O conflituoso encontro britânico com a lei islâmica

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O ENCOSTO
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O conflituoso encontro britânico com a lei islâmica

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O conflituoso encontro britânico com a lei islâmica
por Daniel Pipes em 26 de fevereiro de 2008

Resumo: As transformações defendidas nas leis e relações familiares na Inglaterra, buscando uma política de apaziguamento em relação ao islã, representam tendências que estão pondo em xeque e talvez mudem a natureza mesma da vida ocidental.

© 2008 MidiaSemMascara.org


Abaixo da superfície enganosamente plácida da vida cotidiana, a população britânica está comprometida com um grave e importante encontro com o Islã. Três acontecimentos no início de fevereiro, cada um deles culminando tendências existentes há anos – e não apenas ocorrências fortuitas – exemplificam as mudanças ora em curso.

No primeiro, o governo do Reino Unido decidiu que o terrorismo praticado por muçulmanos, em nome do Islã, na realidade não é relacionado ao Islã, mas é, até mesmo, anti-islâmico. Essa noção assentou raízes em 2006, quando o Ministério das Relações Exteriores [Foreign Office] britânico, temendo que a expressão “guerra ao terror” pudesse inflamar os muçulmanos britânicos, buscou uma linguagem que sustentasse “valores comuns como um meio de confrontar terroristas”. Por volta do início de 2007, a União Européia publicou um manual reservado que bania as palavras jihad, islâmico e fundamentalista quando em referência ao terrorismo, oferecendo algumas expressões alternativas “não-ofensivas”. No último verão [2007], o primeiro-ministro Gordon Brown proibiu seus ministros de usar a palavra 'muçulmano' em conexão com terrorismo. Em janeiro de 2008, a Ministra do Interior, Jacqui Smith, foi além, ao descrever o terrorismo como verdadeiramente “anti-islâmico”. E na primeira semana de fevereiro, o Ministério do Interior [Home Office] completou a ofuscação e atordoamento ao lançar um livro de expressões que instrui funcionários civis a referirem-se apenas ao extremismo violento e a assassinos criminosos [sic], mas não a extremismo islâmico ou a fundamentalistas-jihadistas.

No segundo acontecimento, e novamente culminando vários anos de evolução, o governo britânico agora reconhece casamentos polígamos. O governo mudou as regras nos Regulamentos de 2003 dos Créditos Tributários (Casamentos Polígamos): anteriormente, somente uma mulher poderia herdar bens, livres de impostos, do marido falecido; a nova legislação permite que múltiplas esposas possam herdar livres de impostos, desde que a o casamento tenha sido contraído onde a poligamia é legal, tal como na Nigéria, Paquistão, ou na Índia. Numa questão correlata, o Departamento para o Trabalho e Pensões começou a emitir pagamentos extras para haréns e benefícios tais como auxílio desemprego, subvenções para moradia e descontos nos impostos locais sobre o valor dos imóveis [NT: algo equivalente a descontos no IPTU, antes limitado a pessoas que viviam sozinhas ou a pessoas com algum tipo de vulnerabilidade]. Na última semana [primeira semana de fevereiro] surgiram notícias de que, após uma reavaliação que durou um ano, quatro departamentos governamentais britânicos (Trabalho e Pensões, Tesouro [Fazenda], Rendas e Alfândega, Ministério do Interior) concluíram que o reconhecimento formal da poligamia é “a melhor opção possível” para o Governo de Sua Majestade.

No terceiro evento, o arcebispo de Canterbury (anglicano), Rowan Williams, endossou a aplicação de partes da lei islâmica (a Shari’a) na Grã-Bretanha. “Adotar seus elementos civis”, explicou o arcebispo Williams, “parece inevitável” porque nem todos os muçulmanos britânicos relacionam-se com o sistema legal existente e a aplicação da Shari’a ajudá-los-ia em sua coesão social. Quando muçulmanos puderem ir a uma corte civil islâmica, não precisarão se ver em face “das rigorosas alternativas entre a lealdade cultural e a lealdade ao país”. E Williams ainda alertou que continuar a insistir no “monopólio legal” do direito consuetudinário britânico traria “algum perigo para o país”.

O primeiro-ministro Brown criticou severa e imediatamente a sugestão de Williams em declaração oficial através de seu gabinete: “A lei da Shari’a não pode ser usada como uma justificativa para cometer violações à lei britânica, nem pode o princípio da lei da Shari’a ser usado numa corte civil... o primeiro-ministro acredita que a lei britânica deva ser a lei aplicada neste país, baseada nos valores britânicos”. As críticas a Williams vieram de todos os lados do espectro político – de Sayeeda Warsi, muçulmano membro do Partido Conservador (Tory) e ministro do gabinete de oposição[1] para ação social e coesão da comunidade; Nick Clegg, líder dos Liberal-Democratas; e Gerald Batten, do Partido da Independência do Reino Unido. Grupos seculares e cristãos opuseram-se a Williams. Da mesma forma agiu Trevor Phillips, chefe da comissão de igualdade. A Igreja Anglicana na Austrália condenou sua proposta, como também o fizeram proeminentes figuras da sua própria igreja, incluindo o seu predecessor, Lord Carey. Melanie Phillips classificou seu raciocínio de “extraordinariamente confuso, absurdo e errado”. O jornal The Sun afirmou em editorial que “É fácil descartar o Arcebispo de Canterbury como um bode velho e tolo. Na verdade, ele é uma perigosa ameaça ao nosso país”. O editorial concluiu de forma acerba: “O Arcebispo de Canterbury está na igreja errada”.


Apesar de amplamente condenado e rejeitado (e correndo o risco de perder o emprego)[2], Williams pode estar certo quanto à inevitabilidade da Shari’a, posto que esta já está se entrincheirando no Ocidente. Um ministro da justiça holandês anunciou que “se dois terços da população holandesa desejassem introduzir a Shari’a amanhã, então a possibilidade deveria existir”. Um juiz alemão recorreu ao Corão num rotineiro caso de divórcio. Um sistema paralelo de tribunais gar somalis[3] já existe na Grã-Bretanha.


Essas transformações sugerem que o apaziguamento britânico concernente à guerra ao terror, à natureza da família e ao império da lei são parte de um padrão mais amplo. Ainda mais do que a ameaça à segurança apresentada pela violência islâmica, essa tendências estão pondo em xeque e talvez mudem a natureza mesma da vida ocidental.




[1] NT: O gabinete de oposição, ou Shadow Cabinet, é um experimentado grupo de porta-vozes da oposição nos sistema Westminster de governo, que juntos, sob a condução do líder da oposição, formam um gabinete alternativo, cujos membros fazem sombra (shadow), acompanhando as ações de cada membro do gabinete do governo. É responsabilidade do gabinete de oposição criticar as ações do governo, mas têm também a responsabilidade de apresentar políticas alternativas.

[2] NT: Desde Henrique VIII, o Arcebispo de Canterbury era nomeado pelo monarca inglês. Atualmente a escolha é feita pelo primeiro-ministro, em nome do Soberano, a partir de uma curta lista de dois nomes selecionados por um comitê ad hoc denominado Comissão de Nomeações da Coroa.

[3] NT: Os tribunais gar são reuniões clandestinas de famílias somalis que operam um sistema de compensações por violências, danos e injúrias sofridos.

Publicado originalmente no Jerusalem Post, em 13/02/2008.
O ENCOSTO


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