Prendam os homens em seus vagões
Enviado: 27 Nov 2007, 14:09
Prendam os homens em seus vagões
01.05.2006
Um dos grandes mitos sobre a sexualidade masculina diz que os homens não conseguem controlar o que lhes vai entre as pernas. Hormônios, instintos, a força da natureza masculina e o inexorável desejo de reprodução são alguns dos argumentos dos que defendem a liberdade de exercício sexual para eles. Em contrapartida, as mulheres seriam “naturalmente” recatadas – e ai das que não forem. Conter os instintos sexuais dos homens seria contra a “natureza”, da mesma forma que aceitar que uma mulher exerça plenamente sua sexualidade (“como homens”, diria a Samantha) também não é natural.
Esse tipo de raciocínio é tão incutido na cultura e na cabeça de homens e mulheres que a ninguém ocorre contestar a lei do deputado Jorge Piciani, esta da criação de vagões de trem e de metrô exclusivos para mulheres. Para começar a conversa, cabe a pergunta: porque os vagões não são exclusivos para homens, e sim para mulheres? Não são eles os que molestam? Então, porque confiná-las?
É claro que, para as usuárias do metrô, esse debate teórico pouco importa. Do ponto de vista prático, elas têm a chance se se livrar do assédio diário que incluía práticas de masturbação matinais embaladas no balanço do vagão, como se mulheres que saem de casa todos os dias para trabalhar estivessem na rua disponíveis para oferecer prazer aos homens. Se a intenção é protegê-las, o certo seria confinar os homens. São eles que não sabem viajar no metrô sem dar vazão aos seus instintos.
A lei guarda terrível semelhança com o mecanismo de proteção das mulheres vítimas de violência. Vulneráveis, elas só têm como opção se esconder em abrigos públicos de endereços secretos nos quais, embora vítimas, experimentam o cativeiro, impedidas de trabalhar e de viver normalmente. O vagão exclusivo é a repetição dessa idéia: já que não é possível domar os homens, separem as coitadas das mulheres.
O problema é que há muito tempo o movimento feminista vem se batendo contra a vitimização das mulheres. A idéia de tratá-las como pobres criaturas indefesas reforça um estigma de minoria fragilizada que já não é coerente com a situação contemporânea. As mulheres foram em busca de emancipação para ter o direito à igualdade, não para serem tratadas como indivíduos inferiores, protegidos por leis especiais, ainda que legilações específicas possam ser necessárias para dar conta das singularidades femininas. Um exemplo perfeito é a licença-maternidade, um tipo de proteção da mulher trabalhadora que não a inferioriza em absolutamente nada.
Respeito em condições iguais é a meta a ser alcançada, ainda que no quesito sexualidade menos se tenha avançado nesses mais de 30 anos de feminismo. O discurso dos que são contra a legalização do aborto muitas vezes reflete essa mesma idéia de que só à mulher cabe refrear sua sexualidade, enquanto “homem que é homem deve vivê-la livremente.” É comum acusarem as mulheres que desejam fazer um aborto de serem responsáveis por aquela gestação indesejada, ignorando completamente que, para existir uma gravidez, é absolutamente indispensável que um homem tenha desempenhado o seu papel no script sexual. No entanto, a exigência de contracepção recai exclusivamente sobre ela porque parte-se do princípio “natural” de que um homem pode e deve fazer sexo sem se preocupar com isso.
Seja no debate sobre aborto, seja numa medida aparentemente tão útil quanto a tal "lei anti-sarro", o que se vê é a mesma discriminação de sempre. Aceita-se que os homens sejam incontroláveis, enquanto exige-se das mulheres o recato “natural” das que se dão ao respeito.
Pintar os vagões de cor-de-rosa e apriosionar as vítimas é perpetuar o preconceito. Revolucionário, mesmo, seria liberar todos os trens para as mulheres e confinar os bravos machões nacionais em vagões exclusivos. Embora também seja uma forma de segregação, pelo menos não prenderiam as vítimas, mas os agressores, aqueles que deveriam se envergonhar.
