A ANAC da Nova Zelândia, Um exemplo para o Brasil
Enviado: 31 Ago 2007, 17:31
EXAME Célebre pelas praias, florestas e montanhas retratadas na trilogia de filmes O Senhor dos Anéis, a Nova Zelândia é também uma referência mundial em termos de agências reguladoras. Uma das mais respeitadas é a Autoridade da Aviação Civil (CAA, na sigla em inglês). Reconhecida até mesmo pelo governo americano por causa da alta qualidade dos serviços que presta e dos rigorosos padrões de segurança que adota, a CAA é formada por um time pequeno e especializado de técnicos em aviação, segurança de vôo e negócios aeronáuticos. Na CAA, um perfil como o de Milton Zuanazzi, diretor-geral da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), sua congênere no Brasil, muito provavelmente não cruzaria a porta de entrada. E tampouco seriam aceitos Denise de Abreu, Leur Lomanto e Josef Barat, os demais diretores -- todos sem nenhuma experiência no ramo ao assumir o cargo. Famoso por sua trágica incompetência, o quarteto só ganhou o emprego graças a padrinhos políticos no PT, PMDB e PDT. O modelo de agências reguladoras neozelandês não deve ser visto como uma particularidade de um país com poucos problemas. Sua estrutura, baseada no conhecimento, na experiência e no bom senso, é ideal para autoridades reguladoras de todo o mundo. É por isso que comparar a realidade da Nova Zelândia com a brasileira não poderia ser mais oportuno num momento em que o debate tortuoso sobre a autonomia das agências ganha força e perde racionalidade, e às vésperas de uma possível votação da nova Lei Geral das Agências Reguladoras. O exemplo internacional deixa claro que o que está errado no Brasil não são as agências como instituições -- mas o uso político que se fez e se faz delas.
Tome-se, por exemplo, o currículo de Steve Douglas, o diretor-geral da CAA. Formado em engenharia aeronáutica, ele tem mestrado no ramo, especialização em projetos de satélites comerciais na Inglaterra e amplo treinamento em primeiros socorros. Antes de chegar ao topo da instituição, Douglas acumulou uma experiência de 12 anos em cargos administrativos na própria agência. Nos últimos tempos, seu maior desafio foi gerir a crise que se seguiu a um acidente que matou oito pessoas no aeroporto de Christchurch, no sul da Nova Zelândia, em 2003. A causa, um erro do piloto no procedimento de aterrissagem à noite, levou a CAA a rever as normas de controle de vôo nos pousos por instrumento.
HOJE RESPONSAVEL PELO DIA-A-DIA da instituição, Douglas presta contas a um conselho administrativo formado por cinco membros, os governadores da CAA. Indicado por representantes da sociedade civil e da indústria da aviação, o conselho é integrado por figuras de notório saber em direito, engenharia e negócios aeronáuticos. "A reputação de Douglas e sua experiência fazem dele um candidato impecável para o cargo", disse Rick Bettle, presidente do conselho da agência, na posse do novo diretor-geral, no último mês de junho. O trabalho de Douglas é facilitado porque a CAA conta com um quadro técnico de nível, as verbas de que necessita e um bom marco regulatório. Sua agilidade a posiciona até mesmo à frente dos órgãos reguladores americanos, que têm uma burocracia mais pesada e por vezes redundante nos níveis federal e estadual.
