Revista Época - Entrevista Meirelles

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Joe
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Revista Época - Entrevista Meirelles

Mensagem por Joe »

[center]O presidente do Banco Central explica por que, desta vez, o Brasil está mais forte para se defender da crise nos mercados financeiros[/center]

O presidente do banco central, Henrique de Campos Meirelles, não parece preocupado com o impacto que a crise financeira americana terá no Brasil. Ele se mostra convencido de que o país vai sofrer pouco com a desaceleração da economia global. Os motivos: a demanda interna aquecida, as contas externas sob controle e as reservas cambiais na faixa de US$ 180 bilhões, um recorde histórico. “Pela primeira vez estamos colhendo o que chamo de os dividendos da estabilidade. Durante muitos anos, pagamos o custo da estabilização”, diz. “Hoje, mesmo quem acredita que uma catástrofe vem aí fala que o Brasil poderá crescer 3,5% em 2008. Até pouco tempo atrás, esse era um número considerado excelente.”

Atacado pela direita e pela esquerda por sua cautela na gestão da política monetária, Meirelles resistiu às pressões com serenidade. Em janeiro, completou cinco anos à frente do BC, feito raro num país como o Brasil. “A extraordinária evolução da economia brasileira mostra que nossa política monetária tem sido equilibrada e com resultados excepcionais”, afirma. “Com o devido respeito aos críticos, temos convicção de que a estabilidade monetária e econômica é fundamental não só para o crescimento continuado do país, mas também para a melhoria do padrão de vida da população, em particular a de menor renda.”

Nesta entrevista, realizada na representação do Banco Central em São Paulo, Meirelles só fechou o semblante na hora de falar sobre a inflação. Disse que suas declarações sobre o assunto podem provocar tumulto no mercado. Preferiu o silêncio. Segundo ele, o compromisso do BC é manter a inflação dentro da meta de 4,5% em 2008. “A única coisa que podemos dizer com clareza é que o Banco Central trabalha com um regime de metas de inflação, tem tido sucesso em sua implementação e está comprometido em fazer com que a trajetória de inflação seja consistente com as metas”, afirmou.

ÉPOCA - O senhor esteve recentemente no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, onde se reúnem todos os anos empresários, banqueiros e autoridades de diversos países para discutir as grandes tendências globais. Qual era a percepção do pessoal sobre a crise americana?
Henrique Meirelles - Em Davos, existia muita preocupação com o desdobramento da crise para as instituições financeiras. Havia também uma preocupação com a estabilização dos preços no mercado imobiliário americano e, conseqüentemente, dos papéis relacionados ao crédito imobiliário, em especial o (chamado) subprime (empréstimos para pessoas com cadastros problemáticos, que estaria na raiz da crise nos EUA). Realmente, naquele momento existia muita preocupação. Mas uma das características da situação atual é a extrema volatilidade dos mercados. Qualquer comentário que se faça, portanto, refere-se àquela situação, naquele momento.

ÉPOCA - Isso significa que, hoje, não há mais essa preocupação?
Meirelles - Eu não voltei a me encontrar com aquelas pessoas que estavam em Davos. Mas não há dúvida de que os mercados, pela evolução recente, ainda mostram uma preocupação muito grande com o desenvolvimento da crise americana. Há momentos de um certo alívio e momentos de acentuada preocupação. Isso tende a oscilar. Alguns analistas já começam a ver alguns sinais claros de recessão nos EUA. Mas o cenário não está ainda completamente configurado.

ÉPOCA - No início da crise, o senhor declarou que o Brasil estaria praticamente imune à ela. Nas últimas semanas, o cenário ficou complicado, houve turbulências no mercado financeiro, saques de investidores externos na Bolsa de Valores. Isso o surpreendeu?
Meirelles - A evolução dos mercados no Brasil em decorrência da crise no exterior está de acordo com as nossas expectativas. O que ainda não está muito claro - e estava menos ainda naquela época - é como será a evolução da crise nos EUA, em particular o seu impacto na economia real, no nível de atividade econômica. Agora, em setembro do ano passado, quando o Banco Central emitiu o seu relatório de inflação, já prevíamos uma desaceleração da economia brasileira em 2008, em razão de uma desaceleração mais forte da economia americana. Tanto que a nossa previsão naquela época - que ainda vigora até hoje - foi de um crescimento de 4,5% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas pelo país) em 2008, contra 5,2% em 2007, em conseqüência direta dessa desaceleração nos EUA. Naquela oportunidade, observamos que, se a crise americana fosse maior, poderia ter um impacto superior. Se fosse menor, teria um impacto ainda menor.

