A Ética Espírita - Parte I

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Acauan
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A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Acauan »

A Ética Espírita – Parte I

Por Acauan


A ética espírita é uma hipotética dinâmica cósmica na qual a providência divina, o livre arbítrio espiritual e o tempo interagem na cadeia de eventos da existência de modo a garantir que todos os espíritos criados igualmente simples e ignorantes evoluam até se tornar, todos, espíritos igualmente puros e perfeitos, quando desfrutarão de uma felicidade suprema e eterna.

Nesta dinâmica cósmica, a providência divina estabelece e sustenta a ordem metafísica, as regras do jogo, como a lei do karma – que determina que os espíritos devam passar por várias encarnações para expiar antigos erros e aprender - e a lei do progresso, segundo a qual os espíritos podem evoluir ou estacionar moralmente, mas nunca regredir.

Seguindo seu livre arbítrio, cada espírito submete-se ou não a esta ordem metafísica, às regras do jogo. Os que se submetem progridem mais rápido que os que não e alcançam em menor tempo a felicidade da perfeição.

O propósito final da dinâmica cósmica é dar à existência um sentido de justiça universal, erigida da igualdade e do mérito, conforme todos os espíritos devam se submeter à mesma ordem metafísica para progredir e alcançar a felicidade da perfeição.

Esta justiça universal resolveria questões em aberto de outras filosofias e teologias morais:

O problema do Mal – por que um Deus bom permite o mal;
A conciliação entre soberania divina e livre arbítrio humano;
As injustiças da vida – por que algumas pessoas nascem condenadas a uma vida de miséria, doença e sofrimento, enquanto outras levam uma existência tranqüila e prazerosa, por que coisas ruins acontecem a pessoas boas, por que pessoas ruins se dão bem no final etc.

Segundo o espiritismo:

Deus permite o mal como decorrência da ignorância primitiva na qual os espíritos foram criados, como pré-requisito para o exercício do livre arbítrio e para estabelecer os méritos individuais dos espíritos que, de livre arbítrio, optam pelo bem.

A soberania divina e o livre arbítrio humano se conciliariam pela vigência da dinâmica cósmica que faz com que o resultado final das decisões individuais tomadas de livre arbítrio seja o encaminhamento de todos os espíritos para a perfeição e felicidade, no tempo justo a cada um.

As injustiças da vida seriam provações necessárias ao aprendizado e evolução do espírito e expiação de faltas passadas. Dentro da dinâmica cósmica as tais deixariam de ser injustas, pois a seqüência de reencarnações tanto pode estabelecer uma igualdade geral entre as existências individuais - quem foi pobre, doente ou sofredor em uma vida pode ser rico, saudável e afortunado em outra e vice-versa, quanto os que porventura passam por mais experiências ruins do que boas poderiam aprender e evoluir mais rápido espiritualmente, reduzindo o tempo requerido para alcançar a felicidade da perfeição.

Muitos adeptos do espiritismo o são por tomar como satisfatórias as proposições acima, vendo nelas explicações melhores para estas questões do que as dadas por outras filosofias ou teologias morais.

Nem sempre esta adesão e satisfação passam pelo crivo de uma análise mais metódica da coerência intrínseca e extrínseca das proposições. No mais das vezes pesa mais o alívio emocional do acreditar ter encontrado as respostas pelas quais se ansiava, do que a certeza racional de tê-las provadas verdadeiras.

Uma análise inicial da dinâmica cósmica que fundamenta a ética espírita demonstra contradições e lacunas, no mínimo tantas e tão sérias quanto às das outras filosofias e teologias morais no que se refere às questões propostas do problema do mal, livre arbítrio e injustiças da vida.

Um primeiro problema é quando o espiritismo associa o mal à ignorância.
Admitida esta associação direta e exclusiva, o espírito ao longo do tempo se afastaria do mal na medida em que aprende e avança na dinâmica cósmica, até livrar-se dele por completo, por conta de ter aprendido o suficiente para tal.

Ora, a ignorância por si só não é boa ou má. É moralmente neutra.

Escolhas morais só se definem quando há consciência delas.
Nas teologias judaica e cristã esta consciência moral é simbolizada pelo fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, antes da tomada do qual o pecado não poderia existir.

