Juiz vê risco de impunidade no valerioduto tucano
Enviado: 28 Nov 2007, 04:53
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O juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa, 34, responsável pela fase inicial do inquérito do mensalão, em Minas Gerais, admite a possibilidade de que os denunciados no valerioduto tucano sejam beneficiados com a prescrição, graças ao foro privilegiado e à falta de vocação do Supremo Tribunal Federal para julgar processos criminais que deveriam ser decididos na primeira instância, como revela a Folha (para assinantes).
A seguir, artigo que o magistrado escreveu para este Blog:
O foro privilegiado e a impunidade
O Procurador-Geral da República ofereceu denúncia junto ao Supremo Tribunal Federal contra os supostos 15 envolvidos no chamado “mensalão-mineiro” , esquema delituoso de desvio de recursos públicos para financiamento de campanha política, inserindo no rol dos denunciados, dentre outros, um senador da república e um ex-ministro de Estado do atual governo. Novos tempos? Acredito que sim. A sociedade brasileira vem experimentando uma sensível e positiva mudança no encaminhamento de investigações envolvendo altas autoridades do poder público que, outrora, não eram alcançadas pelo braço da lei e da justiça. Isso pode ser percebido, por exemplo, com a denúncia, também ofertada pelo procurador-geral da República contra 40 acusados do apelidado “mensalão”, recebida pela Suprema Corte, figurando dentre os réus o ex ministro-chefe da Casa Civil.
Mas, se de um lado estamos vivenciando uma mudança no encaminhamento dessas investigações, de outro, é importante refletirmos sobre algumas questões, notadamente a necessidade de mudança de nosso sistema processual penal e também do instituto do “foro por prerrogativa de função”, mais conhecido como “foro privilegiado”, que acaba afetando aos tribunais, e não aos juízes de primeiro grau, a responsabilidade pelo julgamento dessas ações penais, de grande complexidade fática.
Vejamos o exemplo dessa última denúncia do procurador-geral da República: como há senador entre os que foram denunciados, a competência para processamento da ação penal em relação a todos os acusados é do Supremo Tribunal Federal, por força de norma constitucional. Nesse caso, não há alternativa. O julgamento por qualquer outro órgão do judiciário seria absolutamente nulo.
Ora, o fato é de 1998, conforme descrito na denúncia. Ou seja, já se passaram nove anos e a peça acusatória ainda não foi recebida. Portanto, conforme determina o Código de Processo Penal, a prescrição ainda não foi interrompida, o que somente ocorrerá quando a denúncia do procurador-geral da República for aceita pelo plenário do STF.
Não se tem previsão de quanto tempo pode demorar a instrução de um processo como este. São 15 réus que, obrigatoriamente, deverão ser notificados para apresentação de defesa escrita. Depois disso, o STF tem que se reunir para examinar a denúncia e, caso aceita, os acusados deverão ser interrogados geralmente por delegação, sendo necessária a oitiva de testemunhas, além de outras diligências e provas que poderão ser requeridas no curso do processo. Somente depois disso é que poderá se iniciar o julgamento.
Como o fato é de 1998, possivelmente, quando da decisão (acórdão), terá ocorrido a prescrição, já que a denúncia imputa os réus de crimes de peculato e lavagem de dinheiro, cujas penas mínimas levam ao reconhecimento da prescrição, em tese, no prazo de oito anos.
É necessário repensar o foro privilegiado. Os tribunais, em especial o STF, não têm vocação para instruir ações penais. Não é o seu papel. Prova disso é que os atos de instrução (interrogatórios, oitiva de testemunhas, notificações etc.) são realizadas por juízes de primeiro grau mediante delegação do ministro relator.
Como verdadeiro guardião da Constituição, incumbe ao STF a discussão de grandes temas jurídicos que impliquem a interpretação das normas constitucionais. Mas não julgamentos que, via de regra, devem ser feitos por juízes de primeiro grau. Nunca houve uma condenação criminal em ação de competência originária no STF.
Para que se tenha uma idéia, no ano de 2005 o STF recebeu 95.212 processos e julgou 103.700. Em 2006, essa marca subiu para 110.284, o que representa uma média de 284 feitos por dia para cada um dos seus 11 ministros. A título de comparação, a Suprema Corte americana recebeu, no mesmo período, 8.521 feitos e julgou 87.
Por maior que seja a capacidade de trabalho de um ministro, não se pode esperar celeridade com um volume de processos tão pesado como esse. E essa lentidão na jurisdição criminal é letal, pois conduz invariavelmente à ocorrência do que chamamos de prescrição, instituto previsto na lei penal que faz desaparecer as conseqüências do crime por força do tempo.
Logo, não obstante a ação diligente das autoridades responsáveis pela investigação criminal, o atual modelo legal engessa a atuação do Poder Judiciário no exame de processos tão relevantes, gerando na sociedade o indesejável sentimento de impunidade, sobretudo nesses casos envolvendo altas autoridades públicas em que, via de regra, por força do malfadado “foro privilegiado”, as ações são julgadas de forma muita mais lenta e morosa.
Essa situação será recorrente em todos os casos dessa natureza. O próprio processo do “mensalão” revela a dificuldade que é instruir uma ação penal com vários réus numa Suprema Corte que já se encontra afogada num mar de processos.
Somente uma reforma profunda na legislação brasileira em especial na Constituição Federal poderá amenizar esse quadro que, hoje, contraditoriamente, torna obscuro o horizonte de fim da impunidade em nosso país.
O juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo Costa, 34, responsável pela fase inicial do inquérito do mensalão, em Minas Gerais, admite a possibilidade de que os denunciados no valerioduto tucano sejam beneficiados com a prescrição, graças ao foro privilegiado e à falta de vocação do Supremo Tribunal Federal para julgar processos criminais que deveriam ser decididos na primeira instância, como revela a Folha (para assinantes).
A seguir, artigo que o magistrado escreveu para este Blog:
O foro privilegiado e a impunidade
O Procurador-Geral da República ofereceu denúncia junto ao Supremo Tribunal Federal contra os supostos 15 envolvidos no chamado “mensalão-mineiro” , esquema delituoso de desvio de recursos públicos para financiamento de campanha política, inserindo no rol dos denunciados, dentre outros, um senador da república e um ex-ministro de Estado do atual governo. Novos tempos? Acredito que sim. A sociedade brasileira vem experimentando uma sensível e positiva mudança no encaminhamento de investigações envolvendo altas autoridades do poder público que, outrora, não eram alcançadas pelo braço da lei e da justiça. Isso pode ser percebido, por exemplo, com a denúncia, também ofertada pelo procurador-geral da República contra 40 acusados do apelidado “mensalão”, recebida pela Suprema Corte, figurando dentre os réus o ex ministro-chefe da Casa Civil.
Mas, se de um lado estamos vivenciando uma mudança no encaminhamento dessas investigações, de outro, é importante refletirmos sobre algumas questões, notadamente a necessidade de mudança de nosso sistema processual penal e também do instituto do “foro por prerrogativa de função”, mais conhecido como “foro privilegiado”, que acaba afetando aos tribunais, e não aos juízes de primeiro grau, a responsabilidade pelo julgamento dessas ações penais, de grande complexidade fática.
Vejamos o exemplo dessa última denúncia do procurador-geral da República: como há senador entre os que foram denunciados, a competência para processamento da ação penal em relação a todos os acusados é do Supremo Tribunal Federal, por força de norma constitucional. Nesse caso, não há alternativa. O julgamento por qualquer outro órgão do judiciário seria absolutamente nulo.
Ora, o fato é de 1998, conforme descrito na denúncia. Ou seja, já se passaram nove anos e a peça acusatória ainda não foi recebida. Portanto, conforme determina o Código de Processo Penal, a prescrição ainda não foi interrompida, o que somente ocorrerá quando a denúncia do procurador-geral da República for aceita pelo plenário do STF.
Não se tem previsão de quanto tempo pode demorar a instrução de um processo como este. São 15 réus que, obrigatoriamente, deverão ser notificados para apresentação de defesa escrita. Depois disso, o STF tem que se reunir para examinar a denúncia e, caso aceita, os acusados deverão ser interrogados geralmente por delegação, sendo necessária a oitiva de testemunhas, além de outras diligências e provas que poderão ser requeridas no curso do processo. Somente depois disso é que poderá se iniciar o julgamento.
Como o fato é de 1998, possivelmente, quando da decisão (acórdão), terá ocorrido a prescrição, já que a denúncia imputa os réus de crimes de peculato e lavagem de dinheiro, cujas penas mínimas levam ao reconhecimento da prescrição, em tese, no prazo de oito anos.
É necessário repensar o foro privilegiado. Os tribunais, em especial o STF, não têm vocação para instruir ações penais. Não é o seu papel. Prova disso é que os atos de instrução (interrogatórios, oitiva de testemunhas, notificações etc.) são realizadas por juízes de primeiro grau mediante delegação do ministro relator.
Como verdadeiro guardião da Constituição, incumbe ao STF a discussão de grandes temas jurídicos que impliquem a interpretação das normas constitucionais. Mas não julgamentos que, via de regra, devem ser feitos por juízes de primeiro grau. Nunca houve uma condenação criminal em ação de competência originária no STF.
Para que se tenha uma idéia, no ano de 2005 o STF recebeu 95.212 processos e julgou 103.700. Em 2006, essa marca subiu para 110.284, o que representa uma média de 284 feitos por dia para cada um dos seus 11 ministros. A título de comparação, a Suprema Corte americana recebeu, no mesmo período, 8.521 feitos e julgou 87.
Por maior que seja a capacidade de trabalho de um ministro, não se pode esperar celeridade com um volume de processos tão pesado como esse. E essa lentidão na jurisdição criminal é letal, pois conduz invariavelmente à ocorrência do que chamamos de prescrição, instituto previsto na lei penal que faz desaparecer as conseqüências do crime por força do tempo.
Logo, não obstante a ação diligente das autoridades responsáveis pela investigação criminal, o atual modelo legal engessa a atuação do Poder Judiciário no exame de processos tão relevantes, gerando na sociedade o indesejável sentimento de impunidade, sobretudo nesses casos envolvendo altas autoridades públicas em que, via de regra, por força do malfadado “foro privilegiado”, as ações são julgadas de forma muita mais lenta e morosa.
Essa situação será recorrente em todos os casos dessa natureza. O próprio processo do “mensalão” revela a dificuldade que é instruir uma ação penal com vários réus numa Suprema Corte que já se encontra afogada num mar de processos.
Somente uma reforma profunda na legislação brasileira em especial na Constituição Federal poderá amenizar esse quadro que, hoje, contraditoriamente, torna obscuro o horizonte de fim da impunidade em nosso país.