Os jogos da repressão

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RicardoVitor
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Os jogos da repressão

Mensagem por RicardoVitor »

por Guy Sorman em 01 de fevereiro de 2008

Resumo: A China não está no caminho da democracia ao estilo ocidental e o crescimento econômico não é o prelúdio de uma sociedade livre. A verdadeira ambição do regime comunista é inventar uma alternativa à democracia ocidental, e Olimpíada será destinada para promover esse modelo alternativo.

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A Olimpíada de Pequim em agosto será um torneio político. Desde a sua reinvenção por Pierre de Coubertin, os jogos olímpicos sempre têm sido politizados. Os primeiros ocorreram em 1896 em Atenas para constranger os turcos que ainda ocupavam o Norte da Grécia. A Olimpíada de Berlim, em 1936, celebrou o triunfo da ideologia nazista. Os Jogos de Seul, em 1988, abriram as portas da democratização da Coréia. Pequim vai se parecer com Seul ou com Berlim? Será a apoteose de um regime autoritário ou o início de seu fim? Muitos observadores otimistas, geralmente moderados pela relação próxima com o regime comunista, apostam numa transição leve do despotismo para uma sociedade chinesa aberta. Mas fatos recentes não confirmam essa interpretação positiva da estratégia do Partido Comunista.

Desde o começo deste ano, a repressão contra militantes dos direitos humanos, advogados e donos de blogs está mais dura do que nunca. O número exato de dissidentes democráticos que estão encarcerados, ou algo pior, é desconhecido.

Em 7 de janeiro, foi noticiado que um responsável por um blog, cujo nome era Wei Wenhua, foi morto pela polícia em Hubei enquanto tentava filmar uma revolta numa vila. Não há como saber sobre as vítimas ignoradas, as razões pelas quais foram condenadas à morte e executadas. Não sabemos quantas são enviadas sem julgamento para 'centros de reeducação'. Na falta de estatísticas, vamos nos focar em duas figuras simbólicas do movimento pró-democracia: Hu Jia e Chen Guancheng.

Em 27 de dezembro, 20 policiais prenderem Hu Jia na frente de sua mulher e do bebê de dois meses deles. A polícia agiu com extrema violência como se Hu Jia pudesse resistir. Entretanto, ele é um homem franzino de 34 anos, que sofre de problemas no fígado. Além disso, ele é um militante comprometido com a não-violência, um admirador do Dalai Lama, um discípulo de Mahatma Gandhi e um budista sincero. Indaga-se por que o poderoso Partido Comunista Chinês está exercendo todas as suas forças para seqüestrar um inimigo tão pequeno.

O partido o acusa de "subversão", mas ele não quebrou nenhuma lei chinesa. Ele estava prestes a derrubar o Partido? Bem mais modestamente, em 2000, Hu Jia abandonou seus estudos na Universidade de Pequim quando soube que milhares de camponeses de Henan estavam morrendo de AIDS depois de terem vendido o sangue para traficantes locais. Desde o começo da epidemia, a principal atividade de Hu Jia tem sido a distribuição de remédio e de conforto moral nas tristes aldeias de Henan. Seu trabalho de caridade não é facilitado pelas autoridades, que têm alguma responsabilidade por essa epidemia. Além disso, com as ONGs sendo proibidas na China, Hu Jia só pode agir por si mesmo. Se ele tivesse montado algum tipo de organização para ajudar em sua filantropia, estaria violando a lei. A partir da reveladora tragédia das vítimas de Henan, Hu Jia veio a perceber que ela surgiu da falta de direitos humanos na China. Assim, ele abriu um site com um local de discussões para os universitários compartilharem suas preocupações. Esse site, fechado pelo governo, divulgou o destino de Chen Guangcheng.

Chen, um camponês cego e advogado autodidata, protestou em 2005 contra o seqüestro de cerca de 3 mil mulheres em sua cidade natal, Linyi. Essas mulheres foram tornadas estéreis ou forçadas a praticar aborto a fim de estabilizar o aumento da população na região. Contra essas violentas quebras da lei chinesa, Chen tomou a iniciativa de enviar uma petição ao governo central. O envio de uma petição é a única forma reconhecida de protesto na China. Quando levava essa petição para Pequim, Chen foi acusado de tumultuar o trânsito nas ruas engarrafadas da cidade. Por esse tumulto, foi condenado à prisão.

Nós nos deveríamos indagar por que esses testemunhos tão simples de Hu Jia e Chen Guancheng, baseados na tradição moral chinesa, provocam uma repressão tão dramática do governo. Hu e Chen respeitaram de forma clara a lei. Eles não clamavam por uma revolução. Simplesmente eles falaram com jornalistas estrangeiros, mas esses contatos não são proibidos.

Será que o Partido tem medo desses dissidentes? Talvez sim. O Partido é assombrado pelo precedente soviético. Nenhum Sakharov e nenhum Solzhenitsyn será permitido na China para manchar o "sucesso" do Partido. A prisão de Hu Jia e Chen Guangcheng é um sinal claro que o processo de democratização não vai começar na China sob o controle do Partido. Quando os próprios líderes chineses mencionam a democracia nas declarações oficiais, eles querem dizer democracia "organizada", do alto para baixo. Claramente, a China não está no caminho da democracia ao estilo ocidental e o crescimento econômico não é o prelúdio de uma sociedade livre enquanto o Partido puder evitar. A verdadeira ambição do regime é inventar uma alternativa à democracia ocidental. Isso poderia ser um despotismo esclarecido sob a tutela de um partido comunista meritocrático. A Olimpíada será destinada para promover esse modelo alternativo.

O quanto esse modelo está legitimado? O Partido Comunista, com 60 milhões de membros, provavelmente aprovaria. Os 200 milhões que compartilham os lucros de um rápido crescimento também concordariam. Mas o que um bilhão de pessoas mantidas na pobreza absoluta (300 milhões vivem com menos de US$ 1 por dia) e privadas de qualquer direito pensa desse despotismo esclarecido? Ninguém saberá enquanto elas não tenham como se expressar.

Seria muito bom que Hu Jia e Chen Guancheng conseguissem representar esse bilhão silencioso mais do que o Partido. Esse pode ser um motivo pelo qual o Partido os esmagou. Essa é a razão pela qual qualquer participante decente dos Jogos Olímpicos deve pedir a libertação de Hu Jia e Chen Guangcheng agora.

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