A falsa democracia de Hugo Chávez
Enviado: 08 Set 2007, 12:29
"O Globo" 08/09/07
Dilema da democracia direta
"O paradoxo de Rousseau", de Wanderley Guilherme dos Santos. Editora Rocco, 166 páginas. R$ 25
Miguel Conde
Altos índices de insatisfação dos cidadãos com as instituições democráticas e a diminuição do interesse pelo processo político formal têm levado estudiosos, já há alguns anos, a falar numa crise global das democracias representativas.
O recurso aos chamados mecanismos de democracia direta, como plebiscitos e referendos, é apontado como forma de corrigir algumas insuficiências do modelo representativo, mas não há consenso sobre f reqüência e ocasiões ideais de utilização. Sua aplicação, além disso, é vista mesmo como potencialmente antidemocrática.
No Brasil, o ministro da Justiça, Tarso Genro, tem sido um dos mais ativos condutores desse debate, ao qual os sucessivos escândalos protagonizados pelos representantes do povo brasileiro na Câmara e no Senado conferem ainda maior relevância.
Com “O paradoxo de Rousseau”, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, espera ampliar a discussão, que na sua opinião ainda é excessivamente tímida entre nós.
Em vez de Rousseau, John Stuart Mill Partindo do conceito de vontade geral formulado pelo filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, Guilherme dos Santos tenta expor os dilemas envolvidos nas consultas populares: — Para Rousseau, a vontade geral sempre tende ao bem público.
Por isso, a maioria pode impor sua vontade às minorias, para obrigá-las a serem livres. A minoria, nessa concepção, ou está equivocada do ponto de vista epistemológico, ou é doente mental, ou sabotadora. Deve ser posta no hospital ou na prisão.
A essa visão, que ele qualifica de absolutista, o acadêmico opõe a do filósofo inglês John Stuart Mill, para quem a proteção à minoria é uma condição para a inovação, e portanto para a transformação da sociedade:
— O fundamento essencial da democracia é um certo ceticismo a respeito de si própria, a desconfiança de que ela não é a verdade absoluta. O regime ideal, na democracia, será sempre apenas um projeto.
Ele acha que o Brasil deve ampliar sua utilização de plebiscitos e referendos, mas alerta para os perigos do abuso.
— Desde a Constituição, só tivemos no Brasil um plebiscito (em 1993, para escolha da forma de governo) e um referendo, o da venda de armas. São instrumentos legítimos, que deveriam ser mais usados. Eles não podem, porém, substituir as instituições representativas. O problema com esse tipo de consulta é que seus resultados quase sempre coincidem com os interesses da corrente política majoritária — afirma o cientista político, que considera o regime de Hugo Chávez um exemplo óbvio disso.
Palavra da maioria pode interditar debate
A trivialização dos instrumentos de democracia direta, diz Guilherme dos Santos, pode provocar uma interdição do debate sobre questões importantes no país, em vez de estimulá-lo. Isso porque, ele argumenta, o resultado de um plebiscito ou referendo tem peso muito maior do que o de uma decisão parlamentar, e tende a forçar as vozes discordantes a silenciarem diante da “palavra final” da maioria:
— No parlamento, as decisões são provisórias. Sempre podem ser revistas. No plebiscito, a decisão é irrecorrível.
O que é decidido em plebiscito sequer pode ser discutido depois no parlamento. É necessária uma votação especial para isso.
Dilema da democracia direta
"O paradoxo de Rousseau", de Wanderley Guilherme dos Santos. Editora Rocco, 166 páginas. R$ 25
Miguel Conde
Altos índices de insatisfação dos cidadãos com as instituições democráticas e a diminuição do interesse pelo processo político formal têm levado estudiosos, já há alguns anos, a falar numa crise global das democracias representativas.
O recurso aos chamados mecanismos de democracia direta, como plebiscitos e referendos, é apontado como forma de corrigir algumas insuficiências do modelo representativo, mas não há consenso sobre f reqüência e ocasiões ideais de utilização. Sua aplicação, além disso, é vista mesmo como potencialmente antidemocrática.
No Brasil, o ministro da Justiça, Tarso Genro, tem sido um dos mais ativos condutores desse debate, ao qual os sucessivos escândalos protagonizados pelos representantes do povo brasileiro na Câmara e no Senado conferem ainda maior relevância.
Com “O paradoxo de Rousseau”, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, espera ampliar a discussão, que na sua opinião ainda é excessivamente tímida entre nós.
Em vez de Rousseau, John Stuart Mill Partindo do conceito de vontade geral formulado pelo filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, Guilherme dos Santos tenta expor os dilemas envolvidos nas consultas populares: — Para Rousseau, a vontade geral sempre tende ao bem público.
Por isso, a maioria pode impor sua vontade às minorias, para obrigá-las a serem livres. A minoria, nessa concepção, ou está equivocada do ponto de vista epistemológico, ou é doente mental, ou sabotadora. Deve ser posta no hospital ou na prisão.
A essa visão, que ele qualifica de absolutista, o acadêmico opõe a do filósofo inglês John Stuart Mill, para quem a proteção à minoria é uma condição para a inovação, e portanto para a transformação da sociedade:
— O fundamento essencial da democracia é um certo ceticismo a respeito de si própria, a desconfiança de que ela não é a verdade absoluta. O regime ideal, na democracia, será sempre apenas um projeto.
Ele acha que o Brasil deve ampliar sua utilização de plebiscitos e referendos, mas alerta para os perigos do abuso.
— Desde a Constituição, só tivemos no Brasil um plebiscito (em 1993, para escolha da forma de governo) e um referendo, o da venda de armas. São instrumentos legítimos, que deveriam ser mais usados. Eles não podem, porém, substituir as instituições representativas. O problema com esse tipo de consulta é que seus resultados quase sempre coincidem com os interesses da corrente política majoritária — afirma o cientista político, que considera o regime de Hugo Chávez um exemplo óbvio disso.
Palavra da maioria pode interditar debate
A trivialização dos instrumentos de democracia direta, diz Guilherme dos Santos, pode provocar uma interdição do debate sobre questões importantes no país, em vez de estimulá-lo. Isso porque, ele argumenta, o resultado de um plebiscito ou referendo tem peso muito maior do que o de uma decisão parlamentar, e tende a forçar as vozes discordantes a silenciarem diante da “palavra final” da maioria:
— No parlamento, as decisões são provisórias. Sempre podem ser revistas. No plebiscito, a decisão é irrecorrível.
O que é decidido em plebiscito sequer pode ser discutido depois no parlamento. É necessária uma votação especial para isso.