Apo escreveu:Depois do controvertido tópico sobre a afirmação de que a Europa é toda Socialista, temos uma nova discussão interessante: a Social-Democracia ( tão debatida aqui ) é defendida e vista pelos afficcionados pelos "deveres" do Estado, como ideal não socialista e de longe comunista, porque o Estado seria "meramente" o mantenedor e fornecedor das "necessidades e serviços básicos" à sociedade, além de tomar para si a "responsabilidade" pela "distribuição de riquezas" através de alguma forma "justa" ( nunca claramente definida ) de "socialização" que tornaria todos "iguais" e, portanto, as desigualdades estariam minimizadas. Isto tudo a grossíssimo modo. Querem prolixar, façam. Mas a clareza ainda é melhor do que ficar deixando coisas no ar, como costuma acontecer nestas discussões e aconteceu no tópico citado no início deste parágrafo. Mesmo assim, com todas as evasivas, parece que ao cabo e ao fim, desistiram de afirmar que a Europa é Socialista, um absurdo de grosso calibre.
Bem, surgiu em outro tópico, outra afirmação estranha. Tal afirmação fere o pouco que já li e estudei , penso eu humildemente falando - me corrijam e me coloquem no prumo caso eu esteja equivocada. Meus estudos na área de economia, política e história são pífios, porque simplesmente nunca me interessaram muito e porque fui relapsa sobre eles durante a minha juventude. Além do que, atraía-me a disciplina de Economia, pois dizia algum respeito à minha atividade profissional, assim mesmo com viés específico: o mercado livre, a livre negociação e o direito absoluto da propriedade privada. Não viés ideológico, viés prático mesmo.
Voltando...diz ipsis literis a afirmação do usuário Samael acerca da Social- Democracia:
" Social-democracia é um tipo de regime pró-capitalismo, criado e endossado pelos socialistas que divergiam dos comunistas e anarquistas ..."
Se foi criado e endossado pelos socialistas, que socialistas foram estes ( envolvidos e presentes nas "internacionais" ? Quem era o nome por trás desta inovação conceitual ? Divergia(m) no quê ? Sua intenção era pró-capitalista? Ou era apenas uma forma de socialismo com uma fachada pseudo-democrática, mas sempre mirando a impregnação socialista e até comunista nas diversas sociedades na época ( coisa que continua sendo vista até hoje, com algumas nuances e adaptações à derrocada e ao fracasso mundial do comunismo como regime e como história ) ?
Senhores...
O problema que existem social-democratas e social democratas. E a generalização fica difícil. Existem partidos social democratas que fizeram um caminho tão para o centro, e até para a direita, que distingui-los dos liberais se tornou difícil. Um exemplo local é Alckmin, o discurso dele, para qualquer atento, era muito mais liberal do que social democrata. Já Serra, no mesmo partido, se aproxima mais dos social democratas. Assim alguns chegam ao ponto de ser pró-capitalistas (ou melhor, neoliberais já que capitalismo os antecede), mas quando chegam lá deveriam mudar de partido, caso do Alckmin, para o DEM que seria mais condizente com o que defende (Não sei se sempre defendeu isso). Mas isso acaba não sendo necessário, pois se formou uma ala liberal dentro do PSDB.
Em essência o que diferencia é a crença na capacidade do livre mercado solucionar os problemas sociais. E até mesmo na aceitação das desigualdades. Os liberais acreditam mais no livre mercado, e como depositam muita responsabilidade no individuo, e não tanto no meio, aceitam mais facilmente desigualdades ( a pobreza passa a ser mais responsabilidade do pobre do que do mercado ou do Estado). Já os social democratas tendem a ser mais céticos em relação à capacidade do mercado em promover justiça social, e embora acreditem que alguma liberdade econômica é importante para geração de riquezas, entendem que ação Estatal, especialmente em áreas fundamentais, tem que ser realizada, para minimizar as assimetrias do mercado. Claro que existem distorções, e tem social democratas querendo inchar o Estado, e mexer e investir em coisas não essenciais, o que eu, por exemplo, discordo.
