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Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 09 Fev 2008, 23:26
por Herf
Daqui a uma ou duas semanas a Veja libera toda a entrevista. Por enquanto só está disponível este trecho no blog do Reinaldo.

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Premiar o mérito
Por Monica Weinberg

Como secretária estadual de Educação em São Paulo, a professora Maria Helena Guimarães de Castro, 61 anos, comanda uma rede de 5 500 escolas, 250 000 professores e 5 milhões de alunos. Nenhuma outra no país chega perto de tais números. É justamente nesse universo que será implantado pela primeira vez no Brasil um sistema segundo o qual as escolas passarão a ter metas acadêmicas no horizonte e receberão mais verbas caso consigam cumpri-las. O tal bônus será distribuído entre os funcionários. Depois de anunciado o novo sistema, a secretária passou a receber dezenas de e-mails de professores, alguns deles furiosos. "Eles querem aumento de salário, sim, mas dissociado do desempenho. Estão na contramão", diz a secretária. Cientista social de formação, desde 1993, quando assumiu a Secretaria de Educação em Campinas, Maria Helena ocupou diversos cargos públicos, entre eles o de secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), durante o governo FHC, onde é lembrada por ter liderado a construção de um valioso sistema de avaliação das escolas brasileiras. Casada, mãe de três filhos e avó de quatro netos, ela concedeu a VEJA a seguinte entrevista.

Veja – Nas próximas semanas, as escolas estaduais de São Paulo se tornarão as primeiras no país a ter metas acadêmicas a cumprir – e a ser premiadas com mais dinheiro caso consigam atingi-las. Quais resultados a senhora espera alcançar com tais medidas?
Maria Helena – O objetivo é criar incentivos concretos para o progresso das escolas, a exemplo da bem-sucedida experiência de outros países do mundo desenvolvido, como Inglaterra e Estados Unidos. Eles não inventaram nenhuma fórmula mirabolante, mas, sim, conseguiram pôr em prática sistemas capazes de distinguir e premiar, com base em critérios objetivos, as escolas com bom desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que, em todos os lugares onde uma política de reconhecimento ao mérito foi implantada, a educação avançou. No Brasil, esse é um debate novo e, infelizmente, ainda contraria uma parcela dos educadores.

Veja – Qual é exatamente o motivo das críticas ao novo sistema?
Maria Helena – Em pleno século XXI, há pessoas que persistem em uma visão sindicalista ultrapassada e corporativista, segundo a qual todos os professores merecem ganhar o mesmo salário no fim do mês. Essa velha política da isonomia salarial passa ao largo dos diferentes resultados obtidos em sala de aula, e aí está o erro. Ao ignorar méritos e deméritos, ela deixa de jogar luz sobre os mais talentosos e esforçados e, com isso, contribui para a acomodação de uma massa de profissionais numa zona de mediocridade. Por isso, demos um passo na direção oposta.

http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo/2008/02/veja-4-premiar-o-mrito.html

Enviado: 09 Fev 2008, 23:55
por Acauan
REVISTA VEJA, Edição 2047, 13 de fevereiro de 2008

Entrevista: Maria Helena Guimarães de Castro
PREMIAR O MÉRITO

A secretária de Educação de São Paulo diz que o Brasil precisa livrar-se de vez do corporativismo e dar incentivos a quem merece

Monica Weinberg
Imagem
"A velha política de isonomia salarial contribui para a acomodação dos professores numa zona de mediocridade"

Como secretária estadual de Educação em São Paulo, a professora Maria Helena Guimarães de Castro, 61 anos, comanda uma rede de
5 500 escolas, 250 000 professores e 5 milhões de alunos. Nenhuma outra no país chega perto de tais números. É justamente nesse universo que será implantado pela primeira vez no Brasil um sistema segundo o qual as escolas passarão a ter metas acadêmicas no horizonte e receberão mais verbas caso consigam cumpri-las. O tal bônus será distribuído entre os funcionários. Depois de anunciado o novo sistema, a secretária passou a receber dezenas de e-mails de professores, alguns deles furiosos. "Eles querem aumento de salário, sim, mas dissociado do desempenho. Estão na contramão", diz a secretária. Cientista social de formação, desde 1993, quando assumiu a Secretaria de Educação em Campinas, Maria Helena ocupou diversos cargos públicos, entre eles o de secretária executiva do Ministério da Educação (MEC), durante o governo FHC, onde é lembrada por ter liderado a construção de um valioso sistema de avaliação das escolas brasileiras. Casada, mãe de três filhos e avó de quatro netos, ela concedeu a VEJA a seguinte entrevista.


Veja – Nas próximas semanas, as escolas estaduais de São Paulo se tornarão as primeiras no país a ter metas acadêmicas a cumprir – e a ser premiadas com mais dinheiro caso consigam atingi-las. Quais resultados a senhora espera alcançar com tais medidas?
Maria Helena – O objetivo é criar incentivos concretos para o progresso das escolas, a exemplo da bem-sucedida experiência de outros países do mundo desenvolvido, como Inglaterra e Estados Unidos. Eles não inventaram nenhuma fórmula mirabolante, mas, sim, conseguiram pôr em prática sistemas capazes de distinguir e premiar, com base em critérios objetivos, as escolas com bom desempenho acadêmico. As pesquisas mostram que, em todos os lugares onde uma política de reconhecimento ao mérito foi implantada, a educação avançou. No Brasil, esse é um debate novo e, infelizmente, ainda contraria uma parcela dos educadores.

Veja – Qual é exatamente o motivo das críticas ao novo sistema?
Maria Helena – Em pleno século XXI, há pessoas que persistem em uma visão sindicalista ultrapassada e corporativista, segundo a qual todos os professores merecem ganhar o mesmo salário no fim do mês. Essa velha política da isonomia salarial passa ao largo dos diferentes resultados obtidos em sala de aula, e aí está o erro. Ao ignorar méritos e deméritos, ela deixa de jogar luz sobre os mais talentosos e esforçados e, com isso, contribui para a acomodação de uma massa de profissionais numa zona de mediocridade. Por isso, demos um passo na direção oposta.

Veja – Os professores se queixam de salários baixos. A senhora dá razão a eles?
Maria Helena – Na comparação com outros profissionais no Brasil e também com professores de escolas particulares, um conjunto de pesquisas já demonstrou que os salários dos docentes na rede pública chegam a ser até mais altos. Esse é um fato, ancorado em números. Apesar disso, acho, sim, que faz parte das atribuições do estado criar estímulos financeiros à carreira, de modo a valorizá-la e conseguir atrair mais gente boa para as escolas públicas. O que não se pode fazer é defender aumento de salário indiscriminado para professor ruim, desinteressado ou que mal aparece na escola. Quem merece mais dinheiro no fim do mês são os bons professores e aquelas escolas públicas capazes de oferecer um raro ensino de qualidade, apesar das evidentes dificuldades.

Veja - Como funcionará o novo sistema de premiação dos professores em São Paulo?
Maria Helena – Criamos um indicador para aferir a situação atual de cada escola e, com base nele, estabelecer metas concretas. O desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso. Esse é, não resta dúvida, um excelente medidor do sucesso acadêmico de uma escola. Outro é o tempo que um aluno leva para concluir os ciclos escolares. Da combinação desses e mais fatores resultará o tal índice. Depois de um ano, ele voltará a ser calculado. Só as escolas que conseguirem melhorar nas estatísticas vão receber mais dinheiro.

Veja – De quanto será o prêmio?
Maria Helena – O bônus pode chegar ao equivalente a mais três salários num ano. Isso para cada funcionário da escola, da faxineira ao diretor. Foi com um sistema bem semelhante a esse que a cidade de Nova York alcançou avanços notáveis. Fizemos aqui uma adaptação necessária à realidade brasileira: os professores mais faltosos serão automaticamente excluídos da lista dos premiados. É apenas o justo. O Brasil ainda está pouco habituado a encarar as políticas para a educação sob uma ótica mais voltada para os alunos. Eles merecem, afinal, assistir a uma boa aula – e por isso estamos deixando de premiar os professores campeões em ausência.

Veja – De acordo com os mais recentes dados da OCDE (organização que reúne países da Europa e os Estados Unidos), os estudantes brasileiros aparecem nas últimas colocações em leitura, ciências e matemática. Como mudar esse cenário?
Maria Helena – Um passo fundamental é fazer a escola se sentir responsável pelos resultados dos estudantes, algo ainda bastante longínquo, mas possível de alcançar com a cobrança de metas. Fiz uma pesquisa sobre o assunto na qual professores entrevistados em diferentes estados brasileiros repetiam a mesmíssima ladainha: "As notas dos alunos são ruins porque a escola pública é carente de recursos e os professores ganham mal". Não acho que seja razoável atribuir tudo a fatores externos. Segundo essa mentalidade atrasada e comodista, a culpa pelo péssimo desempenho geral é invariavelmente do estado brasileiro, nunca dos próprios professores, muitos dos quais incapacitados para dar uma boa aula. A falta de professores preparados para desempenhar a função é, afinal, um mal crônico do sistema educacional brasileiro. Sem desatar esse nó, não dá para pensar em bom ensino.

Veja – Qual seria o melhor caminho para elevar o nível dos professores?
Maria Helena – Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero. Isso porque se consagrou no Brasil um tipo de curso de pedagogia voltado para assuntos exclusivamente teóricos, sem nenhuma conexão com as escolas públicas e suas reais demandas. Esse é um modelo equivocado. No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo. Com isso, também prestam o desserviço de divulgar e perpetuar antigos mitos. Ao retirar o foco das questões centrais, esses mitos só atrapalham.

Veja – A senhora pode dar alguns exemplos desses mitos?
Maria Helena – Um dos mais populares é aquele segundo o qual o aumento no salário dos professores leva sempre à melhoria do ensino. As pesquisas mostram que, quando o dinheiro vem dissociado de uma política de reconhecimento do mérito, ele surte pouco ou nenhum efeito. Um segundo mito bastante divulgado diz respeito ao tamanho das classes. Os educadores afirmam por aí ser impossível oferecer uma boa aula diante de classes cheias, mas os estudos sobre o assunto indicam que, tirando as séries iniciais, esse é um fator de pouca relevância. Escolas de diferentes países decidiram inclusive aumentar o número de alunos em sala de aula para resolver outra questão – esta, sim, de grande efeito positivo. Eles estão esticando as horas de permanência dos estudantes nas escolas e, para arcar com os custos da medida, precisam fazer caber mais gente numa mesma sala. Resta ainda o mito do livro didático. Os estudantes de faculdades de pedagogia aprendem a encarar os livros como uma espécie de camisa-de-força, e não como uma base a partir da qual podem ampliar os horizontes em sala de aula.

Veja – O currículo escolar também é visto com certa reticência pelos professores brasileiros, segundo mostram as pesquisas...
Maria Helena – De novo, os professores se sentem tolhidos na sua liberdade de ensinar – baboseira ideológica que passa ao largo de uma questão central. Sem contar com um currículo, o professor de escola pública no Brasil, de modo geral, continua a encarar as classes sem uma referência mínima na qual se mirar. Poucos estados brasileiros (entre as exceções, São Paulo, Minas Gerais e o Tocantins) dispõem de um currículo para oferecer às escolas, no qual estejam incluídos os assuntos a ser abordados em cada matéria, no detalhe. É uma pena. A experiência mostra que professores com um apoio didático dessa natureza vão mais longe em sala de aula. Investir na construção de um currículo, como fizeram alguns dos países da Europa dois séculos atrás, é certamente um destino mais adequado para as verbas públicas do que esparramar canteiros de obras Brasil afora – um caminho tão comum para o orçamento da educação no país.

Veja – Quais são as melhores aplicações para o dinheiro destinado à educação?
Maria Helena – Três tipos de uso do dinheiro surtem mais efeito em sala de aula, conforme apontam as pesquisas: além do investimento em produção de material didático, os cursos para melhorar a formação dos professores e os programas de valorização aos bons docentes também resultam em melhorias concretas no nível do ensino. Não dá para fugir ainda de gastos extras com escolas sem a infra-estrutura mínima. À frente dos 5 500 colégios estaduais de São Paulo, tenho visto de tudo. Em algumas das escolas, a diretora precisa retirar diariamente lâmpadas e fiações ao final das aulas, para evitar roubos por parte dos próprios alunos. Eles costumavam trocar esses objetos por drogas. Outras escolas se tornaram verdadeiros emaranhados de "puxadinhos", extensões labirínticas do prédio original feitas pela própria comunidade. São apenas alguns retratos da desordem que precisamos enfrentar. Diante de tantas precariedades, a velha tradição brasileira de fazer pirotecnia com o dinheiro público da educação não parece ter o menor sentido.

Veja – A que tipo de "pirotecnia" a senhora se refere?
Maria Helena – À construção de escolas monumentais, repletas de quadras poliesportivas, piscinas olímpicas e centenas de computadores, por exemplo. Em geral, elas são um convite à gastança de dinheiro sem nenhuma evidência de retorno para a sala de aula a longo prazo. Isso porque, segundo indica a experiência, em pouco tempo essas escolas entram em decadência por exigir uma manutenção cara demais para os cofres públicos. Volto à mesma tecla: o que dá certo na educação é a aplicação disciplinada de um conjunto de medidas bem mais básicas – e não aquelas de efeito festivo e mais vistosas, como ainda preferem alguns.

Veja – Como algumas escolas públicas conseguem sobressair diante das demais, apesar do mesmo orçamento apertado?
Maria Helena – Há um fator comum a todas as escolas nota 10, e ele merece a atenção das demais: trata-se da presença de um diretor competente, com atributos de liderança semelhantes aos de qualquer chefe numa grande empresa. Sob sua batuta, os professores trabalham estimulados, os alunos desfrutam um clima positivo para o aprendizado e os pais são atraídos para o ambiente escolar. Se tais diretores fossem a maioria, o ensino público não estaria tão mal das pernas.

Veja – Na sua opinião, o Ministério da Educação (MEC) tem tomado medidas acertadas?
Maria Helena – No geral, sim. Os esforços concentrados para melhorar a educação básica e a ênfase dada às avaliações das escolas são dois dos pontos positivos. Para mim, ver a educação de volta aos trilhos é um alívio. No primeiro mandato do governo Lula, tive meus momentos de tristeza.

Veja – Por quê?
Maria Helena – Foi um período de paralisia para a educação, com um retrocesso: o desmantelamento do antigo Provão, uma prova criada durante o governo Fernando Henrique para aferir a qualidade das universidades. Funcionava bem, mas acabou vítima de um velho hábito da política brasileira: o de não dar continuidade às medidas adotadas pelos antecessores. Numa área como a educação, de resultados de longo prazo, o tradicional bota-abaixo a cada troca de governo é algo a ser combatido, tal qual fizeram países como a Irlanda e a Coréia do Sul, hoje modelos na educação. Eles só conseguiram abandonar o atoleiro de notas vermelhas depois de firmar uma espécie de pacto nacional, capaz de sobreviver às sucessivas trocas de governo ao longo de décadas. O Brasil tem hoje uma meta, para daqui a quinze anos, e há um bom consenso em torno das estratégias para alcançá-la. Precisa, daqui para a frente, começar a dar mostras de maturidade política para conseguir deixar a rabeira nos rankings internacionais de ensino – e, quem sabe um dia, aparecer entre os melhores.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 00:03
por King In Crimson
Parabéns, São Paulo! Tanto pela diminuição da violência, como por essa iniciativa.

Só espero que não acabe em fraudes, jeitinhos ou em pizza, como é muito provável.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 00:25
por Orbe
Só fico me perguntando como eles vão analisar o caso de cada escola. Afinal, é muito mais difícil dar aulas em uma escolas caindo aos pedaços dentro da favela que em uma escola de bairro da classe média. É muito mais fácil motivar alunos que tem o que comer em casa que motivar alunos que passam fome. É bem mais complicado dar aulas nas escolas de dentro dos presídios que nas escolas de fora. Dentre outras tantas diferenças de um lugar para outro.

Se forem apenas olhar boletins e estatísticas do ENEM, o resultado vai ser um só: escolas que já tinham tudo para ir bem, vão ganhar mais ainda com isso. Enquanto escolas que não tem nada e onde o trabalho é mais dificil terão professores e diretores maquiando notas para ganhar mais dinheiro. E os alunos dessas últimas, sabendo que as notas serão alteradas de qualquer forma, vão estudar ainda menos que atualmente.

É tão ingênuo achar que tratar brasileiros da mesma forma que o governo inglês trata os ingleses vai dar os mesmos bons resultados...

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 01:42
por SickBoy
Uma curiosidade, do livro Freaknomics



o sistema de ensino público de chicago adotou os "provões" em 1996. Pela nova política, uma escola onde as notas de leitura fossem baixas seria posta em quarentena, enfrentando o risco de ser fechada e seus funcionários, demitidos ou transferidos. o sistema de ensino público de chicago também pôs fim à chamada "promoção social". Anteriormente, apenas um aluno absolutamente inépto ou difícil repetia um ano. agora, pra ser aprovado, todo aluno de 3º, 6º e 8º séries tinha que obter uma nota mínima no teste padronizado de múltipla escolha conhecido como Teste de Aptidões Básicas de Iowa.

Os defensores do "provão" argumentam que este eleva o padrão de ensino e estimula os alunos a estudarem. Ao mesmo tempo, ao impedir os alunos de serem aprovados sem mérito, as turmas mais avançadas não ficarão apinhadas, sujeitando ao atraso os bons alunos . Em compensação os críticos desses sistema de avaliação temem que alguns alunos sintam-se injustamente punidos caso não consigam boas notas e que os professores possam se concentrar nos tópicos mais prováveis dessas provas em detrimento de outros mais importantes.

