
http://www.fenapef.org.br/htm/com_notic ... m?Id=46985
Nem milícia, nem tráfico, só o Estado
Quartel do Bope faz da Tavares Bastos uma favela sem violência
20/07/2007
O cenário de vielas, biroscas, crianças correndo e moradores conversando na porta dos barracos é o mesmo de outras favelas do Rio. No entanto, além de uma vista panorâmica da Baía de Guanabara, a Tavares Bastos, no Catete, tem uma diferença de deixar qualquer comunidade com inveja: não há barricadas, nem traficantes ou milicianos armados circulando pelas ruas. E essa tranqüilidade não custa nada para os moradores, porque, afinal, a segurança ali é garantida pelo poder público: policiais da tropa de elite da PM, o Batalhão de Operações Especiais (Bope), tem há sete anos seu quartel no alto daquele morro.
Vizinhos do batalhão, moradores da Tavares Bastos têm uma rotina atípica das favelas. Eles cumprimentam diariamente os PMs vestidos de preto, que andam na favela desarmados. Fuzis, pistolas e outras armas são carregados somente quando eles fazem treinamento na favela — sem disparar um único tiro.
Na Tavares Bastos, já foram treinados homens da Força Nacional de Segurança e de diversos batalhões de operações especiais do país. Os moradores também contam com a presença do Estado em outras áreas: há saneamento básico, água e energia elétrica. Outros serviços, como escolas e postos de saúde, são encontrados no asfalto, mas ainda no Catete.
No local, a única violência de traficantes conhecida pelas crianças é de ficção: a favela é usada para a gravação de filmes e novelas.
Estudante da 7asérie do ensino fundamental, Jackson de Brito, de 12 anos, nunca presenciou uma troca de tiros.
— Traficantes armados, tiros e mortes violentas eu só vejo nos jornais e na televisão. Aqui na comunidade, só vejo isso na gravação de novelas e filmes — disse.
Ainda este ano, o lugar servirá de cenário para a filmagem do “Incrível Hulk 2”.
O clima de tranqüilidade lembra o de uma cidade do interior. Na Tavares Bastos, as ocorrências policiais se resumem a casos como brigas de marido e mulher, desavenças entre vizinhos ou perturbação do sossego público por algum bêbado.
Os problemas são resolvidos diplomaticamente pelo major Arnaldo Vargas Duarte, do Bope. Pela vielas cimentadas, o oficial também anda desarmado, é abraçado por crianças e carinhosamente chamado de “síndico” pelos moradores.
— O major Vargas é o nosso benfeitor. Ele ajuda a resolver todos os problemas. Se ele sair daqui, vamos fazer um abaixo-assinado para que volte — disse a donade-casa Ciléia Pereira da Silva, aproveitando para pedir ajuda ao “síndico”, porque vizinhos estavam jogando lixo em sua laje.
A presença de policiais do Bope e a ausência de traficantes armados no morro fizeram com que houvesse uma valorização imobiliária na área. Hoje, segundo a presidente da Associação de Moradores da Comunidade Tavares Bastos, Marta da Conceição Costa, uma casa com dois quartos é vendida por R$ 50 mil. O aluguel de um imóvel no mesmo padrão, segundo ela, não sai por menos de R$ 400.
— Todos querem morar aqui, que hoje é a favela mais segura da cidade. Nossos seguranças são homens da tropa de elite, que não deixam o tráfico entrar — contou.
O clima interiorano, a segurança e a vista privilegiada da Baía de Guanabara, incluindo o Pão de Açúcar, fizeram com que o cinegrafista inglês Bob Nadkarni trocasse a movimentação do asfalto pelo morro.
Bob abriu na comunidade um hotel que, entre outros, recebe hóspedes alemães e austríacos. Há até quem faça do lugar a sua casa: é o caso do músico e webdesigner alemão Lennart Goebel. Da sala do hotel, ele é só elogios para a comunidade: — Eu morava em Santa Teresa, mas vivia com medo da violência.
Estou aqui há seis meses e ando nas ruas à noite sem medo.
O caso da Tavares Bastos é tema de um documentário que está sendo feito pelo cineasta cubano Antonio Molina. Em cerca de 60 minutos, ele vai mostrar o ineditismo da convivência pacífica entre moradores e policiais do Bope — que, na maioria das favelas, é temido por todos.
Tanta segurança é comemorada por moradores, que, antes da presença do Bope, eram obrigados a conviver com bandidos, confrontos e cadáveres. Vivendo na favela desde 1964, Vanilda Alves Cruz contou que, no final da década de 90, era comum não poder sair à noite de casa. Segundo ela, a ameaça de invasões por rivais era constante, e moradores viviam se deparando com bandidos armados.
— Ninguém subia na favela à noite, porque os bandidos não deixavam. Eles faziam da área do Bope um QG — disse.
Operações levaram à fuga de bandidos
Para que a comunidade fosse transformada no que é hoje, foi necessário que o Bope fizesse várias operações. Segundo o comandante do Bope, tenente-coronel Alberto Pinheiro Neto, a equipe do batalhão encontrou o prédio onde hoje é a sede da tropa de elite abandonado e com bandidos. De agosto de 2000 até a inauguração da sede, em dezembro do mesmo ano, foi feita uma série de incursões, e os traficantes fugiram.
A parceria entre os “homens de preto” e a comunidade é festejada pelo comandante da unidade. O tenente-coronel aposta que, se a população quiser, o futuro de favelas como as do Complexo do Alemão pode ser o mesmo: — O grande segredo para a ausência do tráfico no local foi o desejo dos moradores, que queriam que isso acontecesse e nos deram crédito.
Incursões policiais dentro das favelas, transformações de pontos estratégicos do tráfico em sede de batalhões, e então intervenção estatal em serviços básicos para a população, seria a solução ideal para o fim do tráfico, ao meu ver.
Alguém concorda?