Qual é o verdadeiro Deus?
Enviado: 16 Set 2007, 02:26
Devo acreditar em Jeová, Shiva, Allāh, Tao ou em algum outro?
Em qual dos muitos deuses devo acreditar?
Essa é uma questão que assombra e distorce a realidade da religião e de Deus, tanto entre os teístas quanto entre os ateus.
Do lado teísta existe aquela questão de não cultuar os falsos deuses das outras religiões, onde cada teísta elege a sua religião como sendo a verdadeira, bem como o seu Deus como sendo o único.
Do lado ateu isso vira motivo para se dizer que é tudo invenção, que cada religião “cria” um Deus imaginário diferente e a prova de que isso é tudo bobagem, está justamente no fato de existirem tantos deuses diferentes e nenhum consenso sobre qual é o verdadeiro.
A resposta mais acertada a questão inicial é: Todos eles são o verdadeiro Deus.
Não são muitos deuses, na verdade, estão falando sobre o mesmo Deus único e dando a ele muitos nomes diferentes.
O grande problema aqui, se concentra na forma como cada individuo “interpreta” Deus em sua própria mente.
Esse mesmo Deus pode ser visto de diferentes formas, por diferentes pessoas.
Isso ocorre inclusive com coisas mais simples, por exemplo, ao julgar uma mesma pessoa, indivíduos diferentes podem ter idéias diferentes sobre ela e podem descrever diferentes “facetas” dessa mesma pessoa.
Diríamos então que estão a falar sobre pessoas diferentes?
Poderíamos alegar que pela falta de consenso essa pessoa não existe?
Observe o texto abaixo, ele além de muito bonito, mostra como uma mesma pessoa ao longo do tempo, vai mudando sua forma de perceber Deus.
"Muito antigamente, quando a primeira trepidação da fala me chegou aos lábios, subi a montanha sagrada e conversei com Deus, dizendo:
- Senhor, sou vosso escravo. Vossa vontade oculta é minha lei e vou cumpri-la para todo o sempre.
Mas Deus não respondeu e passou por mim como uma tempestade violenta.
Mil anos depois, voltei a subir a montanha sagrada e falei de novo com Deus, dizendo:
- Criador, sou vossa criatura. Com barro me fizestes e a vós devo tudo o que sou.
Mas Deus não me respondeu e passou por mim como mil asas velozes.
Depois de mil anos, subi a montanha sagrada e falei de novo com Deus:
- Pai, sou vosso filho. Com amor e compaixão me destes a vida e com amor e adoração vou herdar vosso reino.
Mas Deus não me respondeu e passou por mim como os véus da neblina das montanhas distantes.
Passados outros mil anos, subi a montanha sagrada e me dirigi ao Criador de novo, dizendo:
- Meu Deus, meu alvo e minha plenitude, sou vosso ontem e vós sois meu amanhã. Sou vossa raiz na terra e voz sois minha flor no céu, e juntos crescemos diante da face do sol.
Então Deus se inclinou para mim e sussurrou em meus ouvidos palavras doces e, como o mar que abraça um riacho que nele deságua, ele me abraçou.
E, quando desci para os vales e as planícies, Deus também estava lá."
(Khalil Gibran – Escritor, filósofo e poeta libanês).
O texto mostra a evolução da mentalidade da pessoa, onde primeiro ela vê Deus como sendo seu “Senhor” e si próprio na posição de “escravo”, depois ele evolui para condição de “criatura” e vê Deus como o “criador”, então ele passa a ver Deus como um “pai” do qual é “filho”. Até esse ponto Deus permanece “oculto” e o homem “sozinho”.
Por fim ele chega a compreensão da “unidade”, onde ele e Deus estão “juntos”, quando isso ocorre, ele finalmente passa a perceber Deus em tudo, Deus fala com ele e ao descer a montanha, Deus também está lá.