Mas, tanto na Oceania como nos Estados Unidos, os cargos de diretoria das agências são preenchidos por profissionais de reconhecida competência e conhecimento do setor. As nomeações não privilegiam a ligação política do candidato. Já os pontos altos do currículo de Zuanazzi são um diploma em engenharia mecânica, uma pós-graduação em sociologia e o chamado fator QI ("quem indica") -- no caso, os ministros Walfrido dos Mares Guia, das Relações Institucionais, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
De acordo com a lei brasileira atual, para tomar posse, o novo diretor de uma agência reguladora só precisa passar por uma sabatina no Senado, formalidade em que o candidato responde a questões rudimentares e recebe os rapapés dos aliados. Tal facilidade, somada ao critério partidário das nomeações, tornou as agências presas fáceis tanto dos interesses do governo como dos grupos econômicos que deveriam fiscalizar. "Quando a política passa a ser o principal critério de nomeação, em vez de investir tempo e dinheiro em pareceres técnicos elaborados, as empresas se sentem tentadas a caprichar apenas nos presentes de Natal que enviam a Brasília", diz o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O NOVO PROJETO DE LEI representa uma oportunidade única para que o Brasil adote um marco regulatório que garanta estabilidade e segurança aos consumidores, aos investidores priva dos e ao governo. Especialmente num momento de crise de liquidez dos mercados globais, a nova lei torna-se um instrumento indispensável para que o país consiga atrair o capital necessário para investir em sua infra-estrutura claudicante. "Talvez o governo não perceba, mas um bom marco regulatório caminha de mãos dadas com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento", diz a economista Virgínia Parente, professora da Universidade de São Paulo e especialista em regulação do setor elétrico. "Se as regras do jogo forem claras e as agências tiverem autonomia, cada real investido pelo governo em hidrelétricas, estradas ou ferrovias atrairá outros três reais da iniciativa privada."
Concebida pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, a versão original do Projeto de Lei no 3.337 convertia as agências em meros apêndices dos ministérios, causando apreensão entre os investidores. O resultado foi a obstrução do projeto pela oposição e até mesmo por partidos aliados. "O governo começa a entender que as agências são um órgão de Estado", diz o deputado Ricardo Barros (PP-PR), coordenador da Frente Parlamentar das Agências Reguladoras e vice-líder do governo na Câmara. "Elas devem regular investimentos com ciclos de até 30 anos de duração, muito além do presidente ou do ministro em exercício." O governo tem demonstrado estar disposto a aumentar as exigências sobre as qualificações dos candidatos. "A lei vai exigir que eles tenham conduta ilibada, nível superior e comprovada experiência na área", diz o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), aliado do governo e relator do projeto de lei.
Mas o Planalto ainda resiste a negociar pontos controversos, sinal de que o texto a ser aprovado ainda poderá ter graves erros conceituais. "Gostaríamos que o governo soubesse que o investidor, seja ele estrangeiro ou nacional, não tem uma perspectiva de utopia", diz Mickey Peters, conselheiro da Câmara Americana de Comércio (Amcham) e presidente da Duke Energy Brasil. "Não existem leis perfeitas, mas elas devem ao menos garantir que as regras do jogo sejam claras e justas." São três os pontos principais a ser aperfeiçoados. Eles dizem respeito ao financiamento dos órgãos reguladores, à quebra da estabilidade dos mandatos dos diretores e ao poder de outorga das concessões do Estado. "Infelizmente, a experiência desastrosa da Anac trouxe um caráter emocional às negociações com o governo", diz o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP). "Num país de forte tradição presidencialista como o nosso, é preciso assegurar que as agências não sejam subordinadas ao Poder Executivo."
De saída, para garantir a autonomia dos órgãos regulatórios, é preciso que seu orçamento não seja cortado pelo governo. O projeto de lei ainda é confuso a esse respeito. De acordo com especialistas em regulação, o ideal é que o dinheiro venha diretamente de contribuições feitas pelos usuários dos serviços regulados. Outro ponto polêmico é a demissão de diretores notoriamente incompetentes. O governo quer tal prerrogativa para si. A oposição briga para que a quebra de mandato seja competência do Congresso. Quanto à avaliação do currículo dos candidatos, o projeto de lei ainda é fraco. "O ideal é que eles comprovem estar à altura do cargo, publicando o currículo na internet e passando por uma sabatina com perguntas técnicas em profundidade, feitas por especialistas, e não apenas por senadores", diz Semeghini. Finalmente, no terceiro ponto polêmico, o de outorga das concessões dos serviços, a proposta do governo é incoerente. Enquanto agências como a ANTT, responsável pelas malhas rodoviária e ferroviária, fariam leilões de licenças em seus setores, o mesmo não se aplicaria à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No caso dela, as concessões ficariam a cargo do Ministério das Comunicações.