Os alunos, é claro, têm incentivo para colar desde que as provas existem, mas o novo sistema de avaliação alterou de forma tão radical os incentivos dos professores que agora eles também têm motivo para trapacear.. Com esse sistema mais exigente, um professor cujos alunos se saiam mal pode ser advertido ou esquecido na hora do aumento ou promoção. Se a escola inteira se sai mal, os subsídios federais podem ser suspensos e se o estabelecimento ficar em quarentena, os professores correm o risco de demissão. O novo sistema de avaliação também oferece aos professores alguns incentivos positivos. Se os alunos de um professor tirarem notas suficientemente altas, esse professor será elogiado, podendo vir a ser promovido e até mesmo recompensado financeiramente: o estado de da Califórnia a certa altura instituiu prêmios de $ 25 mil para professores que produzissem grandes resultados de avaliação.

Observando esse quadro novo em termos de incentivos, e se sentindo levemente tentado a inflacionar as notas de seus alunos, um professor talvez acabasse cedendo diante de um incentivo definitivo: raramente se imagina que ele trapaceie, é difícil detectar sua trapaça e praticamente não se ouve falar em punição para esse tipo de delito.

Como um professor levaria adiante esse intento? existem múltiplas possibilidades, da mais banal às mais sofisticadas. Há pouco tempo, uma aluna de 5º série em Oakland chegou feliz em casa e disse à mãe que sua professora superlegal havia escrito as respostas do provão no quadro-negro. Esses fatos certamente são raros, pois colocar o seu destino nas mãos de 30 testemunhas pré-adolescentes parece ser um risco a qual nem o pior professor do mundo se exporia. Há meios infinitamente mais sutis para inflacionar as notas dos alunos. O professor pode, simplesmente, dar aos alunos mais tempo do que o permitido para terminar a prova. Caso consiga a cópia do teste antecipadamente - ou seja, ilicitamente -, o mestre tem a chance de preparar seus pupilos para responder corretamente as questões específicas. Em outras palavras, pode "ensinar a prova". Baseando suas aulas em questões dos anos anteriores, algo que não é considerado trapaça, mas que decerto vai de
encontro ao espírito de avaliação.

No entanto, se um professor quiser realmente trapacear - e fazer a trapaça valer a pena - basta recolher os testes de seus alunos e, no espaço de mais ou menos uma hora até entregá-los para a correção automática, apagar as respostas erradas e substituí-las pelas certas. se esste tipo de trapaça estiver ocorrendo como detectá-la?

PAra pegar um professor, pensar como um deles ajuda. Se você estivesse disposto a apagar as respostas erradas de seus alunos, substituindo-as pelas certas, não iria querer corrigir erros demais, isso daria na vista. Provavelmente nem mexeria nos testes de todos - outra bandeira. Não haveria mesmo tempo suficiente, já que os testes são entregues pouco antes de terminados. Assim, sua opção poderia ser selecionar uma fileira de oito ou dez perguntas consecutivas e preencher corretamente, digamos, a metade ou dois terços dos testes. Seria fácil memorizar um padrão curto de respostas corretas e muito mais rápido apagar e alterar tal padrão do que examinar cada folha da prova. Quem sabe até você decidisse focar sua atenção no final, quando perguntas costumam ser mais difíceis do que no início. Assim, seriam maiores as chances de substituir respostas erradas por certas.




Enfim, esse cara conseguiu bolar um intrincado algoritmo anti-trapaça, que aplicado, analisava uma série de coisas: padrões fora do comum, com blocos idênticos de respostas corretas, dentre as perguntas mais difíceis; Uma turma acertar muitas perguntas 'dificeis' e errar um grande número de perguntas fáceis; Um desempenho médio da turma que destoasse, com médias ruins no ano anterior a aplicação da prova, notas significativamente boas, e no próximo ano, notas novamente baixas.


A análise do conjunto de dados das avaliações em chicago revelou a existência desse padrão em mais de duas mil turmas por ano, aproximadamente 5% do total. E essa ainda seria apenas um tipo de trapaça.

Esse provão foi aplicado desde 1993 a 2000, e em 1996 os professores passaram a receber incentivos financeiros pelo desempenho dos alunos. Nesse ano, esse padrão de trapaça teve um pico expressivo.

Diante desses novos dados a respeito de uma possível trapaça, o estado de Iowa reaplicou as provas, agora de olho nos trapaceiros, e com provas agora aplicadas por funcionários da secretaria de educação. o que pôde ser ver foi: notas das turmas de professores não-trapaceiros se mantinham, ou até subiram, já a dos professores trapaceiros...

Enviado: 10 Fev 2008, 01:57
por Apáte
Veja – Qual seria o melhor caminho para elevar o nível dos professores?
Maria Helena – Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero.

Nossa, deu vontade de pedir em casamento.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 03:52
por Orbe
Eu ri nessa parte. :emoticon12:

Re: Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 04:02
por Ilovefoxes
Orbe escreveu:Só fico me perguntando como eles vão analisar o caso de cada escola. Afinal, é muito mais difícil dar aulas em uma escolas caindo aos pedaços dentro da favela que em uma escola de bairro da classe média. É muito mais fácil motivar alunos que tem o que comer em casa que motivar alunos que passam fome. É bem mais complicado dar aulas nas escolas de dentro dos presídios que nas escolas de fora. Dentre outras tantas diferenças de um lugar para outro.

Se forem apenas olhar boletins e estatísticas do ENEM, o resultado vai ser um só: escolas que já tinham tudo para ir bem, vão ganhar mais ainda com isso. Enquanto escolas que não tem nada e onde o trabalho é mais dificil terão professores e diretores maquiando notas para ganhar mais dinheiro. E os alunos dessas últimas, sabendo que as notas serão alteradas de qualquer forma, vão estudar ainda menos que atualmente.

É tão ingênuo achar que tratar brasileiros da mesma forma que o governo inglês trata os ingleses vai dar os mesmos bons resultados...
Ora, mas vão olhar por boletins? Isso nunca funcionaria. Quer dizer, a escola ganha mais se tiver bons boletins, e as escolas definem os números dos boletins...??

O caso seria observar o resultado no mercado de trabalho. Mais ou menos como nos EUA, não basta dizer que fez faculdade, eles querem saber qual faculdade.
Porque passar na faculdade é só um númerozinho no papel.

E indefinido se mede ou não os problemas dos alunos, o incentivo a melhoria permanece.
Mesmo que pareça injusto pois é mais possível que os alunos bem alimentados ganhem investimento, isso não tem como objetivo "justiça social", e sim o incentivo a alguma meta.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 04:16
por Apáte
O desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso.

Re: Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 11:54
por Acauan
Orbe escreveu:É tão ingênuo achar que tratar brasileiros da mesma forma que o governo inglês trata os ingleses vai dar os mesmos bons resultados...


Ingenuidade é achar que os brasileiros são um povo tão especial que seus problemas são únicos e soluções bem sucedidas em outras partes do mundo para os mesmos problemas jamais dariam certo aqui.
Daí a teimosia de décadas em aplicar medidas que seriam genuinamente nacionais e que fracassaram uma após a outra.

As desigualdades não são exclusividade das escolas brasileiras.

Londres e New York têm centenas de milhares de estudantes pobres em suas periferias, sendo mundialmente conhecidos os problemas envolvendo as escolas do Bronx, por exemplo.

Além disto, estas cidades possuem problemas muito mais complexos que as escolas brasileiras, dado que devido às levas de estudandes filhos de imigrantes pobres, os professores e direção tem que lidar com culturas distintas, pais que mal falam a língua nativa do país onde se instalaram e o delicado problema da adaptação dos costumes religiosos - notadamente dos muçulmanos.

No mais, todo mudo que conhece as escolas brasileiras sabe que dentro da mesma escola, na mesma classe, com os mesmos alunos, há professores que se destacam positiva e negativamente.
Estas pesquisas deixarão isto claro e tirarão os professores vagabundos do isolamento da sala de aula que os esconde e protege, o que já é um grande passo.

Se em duas escolas do mesmo bairro de periferia, com alunos de condição social idêntica, uma dá resultados melhores que a outra, basta analisar o que a melhor faz ou tem de certo e copiar na que vai mal e descobrir o que a outra faz ou tem de errado e corrigir.

É tão simples e óbvio que dá vergonha terem demorado tanto para descobrir isto.


Enviado: 10 Fev 2008, 13:21
por Acauan
Maria Helena – Num mundo ideal, eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero.


BRAVO!

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 13:45
por Acauan
Há mais de dois anos, havia comentado sobre o tema em termos hoje muito parecidos com os da secretária:

Acauan, em 10/12/2005 às 12:09, no tópico http://antigo.religiaoeveneno.com.br/viewtopic.php?p=18828&#18828 escreveu:Escola Pública[/url], "]
Edson Jr escreveu:Obrigado pelas considerações, Acauan!

Ao seu ver, quais seriam as possíveis soluções para resolver o problema da educação? O que você faria se tivesse o poder nas mãos?


Oi Edson,

O problema principal da educação pública no Brasil é a baixa qualidade dos recursos humanos.
Quem achar isto ofensivo que verifique quantos dos professores que ensinam inglês nas escolas públicas falam inglês. The book's on the table não vale.

Só que a constituição dá estabilidade aos professores concursados, daí não ser possível substituir os deficientes sem uma improvável reforma constitucional ou esperando até que todos se aposentem.
Mas é possível estancar a sangria e minimizar o problema com algumas ações de efeito imediato.
A mais urgente delas é o que se convencionou chamar de "choque de gestão", administrar o ensino conforme as técnicas e regras da empresa privada, com foco em resultados.

Assim como em qualquer empresa os funcionários são constantemente avaliados pelo seu desempenho, professores e administradores escolares devem ser avaliados pelo aprendizado efetivamente demonstrado por seus alunos. A experiência do provão mostrou o quanto medir o conhecimento do aluno é eficaz para impulsionar as escolas a buscar melhorias.

Os professores e administradores cujos alunos obtiverem melhor desempenho teriam direito a um bônus salarial, enquanto professores e administradores das escolas de pior resultado seriam encaminhados para programas de reciclagem (além de não ganhar bônus nenhum, claro). Se não houver melhora nos índices, estes professores e administradores seriam realocados em funções em que causassem menor dano aos resultados e substituídos por outros de competência confirmada.
Isto não só forçaria os preguiçosos a se mexer, como resolveria um problema clássico do serviço público, que se nivela no desempenho mais baixo porque não existem instrumentos de valorização da competência.
Também estimularia profissionais competentes a se dedicarem integralmente ao ensino.

Seria preciso criar mecanismos para ponderar fatores extra-escola, como o fato de crianças de comunidades faveladas viverem em um ambiente nocivo ao bom desempenho escolar, mas estes mecanismos não devem adotar o paternalismo simplista de poupar estas crianças da avaliação e muito menos assumir o preconceito velado de associar pobreza à burrice. Favelados não são menos inteligentes que outras pessoas, logo pode-se e deve-se esperar destes alunos um bom desempenho.

O choque de gestão teria que atuar principalmente no aproveitamento das verbas públicas.
Ao contrário do que muitos pensam o Estado brasileiro gasta muito em educação. Só que gasta muito mal, com a maior parte das verbas desaparecendo numa teia de corrupção e sustento de uma burocracia parasitária.

Com os gastos saneados seria possível investir em infra-estrutura das escolas, com ênfase nas instalações esportivas, laboratórios e salas de informática.
Com tais recursos se poderia diminuir o número de aulas expositivas, enfadonhas e de baixo resultado, por aulas demonstrativas, que despertam o interesse e fixam melhor o conhecimento.

As grades curriculares precisariam ser totalmente reformadas.
A partir dos cursos superiores de pedagogia, que precisam ser limpos das influências ideológicas e direcionados para o que interessa, formar profissionais que saibam como as escolas devem funcionar para que os alunos aprendam

No ensino fundamental a ênfase nos primeiros anos deveria ser as práticas esportivas, valendo-se de instalações e recursos adequados, principalmente a adoção do banho e troca de roupa entre as aulas de atividade física e as de atividade intelectual.
Isto é extremamente necessário, principalmente nas áreas urbanas faveladas ou áreas rurais pobres, para sedimentar a auto-estima das crianças através do esporte – que busca a vitória dentro de regras, da higiene e asseio pessoal.
Junto com uma merenda escolar adequada, estas atividades manteriam as crianças afastadas de ambientes socialmente nocivos e desenvolveriam nelas a auto-confiança, além de tornar a escola mais divertida e atraente.

As aulas de ciências sociais, principalmente História do Brasil, deveriam ter o máximo de horas extra-classe, com visitas a museus e locais históricos.
Uma das coisas que me chamou a atenção quando estive em Buenos Aires foi que havia grupos de escolares em praticamente todos os monumentos históricos e cívicos da cidade (outra é que nunca vi tantas livrarias em uma cidade só). A capital argentina é cheia de estátuas de personagens de sua História e as aulas sobre aquele personagem eram dadas sob o monumento que o homenageia.
Não por acaso, não se vê monumentos históricos pichados na cidade portenha.

O mesmo recurso de aulas extra-classe deveria ser aplicado no ensino das demais ciências, com aulas de biologia no jardim da escola, sempre repletos de formas de vida e ensino de física a partir de explicações ao ar livre sobre como se forma o vento que agita as folhas.

Matemática e língua portuguesa devem, claro, continuar ocupando a maior parte das grades, só que seus conteúdos devem ser aplicados de modo a incentivar a criatividade e o pensamento abstrato, com uso de ferramentas adequadas que podem ser desde o jogo de xadrez até o teatro.

É claro que é muito mais fácil dar pitacos sobre este assunto do que corrigir séculos de formação cultural inadequada de toda uma população, mas nada justifica a inépcia de nossos governantes e pedagogos, que se limitam a repetir lamúrias e discursos panfletários diante do anunciado colapso futuro desta nação por conta da falência de seu sistema de ensino.

Muitas ações poderiam ser adotadas imediatamente e sem custo, bastando os responsáveis tirarem suas honoráveis bundas de suas confortáveis cadeiras e trabalharem na dosagem requerida pela dimensão do problema.

E o que se vê, tragicamente, é o oposto.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 13:48
por Acauan
Há mais de dois anos, havia comentado sobre o tema em termos hoje muito parecidos com os da secretária:

Acauan, em 10/12/2005 às 12:09, no tópico Escola Pública, escreveu:
Edson Jr escreveu:Obrigado pelas considerações, Acauan!

Ao seu ver, quais seriam as possíveis soluções para resolver o problema da educação? O que você faria se tivesse o poder nas mãos?


Oi Edson,

O problema principal da educação pública no Brasil é a baixa qualidade dos recursos humanos.
Quem achar isto ofensivo que verifique quantos dos professores que ensinam inglês nas escolas públicas falam inglês. The book's on the table não vale.

Só que a constituição dá estabilidade aos professores concursados, daí não ser possível substituir os deficientes sem uma improvável reforma constitucional ou esperando até que todos se aposentem.
Mas é possível estancar a sangria e minimizar o problema com algumas ações de efeito imediato.
A mais urgente delas é o que se convencionou chamar de "choque de gestão", administrar o ensino conforme as técnicas e regras da empresa privada, com foco em resultados.

Assim como em qualquer empresa os funcionários são constantemente avaliados pelo seu desempenho, professores e administradores escolares devem ser avaliados pelo aprendizado efetivamente demonstrado por seus alunos. A experiência do provão mostrou o quanto medir o conhecimento do aluno é eficaz para impulsionar as escolas a buscar melhorias.

Os professores e administradores cujos alunos obtiverem melhor desempenho teriam direito a um bônus salarial, enquanto professores e administradores das escolas de pior resultado seriam encaminhados para programas de reciclagem (além de não ganhar bônus nenhum, claro). Se não houver melhora nos índices, estes professores e administradores seriam realocados em funções em que causassem menor dano aos resultados e substituídos por outros de competência confirmada.
Isto não só forçaria os preguiçosos a se mexer, como resolveria um problema clássico do serviço público, que se nivela no desempenho mais baixo porque não existem instrumentos de valorização da competência.
Também estimularia profissionais competentes a se dedicarem integralmente ao ensino.

Seria preciso criar mecanismos para ponderar fatores extra-escola, como o fato de crianças de comunidades faveladas viverem em um ambiente nocivo ao bom desempenho escolar, mas estes mecanismos não devem adotar o paternalismo simplista de poupar estas crianças da avaliação e muito menos assumir o preconceito velado de associar pobreza à burrice. Favelados não são menos inteligentes que outras pessoas, logo pode-se e deve-se esperar destes alunos um bom desempenho.

O choque de gestão teria que atuar principalmente no aproveitamento das verbas públicas.
Ao contrário do que muitos pensam o Estado brasileiro gasta muito em educação. Só que gasta muito mal, com a maior parte das verbas desaparecendo numa teia de corrupção e sustento de uma burocracia parasitária.

Com os gastos saneados seria possível investir em infra-estrutura das escolas, com ênfase nas instalações esportivas, laboratórios e salas de informática.
Com tais recursos se poderia diminuir o número de aulas expositivas, enfadonhas e de baixo resultado, por aulas demonstrativas, que despertam o interesse e fixam melhor o conhecimento.

As grades curriculares precisariam ser totalmente reformadas.
A partir dos cursos superiores de pedagogia, que precisam ser limpos das influências ideológicas e direcionados para o que interessa, formar profissionais que saibam como as escolas devem funcionar para que os alunos aprendam

No ensino fundamental a ênfase nos primeiros anos deveria ser as práticas esportivas, valendo-se de instalações e recursos adequados, principalmente a adoção do banho e troca de roupa entre as aulas de atividade física e as de atividade intelectual.
Isto é extremamente necessário, principalmente nas áreas urbanas faveladas ou áreas rurais pobres, para sedimentar a auto-estima das crianças através do esporte – que busca a vitória dentro de regras, da higiene e asseio pessoal.
Junto com uma merenda escolar adequada, estas atividades manteriam as crianças afastadas de ambientes socialmente nocivos e desenvolveriam nelas a auto-confiança, além de tornar a escola mais divertida e atraente.

As aulas de ciências sociais, principalmente História do Brasil, deveriam ter o máximo de horas extra-classe, com visitas a museus e locais históricos.
Uma das coisas que me chamou a atenção quando estive em Buenos Aires foi que havia grupos de escolares em praticamente todos os monumentos históricos e cívicos da cidade (outra é que nunca vi tantas livrarias em uma cidade só). A capital argentina é cheia de estátuas de personagens de sua História e as aulas sobre aquele personagem eram dadas sob o monumento que o homenageia.
Não por acaso, não se vê monumentos históricos pichados na cidade portenha.