Deus está por toda parte, é “uno”, entender isso é o primeiro passo para se eliminar as distorções sobre Deus.
Essa é uma questão antiga sendo abordada dentro da própria religião.
Lao Tsé fala sobre isso, veja que ele se refere a Deus como o “Uno Íntegro”.
"Gentil príncipe", indagou o velho mestre, "o que me dizes? Porventura o corpo cósmico sutil do Uno Íntegro pode ser visto em alguma forma bela?"
"Não, Venerável Mestre", respondeu o príncipe, "o corpo cósmico sutil do Uno Íntegro não pode ser visto em nenhuma bela forma porque, para o Uno Íntegro, nada há que possa ser considerado forma."
"Gentil príncipe, tão logo o Uno Íntegro é mencionado, as pessoas de imediato criam imagens dele na imaginação delas. Portanto, elas tentam fazer com que a realidade dele se adapte à idéia imaginária que essas pessoas têm dele. O Uno Íntegro, com efeito, é sem imagem; no entanto, no ato de tentar adaptá-lo a uma imagem, as pessoas deturpam-lhe a realidade e se separam dele."
(Lao Tse - Hua Hu Ching).
Deus é “uno” e sem forma, ao mesmo tempo, ele se manifesta como tudo a nossa volta, poderíamos então dizer que ele tem muitas formas, pois se manifesta como tudo e todos.
O nome disso é panenteísmo.
O panenteísmo dá a melhor definição e descrição de Deus a que temos acesso (ao menos no estado de vigília).
No panenteísmo temos a manifestação de Deus como sendo tudo (panteísmo), então cada coisa existente é uma “forma” de Deus, uma manifestação dele.
Ao mesmo tempo ele transcende esse “todo” panteísta e continua existindo como não manifesto e sem forma. (Basicamente, panteísmo + transcendência = panenteísmo).
De qualquer forma esse é um conceito que não nos permite compreender a realidade absoluta de Deus, ele também forma uma imagem adaptada que deturpa a realidade.
Muitos budistas dizem que ao se unir ao “todo” (a Deus), não há nem que se falar sobre Deus, nem mesmo como um panenteísmo, visto que falar sobre Deus seria falar sobre um outro algo que está separado de nós, mas na união esse outro algo se “perde”, pois não existe outro algo sobre o qual se possa falar, temos apenas o todo do qual somos partes inseparáveis, quando olhamos para ele, vemos a nós mesmos e não uma “outra” coisa da qual devemos falar aos outros.
Esse todo uno tem muitas faces, ele não só pode ser encarado por nós humanos como sendo o Senhor, o Criador, o Pai, etc...
Por ser uno ele possui características que podem ser interpretadas tanto como “pessoais” quanto como “impessoais”.
No Taoísmo quando falam sobre o “Tao”, o “Uno Íntegro”, o “Rei Celeste”, falam de forma um tanto “impessoal” Deus fica parecendo mais uma “força” que um Deus, pois estamos mais acostumados a seu aspecto pessoal.
O cristianismo fala sobre os dois aspectos, temos o “Pai” como o Deus pessoal e temos o “Espírito Santo” como seu lado “impessoal” mais incompreensível.
