em dia, que não nos preocupamos mais com elas, nem mesmo para rir. Resumindo, o
Cristianismo está superado pelo progresso há tempos; e se queres pôr vinho novo em teu odre velho,
perderas o odre e o vinho! Deixa o velho catolicismo morrer em paz; ele não te aceita; és para ele um
renegado e um sacrílego; tens o valor de teu livre pensamento e deixa aos mortos sepultar os mortos.
Fazer ridículos esforços para conciliar a civilização moderna é o "syllabus"; e na verdade, que isto
deve matar àquilo. Queres conciliar Polichinelo e a Força; porém Polichinelo não quer ouvir falar desta
e pensas em enforcar ele mesmo, ao verdugo, não importando os arranhões do gato. Perdoa-me se
sou pouco sério; é porque na verdade, tua fé de expedientes e de preconceitos não é séria; ela
exagera o absurdo para aumentar seus malabarismos. Pode ser muito bonita, porém isso não é útil à
ninguém e se torna muito molesta para ti.
ELIPHAS LEVI — Deixemos de lado meus interesses pessoais, não os tenho e não quero ter outros a não ser os da verdade.
O FILÓSOFO — Pois bem. A verdade, a verdade evidente para qualquer pessoa de boa fé, é que não existe relação universal, e as religiões devoram-se entre si. Todos os sectários afirmam que Deus lhes tem falado, porém, bem sabes que Deus não fala nunca senão que pela boca de seus sacerdotes, que se amaldiçoam uns aos outros e não estarão, de acordo jamais. Queres conservar o dogma e suprimir o sacerdote, porém eles se equilibraram entre si e até se suportam mutuamente.
Deus é o sacerdote do céu, assim como o sacerdote afirma ser Deus na terra. Dispensas ao
sacerdote; ele levará seu Deus e te provará que és ateu.
ELIPHAS LEVI — Eu não quero dispensar a ninguém, senão que desejaria iluminar a todos.
O FILÓSOFO — Talvez, até aos sacerdotes?
ELIPHAS LEVI — Sobretudo aos sacerdotes, porque lhes devo a minha primeira educação.
O FILÓSOFO — Não o digas; pois, nota-se bastante. Entre eles é que aprendestes às conciliações jesuíticas e às asserções com segundas intenções.
ELIPHAS LEVI — Eu escrevo sobre ciências ocultas.
O FILÓSOFO — Entendo, e acreditas que tens que ocultar teu pensamento; porém, haveria um meio bem simples para ocultá-lo; seria o de não escrevê-lo.
ELIPHAS LEVI — E de não falar; porém, então eu não teria a vantagem de discutir hoje contigo.
O FILÓSOFO — Eu não discuto as tuas crenças, condeno-as em nome da ciência e do progresso.
ELIPHAS LEVI — Mas como! Até a minha crença em Deus, na imortalidade da alma, na solidariedade entre todos os homens e no espírito da caridade?
O FILÓSOFO — Estas são, talvez, idéias respeitáveis; porém, que não existem e não poderiam existir para a ciência, pois não são nem demonstráveis nem demonstradas.
ELIPHAS LEVI — De forma que, não acreditas em nada?
O FILÓSOFO — Perdoa-me; creio na natureza, na ciência e no progresso.
ELIPHAS LEVI — Tuas crenças, são as minhas; não se trata senão de nos entendermos; e, antes de outra coisa, o que é a natureza para ti?
O FILÓSOFO — Força e matéria.
ELIPHAS LEVI — Como? Sem espírito?
O FILÓSOFO — O espírito é a força diretriz.
ELIPHAS LEVI — Muito bem, não te peço mais; acrescentarei só "evocadora" e teremos encontrado a Deus.
O FILÓSOFO — Deus, sempre Deus! Não posso sentir esta palavra, ela não pertence à ciência.
ELIPHAS LEVI — É verdade, pertence à fé; porém, a ciência não pode prescindir-se dela.
O FILÓSOFO— É o que eu nego.
ELIPHAS LEVI — Sim, sem poder provar a força da tua negação.
O FILÓSOFO — A ti cabe provar, já que afirmas.
ELIPHAS LEVI — Afirmo que a fé existe e que ela está na natureza do homem. Afirmo que a fé é razoável, dado que a ciência está limitada. Afirmo, por fim, que a fé é necessária, porque, como tu, acredito no progresso. Sem a fé, a ciência não leva senão à dúvida absoluta e ao desgosto por todas
as coisas. Sem a fé, a vida não é senão um sonho, que terminará, sem o despertar, no nada. Sem a fé, os afetos são vazios, a honra não é mais do que engano, a virtude, mentira; e, a moral, decepção.
Sem a fé, a ciência não é mais do que o despotismo das riquezas; a igualdade é impossível e a fraternidade não existe. "Filósofos do ateísmo, partidários da força cega e da matéria motriz, vós não sois homens de progresso. À um de nossos mestres, no século passado, já fizestes rir; chamava-se
Lamatthie e era um dos médicos do rei da Prússia. É triste vos ver malgastar tanto espírito para provar que sois bests." Digo-te senhor, não poderias ser dirigido, pois credes na força inteligente e no progresso. A força inteligente é o espírito e o progresso é a imortalidade.
O FILÓSOFO — Tudo isto não está demonstrado, Porém o que é evidente para ti não o é para mim?
ELIPHAS LEVI — Estendo-te a mão e separemo-nos como bons amigos.
O FILÓSOFO — Adeus, pois!
ELIPHAS LEVI — Sim, à Deus! Pois pretendes não crer em Ele apesar de que o invocas sem pensar.
Fonte: O Livro dos Sábios - por Eliphas Levi