Intolerância e Símbolos Religiosos
Enviado: 22 Jan 2008, 09:26
Fonte: UMBANDAFEST, 21-01-2008
INTOLERANCIA E SIMBOLOS RELIGIOSOS
Daniel Sottomaior
A partir de hoje, fica combinado: todo dia 21 de janeiro é dia nacional de combate à intolerância religiosa. A data foi escolhida para coincidir com o aniversário de morte da ialorixá Mãe Gilda, que morreu de infarto em 2000 após ter seu terreiro sido invadido duas vezes por religiosos contrários a suas práticas e ver sua foto ilustrando uma matéria de teor depreciativo veiculada por jornal religioso.
Em ação na justiça, a igreja responsável pelo periódico foi condenada a pagar uma soma bastante expressiva aos herdeiros de Mãe Gilda, de maneira que o 21 de janeiro não é resultado apenas da atenção que a intolerância religiosa recebeu do legislativo, mas também do reconhecimento que conseguiu no judiciário.
Esses são sinais de que a maré de conscientização talvez esteja começando a virar em ao menos dois dos três poderes. Mas não podemos esquecer que ainda existe muito a fazer e que a intolerância ainda permanece enraizada nas próprias ações do Estado.
A desigualdade de acesso às capelanias e à assistência religiosa em hospitais, por exemplo, já é questão bem conhecida dos povos de terreiro. Por isso creio ser importante abordar aqui uma causa da maior importância que me parece estar sendo negligenciada: a presença de símbolos religiosos em repartições públicas. Esses símbolos são uma violação flagrante da laicidade do Estado, e podem ser encarados de pelo menos duas maneiras.
Algumas pessoas verão neles uma afronta em função de suas convicções religiosas ou arreligiosas, ou de análises históricas sobre tudo que eles representaram e ainda representam, particularmente no campo dos direitos humanos e da própria liberdade religiosa. E isso é perfeitamente legitimo. Afinal, não cabe ao Estado assumir o papel de se subscrever, direta ou indiretamente, a qualquer convicção política, ideológica ou religiosa.
Mas não é preciso sentir-se aviltado por um determinado símbolo religioso para ser contrário a seu uso como aparelho estatal. Independentemente do símbolo disposto em repartição publica, todo cidadão tem o dever de rejeitá-lo porque ele é conseqüência e causa de um desproporcional apreço do Estado, suas políticas e seus agentes (incluindo a própria Justiça) para com a confissão que representa.
Ainda que o símbolo em questão carregasse apenas significados positivos, não haveria como justificar a escolha desse particular símbolo em detrimento de todos os outros, que restam inegavelmente desprestigiados. O dinheiro dos impostos de todos não pode servir para fazer proselitismo do credo de alguns, sejam quantos forem. Não podemos esquecer que o critério da maioria serve apenas para eleger governantes, não para decidir de quem são os direitos a serem pisoteados.
Mesmo que não nos incomodemos com esses símbolos, nenhum cidadão consciente pode permitir que o Estado sancione oficialmente algum credo, pois isso constitui uma forma de discriminar seus cidadãos. Ė preciso acabar de uma vez por todas com os abusos contra a lei e com a confusão entre público e privado. Deixar para lá é alimentar todas as demais formas de preconceito.
Como se pode esperar que os cidadãos se tratem igualmente se nem o Estado faz isso? Que sensibilidade à diversidade devemos esperar de nossos legisladores, juízes e promotores, que só sabem trabalhar com o estandarte do privilégio acima de suas cabeças, ainda mais quando tão poucos reclamam?
Uma das belezas desta causa é que qualquer um pode fazer sua parte. Basta dirigir representação ao Ministério Público relatando a existência de um símbolo em qualquer ponto do território nacional, apontando a repartição em que ele está e expondo seu ponto de vista. Não é necessário advogado, e o procedimento é gratuito.
O site http://www.brasilparatodos.org tem todos os endereços do MP no país e até modelos de representação. Se puder fazê-lo em nome de uma pessoa jurídica, tanto melhor. As autoridades poderão ignorar uma ou duas representações, mas não centenas ou milhares. Por isso é importante deixar no site sua mensagem de apoio, e também cópias das representações e suas respostas, para expor a dimensão do movimento na sociedade. E não deixe de divulgar esta iniciativa.
No caso das representações já indeferidas, é da maior importância pedir a inclusão de um novo símbolo que represente verdadeiramente a sua crença. Afinal, se o símbolo atualmente afixado é legal, então todos os outros também precisam ser. Através do site pode-se escolher qualquer uma das representações já indeferidas de que temos conhecimento.
Pedir a remoção de símbolos religiosos de repartições públicas não é expressar raiva, mas pedir justiça. Manter-se em silêncio não é uma atitude de respeito, mas de omissão. Ė claro que não queremos ofender os sentimentos religiosos de ninguém. Mas isso não pode ser um argumento para não se fazer justiça. Ao não fazer nada, estaremos ratificando o preconceito e sacrificando princípios fundamentais da democracia no altar das vaidades daqueles que não podem suportar a afronta de perder seus sagrados privilégios.
Se eles desejam realmente fazer aos outros como gostariam que lhes fosse feito, então devem agir com dignidade e grandeza, e limpar as paredes de nossa repartições. E se não desejam, não merecem o nosso respeito.
