A anarquia peer-to-peer da Freenet

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Vito Álvaro
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A anarquia peer-to-peer da Freenet

Mensagem por Vito Álvaro »

Por Mikair Lopes
31 de Outubro de 2005


À época da popularização da Internet, em 1995, muita gente a idealizou como veículo perfeito de comunicação. Livre e global, a rede seria a ferramenta crucial para quem quisesse botar a boca no trombone, derrubar regimes opressores, protestar contra governos e empresas, enfim, uma arma revolucionária.

Dez anos depois, estamos longe desse ideal. Os EUA ainda estão no epicentro da rede, controlando a designação de endereços de IPs e domínios. Países como a China restringem a comunicação de seu povo com a rede, e são inúmeros os casos ao redor do mundo de sítios tirados do ar por conta da influência e do poder de grandes corporações. Idosos e crianças estão sendo processados por participarem de trocas de arquivos protegidos, isso sem falar na propaganda massiva e no boom do spyware na rede. Em vez de uma ferramenta da liberdade, a Internet se tornou um grande negócio.

Numa realidade presente e não muito distante, um jornalista levanta dados reveladores sobre o uso de trabalho escravo em sweat shops de uma multinacional de calçados, mas não encontra espaço em veículos da mídia para uma reportagem. Decide colocar os dados disponíveis num servidor web, e envia o endereço para uma lista de e-mails, que rapidamente se encarrega de espalhar o link para milhares de pessoas. Em menos de um dia nada mais está online. Como todo conteúdo da web está fisicamente armazenado em algum lugar, tudo pode no fim das contas ser localizado. E um provedor de Internet nada mais é que uma corporação jurídica, sujeita às mesmas pressões externas de uma companhia normal.

Por mais que o cenário descrito pareça estar longe da nossa realidade direta de aparente liberdade, o futuro é sempre uma incógnita e a Internet estará, como está hoje, à mercê do desenrolar de política e economia mundiais. Assim, a rede apenas espelharia a vida política do lado de fora, onde, com dinheiro, influência e determinação pode se conseguir muita coisa. Vence quem paga os melhores advogados. Mas se é bem verdade a máxima “quando confrontadas tecnologia e política, a primeira sempre ganha”, então o que dizer da Freenet?

Trata-se de um projeto de rede p2p que tenta preservar o ideal de liberdade de expressão da Internet, tornando a transferência de informação virtualmente anônima através de criptografia e de um sistema descentralizado de roteamento. Na Freenet, é quase impossível determinar quem está baixando o quê, e com seu conteúdo totalmente encriptado e fragmentado, é igualmente difícil saber o que existe nela, se é que existe, e onde está localizado.

O download do cliente Freenet consiste num arquivo de setup via web de 116k, que após instalação passa a ocupar 4.7M. Como a rede tem seu conteúdo total completamente fragmentado nos HDs de clientes ao redor do globo, o instalador pergunta ao usuário quanto de seu espaço livre em disco deseja reservar para servir a Freenet (por padrão, 265Mb). Um aplicativo passa então a ser executado ao fundo, continuamente recebendo e redistribuindo aos outros clientes pequenos pedaços de documentos da rede, indecifráveis sem uma chave. Ou seja, seu computador passa a guardar e transmitir informação ininteligível.

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Configuração do cliente Freenet

Cada máquina com o programa se torna um dos nós da rede. Para se ligar aos demais é necessário conhecer o endereço de um outro qualquer, que pode ter ser dito por seu vizinho no elevador, ou encontrado numa lista de nós confiáveis. Dessa forma a rede evita a centralização: cada nó conhece apenas um número limitado de outros endereços a que pode se conectar e, ao buscar por fontes, não passa por servidores centrais, mas pelos nós mais próximos. O código do programa é aberto, acompanhado e desenvolvido por programadores ao redor do globo. Assim, não existe controle central sobre a rede, é um verdadeiro exercício de anarquia.

Um arquivo jogado na Freenet é encriptado e fragmentado em pacotes espalhados por diversos outros nós. É feita uma divisão redundante de cada pacote, para que pedaços de documentos não sejam perdidos quando um dos nós sai da rede, ou seja, minha máquina armazena fragmentos que também estão sendo guardados por outras. Dessa forma, a Freenet está viva, já que arquivos pouco requisitados vão para o fim da fila de prioridades, e acabam sendo apagados de acordo com o esgotamento do espaço total de armazenamento da rede.