Krishna chega a falar sobre isso no Bhagavad-Gita:
Arjuna perguntou: “Quais destes é o melhor conhecimento do Yoga: daqueles que sempre devotam e que adoram o Seu aspecto pessoal, ou daqueles que adoram o Seu aspecto impessoal, o Absoluto sem forma?” (12.01)
O Senhor Krishna disse: “Eu considero o melhor dos Yogis aquele que é sempre constante e devotado, que Me adora com suprema fé, por fixar a sua mente em Mim como seu Deus Pessoal. (12.02)
Também Me alcança quem devota o imutável, o inexplicável, o invisível, o onipotente, o inconcebível, o imóvel, o sem forma – Meu aspecto impessoal – controlando todos os sentidos, mesmo em meio a todas as circunstâncias, e se ocupam no bem-estar de todas as criaturas. (12.03-04)
A auto-realização é mais difícil para aqueles que fixam a sua mente no impessoal, imanifesto e no Absoluto sem forma, porque a compreensão nesta forma imanifesta, pelos seres incorporados, é alcançada com grande dificuldade. (12.05)
Mas para aqueles que Me adoram com inabalável devoção como Seu Deus personificado, em quem os pensamentos estão postos na Minha forma pessoal, e que oferecem todas as ações para Mim, os objetivos para Mim com o Supremo, e meditam em Mim – Eu ligeiro Me torno redentor deles, do mundo que é um oceano de mortes e reencarnações, Ó Arjuna. (12.06-07)
É interessante notar o que ele fala sobre o "Absoluto sem forma", "o inexplicável" e "forma imanifesta".
Ele aponta esse aspecto como sendo o de mais difícil compreensão, não é por nada que alguns interpretam o Taoísmo, religião que aborda o aspecto impessoal de Deus, como sendo uma religião “ateísta”, ou seja, uma religião sem Deus.
O aspecto impessoal de Deus pode ser tão difícil de compreender que alguns nem mesmo o reconhecem como sendo um Deus.
Outros dizem que é um conceito de Deus muito diferente do conceito cristão, o que também não é verdade.
Esse problema “conceitual”, também é abordado no cristianismo.
(pg 142)Os nomes dados às coisas do mundo são muito enganadores, pois desviam nossos pensamentos do que é correto para o incorreto. Assim, quem ouve a palavra "Deus" não percebe o que é correto, mas sim o incorreto. O mesmo ocorre com "Pai", "Filho" e "Espírito Santo", "Vida", "Luz", "Ressurreição", "Igreja" e tudo o mais. As pessoas não percebem o que é correto mas sim o incorreto, (a menos) que tenham aprendido o que é correto. Os (nomes que se ouvem) estão no mundo... enganam. Se estivessem no reino eterno (eon), não seriam jamais usados como nomes no mundo. Tampouco foram colocados entre as coisas do mundo. Eles têm um propósito no reino eterno. (...)
(pg 143)A verdade fez com que os nomes surgissem no mundo por nossa causa, pois não é possível aprendê-la sem estes nomes. A verdade é uma única coisa; é muitas coisas por nossa causa, para nos ensinar com amor sobre esta coisa una por meio de muitas coisas.
(pg 146)Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes chamados de "autênticos" dissolvem-se nas coisas que são tingidas por eles, também o mesmo ocorre com aqueles a quem Deus tingiu. Como seus corantes são imortais, eles tornam-se imortais por meio de suas cores. Pois bem, Deus mergulha o que Ele mergulha na água.
Ninguém pode ver algo das coisas que realmente existem a menos que se torne como elas. Não é assim que se passa com o homem no mundo: ele vê o sol sem ser o sol; vê o céu, a terra e todas as outras coisas, mas ele não é estas coisas. Isto está de acordo (pg 147) com a verdade. Mas, tu viste algo daquele lugar e te converteste naquelas coisas. Viste o Espírito e te tornaste Espírito. Viste o Cristo e te tornaste Cristo. Viste o Pai e te tornarás o Pai. Assim, (neste lugar) vês todas as coisas e não (vês) a ti próprio, mas (naquele lugar) realmente vês a ti mesmo, e te tornarás o que vires.
(Evangelho de Felipe)
Essa parte do evangelho mostra bem o panenteísmo, mas não foi esse o motivo de tê-la citado.
Aqui é apresentado um ponto muito importante da questão.
Ele diz que os nomes são muito enganadores, pois desviam os nossos pensamentos do correto, depois segue explicando que ninguém pode ver as coisas como elas realmente são, a menos que se torne como elas, então a pessoa vê o Pai e se torna o que vê.