INTOLERANCIA E SIMBOLOS RELIGIOSOS
Daniel Sottomaior
A partir de hoje, fica combinado: todo dia 21 de janeiro é dia nacional de combate à intolerância religiosa. A data foi escolhida para coincidir com o aniversário de morte da ialorixá Mãe Gilda, que morreu de infarto em 2000 após ter seu terreiro sido invadido duas vezes por religiosos contrários a suas práticas e ver sua foto ilustrando uma matéria de teor depreciativo veiculada por jornal religioso.
Em ação na justiça, a igreja responsável pelo periódico foi condenada a pagar uma soma bastante expressiva aos herdeiros de Mãe Gilda, de maneira que o 21 de janeiro não é resultado apenas da atenção que a intolerância religiosa recebeu do legislativo, mas também do reconhecimento que conseguiu no judiciário.
Esses são sinais de que a maré de conscientização talvez esteja começando a virar em ao menos dois dos três poderes. Mas não podemos esquecer que ainda existe muito a fazer e que a intolerância ainda permanece enraizada nas próprias ações do Estado.
A desigualdade de acesso às capelanias e à assistência religiosa em hospitais, por exemplo, já é questão bem conhecida dos povos de terreiro. Por isso creio ser importante abordar aqui uma causa da maior importância que me parece estar sendo negligenciada: a presença de símbolos religiosos em repartições públicas. Esses símbolos são uma violação flagrante da laicidade do Estado, e podem ser encarados de pelo menos duas maneiras.
Algumas pessoas verão neles uma afronta em função de suas convicções religiosas ou arreligiosas, ou de análises históricas sobre tudo que eles representaram e ainda representam, particularmente no campo dos direitos humanos e da própria liberdade religiosa. E isso é perfeitamente legitimo. Afinal, não cabe ao Estado assumir o papel de se subscrever, direta ou indiretamente, a qualquer convicção política, ideológica ou religiosa.
Mas não é preciso sentir-se aviltado por um determinado símbolo religioso para ser contrário a seu uso como aparelho estatal. Independentemente do símbolo disposto em repartição publica, todo cidadão tem o dever de rejeitá-lo porque ele é conseqüência e causa de um desproporcional apreço do Estado, suas políticas e seus agentes (incluindo a própria Justiça) para com a confissão que representa.
Ainda que o símbolo em questão carregasse apenas significados positivos, não haveria como justificar a escolha desse particular símbolo em detrimento de todos os outros, que restam inegavelmente desprestigiados. O dinheiro dos impostos de todos não pode servir para fazer proselitismo do credo de alguns, sejam quantos forem. Não podemos esquecer que o critério da maioria serve apenas para eleger governantes, não para decidir de quem são os direitos a serem pisoteados.
Mesmo que não nos incomodemos com esses símbolos, nenhum cidadão consciente pode permitir que o Estado sancione oficialmente algum credo, pois isso constitui uma forma de discriminar seus cidadãos. Ė preciso acabar de uma vez por todas com os abusos contra a lei e com a confusão entre público e privado. Deixar para lá é alimentar todas as demais formas de preconceito.
Como se pode esperar que os cidadãos se tratem igualmente se nem o Estado faz isso? Que sensibilidade à diversidade devemos esperar de nossos legisladores, juízes e promotores, que só sabem trabalhar com o estandarte do privilégio acima de suas cabeças, ainda mais quando tão poucos reclamam?
Uma das belezas desta causa é que qualquer um pode fazer sua parte. Basta dirigir representação ao Ministério Público relatando a existência de um símbolo em qualquer ponto do território nacional, apontando a repartição em que ele está e expondo seu ponto de vista. Não é necessário advogado, e o procedimento é gratuito.
O site http://www.brasilparatodos.org tem todos os endereços do MP no país e até modelos de representação. Se puder fazê-lo em nome de uma pessoa jurídica, tanto melhor. As autoridades poderão ignorar uma ou duas representações, mas não centenas ou milhares. Por isso é importante deixar no site sua mensagem de apoio, e também cópias das representações e suas respostas, para expor a dimensão do movimento na sociedade. E não deixe de divulgar esta iniciativa.
No caso das representações já indeferidas, é da maior importância pedir a inclusão de um novo símbolo que represente verdadeiramente a sua crença. Afinal, se o símbolo atualmente afixado é legal, então todos os outros também precisam ser. Através do site pode-se escolher qualquer uma das representações já indeferidas de que temos conhecimento.
Pedir a remoção de símbolos religiosos de repartições públicas não é expressar raiva, mas pedir justiça. Manter-se em silêncio não é uma atitude de respeito, mas de omissão. Ė claro que não queremos ofender os sentimentos religiosos de ninguém. Mas isso não pode ser um argumento para não se fazer justiça. Ao não fazer nada, estaremos ratificando o preconceito e sacrificando princípios fundamentais da democracia no altar das vaidades daqueles que não podem suportar a afronta de perder seus sagrados privilégios.
Se eles desejam realmente fazer aos outros como gostariam que lhes fosse feito, então devem agir com dignidade e grandeza, e limpar as paredes de nossa repartições. E se não desejam, não merecem o nosso respeito.