ÉPOCA - Na crise atual, vários bancos internacionais receberam investimentos de fundos soberanos. Foi isso, em boa medida, que permitiu a recapitalização deles. O senhor é favorável à criação de um fundo do gênero no Brasil, para aplicar nossas reservas cambiais e conseguir uma melhor remuneração para elas no mercado internacional?
Meirelles - A coisa mais importante nesta questão é que o fundo soberano de qualquer país, inclusive o brasileiro, caso venha a ser criado, não deve envolver as reservas. Isso não deve ser uma forma de aplicar as reservas. Elas devem ser aplicadas em ativos líquidos, de risco baixo e, portanto, de retorno baixo. É exatamente por isso que se chamam "reservas". Existem conceitos internacionais de liquidez muito rígidos que se aplicam às reservas. Se começarmos a aplicar reservas em outras coisas, isso não será mais considerado reserva. Não cabe usar as reservas para aplicações de risco. Em tese, nada impede que um fundo soberano que comprou ações de um banco desses, que é um ativo volátil, possa perder dinheiro. Pode ganhar e pode perder. Agora, na medida em que o país tem tido um saldo positivo na sua balança de pagamentos, acumulando moeda externa, o que se discute é se o Brasil deveria, em certo momento, usar uma parte deste saldo para construir um fundo soberano para aplicações no exterior. Existe uma outra questão, não endereçada ainda, sobre qual seria a fonte de financiamento desse fundo. Há também a questão das regras de governança que iriam regular as aplicações desse dinheiro e todas as demais normas relacionadas a essa questão. Mas, neste momento, ainda não há uma decisão tomada a respeito da constituição ou não desse fundo.

ÉPOCA - Alguns economistas afirmam que essa taxa de crescimento de 4,5% para 2008 que foi prevista no final ano passado pelo Banco Central é otimista demais para o cenário que se está configurando...
Meirelles - É possível que seja otimista, é possível que seja pessimista. Tenho visto relatórios de economistas extremamente conservadores com números superiores a esse - e existem alguns com números inferiores. A previsão do Banco Central, expressa no relatório de inflação junto com a estimativa para o PIB, é revista trimestralmente. Em março, vamos publicar um novo relatório de inflação e haverá uma previsão de PIB que vai incorporar não só o cenário externo, mas o interno e todos os demais fatores que nos levam a estabelecer as projeções.

ÉPOCA - Qual foi a receita para o Brasil chegar nessa situação mais confortável hoje do que em outras crises recentes, como a da Ásia e a da Rússia, no final dos anos 90?
Meirelles - No passado, existiam desequilíbrios criados por intervenções governamentais na economia, tentando controlar mercados. Por exemplo: o câmbio fixado por interferência governamental, que existia na época, levava a distorções grandes que, quando corrigidas, resultam em crises bastante agudas. Isso aconteceu no Brasil mais de uma vez. Hoje em dia, vivemos num regime de câmbio flutuante, não mais de câmbio fixo, e temos reservas (em moeda forte) muito elevadas. Esta combinação de fatores positivos na área externa é extremamente vigorosa. Hoje, o saldo das contas externas brasileiras deixa claro que, mesmo numa situação de catástrofe internacional, teremos uma capacidade de resistência muito longa, suficiente para que o câmbio flutuante possa fazer os ajustes necessários sem pânico. Além disso, houve um ajuste interno. Hoje, temos a dívida pública líquida total que representa um percentual cadente do PIB. Temos também um Banco Central que tem dado provas sistemáticas de seu compromisso com o regime de metas inflacionárias. É isso que faz com que a economia esteja estabilizada. Pela primeira vez no Brasil estamos colhendo o que chamo de "os dividendos da estabilidade". Durante muitos anos, só tivemos o custo da estabilização, mas a estabilidade nunca chegava.

ÉPOCA - Em termos concretos, o que isso deverá significar para o Brasil?
Meirelles - Hoje, estamos discutindo se o Brasil vai crescer 0,5 ou 0,7 ponto percentual a menos que no ano passado. Os extraordinariamente pessimistas começam a falar em 1% ou pouco acima disso. Aqueles que acreditam que vem uma catástrofe por aí falam que o Brasil pode crescer 3,5% em 2008. Até pouco tempo atrás esse era um número excelente. No passado, as crises financeiras, como a da Ásia em 1997 e da de 2001 nos Estados Unidos, tinham um impacto violento no Brasil, porque, além de afetar as exportações, o Brasil era muito vulnerável financeiramente. As nossas crises tendiam a ser maior do que as crises de origem. Hoje, o impacto no crescimento do país é muito menor do que antes.