Ele ainda explica o motivo disso, diz que a verdade é “una” mas se mostra como muitas por nossa causa.
Isso não só está de acordo com a idéia de Lao Tsé, de que ao tentarmos dar “forma” a Deus através de um conceito (ou “nome”), deturpamos sua realidade e nos separamos dele, como faz um link com a idéia dos budistas que dizem ser desnecessário falar sobre Deus, afinal, nos tornamos àquilo que vemos.
Só se fala em Deus, para que possamos aprender sobre essa verdade “una”, através de “muitas coisas”, mas só podemos vê-las como são realmente, quando nos tornamos “um” com elas.
No reino eterno, jamais precisaríamos desses “nomes” ou “conceitos”, que só estão aqui por nossa causa, pela nossa forma de enxergar muitas coisas, onde só existe uma.
Da mesma forma que podemos olhar para Deus como pessoal ou impessoal, Senhor, Criador ou Pai, também podemos olhar para suas diferentes manifestações e interpreta-las como diferentes deuses.
Cada manifestação do Deus uno ganha um nome diferente e, é representado como uma divindade diferente. (politeísmo)
Veja que mesmo o Hinduismo falando sobre 33.333 deuses, ainda assim falam sobre o mesmo panenteísmo e sobre o mesmo Deus único.
"Bhagavad-Gita: (Trecho mostrando o Deus único)
Aquele que abandonou ao apego egoísta pelos frutos do trabalho, e que permanece sempre contente, dependente do Deus único, tal pessoa – apesar de ocupada em atividade – nada faz que incorra em reação kármica (4.20)"
Acho que isso explica bem o motivo para descreverem Deus de varias formas semelhantes, mas variadas.
O panenteísmo também está presente no Taoismo, Cristianismo e Hinduísmo, (são todas religiões panenteístas e não monoteísta, politeísta e ateísta, como alguns pensam) mas não vou demonstrar isso aqui, por já ter feito isso no passado no seguinte tópico: https://antigo.religiaoeveneno.com.br/viewtopic.php?t=10555&highlight=
Em qual dos muitos deuses devo acreditar?
Essa é uma questão que assombra e distorce a realidade da religião e de Deus, tanto entre os teístas quanto entre os ateus.
Do lado teísta existe aquela questão de não cultuar os falsos deuses das outras religiões, onde cada teísta elege a sua religião como sendo a verdadeira, bem como o seu Deus como sendo o único.
Do lado ateu isso vira motivo para se dizer que é tudo invenção, que cada religião “cria” um Deus imaginário diferente e a prova de que isso é tudo bobagem, está justamente no fato de existirem tantos deuses diferentes e nenhum consenso sobre qual é o verdadeiro.
A resposta mais acertada a questão inicial é: Todos eles são o verdadeiro Deus.
Não são muitos deuses, na verdade, estão falando sobre o mesmo Deus único e dando a ele muitos nomes diferentes.
O grande problema aqui, se concentra na forma como cada individuo “interpreta” Deus em sua própria mente.
Esse mesmo Deus pode ser visto de diferentes formas, por diferentes pessoas.
Isso ocorre inclusive com coisas mais simples, por exemplo, ao julgar uma mesma pessoa, indivíduos diferentes podem ter idéias diferentes sobre ela e podem descrever diferentes “facetas” dessa mesma pessoa.
Diríamos então que estão a falar sobre pessoas diferentes?
Poderíamos alegar que pela falta de consenso essa pessoa não existe?
Observe o texto abaixo, ele além de muito bonito, mostra como uma mesma pessoa ao longo do tempo, vai mudando sua forma de perceber Deus.
"Muito antigamente, quando a primeira trepidação da fala me chegou aos lábios, subi a montanha sagrada e conversei com Deus, dizendo:
- Senhor, sou vosso escravo. Vossa vontade oculta é minha lei e vou cumpri-la para todo o sempre.