O mesmo recurso de aulas extra-classe deveria ser aplicado no ensino das demais ciências, com aulas de biologia no jardim da escola, sempre repletos de formas de vida e ensino de física a partir de explicações ao ar livre sobre como se forma o vento que agita as folhas.

Matemática e língua portuguesa devem, claro, continuar ocupando a maior parte das grades, só que seus conteúdos devem ser aplicados de modo a incentivar a criatividade e o pensamento abstrato, com uso de ferramentas adequadas que podem ser desde o jogo de xadrez até o teatro.

É claro que é muito mais fácil dar pitacos sobre este assunto do que corrigir séculos de formação cultural inadequada de toda uma população, mas nada justifica a inépcia de nossos governantes e pedagogos, que se limitam a repetir lamúrias e discursos panfletários diante do anunciado colapso futuro desta nação por conta da falência de seu sistema de ensino.

Muitas ações poderiam ser adotadas imediatamente e sem custo, bastando os responsáveis tirarem suas honoráveis bundas de suas confortáveis cadeiras e trabalharem na dosagem requerida pela dimensão do problema.

E o que se vê, tragicamente, é o oposto.

Enviado: 10 Fev 2008, 13:49
por Herf
Vou aproveitar e postar uma reportagem do ano passado da resvista Época, sobre um sistema descentralizado de administração de verbas que foi implantado no estado de Tocantins. Bem interessante.

EDUCAÇÃO | Edição nº 472
Se deixarem, a escola melhora

O Tocantins deu autonomia para cada colégio gastar sua verba. Resultado: é um dos Estados que mais avançam em qualidade de ensino no país

Por Ana Aranha, de Palmas, Tocantins

Na escola estadual São José, em Palmas, capital do Tocantins, ao fim da aula um estudante de cada turma tranca a porta da sala e guarda sua cópia da chave no bolso. O sistema foi criado para evitar o furto de material que acontecia quando as salas ficavam vazias. Hoje, os alunos saem para o intervalo sem medo. A idéia foi sugerida por Raquel Oliveira, de 12 anos, da 8a série, durante uma assembléia com alunos e professores no início do ano. Três semanas depois, cada turma já tinha recebido sua cópia. Quem fica com a chave é o líder, eleito pela classe. Raquel é a secretária de sua sala. Ela ajuda a manter a lista de presença e leva as reivindicações da turma para a diretoria da escola. “Se alguém falta por três dias, ligo para saber se está tudo bem”, diz, mostrando o caderno em que anotou com letra caprichada o telefone dos colegas.

O envolvimento da aluna com o colégio e a rapidez com que sua idéia foi executada são méritos de um diferente sistema educacional adotado pelo Tocantins. O princípio é dar autonomia para a escola administrar seus recursos. E cobrar resultados. Ao contrário do que faz a maioria dos Estados e municípios, o governo do Tocantins transfere para a escola o dinheiro da merenda, manutenção, compra de livros e ações pedagógicas. Só o salário dos professores e funcionários continua centralizado. A verba vai para a conta de uma associação local formada por diretor, pais e professores. Com o recurso mais próximo e acessível, chovem sugestões como a de Raquel. Diante delas, as escolas fazem economia para o dinheiro render mais. Boas idéias somadas ao aproveitamento dos recursos melhoram o ambiente escolar e a qualidade do ensino. O impacto já pode ser medido nos primeiros anos do ensino fundamental, que representa mais da metade da rede estadual e é prioridade de ação da secretaria.

Desde 2000, quando teve início a gestão atual, o Tocantins é um dos Estados que mais melhoraram no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em 2005, sua nota na 4a série para Língua Portuguesa foi a que mais aumentou em relação a 2001. Em Matemática, foi o quarto Estado que mais evoluiu. Sua nota no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que combina desempenho e distorção entre idade e série, ainda é baixa. O Estado tirou 3,6 em uma escala de 0 a 10. Mas o Tocantins está acima da média nacional e na frente dos outros Estados do Norte.

“O Estado é muito burocrático. Dar autonomia é uma maneira de modernizar o sistema”, afirma Liliene Xavier Luz, professora da Universidade Estadual do Piauí. Em pesquisa sobre um programa federal que repassa dinheiro a escolas públicas, ela observou que o sistema ajuda o trabalho do professor porque é mais fácil pedir material ao diretor na sala ao lado que à Secretaria Estadual, a quilômetros de distância. Para comprar as chaves pelo processo tradicional, a escola de Raquel teria de pedir autorização à Secretaria. Se aprovado, o pedido entraria na fila de licitações do Estado. O processo levaria meses, senão anos. “Quando o dinheiro fica no governo, não dá para atender a escola no tempo que ela precisa. Temos de esperar os pedidos se acumularem para comprar em lote”, diz a secretária de Educação do Tocantins, Maria Auxiliadora Rezende, conhecida como Dorinha. No caso da escola São José, três semanas foi tempo suficiente para levantar qual seria o chaveiro mais barato da região, preencher o cheque de R$ 225 e distribuir as chaves.

A liberdade para mexer com o dinheiro estimula as boas idéias. Na escola Deusa Moraes, que fica em Paraíso do Tocantins (a 63 quilômetros de Palmas), uma professora de Ciências usou o material de limpeza do colégio para melhorar sua aula. Neuseny Carvalho encomendou soda cáustica, limão, vinagre e óleo. Alguns dias depois, ela dava aula prática sobre a reação entre ácidos e bases, enquanto os alunos preparavam detergente, pasta de brilho e água sanitária para a limpeza da escola. Tudo biodegradável, para estimular a responsabilidade ambiental. “Se você quer ser criativo e fazer coisas diferentes, tem de investir”, afirma Neuseny. “A gente não tem muito dinheiro, mas tem liberdade para achar nossas soluções.”

O dinheiro repassado a cada escola não é muito. A São José tem 1.642 alunos e recebe R$ 15 mil por mês. Dá R$ 110 por aluno ao ano. O dinheiro para as chaves só estava em caixa porque a escola fez campanha para economizar água e energia no ano passado. Em 2005, a fatura dessas contas era de R$ 7.500 por mês. Neste ano, caiu para R$ 4.900. Segundo Maria Auxiliadora, antes da descentralização, as escolas não tinham essa preocupação. “Algumas levavam anos para consertar um vazamento de água.”

O sistema se apóia em duas premissas: habilidade do gestor e participação da comunidade. Como os profissionais da educação não têm formação para lidar com dinheiro, a Secretaria criou o cargo de coordenador-financeiro para as escolas. Os outros funcionários fazem cursos de gestão. Todos os diretores já passaram por pelo menos um deles. Além da gestão, a Secretaria enviou mais de 11 mil professores às universidades para complementar seus estudos. Hoje, 98% deles têm a formação mínima para o ciclo em que lecionam.

Foi depois de um curso desses que a professora de Ciências teve a idéia de usar o material de limpeza na aula. E foi em um deles que Maria Leda Melo Lustosa, diretora da São José, aprendeu a fazer investimentos estratégicos. Além dos furtos, seus alunos conviviam com o problema da lama, que se formava no pátio em dias de chuva. “Os meninos pulavam na poça e arrastavam tudo para dentro. Era uma sujeirada”, diz. Segundo ela, a cada 20 dias era preciso uma “faxina geral”, que geralmente seria feita duas vezes ao ano. Para resolver, a diretora comprou pó de brita, uma areia extraída da pedra, e cobriu o pátio. Gastou R$ 9 mil, quase o orçamento de um mês inteiro. O investimento resolveu o problema e se pagou em três meses, pois cada “geral” custava R$ 2.900. A idéia foi de Antônio Victor, pai de um aluno da 8a série que mora s há 14 anos em frente à São José. “Os diretores podem saber sobre educação, mas sobre essa escola quem sabe sou eu”, diz.

Ouvir pais e alunos é o segundo mecanismo de sustentação da gestão. Eles ajudam a pensar os investimentos e fiscalizar os gastos. Para estimular a participação, a Secretaria criou um sistema no qual, para compras e pagamentos, o tesoureiro da associação tem de assinar o cheque junto com o diretor. E o tesoureiro é, obrigatoriamente, um pai de aluno.

O projeto da gestão compartilhada partiu de Maria Auxiliadora. Em 1997, ela foi chamada pelo governador Siqueira Campos, então no PFL, para coordenar um programa de descentralização na educação. A idéia inicial era criar escolas-cooperativas. “Mas não daria para fundar as cooperativas de cima para baixo”, diz Maria Auxiliadora. “Por isso, optamos por uma gestão com responsabilidades divididas entre os colégios e a Secretaria.” Formada em Pedagogia na Universidade Federal de Goiás, ela dirigia um campus da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins), uma instituição particular, antes de entrar no governo. Em 2000, passou de coordenadora do programa de gestão compartilhada para secretária de Educação. Com perfil técnico, sobreviveu a duas eleições. Para isso, se aliou ao governador Marcelo Miranda (PMDB), que rompeu com Siqueira Campos e foi reeleito em 2006. Hoje, ela preside o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação. E diz que não pretende se candidatar a cargos políticos.

A idéia ainda tem pontos fracos. O maior deles é o excesso de responsabilidade nas mãos do diretor. Se ele não é bom em finanças e pedagogia, a escola despenca. Foi o que aconteceu no Centro de Ensino Médio de Palmas. A escola tem a maior estrutura do Estado: piscina olímpica, ginásio coberto, quadra de futebol de campo e auditório para 200 pessoas. Com capacidade para atender 3.600 alunos, o colégio recebeu apenas 700 matrículas neste ano. Corre o risco de fechar as portas por falta de procura. O problema começou com uma diretora que só se preocupava com as atividades pedagógicas, sem dar atenção ao planejamento financeiro. Quando a Secretaria descobriu falhas na prestação de contas, a escola já estava quebrada. Um diretor foi designado para resolver o problema, mas incorreu no erro oposto: concentrou-se nas finanças e deu as costas para a pedagogia. Quando a qualidade do ensino caiu, os alunos migraram para outras unidades. Como o repasse de dinheiro é feito de acordo com o número de matrículas, o colégio não pôde mais arcar com suas contas e a Secretaria voltou a centralizar o pagamento de água e energia.

“Mesmo que o Tocantins enfrente problemas, a experiência é positiva”, afirma Célio da Cunha, especialista em Educação da Unesco. “O sistema dá bons resultados porque a autonomia é acompanhada de monitoramento.” Ele se refere ao planejamento estratégico implantado no Estado. Para evitar casos como o do Centro de Ensino Médio, a Secretaria exige hoje um plano de ação. Cada escola deve discriminar atividades e investimentos do ano de acordo com suas necessidades. Para acompanhar a execução, os diretores enviam bimestralmente os índices de abandono, transferência e notas da escola. Identificando as dificuldades no início, é mais fácil recuperar o aluno antes que ele repita de ano ou largue o colégio. Na escola Deusa Moraes, quem tira 7 – a média no Estado – já vai para o reforço. As aulas são dadas por voluntários em uma casa de cultura em frente à escola. No primeiro bimestre, já há alunos da 5a série tirando dúvidas sobre raiz quadrada com estudantes do ensino médio de colégios privados da cidade.

Como o Tocantins, alguns Estados repassam verbas específicas para as escolas. Alguns descentralizam a merenda, outros o material de limpeza. O segredo do Tocantins é combinar autonomia quase total com formação e monitoramento. “Estamos em um século em que não se pode impor nada. Autonomia das escolas é uma tendência”, diz Célio da Cunha, da Unesco. “O que chama a atenção no Tocantins é o planejamento”, afirma Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann, entidade que dá curso de gestão a redes públicas de educação. “A Secretaria é como uma empresa que quer funcionar: tem avaliação, informação e metas. Todo mundo sabe o que precisa ser feito.”

FONTE: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG77590-6009,00.html

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 14:35
por Orbe
De tempos em tempos sempre aparece um idiota achando que pode resolver os problemas da educação no Brasil. Como se identifica tais idiotas? Basta ver a linha de raciocínio. Quando atribuem uma causa simples a um problema complexo, quase sempre são idiotas.

Já houve idiotas atribuindo o fracasso da educação a ausência de computadores. Compraram dezenas de computadores que agora juntam poeira nas escolas. Já houve idiotas atribuindo o fracasso da educação à infra-estrutura das escolas. Construiu-se escolas imensas, super equipadas, com projeto arquitetônico de profissional famoso... e os resultados no fim dos anos letivos continuaram os mesmos.

A idiota atual resume o problema da educação aos profissionais da área. Inclusive vomita asneiras do tipo: "eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero".

E o público leigo sempre aplaude como focas adestradas...



Acauan escreveu:Ingenuidade é achar que os brasileiros são um povo tão especial que seus problemas são únicos e soluções bem sucedidas em outras partes do mundo para os mesmos problemas jamais dariam certo aqui.
Daí a teimosia de décadas em aplicar medidas que seriam genuinamente nacionais e que fracassaram uma após a outra.

As desigualdades não são exclusividade das escolas brasileiras.

Londres e New York têm centenas de milhares de estudantes pobres em suas periferias, sendo mundialmente conhecidos os problemas envolvendo as escolas do Bronx, por exemplo.

Além disto, estas cidades possuem problemas muito mais complexos que as escolas brasileiras, dado que devido às levas de estudandes filhos de imigrantes pobres, os professores e direção tem que lidar com culturas distintas, pais que mal falam a língua nativa do país onde se instalaram e o delicado problema da adaptação dos costumes religiosos - notadamente dos muçulmanos.

No mais, todo mudo que conhece as escolas brasileiras sabe que dentro da mesma escola, na mesma classe, com os mesmos alunos, há professores que se destacam positiva e negativamente.
Estas pesquisas deixarão isto claro e tirarão os professores vagabundos do isolamento da sala de aula que os esconde e protege, o que já é um grande passo.

Se em duas escolas do mesmo bairro de periferia, com alunos de condição social idêntica, uma dá resultados melhores que a outra, basta analisar o que a melhor faz ou tem de certo e copiar na que vai mal e descobrir o que a outra faz ou tem de errado e corrigir.

É tão simples e óbvio que dá vergonha terem demorado tanto para descobrir isto.



Mas o problema brasileiro é totalmente diferente, caso você não tenha percebido. E é um povo totalmente diferente. Que pensa totalmente diferente dos outros. Trazer soluções de fora geralmente não dá certo.

Sobre as escolas brasileiras, ainda há esse mito de que todo professor que não obtem resultados é vagabundo. Como se toda a responsabilidade pela situação fosse exclusivamente do profissional.

Primeiramente é importante deixar claro que a maioria esmagadora dos professores de ensino fundamental (jardim e de 1ª série até 5ª série) são normalistas (no RJ principalmente). Ou seja são de nível médio e não com formação superior. Então falar asneiras como fechar faculdades de pedagogia só pode vir de alguem que desconhece o fato e atribui a situação da educação atual aos pedagogos.

E é claro que não podemos esquecer que em vários momentos quem esteve a frente da educação no governo foram economistas, advogados e até médicos. Parece que qualquer um se acha apto a falar de educação, mas misteriosamente nem todo mundo quer discutir sobre direito ou sobre medicina ou física quântica... Por que será?

Outro pequeno detalhe de grande importância é que os professores de ensino fundamental que se destacam, em sua maioria, trabalham muito mais do que as horas pagas. Sem falar nos que tiram dinheiro do próprio bolso para fazer as atividades com as turmas. Dificilmente um professor que faça apenas o que é pago para fazer e se utiliza apenas dos recursos disponibilizados pela escola, vai se destacar.

Sobre copiar o que dá certo na escola ao lado, isso muita gente já faz a vários anos. Não é nenhuma novidade. Pelo menos para mim, que estou sempre xeretando o trabalho dos colegas e "roubando" as idéias que funcionam bem para usar na minha turma, não é novidade. :emoticon12:

O problema é que os professores tem independência demais na sala de aula. Eles fazem o que querem e ninguem de fora tem controle sobre o que está sendo feito. O resultado é essa zorra que estamos vendo.

Eu faço questão de apresentar relatórios mensais detalhados sobre cada atividade realizada com as minhas turmas para a diretora. Sou o único a fazer isso nas escolas que trabalho. As diretoras olham as capas dos relatórios, folheiam um pouco e engavetam. Se eu pusesse um palavrão no meio do texto elas nem veriam... Vai ter provinha para avaliar os diretores também? Espero que tenha. Assim eu me livro dessas incompetentes que me chefiam.



Ah e para quem não sabe, a tiazinha esperta aí é formada em Ciências Sociais (graduação e mestrado) e Ciências Políticas (doutorado). Ou seja, mais uma leiga na área de educação...

Até quando os leigos vão achar que podem dar pitaco em áreas de conhecimento alheias...

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 15:55
por Wallace
:emoticon38:

Meu deus....O Orbe bomba-do-contra é professor!?!?!?!?!

Pobre Brasil... Até quando????

Tá explicado porque a Mônica quer fechar as faculdade de pedagogia...

:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:

Re: Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 15:59
por Acauan
Orbe escreveu:De tempos em tempos sempre aparece um idiota achando que pode resolver os problemas da educação no Brasil. Como se identifica tais idiotas? Basta ver a linha de raciocínio. Quando atribuem uma causa simples a um problema complexo, quase sempre são idiotas.

Já houve idiotas atribuindo o fracasso da educação a ausência de computadores. Compraram dezenas de computadores que agora juntam poeira nas escolas. Já houve idiotas atribuindo o fracasso da educação à infra-estrutura das escolas. Construiu-se escolas imensas, super equipadas, com projeto arquitetônico de profissional famoso... e os resultados no fim dos anos letivos continuaram os mesmos.


O único erro, até aquí, é chamar os sujeitos destas ações de idiotas, qualificativo do qual não tinham nada. Eram sim oportunistas políticos, que tiravam proveito pessoal destes atos.