O caráter "socialista" de boa parte dos países europeus, se encontra em coisas como a socialização da medicina, e da educação (além de políticas sociais outras). Todos têm acesso sem cobrança no local, e todos pagam via impostos. A lógica é se esses serviços fossem pagos, nem todos teriam condições de pagar, garantir universalmente amplia oportunidades a todos, ao garantir universalmente minimiza o espaço de empresas lucrarem com saúde e educação e isso claramente contraria interesses do capital . Ai se encontra o âmago da defesa dos direitos sociais, defesa essa, que mesmo com minhas divergências com a social democracia, compartilho. E por causa dela, se tiver que optar pela versão liberal americana na qual serviços médicos são pagos (E por isso levam 2 milhões por ano a falência) , e universidades boas são todas pagas ( o que leva as famílias de classe média a economizar para pagar durante boa parte da vida adulta) , eu prefiro, logicamente, o modelo adotado na Europa ocidental. Modelo esse muito influenciado pelo trabalhismo inglês, por partidos social democratas, e por outras tendências de esquerda. Mas que contou com liberais, e até conservadores que depois foram persuadidos. Até Thatcher disse "O NHS está são e salvo em nossas mãos" contra a idéia de privatizar saúde.
Estamos falando de gestão do Estado, sistema econômico, e suas influencias, mas vamos falar um pouco de sistema político. Além das divergências citadas, a outra que tenho com a social democracia é sua aceitação da democracia representativa( ai já falando de sistema político), em diversos países, e ter deixado de defender, como socialistas italianos por muito defenderam, a sua ampliação, maior controle social, descentralização o poder. Claro que isso não se deu de forma uniforme, na Itália, por exemplo, ainda há um partido, minoritário, que defende isso. É até compreensível ser minoritário, pois com todas as conquistas sociais, dentro do regime já estabelecido, haver hesitação, e conservadorismo, em alterá-lo.
Muitos aqui pensam que sou social democrata, pq defendo valores democráticos, entre qualquer ditadura, ou governo centralizado, prefiro uma democracia, mesmo que seja a mais liberal que for. E pq defendo os mencionados direitos sociais. Mas isso é apenas a parte mais reconhecível, minha visão é que dentro do contexto capitalista atual, a perspectiva social democrata, é apenas melhor que a liberal (e nem é do liberalismo classico, ou dos liberais do partido Democrata, mas sim dos guros liberais atuais, que em momentos quase defendem o anarco-capitalismo, a ditadura do mercado).
Melhor mesmo seria um regime político mais aberto e descentralizado, acabar com cargos por indicação e reduzir o Estado ao essencial, especialmente a garantia dos direitos sociais. Melhor mesmo seria um regime que os funcionários públicos fossem punidos e recompensados, a partir da avaliação e participação popular, o que regularia e melhoraria os serviços públicos imensamente. Melhor seria, como concordo nisso com Fernando Silva, que todos tivessem o básico (acabando com fome, falta de habitação, acesso a serviços básicos...), e essa garantia estivesse imbuída de um caráter temporário, com condicionais em alguns dos benefícios, como estímulos, para que todos tivessem oportunidade de se desenvolver. Assim como cada um fosse recompensando na medida dos seus esforços e na qualidade do trabalho realizado. Assim todos teriam uma vida digna, com oportunidades se não iguais pelo menos equilibradas , e os que se destacassem seriam recompensados por isso.
Essa é sem dúvida uma visão, resumida, do meu ideal, utópico, e altamente improvável (eu sei e ninguém precisa me dizer como se estivesse contando uma novidade), como qualquer visão de qualquer um aqui do ideal será. Porém saber qual sua visão utópica, em termos de regime político, e sistema econômico, ajuda a perceber as posições de cada um.
Alguns são mais maleáveis e aceitariam governos autoritários se esses trabalhassem para seus interesses. Por isso tanto parte da direita passa mão nas ditaduras da direita, como parte da esquerda passa a mão por cima das ditaduras de esquerda. Outros são mais maleáveis na parte sócio econômica, pois estão dispostos a aceitar sociedades que não garantem direitos fundamentais a todos, colocam o seu interesse acima do bem coletivo. Um exemplo concreto é na saúde, se para todos terem acesso a serviços de saúde, como foi feito na Inglaterra, os que têm mais tiveram que pagar mais em impostos, para que todos tivessem. Acaba beneficiando a todos, pois mesmo uma pessoa de classe média alta, pode ir a falência, nos EUA se tiver que pagar um tratamento caríssimo, o que não acontece na Europa, nem no Canadá, justamente pela socialização.