ÉPOCA - Durante essa crise, ganhou força a idéia de que os países emergentes se tornaram vitais para a segurar a economia global. Qual é a sua opinião sobre isso?
Meirelles - Primeiro, criou-se a tese do "descolamento". Os emergentes estariam descolados da crise e, portanto, imunes a ela. Depois, surgiu a tese oposta, do "recolamento". Só que em sentido contrário. Os emergentes é que iriam puxar as grandes economias. São, obviamente, visões exageradas e sujeitas a revisões. Agora, não há dúvida, por exemplo, de que, hoje, os países emergentes representam não só uma maior fatia da economia mundial, mas uma grande fatia do crescimento mundial, o que é mais importante. Mesmo nos bons momentos de crescimento da economia global. Os emergentes têm, portanto, uma importância maior do que tinham no passado. Embora alguns países emergentes ainda dependam muito das exportações, em geral seus mercados internos estão cada vez mais fortes. Um exemplo é o próprio Brasil. Quando começamos o processo de recuperação econômica no segundo semestre de 2003, éramos extremamente dependentes das exportações. Qualquer queda um pouco mais pronunciada da demanda internacional tinha um impacto enorme na economia brasileira. Hoje, ele é muito menor.

ÉPOCA - Muitos analistas dizem que a política de redução de juros implementada pelo Fed para tentar reativar a economia não vai adiantar nada. Vai apenas criar uma nova bolha na economia sem resolver os problemas básicos da economia americana, que envolvem o déficit público e em conta corrente, o excesso de endividamento dos consumidores e as pressões inflacionárias. Qual é a sua opinião sobre isso?
Meirelles - Esse quadro não está claro. Existe uma discussão hoje, que é acadêmica, teórica, com algumas evidências empíricas, sendo usadas de parte a parte, tanto por que apóia a atual política do Fed como de quem a critica. De um lado, há a idéia de que os Estados Unidos teriam conseguido evitar uma recessão (na gestão do ex-presidente do Fed, Alan Greenspan) através de uma política monetária acomodatícia e que isso teria levado a uma inflação de ativos, em particular de ativos imobiliários. Isso estaria gerando essa crise atual e novos movimentos de injeção de liquidez só conseguirão gerar desequilíbrios maiores. Um dos maiores riscos seria a elevação da inflação americana. Por outro lado, é preciso levar em conta que a visão do Ben Bernanke (presidente do Fed, que defende uma política calcada na injeção de liquidez para estimular a economia) é um grande estudioso da recessão nos Estados Unidos. Tem até uma tese sobre a recessão gerada pela crise de 1929. Então, há também uma base teórica que justifica um movimento de redução dos juros, de injeções de liquidez.

ÉPOCA - Qual é a justificava para a redução dos juros americanos hoje?
Meirelles - O argumento é que existe um processo de recessão de causas macroeconômicas (como o déficit público e em conta corrente), que não poderia ser alcançados pela redução dos juros. Mas haveria também uma parte grande do movimento recessivo que seria decorrente de uma crise do mercado financeiro, com propagação para a economia real. Isso seria evitável por meio de ações de política monetária como as que o Fed está implementando. O desdobramento da economia americana nos próximos anos vai mostrar a realidade. Vai ser um material de estudo riquíssimo para os acadêmicos e especialistas em política monetária.

ÉPOCA - O senhor tem sido acusado por algumas correntes de ser excessivamente conservador na gestão de política monetária brasileira. Se fosse presidente do Fed, o senhor teria baixado os juros?
Meirelles - Essa questão parte do pressuposto de que a política monetária brasileira foi mais restritiva do que precisaria ter sido para a estabilização da economia. Evidentemente, que nós, do Banco Central, discordamos disso. Entendemos que o Banco Central tem de agir preventivamente. Quando o Banco Central vê uma ameaça à frente, tem de tomar todas as providências para que essa ameaça não ocorra. Acontece que, quando ela não ocorre de fato e tudo funciona exatamente de acordo com o que o Banco Central gostaria que funcionasse, os críticos vêm e dizem que o Banco Central errou, que aquela ameaça que se temia não aconteceu e que, portanto, não precisaria ter feito nada. Do nosso ponto de vista, a extraordinária evolução da economia brasileira mostra que a nossa política monetária tem sido equilibrada e com resultados excepcionais para o país, haja vista o crescimento do investimento, do emprego, da renda, do PIB, do mercado de capitais, do crédito.