Orbe escreveu:A idiota atual resume o problema da educação aos profissionais da área. Inclusive vomita asneiras do tipo: "eu fecharia todas as faculdades de pedagogia do país, até mesmo as mais conceituadas, como a da USP e a da Unicamp, e recomeçaria tudo do zero".


A atual secretária da educação de São Paulo, que de idiota também não tem nada, não resume as coisa a coisa nenhuma, nem mesmo nesta entrevista que é, esta sim, um pequeno resumo de um conjunto de ações e filosofias destinadas a melhorar resultados.

O comentário sobre as faculdades de pedagogia brasileiras, que todo mundo que conhece aquelas melecas, a começar da famigerada fefelechê, sabe que são cabedais de discursos ideológicos inúteis, francamente simpáticos ao marxismo há décadas, cujos resultados se vê.


Orbe escreveu:E o público leigo sempre aplaude como focas adestradas...


Leigo?

E se houve aqui alguma indireta, meu comentário reproduzido no quote foi escrito há mais de dois anos, logo, se aplaudi as respostas da secretária foi com antecedência tal que só pode ser explicado me atribuindo poderes de vidência.


Acauan escreveu:Ingenuidade é achar que os brasileiros são um povo tão especial que seus problemas são únicos e soluções bem sucedidas em outras partes do mundo para os mesmos problemas jamais dariam certo aqui.
Daí a teimosia de décadas em aplicar medidas que seriam genuinamente nacionais e que fracassaram uma após a outra.

As desigualdades não são exclusividade das escolas brasileiras.

Londres e New York têm centenas de milhares de estudantes pobres em suas periferias, sendo mundialmente conhecidos os problemas envolvendo as escolas do Bronx, por exemplo.

Além disto, estas cidades possuem problemas muito mais complexos que as escolas brasileiras, dado que devido às levas de estudandes filhos de imigrantes pobres, os professores e direção tem que lidar com culturas distintas, pais que mal falam a língua nativa do país onde se instalaram e o delicado problema da adaptação dos costumes religiosos - notadamente dos muçulmanos.

No mais, todo mudo que conhece as escolas brasileiras sabe que dentro da mesma escola, na mesma classe, com os mesmos alunos, há professores que se destacam positiva e negativamente.
Estas pesquisas deixarão isto claro e tirarão os professores vagabundos do isolamento da sala de aula que os esconde e protege, o que já é um grande passo.

Se em duas escolas do mesmo bairro de periferia, com alunos de condição social idêntica, uma dá resultados melhores que a outra, basta analisar o que a melhor faz ou tem de certo e copiar na que vai mal e descobrir o que a outra faz ou tem de errado e corrigir.

É tão simples e óbvio que dá vergonha terem demorado tanto para descobrir isto.



Orbe escreveu:Mas o problema brasileiro é totalmente diferente, caso você não tenha percebido. E é um povo totalmente diferente. Que pensa totalmente diferente dos outros. Trazer soluções de fora geralmente não dá certo.


Demonstre sua afirmação com evidências objetivas.
Todos os povos do mundo se consideram especiais de algum modo, mas pobreza, desigualdades sociais, miscigenação racial ou qualquer outra coisa que se queira alegar como tipicamente brasileiras não são exclusivas desta parte do lado de baixo do equador.

No mais, algumas coisas são apenas lógicas e o que é lógico não se restringe a picuinhas nacionalistas.
Valer-se de métodos estatísticos para descobrir quais unidades de ensino apresentam melhores resultados, valorizar aquelas que apresentam estes resultados e aproveitar sua experiência para melhorar as deficientes é lógica básica e querer dizer que os brasileiros não devem utiliza-la porque foi aplicada primeiro em outros países é simplesmente estúpido.


Orbe escreveu:Sobre as escolas brasileiras, ainda há esse mito de que todo professor que não obtem resultados é vagabundo. Como se toda a responsabilidade pela situação fosse exclusivamente do profissional.


Não existe este mito. Pelo contrário, o mito dominante é que os maus resultados são culpa da má remuneração e condições de ensino dos professores, como se não houvesse quem obtivesse bons resultados apesar disto.
Todo mundo sabe que nas escolas existem professores competentes e esforçados e professores incompetentes e vagabundos. Querer deturpar este consenso alegando que TODO professor que não obtém resultados é vagabundo serve apenas para proteger os vagabundos.

De novo a lógica básica.
Se entre dois professores que trabalham em condições idênticas na mesma escola um tem resultados melhores, qual a desculpa do deficiente?

Vamos eternamente protegê-lo alegando fatores alienígenas que misteriosamente não afetam seu colega próximo com melhores resultados?


Orbe escreveu:Primeiramente é importante deixar claro que a maioria esmagadora dos professores de ensino fundamental (jardim e de 1ª série até 5ª série) são normalistas (no RJ principalmente). Ou seja são de nível médio e não com formação superior. Então falar asneiras como fechar faculdades de pedagogia só pode vir de alguem que desconhece o fato e atribui a situação da educação atual aos pedagogos.


Em São Paulo, que por coincidência é o estado do qual fala a secretária de educação do estado de São Paulo, esta realidade não se aplica, logo só seriam asneiras, talvez, se ditas pelo secretário da educação do Rio de Janeiro.

Depois, em geral foram os pedagogos que, hitoricarmente, planejaram e definiram as políticas educacionais a nível nacional e estadual - incluindo a anacrônica lei de diretrizes e base da educação - logo, a afirmação de asneira não tem nada, pois é respaldada por uma experiência histórica de fracassos promovidos por políticas educacionais criadas por pedagogos ideologicamente engajados e descomprometidos com os resultados.


Orbe escreveu:E é claro que não podemos esquecer que em vários momentos quem esteve a frente da educação no governo foram economistas, advogados e até médicos. Parece que qualquer um se acha apto a falar de educação, mas misteriosamente nem todo mundo quer discutir sobre direito ou sobre medicina ou física quântica... Por que será?


Cite os economistas ou médicos que estiveram a frente da educação em São Paulo, que é o tema deste tópico.

Orbe escreveu:Outro pequeno detalhe de grande importância é que os professores de ensino fundamental que se destacam, em sua maioria, trabalham muito mais do que as horas pagas. Sem falar nos que tiram dinheiro do próprio bolso para fazer as atividades com as turmas. Dificilmente um professor que faça apenas o que é pago para fazer e se utiliza apenas dos recursos disponibilizados pela escola, vai se destacar.


Disse-o bem, os que se destacam.
Quem e quantos são os que se destacam?

Estes têm que ser identificados, recompensados e utilizados como exemplo.
Justamente o que a secretária propõe.


Orbe escreveu:Sobre copiar o que dá certo na escola ao lado, isso muita gente já faz a vários anos.


Já que o assunto é educação, a gramática correta no caso é "há vários anos".

Orbe escreveu: Não é nenhuma novidade. Pelo menos para mim, que estou sempre xeretando o trabalho dos colegas e "roubando" as idéias que funcionam bem para usar na minha turma, não é novidade. :emoticon12:


Congratulações.

Orbe escreveu:O problema é que os professores tem independência demais na sala de aula. Eles fazem o que querem e ninguem de fora tem controle sobre o que está sendo feito. O resultado é essa zorra que estamos vendo.

Exato. É exatamente disto que a secretária falou e sobre o que ela quer criar métodos para corrigir baseado em experiências testadas que deram certo.
Qual o problema?


Orbe escreveu:Eu faço questão de apresentar relatórios mensais detalhados sobre cada atividade realizada com as minhas turmas para a diretora. Sou o único a fazer isso nas escolas que trabalho. As diretoras olham as capas dos relatórios, folheiam um pouco e engavetam. Se eu pusesse um palavrão no meio do texto elas nem veriam... Vai ter provinha para avaliar os diretores também? Espero que tenha. Assim eu me livro dessas incompetentes que me chefiam.


A avaliação dos diretores é um dos pontos fundamentais do método adotado em New York, que já postei aqui, na íntegra, em outro tópico, logo, se você é um bom professor afetado por diretores incompetentes, só tem a ser beneficiado pela adoção de medidas do tipo.

Orbe escreveu:Ah e para quem não sabe, a tiazinha esperta aí é formada em Ciências Sociais (graduação e mestrado) e Ciências Políticas (doutorado). Ou seja, mais uma leiga na área de educação...

Até quando os leigos vão achar que podem dar pitaco em áreas de conhecimento alheias...


Deus me livre do que os donos da tal área de conhecimento produziram de resultado no Brasil até hoje.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:22
por Acauan
Para não ter que ficar me repetindo, o que sempre ocorre nestas discussões recorrentes, republico reportagem de O Estado de São Paulo sobre o mesmo tema, que reproduzi aqui em Julho de 2007, no tópico Educação Pública do Brasil, no qual também fiz uma retrospectiva histórica do atual modelo brasileiro de educação.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:25
por Acauan
Acauan, em 15/07/2007 às 14:52, escreveu:Faço aqui uma pausa em meus comentários para reproduzir uma série de artigos publicados em O Estado de São Paulo sobre os problemas da educação em São Paulo e Nova York, baseados em estudos do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

Aqueles que até aqui dispensaram a gentileza e paciência de ler meus comentários podem tê-los considerado reducionistas em seu foco na questão ideológica do problema da educação pública no Brasil.
Tal foco tem sua razão de ser, por isto peço aos que se interessam pelo tema que leiam a série de artigos seguintes, uma dentre as muitas análises técnicas corretas sobre o problema e suas possíveis soluções.

Os que o fizerem notarão a absoluta ausência de citação a contaminação ideológica como causa da decadência do ensino brasileiro, enquanto os especialistas envolvidos esmiúçam fatores pedagógicos, gerenciais, sociais, políticos, econômicos etc que contribuíram para tal decadência, sem se atrever a apontar sua causa-raiz.

Retomarei o tema após a reprodução dos artigos, quando então ficará mais claro a todos o porquê de eu me ater com tanta insistência à abordagem tomada até aqui.

Abraços

Acauan

Re: Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:27
por Wallace
Orbe escreveu:


Ah e para quem não sabe, a tiazinha esperta aí é formada em Ciências Sociais (graduação e mestrado) e Ciências Políticas (doutorado). Ou seja, mais uma leiga na área de educação...

Até quando os leigos vão achar que podem dar pitaco em áreas de conhecimento alheias...



Se fosse assim, caro Orbe-bomba-do-contra :emoticon12: , deveríamos desconsiderar, jogar na lata do lixo, as obras de Einstein... Esse metido que era formado em Matemática e ficava dando pitaco na área dos outros...

Um leigo por completo em física!!!!

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Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:27
por Acauan
Acauan, em 15/07/2007 às 14:54, escreveu:A luta por melhores escolas em São Paulo e Nova York


Publicado em O Estado de São Paulo, Domingo, 29 abril de 2007, 1º de uma série de quatro artigos

Artigo

Norman Gall*

O fracasso das escolas públicas desafia a consciência política e as instituições de muitas sociedades. Por que as crianças não conseguem aprender a ler? Por que muitas não conseguem fazer exercícios simples de aritmética? Qual a relação entre ignorância e desordem social? Como operar uma sociedade complexa sem uma população instruída? Como serão nossas sociedades daqui a 10 ou 20 anos se nossas crianças não conseguirem aprender?

O fracasso das escolas é um fenômeno internacional. O Brasil não está sozinho diante dessas questões. Muitos países - Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Grécia, Rússia, Japão, China, Índia, Chile, Peru, Colômbia e México, para citar alguns - discutem falhas graves na educação pública. Nos Estados Unidos, essas deficiências levaram a disputas políticas pelo controle das escolas nas grandes cidades, entre elas Nova York, Chicago, Los Angeles, Denver e St. Louis. As escolas da Califórnia, por exemplo, já estiveram entre as melhores dos EUA, mas em 2005 seus estudantes de 14 anos ficaram em 49º lugar em leitura entre os 50 Estados. Nas últimas três décadas, as escolas americanas foram debilitadas por cortes de impostos, poderosos sindicatos de professores e burocracia, enquanto interesses entrincheirados resistiam a mudanças e apresentavam desculpas para a mediocridade. Profissionais jovens e talentosos deixavam o magistério atraídos por oportunidades de empregos mais fáceis e com salários melhores numa economia em expansão. Num estudo das escolas “falidas” da Califórnia realizado ao longo de 18 meses, uma comissão da Universidade Stanford advertiu: “Os problemas estruturais são tão profundos que o aumento de verbas e intervenções pequenas e graduais provavelmente não farão nenhuma diferença, a menos que sejam acompanhados pelo compromisso com uma reforma geral.”

A maioria dos brasileiros concorda que as escolas públicas não estão ensinando. A cada ano, a mídia noticia o mau desempenho dos estudantes em exames nacionais e internacionais. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) constatou que metade dos alunos da quarta série era incapaz de ler um texto simples. Os resultados dos alunos do ensino médio pioraram quando comparados com anos anteriores. Apenas 53% das crianças brasileiras conseguem concluir a educação primária. O Brasil fica persistentemente em último ou penúltimo lugar em exames internacionais como o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre os alunos de 15 anos em 41 países ricos e pobres.

Uma nova janela de oportunidade para a reforma escolar abriu-se na última semana, quando o governo federal anunciou um Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que inclui: (1) exames de alfabetização para crianças de 6 a 8 anos; (2) salário mínimo mensal nacional de R$ 850 para os professores; (3) treinamento contínuo de professores; (4) instalação de computadores em todas as escolas; (5) melhor transporte escolar; (6) a expansão do Bolsa-Família para incluir alunos até 17 anos; (7) expansão do ProUni para oferecer bolsas integrais e empréstimos a estudantes em universidades privadas; (8) a criação de um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e um plano de metas para as redes municipais e estaduais de ensino; (9) apoio técnico e financeiro para aproximadamente mil municípios com os mais baixos índices de qualidade. É a primeira vez que o financiamento federal é ligado a indicadores de desempenho. No entanto, tem havido pouco debate sobre como melhorar o desempenho.

O que fazer? No Brasil, o debate sério para superar o fracasso das escolas mal começou. Esta série de artigos tentará estimular a discussão de como enfrentar as dificuldades. Uma equipe do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial passou cinco semanas em Nova York para estudar a dinâmica da corajosa e inovadora reforma escolar liderada pelo prefeito Michael Bloomberg. O primeiro artigo vai explorar as perspectivas para a reforma escolar em Nova York e São Paulo à luz das condições políticas, institucionais, demográficas e econômicas. O segundo artigo se concentrará no ensino e no aprendizado. O terceiro tratará de maneiras de superar a desordem e a violência nas escolas, que impedem o ensino e o aprendizado. O quarto vai propor políticas para melhorar a qualidade da educação pública primária e secundária. Os alcances das necessidades para melhorar o desempenho das escolas são detalhados pelo Instituto Fernand Braudel em seu programa de pesquisa e debate público Reforma do Ensino em São Paulo e no Brasil, disponível no site.

***

São Paulo e Nova York são diferentes, mas não tão diferentes no gigantismo de seus sistemas escolares. As populações da Grande Nova York (21 milhões) e da Grande São Paulo (20 milhões) são praticamente do mesmo tamanho, assim como suas cidades centrais. A cidade de São Paulo, com 11 milhões de habitantes, opera um sistema escolar principalmente no ensino pré-escolar e primário, com 1,1 milhão de estudantes, um tamanho similar ao do sistema escolar de Nova York. O Estado de São Paulo tem mais habitantes (40 milhões) que a Argentina ou a Califórnia e opera um sistema escolar que abriga 6 milhões de estudantes. No município de São Paulo, os governos estadual e municipal administram sistemas escolares separados, com pouca comunicação entre os dois. Na Grande São Paulo, cerca de 4 milhões de estudantes freqüentam escolas estaduais e municipais.

Nova York administra o maior sistema escolar dos Estados Unidos e São Paulo opera o maior sistema escolar do Brasil. As escolas de Nova York e São Paulo são similares em vários aspectos: deficiência acadêmica, acúmulo de estudantes acima da idade, analfabetismo funcional, faltas, distúrbios nas escolas, evasão e baixos índices de conclusão do curso. Existem problemas comuns nas escolas das grandes cidades tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Em Nova York e São Paulo há escolas boas e ruins, mas o desempenho geral de ambos os sistemas é baixo. Para entender os problemas e procurar soluções, voltei a minha velha escola secundária no Bronx.

Voltei à Evander Childs High School, onde estudei quatro anos e me formei em 1951, no que era então um sossegado bairro de classe média baixa habitado principalmente por famílias de origem irlandesa, italiana e judaica. Naquela fria e ensolarada manhã de inverno, o prédio de tijolos brancos da Evander parecia igual, com quatro andares e 4 mil alunos. Mas a Evander se transformara numa das escolas mais violentas da cidade de Nova York, uma das chamadas “escolas de impacto”, recebendo atenção de especialistas em segurança, da polícia e de agentes de segurança locais que usavam detectores de metais nas entradas e perambulavam pelos corredores e escadarias procurando sinais de problema.

A população do Bronx cresceu dramaticamente a partir de 1990, com 43% dos habitantes recebendo assistência pública e um grande aumento no número de crianças em idade escolar vivendo em lares instáveis. Entre 2000 e 2003, a mortalidade infantil em meu antigo bairro aumentou 46%. Seu Conselho Comunitário reclamou de “salas de aula superlotadas, crime, prédios escolares sem manutenção adequada e/ou decadentes, desempenho desanimador dos alunos em exames padronizados, estudantes com um domínio deficiente das mais básicas habilidades educacionais...”

Em 2003, 95% dos alunos da Evander eram negros ou hispânicos e 16% eram imigrantes recentes, principalmente da Jamaica, República Dominicana e Guiana, mas acompanhados por alguns da Índia, Nigéria, Senegal e China. Os estudantes acima da idade, mais velhos que o padrão para sua série, eram 56% da população da escola, enquanto 17% aprendiam inglês como segunda língua. O índice de evasão era tão alto que, enquanto 1.608 crianças chegavam para cursar o primeiro ano na Evander, apenas 85 restavam da turma que ingressara quatro anos antes. Cada uma das várias gangues - como Bloods, Latin Kings, DDP (Dominicans Don't Play, “Dominicanos não Brincam”) e Jamaican Posse - dominava sua própria área do prédio e controlava sua própria escadaria. Os professores se escondiam nos banheiros quando as brigas de gangues começavam.

