Acreditar em Nada
Enviado: 25 Jan 2008, 18:56
Acreditar em Nada
Seqüência da série O Ceticismo e os Limites da Dúvida
Por Acauan
Uma reação comum a certos proselitistas religiosos, diante de alguma objeção cética à sua pregação é encerrá-la abruptamente acusando seu interlocutor de ser alguém que não acredita em nada, desconsiderando o fato um tanto óbvio de que não acreditar no que outros acreditam é muito diferente de não acreditar em coisa alguma.
É elucidativo sobre o modus pensanti de determinados crentes a facilidade com que extrapolam a convicção esperada e compreensível de que suas crenças sejam as únicas verdadeiras no âmbito em que se aplicam, para a posição megalômana de que suas crenças sejam as únicas possíveis em qualquer âmbito.
O absurdo reside em que é impossível não acreditar em nada.
Acreditar significa dar crédito, aceitar que algo é verdadeiro. "Eu acredito" é sinônimo de "acho que é verdade".
E só.
Quem acredita apenas forma uma opinião a respeito de determinada veracidade, assim, o ato de acreditar é uma interpretação da realidade, sem o que a própria consciência individual não tem como se manifestar.
A idéia de que céticos não são formas de vida consciente soa familiar e aceitável para muitos crentes, para quem as próprias crenças não são interpretações individuais da realidade, mas a realidade mesma.
Para estes crentes, a única explicação possível para alguém não acreditar no que eles acreditam é estar perdido em um limbo existencial, de onde eles – os crentes, devem tentar resgatá-lo como parte de sua missão doutrinária.
Nesta peculiar visão, os céticos que não acreditam em nada seriam cegos que tateiam suas vidas por entre as trevas da negação e da dúvida.
Esta visão, claro, é mais rica em potencial melodramático do que em conteúdo útil, além de conter duas contradições intrínsecas.
Primeiro é que quem nega alguma coisa acredita na negação, logo não pode ser definido como alguém que não acredita em nada.
Depois, a dúvida é um estado de indecisão entre duas ou mais alternativas excludentes entre si, cujas veracidades potenciais são tidas como igualmente possíveis e prováveis.
Ora, alguém que não acredita em nada nunca está em dúvida, pois para se duvidar é preciso ter como igualmente críveis pelos menos duas possibilidades incompatíveis entre si. De certa forma, fica em dúvida quem acredita demais e não de menos.
Nestes termos, pode-se diferenciar a dúvida da incerteza racional.
Incerteza racional é considerar que algo tem mais probabilidade de ser verdadeiro que as alternativas que o negam, acatando a relevância das probabilidades contrárias e a possibilidade de estas virem a se mostrar maiores do que julgadas a princípio.
Certeza racional é entender algo como incontestavelmente verdadeiro, por tal ser auto-evidente e ou sua negação ser absurda.
Acreditar em qualquer coisa que não se defina como verdade auto-evidente ou de negação absurda sem cair na incerteza racional só é possível pela fé, a certeza individual, arbitrária ou intuitiva, de que algo é verdadeiro.
Ou, em outras palavras, pode-se muito bem acreditar sem qualquer obrigação racional de ter certeza, mas a certeza é intrínseca à própria definição de fé.
Daí, talvez, possamos definir o cético de quem falamos apenas como alguém que convive bem com a incerteza racional, em contraponto ao homem de fé, para quem a certeza é necessária.
É esta falta de compromisso com a certeza que parece chocar aqueles que dizem que céticos não acreditam em nada, quando estes céticos apenas respeitam a autoridade da certeza, aceitando que ela se decreta por si e não por nossas opiniões.
Seqüência da série O Ceticismo e os Limites da Dúvida
Por Acauan
Uma reação comum a certos proselitistas religiosos, diante de alguma objeção cética à sua pregação é encerrá-la abruptamente acusando seu interlocutor de ser alguém que não acredita em nada, desconsiderando o fato um tanto óbvio de que não acreditar no que outros acreditam é muito diferente de não acreditar em coisa alguma.
É elucidativo sobre o modus pensanti de determinados crentes a facilidade com que extrapolam a convicção esperada e compreensível de que suas crenças sejam as únicas verdadeiras no âmbito em que se aplicam, para a posição megalômana de que suas crenças sejam as únicas possíveis em qualquer âmbito.
O absurdo reside em que é impossível não acreditar em nada.
Acreditar significa dar crédito, aceitar que algo é verdadeiro. "Eu acredito" é sinônimo de "acho que é verdade".
E só.
Quem acredita apenas forma uma opinião a respeito de determinada veracidade, assim, o ato de acreditar é uma interpretação da realidade, sem o que a própria consciência individual não tem como se manifestar.
A idéia de que céticos não são formas de vida consciente soa familiar e aceitável para muitos crentes, para quem as próprias crenças não são interpretações individuais da realidade, mas a realidade mesma.
Para estes crentes, a única explicação possível para alguém não acreditar no que eles acreditam é estar perdido em um limbo existencial, de onde eles – os crentes, devem tentar resgatá-lo como parte de sua missão doutrinária.
Nesta peculiar visão, os céticos que não acreditam em nada seriam cegos que tateiam suas vidas por entre as trevas da negação e da dúvida.
Esta visão, claro, é mais rica em potencial melodramático do que em conteúdo útil, além de conter duas contradições intrínsecas.
Primeiro é que quem nega alguma coisa acredita na negação, logo não pode ser definido como alguém que não acredita em nada.
Depois, a dúvida é um estado de indecisão entre duas ou mais alternativas excludentes entre si, cujas veracidades potenciais são tidas como igualmente possíveis e prováveis.
Ora, alguém que não acredita em nada nunca está em dúvida, pois para se duvidar é preciso ter como igualmente críveis pelos menos duas possibilidades incompatíveis entre si. De certa forma, fica em dúvida quem acredita demais e não de menos.
Nestes termos, pode-se diferenciar a dúvida da incerteza racional.
Incerteza racional é considerar que algo tem mais probabilidade de ser verdadeiro que as alternativas que o negam, acatando a relevância das probabilidades contrárias e a possibilidade de estas virem a se mostrar maiores do que julgadas a princípio.
Certeza racional é entender algo como incontestavelmente verdadeiro, por tal ser auto-evidente e ou sua negação ser absurda.
Acreditar em qualquer coisa que não se defina como verdade auto-evidente ou de negação absurda sem cair na incerteza racional só é possível pela fé, a certeza individual, arbitrária ou intuitiva, de que algo é verdadeiro.
Ou, em outras palavras, pode-se muito bem acreditar sem qualquer obrigação racional de ter certeza, mas a certeza é intrínseca à própria definição de fé.
Daí, talvez, possamos definir o cético de quem falamos apenas como alguém que convive bem com a incerteza racional, em contraponto ao homem de fé, para quem a certeza é necessária.
É esta falta de compromisso com a certeza que parece chocar aqueles que dizem que céticos não acreditam em nada, quando estes céticos apenas respeitam a autoridade da certeza, aceitando que ela se decreta por si e não por nossas opiniões.