Mas Deus não respondeu e passou por mim como uma tempestade violenta.
Mil anos depois, voltei a subir a montanha sagrada e falei de novo com Deus, dizendo:
- Criador, sou vossa criatura. Com barro me fizestes e a vós devo tudo o que sou.
Mas Deus não me respondeu e passou por mim como mil asas velozes.
Depois de mil anos, subi a montanha sagrada e falei de novo com Deus:
- Pai, sou vosso filho. Com amor e compaixão me destes a vida e com amor e adoração vou herdar vosso reino.
Mas Deus não me respondeu e passou por mim como os véus da neblina das montanhas distantes.
Passados outros mil anos, subi a montanha sagrada e me dirigi ao Criador de novo, dizendo:
- Meu Deus, meu alvo e minha plenitude, sou vosso ontem e vós sois meu amanhã. Sou vossa raiz na terra e voz sois minha flor no céu, e juntos crescemos diante da face do sol.
Então Deus se inclinou para mim e sussurrou em meus ouvidos palavras doces e, como o mar que abraça um riacho que nele deságua, ele me abraçou.
E, quando desci para os vales e as planícies, Deus também estava lá."
(Khalil Gibran – Escritor, filósofo e poeta libanês).
O texto mostra a evolução da mentalidade da pessoa, onde primeiro ela vê Deus como sendo seu “Senhor” e si próprio na posição de “escravo”, depois ele evolui para condição de “criatura” e vê Deus como o “criador”, então ele passa a ver Deus como um “pai” do qual é “filho”. Até esse ponto Deus permanece “oculto” e o homem “sozinho”.
Por fim ele chega a compreensão da “unidade”, onde ele e Deus estão “juntos”, quando isso ocorre, ele finalmente passa a perceber Deus em tudo, Deus fala com ele e ao descer a montanha, Deus também está lá.
Deus está por toda parte, é “uno”, entender isso é o primeiro passo para se eliminar as distorções sobre Deus.
Essa é uma questão antiga sendo abordada dentro da própria religião.
Lao Tsé fala sobre isso, veja que ele se refere a Deus como o “Uno Íntegro”.
"Gentil príncipe", indagou o velho mestre, "o que me dizes? Porventura o corpo cósmico sutil do Uno Íntegro pode ser visto em alguma forma bela?"
"Não, Venerável Mestre", respondeu o príncipe, "o corpo cósmico sutil do Uno Íntegro não pode ser visto em nenhuma bela forma porque, para o Uno Íntegro, nada há que possa ser considerado forma."
"Gentil príncipe, tão logo o Uno Íntegro é mencionado, as pessoas de imediato criam imagens dele na imaginação delas. Portanto, elas tentam fazer com que a realidade dele se adapte à idéia imaginária que essas pessoas têm dele. O Uno Íntegro, com efeito, é sem imagem; no entanto, no ato de tentar adaptá-lo a uma imagem, as pessoas deturpam-lhe a realidade e se separam dele."
(Lao Tse - Hua Hu Ching).
Deus é “uno” e sem forma, ao mesmo tempo, ele se manifesta como tudo a nossa volta, poderíamos então dizer que ele tem muitas formas, pois se manifesta como tudo e todos.
O nome disso é panenteísmo.
O panenteísmo dá a melhor definição e descrição de Deus a que temos acesso (ao menos no estado de vigília).
No panenteísmo temos a manifestação de Deus como sendo tudo (panteísmo), então cada coisa existente é uma “forma” de Deus, uma manifestação dele.
Ao mesmo tempo ele transcende esse “todo” panteísta e continua existindo como não manifesto e sem forma. (Basicamente, panteísmo + transcendência = panenteísmo).
De qualquer forma esse é um conceito que não nos permite compreender a realidade absoluta de Deus, ele também forma uma imagem adaptada que deturpa a realidade.
