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Senhores dos sindicatos

Enviado: 08 Dez 2007, 15:56
por O ENCOSTO
Senhores dos sindicatos

A cada hora, R$ 24 mil irrigam os cofres de sindicatos de trabalhadores no Rio Grande do Sul - um dinheiro saído do bolso dos assalariados livre de fiscalização e, muitas vezes, com destino ignorado.

Ao longo de dois meses, Zero Hora seguiu a rota desse dinheiro e encontrou, em uma parcela dos sindicatos investigados, um descalabro administrativo fruto da mescla de má gestão, perpetuação no poder e até crime.

A pedido da reportagem, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estimou a arrecadação mínima dos sindicatos de trabalhadores no Rio Grande do Sul em 2006. O resultado: R$ 212 milhões. O cálculo levou em consideração o imposto sindical, cobrado dos assalariados com carteira assinada, e a contribuição assistencial (o departamento utilizou como média o desconto de dois dias de trabalho). Não constam na conta verbas públicas nem mensalidades.

A cifra acima é apenas a quantia mensurável do dinheiro que alimenta os cofres de sindicatos de empregados. Nem mesmo o Banco Central sabe o tamanho do orçamento das entidades - também abastecidas com recursos públicos, convênios de saúde e comissões na intermediação de contratos entre associados e prestadores de serviços.

A fiscalização é inexistente. Ou negligente. A Constituição de 1988 proibiu, a título de preservar a liberdade sindical, que o Ministério do Trabalho e Emprego ou tribunais de contas confiram a contabilidade das entidades. Restou como salvaguarda do dinheiro do assalariado o trabalho dos conselhos fiscais das próprias instituições - ou seja, a autofiscalização.

Esses órgãos são eleitos com as chapas que dirigem os sindicatos. Muitas vezes, o presidente de hoje se torna o mais influente integrante do conselho fiscal de amanhã. No conselho, substitui o homem ou a mulher eleito para presidir a classe. Assim, amparados pela lei, grupos políticos se perpetuam no poder, garantindo anos de dominação e de silêncio recíproco sobre eventuais irregularidades praticadas em atos que se assemelham a ações entre amigos.

Com dinheiro abundante, sem fiscalização atuante e impulsionados pela autonomia sindical, presidentes não encontram barreiras para, se quiserem, estabelecer o tempo de mandato, o número de reeleições possíveis, os próprios salários e as verbas de representação (em alguns casos superiores aos vencimentos). Essa combinação engrossa o caldo que permite que sindicalistas possam dirigir, sem infringir a lei, os rumos de colegas mesmo morando em um outro Estado, como é o caso de Ricardo Baldino e Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Porto Alegre, morador de Balneário Camboriú (SC), distante 530 quilômetros da sede da entidade.

O mesmo contexto autoriza a dirigentes derrotados pelo voto após 14 anos de poder no Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários Intermunicipais, Interestaduais, Turismo e Fretamento do Rio Grande do Sul (Sindirodosul) garantir em contrato que a entidade tem um débito de R$ 294.686,82 com quem perdeu a eleição. Durante seis meses, os novos dirigentes terão um saldo de R$ 49.114,47 a ser pago em seis parcelas sobre uma dívida que sequer reconhecem.

Estas práticas, somadas, colocam em risco um dos bens mais preciosos da democracia.

- O mau uso de qualquer liberdade compromete a sua existência. Não é diferente com os sindicatos. Quem mais perde com isso são os próprios trabalhadores - alerta Silvana Ribeiro Martins, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Estado.

A preocupação da procuradora gaúcha é compartilhada pelos presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, e da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho.

- A CUT defende que dirigentes sindicais disponibilizem seus impostos de renda no começo e no final das gestões. É papel das autoridades, como os membros do Ministério Público, atuar quando houver irregularidades nos sindicatos. Os próprios trabalhadores devem exigir que os dirigentes prestem contas anuais - diz Artur Henrique, presidente da CUT, com 3,5 mil sindicatos filiados, responsáveis por defender 7,6 milhões de empregados.

Embora acredite que irregularidades são problemas pontuais, Paulinho - à frente da Força Sindical (1,8 mil sindicatos e 16 milhões de trabalhadores) - defende também que a polícia ou promotores sejam chamados a atuar sempre que houver suspeita de irregularidades.

É justamente a transparência que embasa a discussão sobre uma reforma sindical no Brasil. Pelo menos 18 projetos apresentados nos últimos 20 anos cogitam mudanças na contribuição sindical, na fiscalização de entidades e até na contagem de tempo de serviço para trabalhadores licenciados pelo mandato sindical. Deputados e senadores divergem no conteúdo das propostas, mas não na necessidade de apresentar alternativas à legislação sindicalista organizada por Getúlio Vargas no século passado.

Na série de reportagens que se inicia hoje e se estende até quarta-feira, Zero Hora revela o que alguns dirigentes sindicais fazem com o dinheiro descontado dos contracheques dos assalariados, as distorções que permitem a criação de presidentes que se perpetuam no poder, achacando e saqueando sindicatos, e o que pode ser feito para manter a credibilidade das entidades sindicais. Casos de corrupção e homicídios, como o registrado na gestão do Sindicato dos Comerciários de Uruguaiana em 2006, fazem parte de uma estrutura sindical arcaica. Então presidente da entidade, Pedro João Ferreira Corrêa foi morto a tiros em uma cilada. Seu crime: descobriu que o diretor-executivo da entidade desviava dinheiro.

( carlos.etchichury@zerohora.com.br e carlos.wagner@zerohora.com.br )