A atual diretora da Evander é Monica Ortiz-Ureña, filha de um chefe de polícia de Mayaguez, Porto Rico. Seu antecessor, um dedicado professor de estudos sociais de Serra Leoa, África, deixou a escola explicando que não queria mais ser “um guarda de prisão”. Monica começou a carreira como contadora e então mudou para o ensino, tornando-se diretora-assistente de uma escola problemática no bairro de Queens enquanto fazia dois mestrados em Educação antes de iniciar sua dissertação de doutorado sobre desordem nas escolas. “Em meu primeiro ano (2003-04), eu ficava nos corredores o tempo todo”, disse ela. “Demorava 20 minutos para os corredores se esvaziarem quando as crianças mudavam de uma sala para outra depois do fim de um período. Quando o sinal tocava, elas se precipitavam pelos corredores como acontece com as baratas quando você acende a luz. Eu precisava mantê-las em movimento. Não podia permitir que ficassem paradas, sem rumo. Minha luta era pelo controle dos corredores. Os adultos precisavam tomar posse do prédio.”

Uma grande diferença entre as escolas de Nova York e São Paulo é que Nova York gasta US$ 12 mil por ano com cada estudante, enquanto São Paulo gasta apenas US$ 800. Isso explica em parte as diferenças no modo como as escolas são administradas. A equipe administrativa de uma escola típica da periferia de São Paulo é formada apenas por um diretor, um vice-diretor, um secretário e um coordenador pedagógico que contam com pouco ou nenhum apoio técnico para gerir um prédio escolar que opera em três a quatro turnos de quatro a cinco horas com mil alunos de diferentes idades. Apesar dos esforços heróicos de alguns diretores e professores, um diretor tem ainda pouco ou nenhum respaldo institucional para enfrentar problemas como vandalismo, roubos, invasão de narcotraficantes, indisciplina e comportamento violento de alunos, e faltas crônicas de professores.

Para lidar com os problemas na Evander, Monica é apoiada por um “gabinete” de 10 diretores-assistentes e 17 “decanos” (professores escalados para cuidar da disciplina), além do apoio de supervisores da coordenadoria regional de ensino, e dezenas de policiais e agentes comunitários de segurança uniformizados. “Estávamos tão preocupados com a entrada de armas na escola que fazíamos os alunos tirarem os sapatos antes de passar pelos detectores de metais”, disse ela. “Tínhamos de lidar com a hostilidade dos agentes de segurança. Eles não haviam sido treinados pela polícia para cuidar de garotos emocionalmente perturbados e reagiam aos incidentes em vez de se empenhar em tentar evitá-los. Tivemos de desenvolver uma cultura de respeito mútuo para pôr fim à troca de acusações. Criamos equipes de coordenadores e agentes de segurança para identificar pontos de tensão nos corredores e escadarias antes que a situação saísse do controle. Havia a questão do moral. Grandes escolas como a Evander haviam se transformado em depósitos de professores ruins.”

Tanto Nova York quanto São Paulo saem de prolongados períodos de desgoverno populista e desordem que tiveram impacto sobre suas escolas. Ambas as cidades sofreram décadas de indiferença política e efeitos de longo prazo de padrões baixos para estudantes, professores e diretores em bairros pobres. Nova York se deteriorou tanto que, na década de 70, o sul do Bronx perdia dez quarteirões ou 5 mil unidades de habitação por ano devido a incêndios criminosos. No livro The Bronx Is Burning (O Bronx Arde), de 2005, Jonathan Mahler conta que “fileiras de casas particulares, prédios de apartamentos e pequenas empresas haviam sido destruídos, deixando apenas um rastro de esqueletos de edifícios queimados”. Nos quarteirões ao redor do Estádio Yankee, que abrigavam uma classe média em ascensão, mais de 1.200 construções foram abandonadas. A classe média fugia da cidade com medo do crime e dos distúrbios. O comentarista político Fred Siegel observou: “Como nunca era limpa, a cidade estava imunda. A coleta de lixo havia sido drasticamente reduzida e o número de varredores de rua, cortado em mais da metade; enquanto isso, as ruas haviam se transformado em banheiros públicos, com o direito de urinar em público defendido vigorosamente pelo exército de advogados pró-direitos civis da cidade”. Com 8 milhões de habitantes, o mesmo número de hoje, Nova York em 1943 registrou apenas 44 homicídios com armas de fogo. Em 1990, os assassinatos atingiram o pico de 2.245, e depois caíram para 570 em 2004, numa campanha de “tolerância zero” de prevenção do crime que rendeu fama internacional ao prefeito Rudolf Giuliani e ao comissário de polícia William Bratton. A Grande São Paulo também conseguiu reduzir o chocante saldo de homicídios, 11.455 em 1999, para 40% desse número hoje.

Tanto Nova York quanto São Paulo florescem depois de períodos de crises fiscais, distúrbios sociais e aumento da violência. Embora as condições tenham melhorado, esses problemas representam ameaças permanentes à estabilidade. Mesmo sob o impacto de novas ondas de imigração - 55% de seus habitantes são nascidos no exterior ou filhos de imigrantes - Nova York alcançou um precário equilíbrio com um índice de desemprego de apenas 5%. O desemprego em São Paulo (16%) é quase o triplo, devido a leis trabalhistas restritivas e custosas que tornam mais difícil contratar e demitir, reduzindo as oportunidades especialmente para os jovens.

Os problemas físicos das escolas públicas de São Paulo lembram os problemas de Nova York há um século, revividos hoje sob as pressões da imigração estrangeira. Entre 1898 e 1915, o número de alunos em Nova York quase dobrou. A construção de escolas não acompanhava o aumento das matrículas, levando 100 mil de 800 mil alunos a estudar em período parcial ou em escolas com períodos duplicados para acomodar todos. Como ocorria na época, as escolas de São Paulo e Nova York estão hoje cheias de alunos acima da idade e sofrem com altos índices de evasão.

São Paulo ainda tem uma economia mais diversificada e custos operacionais em geral mais baixos que os de Nova York - que perdeu quase todas as indústrias que, nos anos 40, faziam da cidade o principal centro de manufatura dos Estados Unidos. Agora Nova York depende mais do turismo e dos impostos instáveis gerados por Wall Street. Em contraste, São Paulo continua sendo a capital econômica da América do Sul, nutrida por um vasto interior agrícola e industrial.

Enquanto as escolas de São Paulo podem ensinar em um só idioma, o português, Nova York precisa mobilizar recursos financeiros e humanos para ensinar inglês em 12 línguas (entre elas espanhol, chinês, russo, coreano, urdu, bengali e árabe) a alunos recém-chegados que só falam sua língua nativa.

Enquanto Nova York acelerava sua recuperação dos desastres dos anos 70 e 80, Michael Bloomberg, um empreendedor bilionário, candidatou-se à prefeitura em 2001, prometendo melhorar o desempenho das 1.400 escolas, 80 mil professores e 1,1 milhão de alunos da cidade. Ele tirou o controle das escolas das mãos de comissões comunitárias descentralizadas que eram acusadas de corrupção e clientelismo, os mesmos vícios com que muitas escolas brasileiras são geridas hoje. Para o cargo de secretário da Educação, Bloomberg nomeou Joel Klein, um brilhante advogado de uma família judia pobre que cresceu num conjunto habitacional de Queens e mais tarde se tornou chefe da divisão antitruste do Departamento de Justiça dos EUA. As mudanças impostas por Bloomberg e Klein foram radicais, variadas e controvertidas. As condições melhoram lentamente. Eis algumas das inovações:

1 Mais autoridade para os diretores - e mais prestação de contas.

Depois de meses de análise por grupos de trabalho e consultores, Nova York adotou uma estratégia parecida à bem-sucedida reforma da Grã-Bretanha nas décadas de 1980 e 1990, com ênfase à autonomia dos diretores de escola e inspeções mais intensivas do controle de qualidade.

Os diretores de escolas de Nova York recebem mais dinheiro para suas escolas. Têm autonomia para contratar professores, tomar decisões relativas ao orçamento, escolher serviços de apoio para melhorar as escolas e desenvolver seu programa de ensino. Recompensas e sanções para os professores e diretores alunos são agora decididas em função de dados baseados no desempenho dos alunos em testes-padrão. Escolas cronicamente deficientes foram fechadas e seus diretores, removidos. Sob uma política de “sem desculpas”, os diretores são advertidos de que podem ser demitidos se sua escola não mostrar progressos.

No Brasil, os diretores têm pouco poder ou distinção profissional. Seus salários são apenas ligeiramente mais altos que os dos professores de sala de aula - que eles não têm poder de contratar nem de dispensar - além de enfrentarem formidáveis desafios administrativos. Falta-lhes apoio institucional para lidar com a segurança das escolas, alunos emocionalmente perturbados, absenteísmo da equipe e má qualidade do ensino. Nova York acabou com as práticas de bumping, ainda costumeiras no Brasil, segundo as quais os diretores são obrigados a despedir a equipe existente e aceitar professores mais antigos mesmo se sentirem que estes são inadequados para a escola. A colocação de professores no Brasil é baseada na antiguidade e nos resultados de um concurso altamente teórico para o serviço público. Nova York criou a Academia de Liderança, um programa de treinamento rápido para aspirantes a diretor, pagando diretores experientes para serem mentores e instrutores. Em São Paulo e no restante do Brasil há pouco treinamento administrativo para diretores e supervisores. Não visitam as salas de aula nem precisam prestar contas pelo fracasso dos alunos em aprender. No Brasil há falta gritante de supervisores dedicados e eficazes para introduzir inovações no ensino e controlar a qualidade do esforço nas salas de aulas. Em Nova York abundam esses gestores de nível médio, principalmente negros e hispânicos bem treinados nas universidades municipais, que possibilitam mudanças importantes no ensino público.

2 Aumentar a supervisão na sala de aula e fornecer professores altamente capacitados.

Como acontece no Brasil, as escolas públicas nos bairros pobres de Nova York têm sido afligidas pela má seleção de professores e baixas expectativas por parte dos alunos. Mas, nos últimos anos, Nova York elevou em 43% o salário dos professores e reduziu o tamanho das classes em 8%. A “aprovação social”, ou progressão continuada, na 3ª, 5ª e 7ª séries foi substituída por exames e acompanhamento intensivos, incluindo aulas aos sábados e nas férias de verão.

O sindicato dos professores de Nova York concordou em participar de um programa de intervenção por reconhecidos professores mestres para ajudar colegas com dificuldades. Por meio do programa Teaching Fellows e do Teach for America, uma ONG, a municipalidade recruta jovens talentos recém-formados na universidade para as escolas para a quais é mais difícil encontrar professores. Um novo programa denominado Lead Teacher (Professor Mestre) recompensa os melhores professores com um adicional de US$ 10 mil ao ano para que sirvam de mentores e instrutores de outros professores. Um auxílio-moradia de US$ 15 mil está sendo oferecido a professores de ciências que aceitarem empregos em escolas problemáticas. As escolas públicas brasileiras poderiam se beneficiar de programas semelhantes para atrair profissionais altamente capacitados para escolas com grandes necessidades. O treinamento ministrado por professores experientes proporcionaria aos professores padrões mais altos e o tipo de apoio em sala de aula, dentro da escola, com participação ativa e prática, que a burocracia escolar e os programas centralizados de treinamento de professores não têm conseguido oferecer até agora.

3 Exames e avaliação.

A reforma escolar de Nova York se baseia em dados. Ficamos impressionados com a intensidade dos testes e da avaliação no sistema escolar para melhorar resultados acadêmicos desoladores. As escolas não apenas prestam contas do desempenho geral dos alunos como também do progresso de cada aluno individualmente. Cada aluno é testado de quatro a cinco vezes ao ano para detectar seu progresso individual e identificar problemas de aprendizagem nas diferentes disciplinas. Todas as escolas de Nova York agora receberão uma classificação de A a F e serão comparadas com escolas com perfis semelhantes e com o desempenho escolar na cidade inteira, tendo por base testes de leitura e matemática, o grau de progresso atingido (valor agregado) desde que o aluno entrou na escola e o ambiente escolar (comparecimento, segurança, satisfação de pais, professores e alunos). O governo federal do Brasil também acaba de anunciar um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica para classificar as escolas de 0 a 10. Vários Estados, entre eles São Paulo, agora realizam exames no Estado inteiro. Porém, os resultados dos testes não foram publicados por escola, nem os resultados por cada criança foram disponibilizados para os pais. Só recentemente o Ministério da Educação, com sua Prova Brasil, publicou os resultados dos testes nacionais de cada escola na internet. Mas há pouco monitoramento do progresso individual do aluno e do ambiente escolar.

4 Violência e desordem na escola.

O sistema educacional do Estado de São Paulo atende 6 milhões de alunos, na sua maioria adolescentes, mas não emprega nenhum profissional dedicado aos problemas de segurança escolar. Nova York fez investimentos de grande porte para controlar níveis de violência e perturbação da ordem nas suas escolas, tais como a contratação de 4.500 agentes de segurança para as escolas, instalação de detectores de metais e uma iniciativa para a segurança nas escolas chamada Impact Schools. Um esforço conjunto reunindo o Departamento de Polícia de Nova York, o Departamento de Educação e o Gabinete do Prefeito, o programa concentrou-se nas escolas onde foram registrados os níveis mais altos de criminalidade. As estratégias principais incluíram: repressão até contra comportamento desordeiro de menor importância e punição imediata daqueles que repetidamente violam as normas; planos de ação coordenados por supervisores da segurança; dinamização do processo de suspensão e de suspensões prolongadas, aumentando o número de Centros de Suspensão Fora das Instalações da Escola, Centros de Instrução Pós-Horário Escolar para detenções e Escolas de Segunda Oportunidade para alunos que foram suspensos por um ano inteiro.

5 Envolvimento dos pais.

Muitas autoridades e educadores brasileiros talvez acreditem que os pais pobres não se importam com a qualidade do ensino de seus filhos. Nossa experiência conduzindo círculos de leitura na periferia da Grande São Paulo e nosso levantamento recente feito com 1.100 famílias em quatro bairros dessa região resultaram numa conclusão diferente. As escolas públicas são encaradas pelos pais pobres como um caminho para seus filhos obterem melhores empregos. No nosso levantamento, somente 47% dos pais acham que as escolas públicas do bairro melhoraram nos últimos 10 a 15 anos. O rápido aumento no número de matrículas e a célere construção de escolas públicas mesmo nos bairros mais pobres não têm sido suficiente para os pais, que estão cada vez mais preocupados com a qualidade do ensino. Tanto em São Paulo como em Nova York, os pais de classe média fugiram dos deficientes sistemas educacionais públicos urbanos, mas os pais pobres não dispõem dessa opção.

Acreditamos que os pais constituam um importante elemento para a reformulação escolar. É por isso que as equipes de todas as escolas de Nova York agora têm um coordenador local para relações com os pais. Lá, as reuniões com os pais exigem o uso de tradução simultânea em várias línguas, um gasto desnecessário no caso do Brasil. O secretário municipal de Educação, Joel Klein, acaba de criar um cargo de vice-secretário para tratar do envolvimento dos pais. O Brasil necessita de iniciativas deste tipo para reforçar, pedagógica e politicamente, melhorias na qualidade da instrução.

6 Aumentar o envolvimento do setor privado na educação pública.

Acreditamos que nenhuma reforma educacional irá em frente sem um apoio atuante e continuado do setor privado, não apenas com aporte financeiro, mas também com o envolvimento no planejamento e liderança. O prefeito Bloomberg e o secretário de Educação Joel Klein formaram uma estreita ligação com doadores particulares, garantindo até agora US$ 345 milhões em contribuições privadas. Eles também atraíram investidores privados para respaldar as charter schools, escolas públicas autônomas administradas por entidades filantrópicas.

Ultimamente, líderes empresariais e cívicos brasileiros têm mostrado mais interesse em superar as deficiências das escolas públicas. As escolas públicas problemáticas muitas vezes resistem à idéia de receber parceiros da comunidade, o que é exigido de todas as escolas públicas de Nova York. Um exemplo promissor de ação privada na educação pública no Brasil é a iniciativa de Marcos Magalhães, ex-presidente da Philips do Brasil e membro do nosso Instituto. Magalhães mobilizou o apoio de importantes empresas para respaldar o Procentro, uma rede de centros de ensino experimental de alta qualidade em 13 municípios do seu Estado natal, Pernambuco. Os diretores do Procentro contratam seus professores tendo por base a capacidade comprovada e experiência em sala de aula. Uma das características inovadoras do Procentro é que o horário das aulas é das 7h30 às 17 horas, em enorme contraste com a rotina escolar normal do Brasil de três turnos de quatro horas cada. Os professores do Procentro ganham mais que os professores de outras escolas públicas, têm carga horária de trabalho integral, recebem treinamento para dar instruções em sala de aula e são avaliados de acordo com o desempenho de seus alunos. Como a maioria dos alunos vem de escolas públicas que oferecem estudos da 5ª à 8ª séries deficientes, no primeiro ano eles têm aulas intensivas de reforço de matemática e português . O desenvolvimento deles é rápido. A taxa de evasão escolar do Procentro é de apenas 2%, muito mais baixa que a média de 17% registrada nas escolas estaduais comuns de Pernambuco. Este modelo de suporte para a educação pública deve se espalhar para outros Estados e principalmente para os bairros pobres das regiões metropolitanas.