Um levantamento feito por EXAME com dez agências reguladoras brasileiras revela que, dos atuais 43 cargos de direção preenchidos, apenas 17 são ocupados por profissionais exclusivamente técnicos. O levantamento revela também que nada menos do que 33 mandatos de diretores vão terminar até 2010. A mudança de critérios em seu preenchimento será crucial para restaurar a credibilidade das instituições. Novamente, o exemplo da Nova Zelândia é instrutivo. Até meados dos anos 90, o país estava estagnado economicamente. Mas uma série de reformas modernizou o Estado e suas leis, atraindo investimentos da iniciativa privada. A qualidade das agências reguladoras tornou-se uma das vantagens comparativas do país. A questão que se coloca no Brasil, hoje, é seguir um exemplo como o neozelandês ou complicar o ambiente para os investidores.
FONTE:Exame
Abraços,
Tome-se, por exemplo, o currículo de Steve Douglas, o diretor-geral da CAA. Formado em engenharia aeronáutica, ele tem mestrado no ramo, especialização em projetos de satélites comerciais na Inglaterra e amplo treinamento em primeiros socorros. Antes de chegar ao topo da instituição, Douglas acumulou uma experiência de 12 anos em cargos administrativos na própria agência. Nos últimos tempos, seu maior desafio foi gerir a crise que se seguiu a um acidente que matou oito pessoas no aeroporto de Christchurch, no sul da Nova Zelândia, em 2003. A causa, um erro do piloto no procedimento de aterrissagem à noite, levou a CAA a rever as normas de controle de vôo nos pousos por instrumento.
HOJE RESPONSAVEL PELO DIA-A-DIA da instituição, Douglas presta contas a um conselho administrativo formado por cinco membros, os governadores da CAA. Indicado por representantes da sociedade civil e da indústria da aviação, o conselho é integrado por figuras de notório saber em direito, engenharia e negócios aeronáuticos. "A reputação de Douglas e sua experiência fazem dele um candidato impecável para o cargo", disse Rick Bettle, presidente do conselho da agência, na posse do novo diretor-geral, no último mês de junho. O trabalho de Douglas é facilitado porque a CAA conta com um quadro técnico de nível, as verbas de que necessita e um bom marco regulatório. Sua agilidade a posiciona até mesmo à frente dos órgãos reguladores americanos, que têm uma burocracia mais pesada e por vezes redundante nos níveis federal e estadual.
Mas, tanto na Oceania como nos Estados Unidos, os cargos de diretoria das agências são preenchidos por profissionais de reconhecida competência e conhecimento do setor. As nomeações não privilegiam a ligação política do candidato. Já os pontos altos do currículo de Zuanazzi são um diploma em engenharia mecânica, uma pós-graduação em sociologia e o chamado fator QI ("quem indica") -- no caso, os ministros Walfrido dos Mares Guia, das Relações Institucionais, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
De acordo com a lei brasileira atual, para tomar posse, o novo diretor de uma agência reguladora só precisa passar por uma sabatina no Senado, formalidade em que o candidato responde a questões rudimentares e recebe os rapapés dos aliados. Tal facilidade, somada ao critério partidário das nomeações, tornou as agências presas fáceis tanto dos interesses do governo como dos grupos econômicos que deveriam fiscalizar. "Quando a política passa a ser o principal critério de nomeação, em vez de investir tempo e dinheiro em pareceres técnicos elaborados, as empresas se sentem tentadas a caprichar apenas nos presentes de Natal que enviam a Brasília", diz o economista Gesner Oliveira, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O NOVO PROJETO DE LEI representa uma oportunidade única para que o Brasil adote um marco regulatório que garanta estabilidade e segurança aos consumidores, aos investidores priva dos e ao governo. Especialmente num momento de crise de liquidez dos mercados globais, a nova lei torna-se um instrumento indispensável para que o país consiga atrair o capital necessário para investir em sua infra-estrutura claudicante. "Talvez o governo não perceba, mas um bom marco regulatório caminha de mãos dadas com o PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento", diz a economista Virgínia Parente, professora da Universidade de São Paulo e especialista em regulação do setor elétrico. "Se as regras do jogo forem claras e as agências tiverem autonomia, cada real investido pelo governo em hidrelétricas, estradas ou ferrovias atrairá outros três reais da iniciativa privada."
