Que tal olhar o que há de errado aqui mesmo?

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Que tal olhar o que há de errado aqui mesmo?

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Que tal olhar o que há de errado aqui mesmo?|

07/02/2008
A crise mundial é uma boa oportunidade para o governo se voltar mais para os problemas que são de produção genuinamente nacional--os verdadeiros responsáveis pelo atraso do crescimento do país--e menos para os erros lá de fora

Por J.R. Guzzo


A desordem mundial provocada pelo desastre financeiro no mercado americano de hipotecas pode ser uma excelente oportunidade para o Brasil. A tendência, nessas horas de neurastenia, é sair à procura das desgraças que a economia brasileira pode sofrer com a crise. Provavelmente é muito mais útil, no caso, aproveitar o momento e olhar um pouco mais para o que há de errado com o próprio Brasil e menos para os erros cometidos lá fora. Em primeiro lugar, ninguém sabe, nem por alto, o que vai realmente acontecer lá fora. Quanto ao que pode acontecer aqui dentro, é certo que esse temporal encontra o país em condições de resistência muito melhores do que as que tinha em outras ocasiões; é certo, também, que o Brasil não é uma fortaleza imune aos problemas do mundo mau que existe por aí, como imaginavam os governos militares nas crises econômicas ocorridas em sua época. É o que se pode declarar no momento -- e nada, ou quase nada, a mais. Em segundo lugar, não adianta coisa nenhuma, como fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dizer que "não é possível" que o preço da baderna financeira americana seja pago por países que nada fizeram para provocá-la. É possível, sim -- e, se isso tiver de acontecer, vai acontecer. O que realmente ajudaria na prática, neste momento, seria tomar consciência de um fato essencial: as depredações causadas pela crise do subprime não provocaram nenhum dos problemas imediatos que mais prejudicam o bem-estar dos brasileiros ou atrasam o crescimento do país. Esses problemas são de produção genuinamente nacional -- e em relação a eles, diferentemente do que ocorre em Wall Street, o governo pode agir. Se não age, ou age mal, ou demora demais para agir, a culpa não é de ninguém a não ser dele mesmo.

Eis aí, justamente agora, o caso do PAC, uma demonstração clássica de como funciona a alma do governo em relação às necessidades brasileiras na área de infra-estrutura -- um dos itens mais urgentes no rol de calamidades nacionais à espera de solução. Há poucos dias, com a presença em peso do governo, a ministra Dilma Rousseff, acumulando o papel dos quatro evangelistas, anunciou a boa-nova: o PAC está bombando. Com gráficos, fotos e distribuição de selos verdes, amarelos e vermelhos para indicar obras que estão no prazo ou adiantadas, perigando atrasar ou em atraso, a ministra da Casa Civil deu conta do sucesso do governo em seus esforços para melhorar as coisas. Mais uma vez, porém, o que se teve foi muito vento e pouco pastel. Fala-se, para demonstrar a profunda disposição do governo em resolver de vez a questão da infra-estrutura, nos "18 bilhões de reais" que o Orçamento de 2008 reserva para o PAC. E o que significa, mesmo, essa soma? É menos que o lucro da Petrobras no ano passado, levando-se em conta que nos nove primeiros meses de 2007 a empresa lucrou 16,5 bilhões de reais -- ou o equivalente ao que o governo do estado de São Paulo deve investir neste ano.

Quando se desce às obras, individualmente, a distância entre desejos e realidades não fica menor. Tome-se, por exemplo, a usina de Belo Monte, no rio Xingu. Tudo o que existe de concreto na usina de Belo Monte é o rio Xingu, cujas águas continuam a correr como correm há milhares de anos, indiferentes aos selos da ministra Dilma. Não houve até agora nem a licitação para as obras -- e assim mesmo essa licitação, oficialmente prevista para 2009, foi adiada, de junho para outubro. Ninguém é capaz de garantir quando a obra será realmente iniciada; imagine-se, então, quando será terminada. Nenhum problema: Dilma cravou um belo selo verde na usina de Belo Monte. Dá para entender. Todo mundo que já lidou com marcas coloridas em gráficos de desempenho -- em empresas, clubes ou qualquer outro lugar onde se colocam marcas coloridas em gráficos de desempenho -- sabe a tentação que é carregar a mão no verde. Gráficos são apresentados para a apreciação de chefes, e chefes, sabidamente, não gostam de marcas amarelas ou, Deus nos livre, de marcas vermelhas. Não deu outra. A apresentação foi uma floresta de selos verdes: houve só 2% -- isso mesmo, 2% -- de vermelho, porcentagem de eleição na Albânia comunista.


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