A Escola Pública 78 situada no Bronx, da qual fui aluno de 1939 a 1947, quando nosso bairro era novo, oferece uma lição sobre o que pode ser feito para melhorar as escolas deficientes. Como muitas outras escolas de Nova York, a E.P.78 sofreu o impacto da migração de famílias pobres desde a década de 1970 e foi posta na lista de observação pelas autoridades estaduais. Dos seus 850 alunos, 83% são negros e 15% hispânicos. A maioria das crianças mora em domicílios chefiados por mães solteiras e cerca de 10% moram em abrigos da prefeitura. O intenso rodízio de alunos que entram e saem da escola é provocado por crises familiares e mudanças repentinas de residência. Em 2001, as notas de matemática e leitura eram muito baixas, mas melhoraram bastante desde então. Recentemente, a E.P. 78 foi retirada da lista das escolas deficientes.

“Meus primeiros cinco anos foram muito difíceis”, disse Claudina Skerett, a elegante diretora negra que comanda a escola desde 1999. “Eu e minha subdiretora passamos no mínimo uma hora por dia observando aulas”, coisa que os diretores e supervisores brasileiros raramente fazem. “Os professores e o representante do sindicato resistiram a isto até que eu pedi ao representante do sindicato, um professor da 1ª série, que se tornasse mentor da equipe de alfabetização. Consegui me livrar de alguns maus professores e começamos a trabalhar com as crianças em grupos pequenos contratando instrutores de leitura e matemática com recursos de uma subvenção especial. Gastamos bastante tempo analisando os resultados dos testes para lidar com os pontos fracos dos alunos. Esse foi um longo caminho.”

A reforma do ensino envolve iniciativas como essas para desenvolver lideranças e a avaliação , assim como para reestruturar incentivos. Esses esforços geralmente são controversos, exigindo um certo grau de pressão pública e consenso político para que se estendam além de uma única administração governamental ou de um ciclo eleitoral. O que está em questão é a capacidade de Estados modernos operarem sociedades complexas. Muitas ineficiências na vida pública do Brasil corroem essa capacidade. Talvez o maior obstáculo para a melhoria das escolas brasileiras seja a falta de um gerenciamento de nível médio intermediário competente e dedicado para traduzir intenções políticas em ação, transformar gestos em gestão.

* É diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial (ngall@braudel .org.br)

Re: Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:32
por Deise Garcia
Acauan escreveu:Deus me livre do que os donos ...


Desde que fiz meu cadastro neste fórum nunca imaginei ler tal expressão vinda deste moderador.

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:38
por Acauan
Acauan, em 15/07/2007 às 14:55, escreveu:O grande esforço de ensinar e aprender

Publicado em O Estado de São Paulo, Domingo, 20 maio de 2007, 2º de uma série de quatro artigos

Patrícia Mota Guedes*

Quando o prefeito Michael Bloomberg assumiu o controle das escolas de Nova York, em 2002, o quadro do aprendizado, sobretudo para os alunos mais carentes da cidade, não estava distante dos resultados das escolas públicas brasileiras. Em 2001, 77% dos alunos de 8ª série de Nova York não possuíam as competências básicas em matemática e 67% não conseguiam dominar as habilidades necessárias em inglês. As escolas de ensino médio mais problemáticas somente conseguiam formar 20% dos seus alunos e a média da cidade não ultrapassava 50%. O regime de tempo integral, com alunos entrando às 8 e saindo às 3 da tarde, norma em Nova York e no resto dos Estados Unidos, não conseguiu deter esse fracasso.

As pesquisas do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial em Nova York verificaram que, com o início da reforma Children First (Crianças Primeiro), professores e diretores passaram a ser mais cobrados pelos resultados de seus alunos. Cada medida implantada vai na contramão de um costume antigo na rede pública de pôr a culpa nas famílias desestruturadas, na falta de participação dos pais ou no nível socioeconômico - reclamações muito ouvidas também no Brasil. Em Nova York, a mensagem veio do topo.

'O que me perturba nesse país é que muita gente acaba colocando a culpa dos problemas de aprendizado na pobreza. Culpar a pobreza é dizer que a escola não pode fazer diferença na vida de uma criança. Como podemos abdicar da responsabilidade que temos em fazer a diferença na vida de uma criança?', explica o secretário-adjunto para Ensino e Aprendizado, Andrés Alonso.

Nascido no interior de Cuba, na província de Matanzas, Andrés Alonso, aos 12 anos de idade, veio com seus pais e quatro irmãos para os Estados Unidos, em 1969, fugindo da Revolução Cubana, sem saber falar uma palavra em inglês. Estudou em escola pública, vendendo jornais para ajudar a família. 'A pobreza não explica a diferença entre duas escolas públicas, separadas somente por um quarteirão de distância, com a mesma clientela. Uma consegue ensinar seus alunos, enquanto a outra, não.' Formado pelas Universidades de Columbia e Harvard, Alonso largou uma carreira bem-sucedida como advogado no mercado financeiro em Wall Street para trabalhar 12 anos dando aula para alunos com distúrbios emocionais em uma escola de Newark, cidade-satélite de Nova York. 'Eu sentia que minha vida era muito linear, faltava algo nela. Quando comecei a dar aula, me apaixonei', lembra. Um dos sucessos de Bloomberg tem sido atrair profissionais com uma vocação quase missionária, como Alonso, para liderar a implantação de medidas sistêmicas.

1. Incentivos financeiros e canais alternativos de certificação de professores

Como a rede pública nas periferias brasileiras, Nova York tem dificuldade de atrair e manter os melhores profissionais para suas escolas mais carentes e problemáticas, que justamente mais precisam deles. Como no Brasil, sempre houve professores excelentes que ensinam nessas escolas por iniciativa e compromisso próprios. Mas a rede pública precisa criar incentivos sistêmicos para reconhecer os bons profissionais sem depender exclusivamente do voluntarismo. Uma das soluções em Nova York tem sido criar incentivos financeiros, quebrando a tradição de isonomia, tão protegida ainda no Brasil. Parte do acordo com o sindicato permitiu a criação de cargos especiais para professores mais talentosos, que passam a receber US$ 10 mil a mais por ano para ensinar nas escolas mais carentes e assumir o papel de mentores de outros professores. Criou-se um auxílio-moradia de US$ 15 mil por ano para atrair professores de matemática e ciências a lecionar por pelo menos três anos nessas escolas. Dan Weisberg, secretário-adjunto para Relações Laborais, ressalta a importância de se estabelecer um incentivo financeiro significativo. 'Se você quer criar incentivos não pode ser tímido na hora de estipular o valor. Se nós tivéssemos oferecido um adicional de salário pequeno, não teríamos conseguido convencer profissionais de qualidade a largar o emprego onde estavam.'

Além de incentivos financeiros, Nova York criou canais alternativos de recrutamento e certificação de professores, através dos programas Teach for America e Teaching Fellows, este último responsável por 25% de todos os novos professores da rede. Com dois ou três anos de experiência, professores recrutados pelo Teach for América e Teaching Fellows conseguem que seus alunos tenham resultados em matemática até melhores que os de outros professores. A ONG Teach for America recruta, em um processo altamente competitivo, jovens recém-formados das melhores universidades americanas, que não estudaram pedagogia. São enviados para lecionar em escolas de bairros pobres onde faltam professores. O fato de que muitos desses jovens vão seguir outras carreiras após três anos não desanima diretores como Nathan Dudley. Ex-missionário e professor que atuou nos anos 80 nas comunidades satélites em Brasília, Dudley agora dirige uma nova escola pública de ensino médio localizada em Bushwick, uma comunidade pobre e violenta na região do Brooklyn. 'Eu sei que vou perder vários professores do Teach for América após alguns anos, mas ao menos eu sei que, enquanto eles estiverem conosco, vão trazer energia e talento para nossos alunos.'

2. O que fazer com professores que não conseguem ensinar

Como no Brasil, ainda é muito difícil demitir professores da rede pública em Nova York por mau desempenho. As novas medidas anunciadas por Bloomberg em janeiro deste ano planejam lidar em parte com essa dificuldade. Uma delas será mudar o atual sistema de estabilidade de professores, exigindo que eles sejam mais rigorosamente avaliados durante o período probatório de três anos, depois do qual o professor ganha estabilidade de emprego. Até então, esse período tem sido nada mais que uma formalidade: 99% dos professores recebem estabilidade ao final de seus três primeiros anos.

'Um diretor leva em média 150 horas para completar o procedimento de pedido de demissão de um professor, e no final, o árbitro ainda pode decidir que o seu professor precisa de uma segunda chance. Que diretor em sua sã consciência vai estar disposto a passar por esse processo?', questiona Dan Weisberg. O que muitos diretores costumam fazer é negociar a saída de professores informalmente em troca de não passar informações sobre seu desempenho para o futuro empregador.

Mas demissão não é a única opção para o problema de desempenho de professores. É o que aprendeu Virginia Connelly, diretora da escola James M. Kiernan, a P.S 123, no Bronx desde 1999. A escola foi colocada na lista de escolas 'com necessidade de melhora' em 2001 por conta dos baixos resultados de seus alunos na avaliação estadual, exigência da legislação federal No Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para Trás). 'Eu tinha um grupo de professores que sabiam o conteúdo mas não sabiam como ensinar.' Virginia conta que muitos resistiam à idéia de sair do formato tradicional de aulas somente expositivas, 'de alunos sentados em fileiras copiando o tempo todo da lousa' - prática familiar nas escolas brasileiras. Virginia primeiro ofereceu muitos cursos de capacitação e reuniões de equipe, sem qualquer resultado. Até o dia em que souberam que, se não melhorassem os resultados dos alunos, a escola seria fechada, conforme a legislação federal exige. 'Foi realmente o momento em que meus professores acordaram para a realidade. E se mobilizaram imediatamente', lembra. Ela acrescenta que deve muito à parceria com sua supervisora de instrução, Irene Rogan, da coordenadoria regional do Bronx, que foi diretora de uma escola na região de 1973 a 2003. Em contraste com a realidade brasileira, na qual os supervisores quase nunca entram numa sala de aula, os supervisores de Nova York acompanham de perto a instrução nas escolas sob sua responsabilidade.

3. Mais apoio e supervisão para o professor dentro da sala de aula

Uma boa supervisão acaba sendo um incentivo para atrair e manter os bons profissionais que querem trabalhar em um ambiente onde profissionalismo é recompensado. É o que ressalta a vice-diretora para a área de inglês, Karen Andronico, que deu aula por muitos anos em uma escola de 1ª a 8ª séries antes de vir para a Escola Herbert Lehman, de 4.500 alunos, atraída pela liderança de Bob Leder, diretor há 30 anos na escola. Karen tem somente duas reuniões semanais, de 30 minutos cada uma, com sua equipe de 30 professores de inglês. Mas a maior parte da supervisão é feita em conversas informais e visitas semanais à sala de aula, onde se senta na carteira e observa seus professores. Durante a entrevista, somos interrompidos por um professor que vem reclamar com ela sobre uma de suas turmas. Ele conta que o tema da aula era a tragédia Julio César de Shakespeare, mas os alunos não se lembravam de quem Antonio era. 'Nem mencionaram os temas de ambição e inveja que eu já tinha escrito no quadro negro e repetido mil vezes.' Karen o aconselha a usar menos tempo na lousa e mais tempo para leitura em voz alta e discussão em grupo. 'Eu acho que tenho é de amarrá-los numa cadeira para me escutarem', ele retruca, irritado, em tom sarcástico. Karen marca uma hora para que façam juntos um plano de ação com essa turma. Depois que ele sai da sala, ela suspira e desabafa. 'Tudo o que ele faz é pôr a culpa nos alunos. Ele tem anos de carreira, mas preciso acompanhá-lo bem de perto.'

A reforma do ensino em Nova York transferiu mais recursos para que escolas como a de Karen pudessem escolher e contar com mais e melhores sistemas de supervisão e apoio ao professor dentro da sala de aula. Precisamos desse tipo de investimento no Brasil. Nova York criou posições de professores mentores ('coaches') em áreas críticas como matemática e inglês, que ficam baseados na escola e não em um escritório na coordenadoria regional. Joan Tarson, mentora em matemática na Escola Anne Hutchinson, no Bronx, descreve a rotina de trabalho. 'Eu observo as aulas dos meus colegas de matemática, coordeno reuniões de professores por série, dou aulas demonstrativas, dou aula junto com o professor, especialmente para novos professores. Uma vez por semana, dou uma aula modelo para as turmas de 4ª série, uma prioridade em nossa escola.'

Enquanto em São Paulo falta um currículo uniforme para todas as escolas, dificultando a supervisão, a reforma de Nova York criou um currículo único de inglês e matemática para as nove primeiras séries em todas as escolas. Além do currículo único, a cidade passou a exigir que todo professor inclua no seu período de aula um tempo específico para atividades em pequenos grupos e que alunos recebam tarefas de acordo com o seu nível de habilidade. Joan ressalta: 'Com esse sistema 'não colocamos uma criança sob o estigma de ser sempre Nível 1, o nível mais baixo, mas também não punimos a todos nivelando por baixo.' No Brasil, essa prática poderia evitar o desperdício de muito potencial humano das crianças na rede pública.

4. Prestação de contas a partir dos resultados de aprendizado

Um dos pilares das reforma de Nova York é a prestação de contas que professores e diretores precisam fazer sobre o aprendizado de cada aluno ao longo do ano letivo. Há avaliações periódicas e padronizadas do aprendizado dos alunos em matemática e inglês em todas as séries - de quatro a cinco vezes por ano. Essa freqüência de avaliação ajudou a manter as taxas de repetência entre 3% e 5%, mesmo com o fim da progressão continuada. A novidade neste ano é que agora o progresso individual dos alunos será mais premiado. Os resultados por aluno, turma e escola são disponibilizados em um sistema online de informações chamado Enable (Capacitar), que é ao mesmo tempo um instrumento de planejamento de aula, acompanhamento do progresso de cada aluno e medição do desempenho da escola. Todas as escolas receberão uma nota, de A a F, e os resultados serão divulgados.

As escolas que tiverem A receberão recursos financeiros adicionais, em troca de servir como locais de demonstração de boas práticas para profissionais de outras escolas. As que receberem D e F e as que tiverem C por três anos consecutivos vão passar por um ciclo de até quatro anos com metas a cumprir, mudança de diretor e/ou professores, e, caso não haja progresso, serão fechadas. Vai ser possível comparar escolas em um mesmo bairro - se uma escola consegue que seus alunos progridam, 'não vai haver desculpas para a outra escola no mesmo bairro não fazer o mesmo', diz Andrés Alonso.

5. Novas oportunidades de liderança para professores

Um dos elementos importantes da reforma tem sido substituir escolas com problemas crônicos de gestão e aprendizado por novas escolas, menores e temáticas, dirigidas em sua maioria por professores. As primeiras 14 escolas temáticas criadas há quatro anos conseguiram formar 80% dos seus alunos em quatro anos, bem acima da média da cidade, que é de 50%. Por que fechar escolas que não conseguem melhorar? 'Esperar que pessoas consigam se livrar de hábitos, atitudes e relações às vezes desenvolvidas ao longo de décadas, é muito difícil', responde Eric Nadelstern, responsável pela Zona de Autonomia ('Empowerment Zone'), que dá mais autonomia e recursos para diretores, em contrapartida a uma maior prestação de contas. Nadelstern foi professor e dirigiu uma escola pública em Queens por 17 anos antes de ser convidado a trabalhar como superintendente de escolas do ensino médio e, em seguida, chefe das escolas autônomas. Como explicar o fato de que a maioria das novas escolas foi proposta e é dirigida por professores que trabalhavam em escolas problemáticas? 'Mesmo nessas escolas fracassadas o total não corresponde à soma das partes, porque em cada uma delas você encontra excelentes professores, que sonham com uma escola melhor', explica Nadelstern.

Por mais corajosa que seja, a reforma de Nova York, como outras reformas do ensino no mundo, leva tempo para mostrar resultados, e enfrenta muitas resistências, dentro e fora do sistema. Não há melhoras significativas nos resultados de alunos da 8ª série entre 2001 e 2006, e cerca de 40% dos alunos de 4ª série não têm as competências básicas em inglês - um resultado só um pouco melhor que os 56% registrados em 2001. No entanto, Nova York merece crédito por ter enfrentado, com criatividade, uma realidade dura, entrando na sala de aula do professor, oferecendo padrões, supervisão, apoio e incentivos, que faltam nas escolas de São Paulo e do Brasil.

* É coordenadora de programas educacionais do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Este é o segundo de uma série de quatro artigos sobre como enfrentar as dificuldades da educação

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:39
por Acauan
Acauan, em 15/07/2007 às 14:56, escreveu:Ordem e desordem nas escolas

Publicado em O Estado de São Paulo, Domingo, 17 junho de 2007, 3º de uma série de quatro artigos

Norman Gall*

Uma reforma escolar implica melhorar o ensino e o aprendizado. Mas a desordem reinante em muitas escolas - especialmente em Nova York e em São Paulo - com freqüência impede os avanços na qualidade da educação.

A rotina de violência e desordem nas escolas públicas de São Paulo tocou o fundo na tarde de 1º de abril de 2002 quando Edi Greenfeld, diretora de uma escola municipal na comunidade pobre de Guaianases, foi assassinada com duas balas na cabeça disparadas por assaltantes desconhecidos quando ela saía do trabalho. A imprensa noticiou que ela havia resistido ao tráfico de drogas dentro e no entorno da escola. O chefe do departamento de narcóticos da Polícia Civil advertiu os professores: “É muito perigoso desafiar esses bandidos.” Foi a única resposta oficial.

O assassinato de uma diretora de escola pública é raro em São Paulo. Em qualquer cidade civilizada do mundo, o assassinato de uma diretora de escola deveria provocar uma onda de indignação, trazendo o prefeito e o secretário de Educação à escola para confortar professores e alunos, visitar a família da vítima, comparecer ao funeral. Mas, em São Paulo, nenhuma autoridade municipal ou estadual apareceu para oferecer condolências. O assassinato de Edi Greenfeld foi tratado como um acontecimento de rotina, refletindo o abandono da educação pública em nossa sociedade.