Muitos budistas dizem que ao se unir ao “todo” (a Deus), não há nem que se falar sobre Deus, nem mesmo como um panenteísmo, visto que falar sobre Deus seria falar sobre um outro algo que está separado de nós, mas na união esse outro algo se “perde”, pois não existe outro algo sobre o qual se possa falar, temos apenas o todo do qual somos partes inseparáveis, quando olhamos para ele, vemos a nós mesmos e não uma “outra” coisa da qual devemos falar aos outros.
Esse todo uno tem muitas faces, ele não só pode ser encarado por nós humanos como sendo o Senhor, o Criador, o Pai, etc...
Por ser uno ele possui características que podem ser interpretadas tanto como “pessoais” quanto como “impessoais”.
No Taoísmo quando falam sobre o “Tao”, o “Uno Íntegro”, o “Rei Celeste”, falam de forma um tanto “impessoal” Deus fica parecendo mais uma “força” que um Deus, pois estamos mais acostumados a seu aspecto pessoal.
O cristianismo fala sobre os dois aspectos, temos o “Pai” como o Deus pessoal e temos o “Espírito Santo” como seu lado “impessoal” mais incompreensível.
Krishna chega a falar sobre isso no Bhagavad-Gita:
Arjuna perguntou: “Quais destes é o melhor conhecimento do Yoga: daqueles que sempre devotam e que adoram o Seu aspecto pessoal, ou daqueles que adoram o Seu aspecto impessoal, o Absoluto sem forma?” (12.01)
O Senhor Krishna disse: “Eu considero o melhor dos Yogis aquele que é sempre constante e devotado, que Me adora com suprema fé, por fixar a sua mente em Mim como seu Deus Pessoal. (12.02)
Também Me alcança quem devota o imutável, o inexplicável, o invisível, o onipotente, o inconcebível, o imóvel, o sem forma – Meu aspecto impessoal – controlando todos os sentidos, mesmo em meio a todas as circunstâncias, e se ocupam no bem-estar de todas as criaturas. (12.03-04)
A auto-realização é mais difícil para aqueles que fixam a sua mente no impessoal, imanifesto e no Absoluto sem forma, porque a compreensão nesta forma imanifesta, pelos seres incorporados, é alcançada com grande dificuldade. (12.05)
Mas para aqueles que Me adoram com inabalável devoção como Seu Deus personificado, em quem os pensamentos estão postos na Minha forma pessoal, e que oferecem todas as ações para Mim, os objetivos para Mim com o Supremo, e meditam em Mim – Eu ligeiro Me torno redentor deles, do mundo que é um oceano de mortes e reencarnações, Ó Arjuna. (12.06-07)
É interessante notar o que ele fala sobre o "Absoluto sem forma", "o inexplicável" e "forma imanifesta".
Ele aponta esse aspecto como sendo o de mais difícil compreensão, não é por nada que alguns interpretam o Taoísmo, religião que aborda o aspecto impessoal de Deus, como sendo uma religião “ateísta”, ou seja, uma religião sem Deus.
O aspecto impessoal de Deus pode ser tão difícil de compreender que alguns nem mesmo o reconhecem como sendo um Deus.
Outros dizem que é um conceito de Deus muito diferente do conceito cristão, o que também não é verdade.
Esse problema “conceitual”, também é abordado no cristianismo.
(pg 142)Os nomes dados às coisas do mundo são muito enganadores, pois desviam nossos pensamentos do que é correto para o incorreto. Assim, quem ouve a palavra "Deus" não percebe o que é correto, mas sim o incorreto. O mesmo ocorre com "Pai", "Filho" e "Espírito Santo", "Vida", "Luz", "Ressurreição", "Igreja" e tudo o mais. As pessoas não percebem o que é correto mas sim o incorreto, (a menos) que tenham aprendido o que é correto. Os (nomes que se ouvem) estão no mundo... enganam. Se estivessem no reino eterno (eon), não seriam jamais usados como nomes no mundo. Tampouco foram colocados entre as coisas do mundo. Eles têm um propósito no reino eterno. (...)