Não se busca diretamente por documentos na Freenet, mas sim por chaves criptográficas associadas a eles. Como no eMule, cada arquivo tem uma chave única, gerada com base em funções algorítmicas que sumarizam (hashing) o conteúdo de cada arquivo (a rede Donkey utiliza criptografia com algoritmo MD-4, na Freenet é o SHA-1, de Secure Hash Algorithm). As chaves podem ser obtidas através de websites com listas, como nos Torrents, pela propaganda boca-a-boca ou mesmo por pichações nos muros da cidade.

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Interface Web de um nó da Freenet

Quando se procura por uma chave na rede, seu nó pergunta por ela aos nós mais próximos, que passam o pedido adiante. Se algum deles reconhece o pedido, transmite o pacote requisitado ao nó anterior. O conteúdo passa por diversos outros computadores no caminho, que vão armazenando os pacotes transferidos para aumentar a redundância no armazenamento dos documentos. Dessa forma se dá o anonimato: como todas as conexões da Freenet são ponto-a-ponto, outros nós estão fazendo a intermediação entre o conteúdo requisitado e o seu sistema, que está por sua vez também retransmitindo informações para outros nós. Fica complicado determinar o destino final dos documentos, e quem está procurando por quais pacotes, já que todos os nós da rota estão participando da busca.

Por cima da estrutura da Freenet, podem ser armadas redes de distribuição de conteúdo, ligadas através de chaves. A ferramenta Frost (http://jtcfrost.sourceforge.net/) permite que usuários compartilhem arquivos e conversem (chat) através da Freenet. O FMB, de Freenet Message Board, usa a rede para a intermediação de mensagens, e o Free News é um servidor NNTP que armazena informação na Freenet. E o Free-Mail é uma interface de correio que utiliza qualquer cliente de email (POP3/SMTP) para enviar mensagens de forma segura e anônima, usando a Freenet como meio de transmissão.

Ao tornar extremamente difícil que um usuário possa ser punido por uso indevido, a própria existência de algo como a Freenet bota fogo nas discussões sobre liberdade de expressão. Fala-se sobre a rede estar sendo usada para que células do Terrorismo e Pedofilia Internacional se comuniquem. Muitos repudiam instalar o cliente Freenet por temer que seus computadores possam servir a busca dos outros por conteúdo ilegal.

Por outro lado, o programa é notório inimigo do governo chinês. O grupo Freenet-China se encarregou de traduzir o cliente para o mandarim, e o distribui clandestinamente em cds e floppies. É um meio de contornar as restritas limitações da Internet chinesa, que possibilita àquele povo se manifestar livremente.

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FProxy: roteamento de conexões via Freenet libera o acesso na China

A Freenet tem seus pontos fracos. Como todo seu tráfego é encriptado e roda sob uma máquina virtual Java, o cliente demanda muito do poder de processamento do computador. Como todas as inserções e pedidos de dados devem passar por entre 5 e 15 nós até chegar ao destino, a rede tem uma latência muito alto. Também não pode oferecer garantia alguma sobre a preservação de determinado documento, já que a popularidade determina quais documentos serão eliminados, de acordo com uma lista de prioridades. Mas suponhamos que a Freenet venha um dia a ser uma rede à prova de balas, e de fato torne inviável tecnicamente reprimir manifestações. Que mudanças políticas isso poderá trazer?

A troca de arquivos anônima pode mudar radicalmente o conceito de propriedade intelectual, que deixaria de ter caráter econômico e assumiria uma postura “moral”. Retornaríamos a um sistema de mecenato, no qual “patrões” financiariam a vida criativa dos artistas, o que já acontece com o próprio projeto Freenet, sustentado por doações voluntárias via Paypal.

Por fim, com uso massivo de criptografia e redes p2p, poderíamos ter a segurança necessária na Internet para que se estabeleça o voto online, a exemplo da Estônia, que realizou há pouco a primeira eleição via web do mundo. O passar do tempo traz o fim da democracia indireta, substituída por referendos diários via web dos quais participariam todos os cidadãos. Uma sociedade livre e descentralizada, gerida em paralelo por todo o povo.

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