ÉPOCA - É curioso que, no passado, essas críticas vinham inclusive de gente do próprio governo. Acusavam o Banco Central de ser um freio para o crescimento do país. Isso mudou? Houve o reconhecimento do governo de que essa política foi correta?
Meirelles - No início do governo, houve um debate muito saudável, legítimo, sobre o processo de desinflação da economia brasileira, de até que ponto ele estava sendo conduzido dentro da velocidade e do rigor adequados. Mas não há dúvida de que esse é um processo bem sucedido, bem ajustado. O Brasil vai muito bem, a economia está crescendo, o país está criando emprego, gerando renda, e o presidente Lula foi reeleito em 2006, dentro desta processo, entre outras coisas, e não há dúvida de que o Banco Central do Brasil tem recebido não só do presidente Lula mas de outros membros do governo todo o apoio necessário, para conduzir a sua missão. Diversos ministros têm deixado claras as suas posições a respeito, de apoio institucional ao Banco Central, e temos tido todas as condições para desenvolver o nosso trabalho.

ÉPOCA - Embora essa percepção da política monetária pelo governo tenha mudado, ainda há uma voz ou outra do governo afirmando que "o Brasil está pronto para pisar no acelerador e que o problema é o Banco Central". Como o senhor vê isso ainda hoje?
Meirelles - Em primeiro lugar, eu acho que o debate é legítimo. Faz parte da democracia. Quanto mais aberto o debate, quanto mais posições divergentes forem colocadas e esclarecidas, melhor. Mas eu acredito que o fato de o debate seja mais agudo no Brasil por causa da nossa pouca experiência de estabilidade. Durante muito tempo tínhamos o governo tentando controlar as variáveis econômicas e isso provocava desastres recorrentes. Quando começamos a dar condições aos mercados de exercerem as suas funções e adquirir reservas para dar força ao governo para agir se necessário, tirando o governo de onde ele não deve estar, que é tentando controlar preços, as coisas começam a funcionar bem. Uma das questões mais importantes das economias modernas, comprovada não apenas pelos países industrializados como por alguns países emergentes, é que instabilidade, crises periódicas, inflações elevadas não levam a crescimento - e muito menos a aumento de investimento. Hoje, o aumento dos investimentos no Brasil está acontecendo de uma forma sólida, constante, resultado da previsibilidade da economia. Uma das coisas que não se entendia muito no Brasil, que começa a ser entendida aos poucos, é que não é o entusiasmo momentâneo que leva ao aumento dos investimentos, mas a previsibilidade, relacionada à estabilidade. É um modelo clássico, usado de forma muito bem sucedida por muitos países, inclusive por alguns países emergentes. Agora, o Brasil está podendo aplicar isso. É normal que esse processo não seja totalmente compreendido num primeiro momento. Mas, cada vez mais, as pessoas vão entender isso com mais clareza.

ÉPOCA - O subproduto negativo neste aquecimento da demanda interna é a inflação. Diversos economistas hoje - e o próprio Copom (comitê de Política Monetária, encarregado de estabelecer a taxa básica de juro da economia, que serve de referência para todas as outras) na ata de sua última reunião, em janeiro - mostram preocupação com o aumento de preços no país. Em que medida a inflação é preocupante hoje?
Meirelles - Existe uma norma de governança de diversos bancos centrais, inclusive o do Brasil, de que nós não nos pronunciamentos sobre essas. A cada reunião do Copom fazemos uma avaliação de toda uma série de dados que as equipes técnicas do Banco Central vão preparando no período de 45 dias que separa uma reunião da outra, para que nós analisemos naquele momento. Aí, nós tomamos uma decisão e procuramos sumarizar na ata todos esses aspectos. A nossa experiência nos mostra que os pronunciamentos intermediários, com dados parciais, é algo que serve apenas para desinformar os agentes econômicos. A única coisa que dizemos com clareza em qualquer momento é que o Banco Central trabalha com um regime de metas de inflação, tem tido sucesso na sua implementação e está comprometido em fazer com que a trajetória de inflação seja consistente com as metas.