Concebida pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, a versão original do Projeto de Lei no 3.337 convertia as agências em meros apêndices dos ministérios, causando apreensão entre os investidores. O resultado foi a obstrução do projeto pela oposição e até mesmo por partidos aliados. "O governo começa a entender que as agências são um órgão de Estado", diz o deputado Ricardo Barros (PP-PR), coordenador da Frente Parlamentar das Agências Reguladoras e vice-líder do governo na Câmara. "Elas devem regular investimentos com ciclos de até 30 anos de duração, muito além do presidente ou do ministro em exercício." O governo tem demonstrado estar disposto a aumentar as exigências sobre as qualificações dos candidatos. "A lei vai exigir que eles tenham conduta ilibada, nível superior e comprovada experiência na área", diz o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), aliado do governo e relator do projeto de lei.
Mas o Planalto ainda resiste a negociar pontos controversos, sinal de que o texto a ser aprovado ainda poderá ter graves erros conceituais. "Gostaríamos que o governo soubesse que o investidor, seja ele estrangeiro ou nacional, não tem uma perspectiva de utopia", diz Mickey Peters, conselheiro da Câmara Americana de Comércio (Amcham) e presidente da Duke Energy Brasil. "Não existem leis perfeitas, mas elas devem ao menos garantir que as regras do jogo sejam claras e justas." São três os pontos principais a ser aperfeiçoados. Eles dizem respeito ao financiamento dos órgãos reguladores, à quebra da estabilidade dos mandatos dos diretores e ao poder de outorga das concessões do Estado. "Infelizmente, a experiência desastrosa da Anac trouxe um caráter emocional às negociações com o governo", diz o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP). "Num país de forte tradição presidencialista como o nosso, é preciso assegurar que as agências não sejam subordinadas ao Poder Executivo."
De saída, para garantir a autonomia dos órgãos regulatórios, é preciso que seu orçamento não seja cortado pelo governo. O projeto de lei ainda é confuso a esse respeito. De acordo com especialistas em regulação, o ideal é que o dinheiro venha diretamente de contribuições feitas pelos usuários dos serviços regulados. Outro ponto polêmico é a demissão de diretores notoriamente incompetentes. O governo quer tal prerrogativa para si. A oposição briga para que a quebra de mandato seja competência do Congresso. Quanto à avaliação do currículo dos candidatos, o projeto de lei ainda é fraco. "O ideal é que eles comprovem estar à altura do cargo, publicando o currículo na internet e passando por uma sabatina com perguntas técnicas em profundidade, feitas por especialistas, e não apenas por senadores", diz Semeghini. Finalmente, no terceiro ponto polêmico, o de outorga das concessões dos serviços, a proposta do governo é incoerente. Enquanto agências como a ANTT, responsável pelas malhas rodoviária e ferroviária, fariam leilões de licenças em seus setores, o mesmo não se aplicaria à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No caso dela, as concessões ficariam a cargo do Ministério das Comunicações.
Um levantamento feito por EXAME com dez agências reguladoras brasileiras revela que, dos atuais 43 cargos de direção preenchidos, apenas 17 são ocupados por profissionais exclusivamente técnicos. O levantamento revela também que nada menos do que 33 mandatos de diretores vão terminar até 2010. A mudança de critérios em seu preenchimento será crucial para restaurar a credibilidade das instituições. Novamente, o exemplo da Nova Zelândia é instrutivo. Até meados dos anos 90, o país estava estagnado economicamente. Mas uma série de reformas modernizou o Estado e suas leis, atraindo investimentos da iniciativa privada. A qualidade das agências reguladoras tornou-se uma das vantagens comparativas do país. A questão que se coloca no Brasil, hoje, é seguir um exemplo como o neozelandês ou complicar o ambiente para os investidores.
FONTE:Exame
Abraços,