Em razão de suas condições sociais, tanto Nova York como São Paulo precisam enfrentar as ameaças de violência e desordem em escolas públicas no futuro próximo. Mas, enquanto Nova York investe pesadamente em segurança escolar, São Paulo não investe quase nada. Embora o Estado de São Paulo opere um dos maiores sistemas escolares do mundo, com 6 milhões de alunos, e a cidade de São Paulo administre um sistema paralelo para outro 1,1 milhão de alunos, do mesmo tamanho aproximado do de Nova York, nenhum sistema brasileiro encarrega um profissional dos problemas da segurança escolar, com exceção de um novo programa no Distrito Federal.

Na época do assassinato de Edi Greenfeld, Nova York também era palco de episódios de violência escolar. Um estudante da Lafayette High School, no Brooklyn, foi atacado por três adolescentes que encostaram uma faca na sua garganta. Um dia depois, na Evander Childs High School, no Bronx, um estudante foi esfaqueado nas costas. Semanas mais tarde, professores de uma escola intermediária (entre o primário e o secundário) em Queens ameaçaram abandonar o trabalho depois de três ataques a professores num período de dois dias.

Aproximadamente 15 mil incidentes de segurança em escolas foram registrados em 2002, embora o crime escolar em Nova York tenha caído 8% nesse ano, graças a uma maior mobilização de recursos pelas autoridades municipais. As agressões mais comuns foram posse de armas, assalto, ofensas sexuais, posse de drogas e transgressões. A cidade estava gastando US$ 120 milhões por ano com segurança para pagar detectores de metais nas entradas de escolas e câmeras de vigilância em corredores, cantinas e escadas, além de salários para 4.200 agentes de segurança escolar civis, supervisionados e treinados pela polícia. Mas tudo isso não foi suficiente para controlar o crime e a violência nas escolas.

Durante nossas cinco semanas de pesquisa sobre a reforma escolar em Nova York, uma equipe do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial reuniu-se com Rose DePinto, uma veterana professora e diretora de ginásio a quem o secretário de Educação Joel Klein nomeara inicialmente para comandar a reforma da escola secundária em 2002 e depois para coordenar a segurança escolar. “As escolas estavam decadentes havia muito tempo”, disse DePinto. “Entre 2002 e 2004, vimos um aumento muito forte de desordem e violência em nossos ginásios. Os garotos estavam controlando essas escolas. Não se pode virar as costas quando se vê um problema. Sou uma educadora, não uma agente policial. Em meus 32 anos em educação, a experiência me ensinou que isso tem tudo a ver com liderança. Se não houver um líder forte no comando, as coisas começam a degringolar.” Em Nova York e em São Paulo, os diretores de escola enfrentam desafios complexos que exigem habilidades administrativas tanto na elevação da qualidade da educação como para evitar irrupções de violência e desordem.

Em Nova York, o prefeito Michael Bloomberg ordenou uma importante escalada de intervenções em escolas problemáticas. “Criamos equipes de intervenção compostas por educadores experientes e agentes de polícia”, disse DePinto. “Nós avaliamos 11 indicadores. Todas essas escolas tinham baixos níveis de graduação, alto absenteísmo, muitas suspensões de alunos. Descobrimos que o ambiente físico da escola é muito importante. Nessas escolas, descobrimos fechaduras e portas quebradas, iluminação precária e quase nenhuma visão para professores de dentro de uma sala de aula. A construção das escolas era mal pensada, com 20 a 25 entradas, um problema grave de segurança. Nós analisamos tudo, de como os alunos entravam na escola de manhã, como a revista eletrônica estava funcionando, até quem estava supervisionando os corredores e a cantina. Havia anos que a cidade tinha um código de disciplina, mas ninguém estava aplicando essas regras, e os garotos nem sabiam quais eram elas. Nós analisamos a qualidade da educação. Se a educação é boa, os garotos não vão querer ficar nos corredores. A qualidade do ensino era um grande problema em muitas escolas.”

Embora o assassinato ocasional de uma diretora ou um aluno ser apunhalado possam ser noticiados no Brasil, o maior perigo para a qualidade da educação é a desordem endêmica nas escolas que recebem pouca atenção. A desordem crônica nas escolas pode ser tão nociva para a educação quanto a violência.

Tal como em Nova York, há grandes diferenças entre escolas boas e ruins em São Paulo, muitas vezes no mesmo bairro. Em algumas escolas de São Paulo, alunos relatam que uma lei do silêncio comanda a cumplicidade entre funcionários escolares, incluindo diretores, e traficantes de drogas. Em um caso, um diretor foi processado por ocultar um traficante de policiais no interior da escola. Professores e diretores não recebem apoio institucional quando recebem ameaças de morte ou quando seus carros sofrem vandalismos do lado de fora da escola. O medo obriga professores e diretores a tolerar condutas perturbadoras, como a interrupção de aulas, ofensas sexuais e porte de armas dentro da escola. Uma ocorrência comum é a explosão de bombas caseiras em banheiros da escola, deixando-os sem portas, assentos de vaso sanitário e mecanismos de descarga. O roubo de computadores em salas de aula e escritórios também é comum. Somam-se a essas desordens o absenteísmo crônico de professores e diretores que não só priva crianças de educação como as deixa aglomeradas nos corredores fazendo um barulho infernal que dificulta o trabalho de outros professores que estão dando suas aulas. Tanto para professores como para alunos, os desvios de comportamento não trazem conseqüências.

As autoridades de São Paulo fazem pouco ou nada para vencer essas dificuldades. Em Nova York, elas pelo menos estão tentando, apesar dos desafios adicionais. Enquanto as escolas de São Paulo só podem ensinar em português, Nova York precisa lidar com um grande número de crianças imigrantes que precisam aprender o inglês partindo de pelo menos 12 línguas, incluindo urdu, bengali, árabe, russo e chinês. Além disso, as escolas de Nova York são assoladas por uma cultura de gangues fortemente desenvolvida, algo que é apenas incipiente em São Paulo.

A Secretaria de Educação de Nova York criou uma unidade de inteligência para gangues, definindo gangue como “um grupo de três ou mais pessoas usando sinais, símbolos e cores de identificação comuns, demonstrando um propósito comum de se envolver em atividades criminosas, violentas e anti-sociais como pichações, vandalismo, extorsão, intimidação, assalto, roubo, uso e venda de drogas e violência (por exemplo, disparos de veículos em movimento).”

“As gangues estão se expandindo globalmente”, disse Norbert Davidson, chefe da unidade. “Pessoas mais jovens estão envolvidas agora, especialmente aquelas que abandonam a escola, além de um número maior de mulheres. Algumas estão estruturadas como ordens religiosas e usam códigos numéricos e linguagem de sinais sofisticados. Quando um líder de gangue é preso, sua mulher atua como correio com a gangue. As garotas são introduzidas em gangues pela via do sexo, são iniciadas passando de um membro para outro do grupo, embora algumas prefiram chegar à integração lutando. Garotas também formam suas próprias gangues especializadas em roubo de identidade e furtos de lojas. Elas querem ganhar dinheiro, e usam a internet e investem em negócios legítimos. Gangues importantes, como os Bloods (Brotherly Love Overriding Oppression & Destruction) e Crips (Can’t Rest in Peace), começaram em Los Angeles. Agora há menos incidentes dentro das escolas. Nossa principal preocupação atual é com o que acontece fora delas. Os horários críticos são das 15h30 às 20 horas, quando os garotos ficam sem nenhuma supervisão. Nossas intervenções baseiam-se na educação. Não temos nenhuma bala de prata. É muito basquete, futebol americano, beisebol, YMCA (Associação Cristã de Moços, em português) e atividades de clubes juvenis. Encontro garotos para jogar basquete às 7 horas da manhã na Escola Pública 147 na seção de Bedford-Stuyvesant do Brooklyn.”

Esses métodos para lidar com desordens escolares são internacionalmente reconhecidos e praticados, mas continuam virtualmente desconhecidos no Brasil. Um dos mais conhecidos é o Intervenção e Apoio para Comportamento Positivo (PBIS, na sigla em inglês), respaldado pelo Ministério da Educação americano com um site com software de tradução que produz versões em português.

O PBIS salienta esforços cooperativos das equipes escolares, operando em três níveis: 1) Primário, desenvolvendo, explicando e aplicando regras de segurança simples; 2) Secundário, intervenções intensivas e orientadas para desenvolver novas habilidades para um grupo menor de alunos que se envolvem repetidamente em comportamentos desordeiros; 3) Terciário, focando em alunos individuais com comportamento mais perigoso e perturbador que impede o aprendizado de outros e pode levar à exclusão da escola. Equipes de conselheiros do PBIS visitam escolas problemáticas para diagnosticar problemas e ajudar o pessoal escolar a desenvolver um plano de ação. Antes de se reunir com diretores e professores, eles usam uma lista de verificação detalhada para analisar infra-estrutura física, recursos humanos e rotinas da escola.

A cidade de Nova York desenvolveu um código disciplinar, Práticas Melhores para Criar e Sustentar uma Escola Segura e Amparadora, que é distribuído em várias línguas e atualizado anualmente depois de audiências públicas e consultas com pais, diretores e professores. Os sistemas escolares de São Paulo não têm códigos de conduta, o que deixa cada escola livre para desenvolver seu próprio código. Tampouco têm um currículo uniforme, o que dificulta para alunos e professores saber o que se espera deles, preparar testes comuns e continuar aprendendo depois da transferência de uma escola para outra, especialmente porque os professores escolhem arbitrariamente o conteúdo de cada aula. Além disso, as escolas mais problemáticas de São Paulo não têm a estabilidade institucional necessária para se beneficiar de programas sistemáticos voltados para controlar a violência e a desordem, dadas as faltas freqüentes de diretores e professores e suas transferências de uma escola para outra, com freqüência a cada ano e, às vezes, duas ou mais vezes em cada ano.

O comportamento de professores, se bom ou ruim, traz poucas conseqüências, e o mesmo acontece com o dos alunos. Bons professores não são recompensados pela qualidade de seu trabalho. Maus professores não sofrem perda de remuneração ou de emprego, por pior que sejam a qualidade do seu ensino e o índice de seu absenteísmo. Os alunos devem ser mantidos em suas escolas, por mais perturbador ou agressivo que seja seu comportamento. Diretores e professores dão atenção demais a alunos perturbadores, fazendo tantas concessões a eles que a qualidade do ensino é sacrificada e os alunos que querem aprender são negligenciados. Em São Paulo, os direitos humanos de alguns estudantes desordeiros têm mais peso que os direitos humanos de professores que querem ensinar e de alunos que querem aprender.

Muitos diretores e professores em São Paulo enfrentam situações tão perigosas e perturbadoras quanto as enfrentadas por Virginia Connelly, diretora da Escola Pública 123 no Bronx. “Este prédio era um depósito de expulsos”, disse Virgínia. “Em 2004-2005, a escola recebeu um afluxo inesperado de atividade de gangues. Os Bloods vieram para cá de Los Angeles e Detroit. De repente, tínhamos não só brigas de gangues entre grupos hispânicos rivais, mas também conflitos raciais entre negros e hispânicos. No mesmo ano, recebemos mais de 30 transferências por ‘segurança’ de garotos que foram expulsos de suas escolas.” Mas ela conseguiu impor a ordem: “É uma questão de estabelecer quem está no comando”, disse ela. “Percebi que apenas três garotos estavam causando a maioria dos problemas. Esses três garotos tinham de sair. Meus supervisores me apoiaram. Quando esses garotos foram excluídos, isso enviou uma mensagem aos outros alunos.”

Para controlar a desordem endêmica em muitas escolas públicas, e para proteger aqueles que querem ensinar e aprender, locais alternativos devem ser encontrados para alunos perturbadores ou ameaçadores, que são uma pequena minoria da população estudantil. Nova York aplica dois níveis de suspensão: a suspensão por um diretor para transgressores menores e uma suspensão pelo superintendente para casos mais sérios. Numa suspensão pelo diretor, alunos transgressores são designados para uma sala de aula separada dentro da escola, onde eles fazem trabalho escolar sob supervisão. Na suspensão pelo superintendente, eles são designados para salas num edifício separado onde estudam juntos com outros transgressores sob rígida supervisão.

“Aumentamos a segurança escolar, mas agora precisamos fortalecer o apoio clínico e a orientação para cuidar da saúde mental dos garotos”, disse Andaye De La Cruz, diretora sênior de Desenvolvimento de Jovens no Bronx, que veio a São Paulo em 2005 para dar seminários sobre cultura e segurança nas escolas pelo nosso instituto. “Precisamos criar ambientes diferenciados dentro das escolas para garotos problemáticos. Agora levamos garotos de alto risco para centros de suspensão. O elemento mais importante numa escola é a estrutura e a liderança.”

Kathleen Cashin é uma superintendente veterana, alta e enérgica, que já estudou para freira. Ela conseguiu progressos escolares notáveis entre seus alunos ao supervisionar uma das regiões mais duras e mais desoladas do sistema escolar de Nova York, com 85 mil estudantes, em Brooklyn-Queens. Dois estudantes foram mortos a tiro no ano passado. Apesar da violência e da pobreza da Região 5, ela melhorou dramaticamente as notas de leitura e matemática das crianças de 3ª a 8ª séries em relação aos três anos anteriores e foi recentemente promovida para chefiar um dos quatro novos Centros de Apoio ao Aprendizado que ajudam escolas a superar dificuldades de ensino.

“Temos três dos ginásios mais duros da cidade”, contou-nos Kathleen. “Muitos garotos vivem em conjuntos habitacionais onde há conflitos entre negros e hispânicos. Muitos garotos não têm nada para fazer depois da escola e sentem que precisam pertencer a gangues para fortalecer a sua identidade. Temos uma das regiões mais pobres da cidade, mas com o crescimento mais rápido da alfabetização. Precisamos de um currículo rico e expectativas claras. É errado lhes dar overdoses de inglês e matemática. Um conteúdo rico evita o tédio e o mau comportamento dos garotos. Precisamos reciclar continuamente os professores e lhes oferecer um currículo integrado.”

Os padrões de comportamento e de aprendizado estão estreitamente vinculados. A reforma escolar em Nova York exige que diretores de escola se tornem educadores, além de administradores. Em São Paulo hoje, e Nova York até recentemente, poucos diretores agem como líderes educacionais. Eles ficam absolutamente tomados por tarefas administrativas, como grade de horários, relatórios, relações com pais, encontrar substitutos para professores faltosos e impedir e lidar com surtos de desordens. Tradicionalmente, a maioria dos diretores passa pouco tempo em sala de aula e menos ainda analisando a educação com professores.

Não se deve permitir que professores e diretores se sintam isolados e sem respaldo quando enfrentam desordens e faltas de professores. Eles precisam ver o intercâmbio de problemas em reuniões com colegas e supervisores como um processo positivo de engajamento profissional. “Os problemas se tornam a ‘moeda’ intelectual das reuniões”, disse Elaine Fink, que foi superintendente do Distrito 2 para o Lower East Side de Manhattan em Nova York.

Muitas escolas de Nova York enfrentam atualmente a ameaça de crianças de 12 e 13 anos estarem ingressando em gangues. “Precisamos apanhar os garotos assim que eles chegam à escola intermediária”, disse Irene Rogan, que foi diretora durante três décadas no Bronx antes de se tornar superintendente local de ensino. “Precisamos melhorar sua leitura e sua matemática, senão eles fracassarão no ginásio e abandonarão o ensino. Se não os apanhamos cedo, eles estão perdidos.”

A Escola Intermédia 302 fica na Kelly Street no South Bronx, e foi freqüentada pelo general Colin Powell quando era um garoto, e também por meu pai na geração anterior à dele. O bairro em torno da escola se degradou com os incêndios nos velhos prédios residenciais nos anos 1970 e 1980, com uma cultura florescente de gangues e o tráfico de drogas e com a violenta pobreza dos novos migrantes para a cidade, especialmente hispânicos. “Muitos garotos estão em abrigos de sem-teto ou sob cuidado tutelar”, disse Evelyn Figueroa, trabalhadora social. “Muitos vêm à escola só para ter uma refeição quente. Essa é uma razão para termos um comparecimento de 93%. Para lidar com gangues, nosso pessoal de segurança trouxe ex-membros de gangues para conversar com os garotos sobre como são as coisas e como sair da gangue se eles se sentirem amarrados. Eles mostraram fotos ampliadas e recortes de jornais de matanças de gangues a alunos de 8ª série. Quando encontramos garotos com drogas, eles são levados a centros de reabilitação para um aconselhamento individual e conversas com ex-viciados. Professores são enviados a programas de desenvolvimento profissional para aprender técnicas de gestão em sala de aula. Temos um comitê que se reúne semanalmente para discutir como lidar com garotos com problemas.”

Os problemas de desordem em muitas escolas de Nova York e de São Paulo são aproximadamente os mesmos, mas São Paulo não tem nenhuma estratégia e não investe recursos para lidar com esses perigos. No mínimo, um educador deveria ser treinado como especialista em segurança escolar para desenvolver uma equipe e, depois de um diagnóstico cuidadoso, uma estratégia para concentrar recursos nas escolas mais problemáticas.

* É diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial em São Paulo (ngall@braudel.org. br). Este é o terceiro de uma série de quatro artigos sobre reforma escolar. Os anteriores foram publicados pelo Estado nos dias 29 de abril e 20 de maio. O programa do Instituto Braudel, Reforma de Ensino em São Paulo e no Brasil, pode ser acessado em http://www.braudel.org.br

Re.: Meritocracia nas escolas públicas de São Paulo

Enviado: 10 Fev 2008, 16:42
por Acauan
Acauan, em 15/07/2007 às 14:57, escreveu:O que deve ser feito?

Publicado em O Estado de São Paulo, Domingo, 15 julho de 2007, 4º de uma série de quatro artigos

site

Norman Gall*

A TV Globo, na sua novela Os Sete Pecados, mostra uma escola pública na periferia de São Paulo. A escola está coberta de grafites, ensina pouco e funciona sob ameaça permanente de desordem. Uma jovem diretora idealista chega a essa escola prometendo melhorar o ensino e o aprendizado, mas desiste depois de uma guerra de comida na cantina da escola. Ela decide renunciar, mas um aluno pobre a convence a ficar, suplicando: 'A senhora precisa ficar, é a única pessoa aqui que se preocupa com a gente, de outro jeito nunca vou aprender nada nessa escola.'