ÉPOCA - Há também o comprometimento pessoa do próprio presidente Lula em relação a isso, porque ele é uma cria da inflação. Várias vezes ele se manifestou publicamente dizendo que viveu isso quando era sindicalista e que não queria isso...
Meirelles - Certamente, existe um compromisso do presidente, não só pessoal, mas também com a sua grande massa de eleitores que se beneficiam diretamente da inflação baixa. Um dos grandes engodos do passado no Brasil era exatamente quando se deixava, muitas vezes, a inflação subir sob o pretexto de que isso iria gerar mais crescimento e mais renda. O que está claro hoje no Brasil - e em outros países isso já está claro há muito tempo - é que a inflação baixa é que assegura o poder de compra das classes de renda mais baixa e do trabalhador, que tem menos condições de se defender da escalada de preços. Ela garante não só da melhor condição de vida ao trabalhador, como favorece o crescimento da demanda doméstica. Aumenta também a previsibilidade e aumenta o investimento. A estabilidade gera um ciclo virtuoso no qual o Brasil está hoje. Com o devido respeito aos críticos, digo que temos muita convicção de que a estabilidade monetária e econômica é fundamental não para o crescimento continuado do país, mas também para a melhoria do padrão de vida da população, particularmente nas faixas de menor renda.

ÉPOCA - Embora a autonomia do Banco Central não esteja prevista na legislação, o atual governo deu a ele uma autonomia informal. Isso deveria ser formalizado?
Meirelles - Temos uma posição de que não cabe a nenhum Banco Central postular a própria independência. É uma decisão da sociedade, através do Congresso e do Executivo. Mas, dito isso, não há dúvida de que o Brasil talvez seja hoje uma das poucas economias importantes do mundo que não tem um Banco Central independente.

ÉPOCA - Qual é a sua avaliação da sua atuação como presidente do Banco Central, em relação a outros como os economistas Gustavo Franco e Armínio Fraga? Como o senhor se vê neste contexto histórico?
Meirelles - No processo de estabilização da economia brasileira, cada um fez o seu trabalho. Tudo se adicionou. Os trabalhos foram se complementando. Posso dizer que fico muito gratificado de estar vivendo um momento extremamente favorável para a política monetária brasileira e seus efeitos na nossa economia.

ÉPOCA - Seu sucesso no Banco Central é reconhecido hoje até por aqueles que eram seus adversários. Não há como não qualificar isso como uma vitória. Isso mostra uma capacidade de realização muito grande. Qual é a sua ambição daqui para a frente?
Meirelles - Quando aceitei o convite do presidente Lula para ser o presidente do Banco Central, tinha consciência de duas coisas. A primeira delas é que o trabalho do Banco Central não é compatível com a construção de uma carreira política. Existem exemplos raros de presidentes de Banco Central que desenvolveram depois uma carreira política. O Banco Central é uma instituição que age preventivamente, para manter a estabilidade. Não pode fazer algo que é fundamental em política: agir segundo a preferência popular. Por definição, o Banco Central não pode prestar atenção em taxa de aprovação. Se existe uma aprovação elevada, ótimo. Mas, se não existe, muito bem, o trabalho continua normalmente. Se o Banco Central se preocupar com isso, fará um mau trabalho. Portanto, quando assumi, tirei qualquer visão futura de qualquer outra atividade no setor público. Evidentemente, o setor privado é outra coisa. Por outro lado, esse convite também me deu uma oportunidade de fazer na vida pública brasileira tudo aquilo que aprendi dirigindo instituições que tinham presença em diversos países, vendo e analisando países que davam certo e que davam errado, sempre tive uma ansiedade muito grande de poder ajudar o país. O convite do presidente Lula me deu essa oportunidade da forma mais eficaz possível, numa área que era uma das grandes fontes de crises no Brasil. Por isso, não acredito que tenha sido um peso muito grande abandonar planos de construção futura de carreira na área política. Então, estou concentrado aqui no Banco Central, fazendo o meu trabalho. No dia em que eu sair, a legislação me obriga e me garante quatro meses de quarentena (sem poder trabalhar no setor privado). É um tempo suficiente para pensar na vida e decidir o que fazer.

ÉPOCA - Há quem diga que o senhor será candidato em 2010 ao governo de Goiás, ou que pudesse, eventualmente, ser um elo de uma aliança PT-PSDB que já vem sendo gestada em Minas Gerais, por exemplo...
Meirelles - Como eu disse, a minha posição atual não me permite participar de nenhum tipo de articulação nesse sentido.

ÉPOCA - De que forma o senhor pretende entrar para a História?
Meirelles - Como alguém que colaborou para a estabilização da economia brasileira e - mais importante - ainda para o reconhecimento de parte dos brasileiros sobre os benefícios da estabilidade e da racionalidade econômica.

Fonte[/center]

Trancado