01.05.2006
Um dos grandes mitos sobre a sexualidade masculina diz que os homens não conseguem controlar o que lhes vai entre as pernas. Hormônios, instintos, a força da natureza masculina e o inexorável desejo de reprodução são alguns dos argumentos dos que defendem a liberdade de exercício sexual para eles. Em contrapartida, as mulheres seriam “naturalmente” recatadas – e ai das que não forem. Conter os instintos sexuais dos homens seria contra a “natureza”, da mesma forma que aceitar que uma mulher exerça plenamente sua sexualidade (“como homens”, diria a Samantha) também não é natural.
Esse tipo de raciocínio é tão incutido na cultura e na cabeça de homens e mulheres que a ninguém ocorre contestar a lei do deputado Jorge Piciani, esta da criação de vagões de trem e de metrô exclusivos para mulheres. Para começar a conversa, cabe a pergunta: porque os vagões não são exclusivos para homens, e sim para mulheres? Não são eles os que molestam? Então, porque confiná-las?
É claro que, para as usuárias do metrô, esse debate teórico pouco importa. Do ponto de vista prático, elas têm a chance se se livrar do assédio diário que incluía práticas de masturbação matinais embaladas no balanço do vagão, como se mulheres que saem de casa todos os dias para trabalhar estivessem na rua disponíveis para oferecer prazer aos homens. Se a intenção é protegê-las, o certo seria confinar os homens. São eles que não sabem viajar no metrô sem dar vazão aos seus instintos.
A lei guarda terrível semelhança com o mecanismo de proteção das mulheres vítimas de violência. Vulneráveis, elas só têm como opção se esconder em abrigos públicos de endereços secretos nos quais, embora vítimas, experimentam o cativeiro, impedidas de trabalhar e de viver normalmente. O vagão exclusivo é a repetição dessa idéia: já que não é possível domar os homens, separem as coitadas das mulheres.
O problema é que há muito tempo o movimento feminista vem se batendo contra a vitimização das mulheres. A idéia de tratá-las como pobres criaturas indefesas reforça um estigma de minoria fragilizada que já não é coerente com a situação contemporânea. As mulheres foram em busca de emancipação para ter o direito à igualdade, não para serem tratadas como indivíduos inferiores, protegidos por leis especiais, ainda que legilações específicas possam ser necessárias para dar conta das singularidades femininas. Um exemplo perfeito é a licença-maternidade, um tipo de proteção da mulher trabalhadora que não a inferioriza em absolutamente nada.
Respeito em condições iguais é a meta a ser alcançada, ainda que no quesito sexualidade menos se tenha avançado nesses mais de 30 anos de feminismo. O discurso dos que são contra a legalização do aborto muitas vezes reflete essa mesma idéia de que só à mulher cabe refrear sua sexualidade, enquanto “homem que é homem deve vivê-la livremente.” É comum acusarem as mulheres que desejam fazer um aborto de serem responsáveis por aquela gestação indesejada, ignorando completamente que, para existir uma gravidez, é absolutamente indispensável que um homem tenha desempenhado o seu papel no script sexual. No entanto, a exigência de contracepção recai exclusivamente sobre ela porque parte-se do princípio “natural” de que um homem pode e deve fazer sexo sem se preocupar com isso.
Seja no debate sobre aborto, seja numa medida aparentemente tão útil quanto a tal "lei anti-sarro", o que se vê é a mesma discriminação de sempre. Aceita-se que os homens sejam incontroláveis, enquanto exige-se das mulheres o recato “natural” das que se dão ao respeito.
Pintar os vagões de cor-de-rosa e apriosionar as vítimas é perpetuar o preconceito. Revolucionário, mesmo, seria liberar todos os trens para as mulheres e confinar os bravos machões nacionais em vagões exclusivos. Embora também seja uma forma de segregação, pelo menos não prenderiam as vítimas, mas os agressores, aqueles que deveriam se envergonhar.