Nos registros sobre a educação pública não faltam exemplos de heroísmo individual - de diretores, professores e estudantes - lutando contra a esterilidade e o desperdício de um sistema fracassado. Mas o desempenho do sistema como um todo - ou os sistemas, nessa federação descentralizada de Estados e municípios - é tão ruim que, no geral, está corroendo a estabilidade e o desenvolvimento futuro do Brasil. Os apelos para que se inicie uma reforma séria são ouvidos cada vez com mais intensidade.

As reformas da educação pública normalmente começam sob condições adversas. Seu sucesso depende da liderança política no topo das instituições públicas e também da mobilização no ponto mais baixo da pirâmide social que se beneficiaria com escolas melhores.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu um prazo para as escolas brasileiras atingirem os níveis de desempenho médio encontrados nos países mais avançados: 2022. Que políticas e investimentos novos são necessários para que o Brasil se aproxime da meta?

No início deste ano, e durante cinco semanas, uma equipe do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial realizou uma pesquisa de campo sobre a reforma escolar em Nova York, entrevistando estudantes, professores e diretores em escolas de bairros pobres, para saber que estratégias e métodos poderiam ser utilizados para melhorar a educação pública em São Paulo e no Brasil. A principal lição desse trabalho é que o País precisa investir no desenvolvimento da capacidade institucional.

Descobrimos que as reformas realizadas em Nova York seguiram um modelo desenvolvido na Inglaterra nas duas últimas décadas, instituído no governo conservador de Margaret Thatcher e consolidado na última década pelo governo trabalhista de Tony Blair.

Segundo Michael Barber, que conduziu a reforma escolar na Inglaterra de 1997 a 2005, as 'reformas realmente radicais' da era Thatcher-Blair progrediram com base em três idéias centrais: 1 - a criação de padrões e responsabilidade; 2 - a criação de capacidades e colaboração, 'garantindo a oferta de professores e melhorando seus salários, criando oportunidades para as escolas colaborarem, e investindo no desenvolvimento profissional' e 3 - formação de um 'quase-mercado em serviços públicos, explorando o poder de escolha, a competição saudável, a transparência e os incentivos, e é nesse campo que o debate educacional está entrando agora'.

As condições adversas em São Paulo e Nova York têm sido o desempenho acadêmico precário, os altos índices de evasão escolar, a ausência de um padrão de ensino, a desordem crônica nas escolas, a falta de uma supervisão eficaz, o desânimo e a apatia entre os professores e as poucas expectativas de um futuro melhor.

No caso de São Paulo, a essas dificuldades deve-se acrescentar a proteção legal para as faltas freqüentes de muitos professores, o que agrava a desordem nas escolas e desmoraliza os alunos, e também a negligência e a anarquia dos currículos e métodos de ensino que contribuem para as altas taxas de fracasso acadêmico. Além disso, a classe política do Brasil não tem muito interesse em promover os esforços a longo prazo para melhorar o ensino e o aprendizado.

Em Nova York, o grupo que liderou a reforma escolar surgiu fora da classe política tradicional, conduzido pelo prefeito Michael Bloomberg, um empresário bilionário, e o secretário da Educação Joel Klein, advogado. Da mesma maneira, os líderes empresariais brasileiros começaram a fazer pressão em favor de melhorias no ensino público. Esses esforços precisam ser intensificados e expandidos para ganharem impulso.

O Brasil tem algumas vantagens para melhorar suas escolas: 1 - seu sistema federativo descentralizado abrange uma ampla variedade de Estados e municípios de diferentes tamanhos e perfis econômicos e sociais. Essa diversidade serve para experimentos com diferentes abordagens e estratégias locais; 2 - refletindo a preocupação generalizada sobre a qualidade do ensino público, o governo federal lançou recentemente o Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE), prometendo um grande financiamento nos próximos anos; 3 - o jovem ministro da Educação, Fernando Haddad, desfruta da confiança do presidente Lula e das lideranças educacionais; 4 - os esforços para melhorar as escolas públicas contam com apoio político e financeiro do setor privado. O ministério da Educação adotou as metas propostas no plano 'Todos pela Educação', uma coalizão do setor privado; 5 - o Estado de São Paulo, com uma população maior do que a da Argentina ou da Califórnia (41 milhões) e com um dos maiores sistemas escolares do mundo (5,5 milhões de alunos) está em excelente situação fiscal para financiar a melhoria do ensino público. Contará com impostos e royalties adicionais vindos da atividade econômica gerada pelas recentes descobertas de gás e petróleo na Bacia de Santos.

Apesar das críticas sobre a falência das escolas brasileiras, algumas iniciativas importantes vêm surgindo. O Distrito Federal, com um sistema escolar que abrange 500 mil alunos, está adotando um currículo unificado e incentivos para o desempenho de escolas e professores, como parte das negociações salariais, e está implementando um dos primeiros programas de segurança escolar no Brasil. Em Minas onde, a partir de 1991, as reformas no sistema educacional foram esporádicas, a eleição pela comunidade dos diretores de escolas aprovados em exames de qualificação se consolidou. Encontrou-se um meio para despedir os professores deficientes. E mais importante, o nível de alfabetização dos alunos é testado depois dos seus dois primeiros anos na escola primária, para reforçar a aprendizagem dos alunos. Em Pernambuco, o programa Procentro, patrocinado pelo setor privado, oferece um ensino secundário de alta qualidade e em tempo integral em escolas públicas de 20 cidades do interior.

É mais fácil denunciar e diagnosticar as deficiências do ensino público brasileiro do que propor soluções viáveis.

Como o Brasil é um vasto arquipélago de diversas comunidades, com diferentes níveis de desenvolvimento, o seu sistema federal descentralizado desencoraja iniciativas no campo educacional que possam abranger a nação inteira.

Os investimentos precisam ser seletivos, baseados em iniciativas de Estados e municípios que tentam melhorar as escolas locais e buscam apoio financeiro e técnico. Esforços localizados e dispersos podem ser importantes, embora qualquer empenho significativo para melhorar as escolas do Brasil levará anos e exigirá uma estratégia a longo prazo coerente para superar essas dificuldades básicas:

1 O que ensinar? É preciso um conteúdo maior e melhor. Uma razão para que as crianças brasileiras aprendam tão pouco na escola e apresentem um desempenho tão medíocre nos testes nacionais e internacionais é que não existe nenhum currículo adotado pelas autoridades municipais, estaduais ou federais. Os vagos 'parâmetros curriculares' do Ministério da Educação orientam muito pouco os professores quanto aos conteúdos na sala de aula. É necessário um esforço dedicado para se adotar padrões de aprendizagem e um currículo mais enriquecido.

2 Implementação das mudanças. Devem ser criados novos institutos, similares à Leadership Academy de Nova York, para treinar supervisores, mentores e mestres a intervirem nas salas de aula para darem um suporte às melhorias na prática do ensino. No momento, o sistema escolar brasileiro carece de uma capacidade institucional que promova um aperfeiçoamento do ensino e do aprendizado. Não existe nenhuma supervisão ou apoio aos professores no trato de suas próprias deficiências e do fracasso de um aluno no seu aprendizado. Entre as burocracias centrais e as escolas e professores não existem gestores intermediários para implementar os padrões e práticas. As novas metas anunciadas pelo governo federal e propostas por grupos privados não serão alcançadas sem que se promova essa gestão intermediária e a qualidade da supervisão. Para isso são necessários investimentos. E no caso da supervisão, ela é especialmente importante porque as universidades e institutos de pedagogia preparam mal os professores para o trabalho em sala de aula.

3 Novos incentivos. Para melhorar o ensino público é preciso uma reestruturação dos incentivos. Professores, diretores, escolas inteiras e distritos escolares precisam de recompensas pelo melhor desempenho dos alunos. Ausências freqüentes de professores e diretores não devem ser toleradas.

4 Avaliação do progresso. Os dados produzidos pelos exames estaduais e nacionais não são usados para diagnosticar e melhorar o desempenho do estudante. Em muitos casos, nem chegam às escolas.

Escandalosamente, os resultados dos testes promovidos pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), não são nem mesmo publicados. Assim, os pais ficam desprovidos de informações vitais sobre o progresso acadêmico de seus filhos e suas escolas.

O Ministério da Educação promete corrigir essa falha, dando notas a todas as escolas do Brasil, como está sendo feito em Nova York. Mas é preciso melhorar a avaliação, com conseqüências não só para um desempenho excelente como também para o medíocre.

As escolas devem fazer anualmente uma auto-avaliação e, junto com suas comunidades, estabelecer um plano de ação para melhorar seu desempenho nos testes padronizados. A cada três anos, devem ser realizadas avaliações de qualidade por profissionais visitantes. As autoridades brasileiras também devem considerar a criação de uma superintendência autônoma para avaliar o desempenho escolar, no estilo da instalada recentemente no Chile.

5 As regiões metropolitanas. Entre as 14 cidades brasileiras com população de mais de 41 milhões de habitantes, o gigantesco sistema escolar de São Paulo exibe as maiores dificuldades das áreas metropolitanas. Nos exames do Saresp, os alunos freqüentemente são questionados sobre temas que nunca lhes foram ensinados em sala de aula. A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Sead) está elaborando os perfis de todas as 5.800 escolas do Estado de São Paulo, como matrículas, rotação de professores, resultados de testes, promoções, índices de evasão escolar e condições socioeconômicas. Com esses dados, que se acumularam na secretaria da Educação estadual sem utilização durante anos, as autoridades poderão direcionar suas intervenções baseando-se nas necessidades de cada escola.

Os governos estaduais anteriores tiverem pouco interesse na solução de problemas sistêmicos da educação pública. Até recentemente havia pouca pressão popular para uma melhora da qualidade do ensino e uma indiferença geral da classe política.

O sistema não entrou em colapso por causa da demanda pública por algum tipo de ensino e porque as escolas são uma fonte abundante de emprego formal e aposentadoria para professores e administradores que, em troca, propiciam um grande número de votos para as elites políticas. O sistema, em grande parte, é governado por incentivos perversos, que são as regras legais e os costumes de premiar comportamentos contrários aos objetivos declarados das instituições. O sistema não se importa com resultados e parece funcionar visando mais ao benefício de seus empregados e menos ao das pessoas que devem servir. Em Nova York, o lema da reforma do ensino é 'Primeiro as Crianças'. Não vemos essa prioridade em São Paulo.

É preciso investir mais recursos no processo de aprendizagem. Isso implica criar um currículo básico que estabeleça metas claras para o ensino. Significa a mudança de leis e regulamentos para reduzir as ausências dos professores, um grande problema do sistema educacional brasileiro desde o século 19. Implica ainda o treinamento de supervisores e mentores para trabalharem dentro das salas de aula com professores e alunos, com o objetivo de melhorar os resultados. Significa também descentralizar os poderes de decisão, dentro de uma estrutura geral, para uma direção regional e os diretores de escolas que, em troca, vão se responsabilizar pelos resultados.

O sistema precisa investir na liderança regional. Em algumas regiões devem ser desenvolvidos programas-piloto, como ocorreu no Bronx, onde novas estratégias e métodos foram experimentados antes de serem aplicados em toda a cidade de Nova York. Os planos de estudos e os métodos de ensino devem ser enriquecidos para os 700 mil estudantes secundários de São Paulo obrigados a estudar à noite assistindo aulas estéreis e entediantes. Programas especiais devem ser criados para alunos talentosos cujas necessidades são ignoradas, enquanto professores e diretores lutam com a desordem crônica nas escolas. Deve ser desenvolvida uma capacidade institucional para tratar desse problema, com o treinamento de especialistas em segurança escolar e a criação de ambientes alternativos de aprendizagem para alunos problemáticos que dificultam o ensino.

6 Sindicatos. Na América Latina, como em outras sociedades, os sindicatos dos professores freqüentemente se opõem às reformas do ensino, dizendo que são obras de tecnocratas de elite com objetivos não declarados de privatizar as escolas públicas, reduzir os custos e quebrar os sindicatos. Os sindicatos latino-americanos marcaram a sua oposição às reformas com greves, manifestações de protesto, campanhas na mídia e o seu voto nas eleições. Porém, no sistema federal do Brasil, os sindicatos de professores também são descentralizados, como os Estados e municípios. Alguns são geridos por burocratas de carreira com pouco contato com os professores, o que não cria oportunidades de diálogo e negociação ou com os líderes sindicais ou com a base de professores sobre novos incentivos que não ameaçam a perda de empregos. A qualidade da liderança sindical varia entre as localidades, da mesma maneira que a liderança política de Estados e municípios. Em alguns lugares, especialmente no México, República Dominicana e Minas na década de 90, como também em Nova York no período de 2003 a 2007, houve negociações bem-sucedidas entre reformadores educacionais e os sindicatos de professores.

Escolas deterioradas significam condições de trabalho deterioradas. Assim, os sindicatos dos professores fora do Brasil gradativamente se engajaram na reforma escolar. Alguns estão treinando e reciclando professores. Outros concordaram com os incentivos em função do desempenho. Em Nova York, Newark, Chicago, Boston, Baltimore, Miami e Minneapolis, os sindicatos aceitam a responsabilidade na administração das escolas públicas.

Em seu excelente livro Despite the Odds: The Contentious Politics of Education Reform, a professora Merilee Grindle, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard, adverte que o futuro da reforma escolar é incerto 'quando o apoio de professores é ignorado, quando sindicatos hostis continuam se opondo às mudanças e quando os incentivos para políticos, administradores, professores e pais acabam atuando contra as novas iniciativas'. E acrescenta: 'as mudanças no sistema educacional precisam ser implementadas em nível de sala de aula, para aumentar o grau de aprendizado das crianças das habilidades e capacidades necessárias. Isso implica a necessidade de vários níveis de executores para que as novas iniciativas prosperem. Em algum ponto dessa longa cadeia de responsabilidades pelas tomadas de decisão, as atividades de reforma podem esmorecer, vítimas da inércia, da contenção política, dos julgamentos errados, das invejas entre organizações e dos emaranhados logísticos'.

É preciso coragem para adotar uma reforma escolar. No início desta série de quatro artigos perguntamos: 'Qual a relação entre ignorância e desordem social? Como operar uma sociedade complexa sem uma população instruída? Como serão nossas sociedades daqui a 10 ou 20 anos se nossas crianças não conseguirem aprender?'

As autoridades de Nova York, numa atitude louvável, corajosamente decidiram enfrentar a realidade ameaçadora da desordem e do fracasso das suas escolas, respondendo com soluções criativas para corrigir as deformações na estrutura e incentivos do sistema. Cometeram erros e se expuseram a uma intensa controvérsia política, porém seu trabalho já começa a mostrar resultados. Tanto as notas nas provas de leitura e matemática como os índices de graduação melhoraram e a violência nas escolas diminuiu. O secretário da Educação Joel Klein esteve em minha velha escola no Bronx, Evander Childs, para anunciar que três pequenas escolas que funcionavam naquele prédio conturbado estavam formando 80% dos alunos do nível secundário, em comparação com os 31% em 2002. 'As crianças precisam exercitar leitura, leitura, leitura', disse Steven Chernigoff, diretor da Bronx High School for Writing and Communication Arts, escola superlotada com 348 alunos que ocupa um corredor no edifício da Evander Childs. 'Grande parte da melhora se deve a um trabalho intensivo com os estudantes, individualmente ou em grupos pequenos. Estamos muito bem treinados na utilização de dados para acompanhar o progresso dos alunos a partir do momento em que entram em nossa escola. Explicamos a importância deles se formarem no tempo certo. Se estão atrasados, oferecemos cursos de verão, aulas nos sábados e aulas individuais no fim da tarde.'

A decisão de iniciar uma reforma escolar em Nova York foi tomada por um homem, o prefeito Bloomberg, fazendo eco à inquietação geral nos Estados Unidos sobre as deficiências da educação pública. Em São Paulo a decisão também depende de um homem, o governador José Serra, que se formou em escolas públicas de São Paulo e no Instituto Politécnico, com doutorado em economia pela Cornell University e que, exilado, trabalhou na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) das Nações Unidas, em Santiago do Chile, e mais tarde no Instituto para Estudo Avançado em Princeton, antes de se tornar secretário do Planejamento do Estado de São Paulo e ministro do Planejamento e depois da Saúde. Essas credenciais impressionantes dão esperança para novas iniciativas, fazendo mais pela educação pública do que os governos passados.

Ser governador de São Paulo é missão repleta de problemas. Nos primeiros seis meses como governador, Serra concentrou seus esforços na obtenção de financiamento federal para o Rodoanel em torno da Grande São Paulo, para melhorar os trens suburbanos, prover infra-estrutura sanitária para loteamentos ilegais em torno do reservatório de Guarapiranga e para reparar as rodovias rurais deterioradas.

Em outras palavras, Serra concentrou-se no hardware do sistema, mais do que no software.

No entanto, é o software que torna a sociedade produtiva. No campo da educação, Serra concentrou-se em iniciativas isoladas, como a contratação de 4.000 estagiários para auxiliarem na alfabetização de crianças nas duas primeiras séries do curso primário.

Embora sejam medidas importantes, há necessidade de uma ação integrada para solucionar os problemas sistêmicos do ensino público, que sofreu terrivelmente por falta de ambição.

Como terá se sentido o governador Serra quando a Folha de S. Paulo, no mês passado, mostrou a deterioração da Escola Estadual Firmino de Proença, do bairro da Mooca, onde ele estudou, com os alunos perdendo quatro aulas em alguns dias da semana, por falta de professores? 'Nos dias de aula de ciências', disse um aluno, 'passamos o tempo fazendo o jogo da velha'.

* É diretor executivo do Instituto Fernando Braudel de Economia Mundial. Email: ngall@braudel.org.br. Este é o último de quatro artigos sobre reforma escolar publicados pelo Estado. O programa do Instituto Braudel Reforma do Ensino em São Paulo e no Brasil pode ser acessado pelo site