(pg 143)A verdade fez com que os nomes surgissem no mundo por nossa causa, pois não é possível aprendê-la sem estes nomes. A verdade é uma única coisa; é muitas coisas por nossa causa, para nos ensinar com amor sobre esta coisa una por meio de muitas coisas.
(pg 146)Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes chamados de "autênticos" dissolvem-se nas coisas que são tingidas por eles, também o mesmo ocorre com aqueles a quem Deus tingiu. Como seus corantes são imortais, eles tornam-se imortais por meio de suas cores. Pois bem, Deus mergulha o que Ele mergulha na água.
Ninguém pode ver algo das coisas que realmente existem a menos que se torne como elas. Não é assim que se passa com o homem no mundo: ele vê o sol sem ser o sol; vê o céu, a terra e todas as outras coisas, mas ele não é estas coisas. Isto está de acordo (pg 147) com a verdade. Mas, tu viste algo daquele lugar e te converteste naquelas coisas. Viste o Espírito e te tornaste Espírito. Viste o Cristo e te tornaste Cristo. Viste o Pai e te tornarás o Pai. Assim, (neste lugar) vês todas as coisas e não (vês) a ti próprio, mas (naquele lugar) realmente vês a ti mesmo, e te tornarás o que vires.
(Evangelho de Felipe)
Essa parte do evangelho mostra bem o panenteísmo, mas não foi esse o motivo de tê-la citado.
Aqui é apresentado um ponto muito importante da questão.
Ele diz que os nomes são muito enganadores, pois desviam os nossos pensamentos do correto, depois segue explicando que ninguém pode ver as coisas como elas realmente são, a menos que se torne como elas, então a pessoa vê o Pai e se torna o que vê.
Ele ainda explica o motivo disso, diz que a verdade é “una” mas se mostra como muitas por nossa causa.
Isso não só está de acordo com a idéia de Lao Tsé, de que ao tentarmos dar “forma” a Deus através de um conceito (ou “nome”), deturpamos sua realidade e nos separamos dele, como faz um link com a idéia dos budistas que dizem ser desnecessário falar sobre Deus, afinal, nos tornamos àquilo que vemos.
Só se fala em Deus, para que possamos aprender sobre essa verdade “una”, através de “muitas coisas”, mas só podemos vê-las como são realmente, quando nos tornamos “um” com elas.
No reino eterno, jamais precisaríamos desses “nomes” ou “conceitos”, que só estão aqui por nossa causa, pela nossa forma de enxergar muitas coisas, onde só existe uma.
Da mesma forma que podemos olhar para Deus como pessoal ou impessoal, Senhor, Criador ou Pai, também podemos olhar para suas diferentes manifestações e interpreta-las como diferentes deuses.
Cada manifestação do Deus uno ganha um nome diferente e, é representado como uma divindade diferente. (politeísmo)
Veja que mesmo o Hinduismo falando sobre 33.333 deuses, ainda assim falam sobre o mesmo panenteísmo e sobre o mesmo Deus único.
"Bhagavad-Gita: (Trecho mostrando o Deus único)
Aquele que abandonou ao apego egoísta pelos frutos do trabalho, e que permanece sempre contente, dependente do Deus único, tal pessoa – apesar de ocupada em atividade – nada faz que incorra em reação kármica (4.20)"
Acho que isso explica bem o motivo para descreverem Deus de varias formas semelhantes, mas variadas.
O panenteísmo também está presente no Taoismo, Cristianismo e Hinduísmo, (são todas religiões panenteístas e não monoteísta, politeísta e ateísta, como alguns pensam) mas não vou demonstrar isso aqui, por já ter feito isso no passado no seguinte tópico: https://antigo.religiaoeveneno.com.br/viewtopic.php?t=10555&highlight=