O Livro dos Espíritos diz que os espíritos foram criados com igual aptidão, tanto para o bem, quanto para o mal e que os maus o são por vontade própria.

Ocorre que se os espíritos recém criados são plenamente ignorantes das questões morais e dotados de igual aptidão para o bem ou para o mal, diante de uma decisão moral se encontrariam inevitavelmente em um impasse imobilizador.

Não poderiam julgar questões morais a partir do seu próprio conhecimento, limitados que seriam pela tabula rasa de si próprios, e não poderiam reagir intuitiva ou instintivamente, dada a equivalência de aptidões para o bem ou para o mal.

Um espírito com estas características, totalmente ignorante e moralmente neutro seria incapaz de tomar decisões morais.

O Livro dos Espíritos diz que outros espíritos ignorantes são capazes de influenciar os de seu nível ou abaixo para o mal.

Além do já exposto que ignorância não é sinônimo de maldade, fica a questão de quem influenciaria estes espíritos ignorantes que influenciariam os outros.
Não há como resolver o problema sem uma regressão infinita, incompatível com a dinâmica cósmica que parte do princípio que os espíritos são criados.

Outra contradição pode ser identificada no conceito de hierarquia moral que os espíritos estabeleceriam entre si conforme progridem na dinâmica cósmica.

O Livro dos Espíritos descreve esta hierarquia em três ordens e dez classes, com ressalvas quanto a esta divisão não ser absoluta.
Na base estariam os espíritos impuros da décima classe, com o status moral análogo ao dos demônios, e no topo os espíritos puros e perfeitos de primeira ordem e primeira classe.

A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.

Porém a descrição feita dos espíritos de décima ordem fala de seres inclinados ao mal, aos vícios, às paixões degradantes, que fazem o mal por prazer e ódio ao bem.
É claro que tais seres estão moralmente muito abaixo do que se poderia chamar de espíritos simples e ignorantes, igualmente aptos para o bem ou para o mal.

Assim, ou alguns espíritos recém criados que deveriam ser moralmente neutros em sua ignorância primitiva degeneram para uma condição moral análoga à demoníaca, violando a lei do progresso, ou os espíritos humanos são criados na condição moral análoga à demoníaca, violando o princípio de ser na origem simples e ignorantes.

Além disto, se todos os espíritos são criados iguais e se os de décima ordem são inclinados ao mal, de onde vem esta inclinação?
Não se pode dizer que do livre arbítrio, pois se todos os espíritos são criados igualmente ignorantes e com iguais aptidões morais seria de se esperar que seu uso do livre arbítrio apresentasse as mesmas inclinações.
A explicação da influência de outros espíritos inferiores também pode ser descartada como exposto acima, dado requerer uma regressão infinita para se sustentar.

Qual seria então o fator diferenciador que levaria alguns espíritos originalmente ignorantes e aptos tanto para o bem quanto para o mal a inclinar seu livre arbítrio para o mal, com a intensidade perversa relatada na descrição dos espíritos de décima classe, enquanto outros criados na mesma condição não o fazem.

Uma explicação possível seria que estes espíritos possuíssem vocação inata para o mal, teriam sido criados com ela, o que contraria o princípio da igualdade original na criação e derruba um dos pilares da justiça universal da dinâmica cósmica espírita que é justamente a igualdade geral das existências individuais, uma vez que alguns espíritos já seriam na origem melhores do que outros.

Outra é que esta queda para o mal é feita de modo completamente aleatório, com o espírito optando por este caminho a partir de decisões tomadas na cegueira de sua ignorância moral primitiva, o que implicaria que o acaso interfere na evolução dos espíritos, o que também contraria a dinâmica cósmica, como definida.


Complementado e revisado em 08/03/2008 às 13h00min
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NadaSei
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por NadaSei »

Acauan escreveu:.
Continua.


Acho.


Continue, está MUITO interessante.
Uma vez que o ceticismo adequadamente se refere à dúvida ao invés da negação - descrédito ao invés de crença - críticos que assumem uma posição negativa ao invés de uma posição agnóstica ou neutra, mas ainda assim se auto-intitulam "céticos" são, na verdade, "pseudo-céticos".

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chagas
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por chagas »

Muito bom velho índio!
Mostrei a sua explanação inicial a um amigo espírita, e ele me disse que se foi escrito por um ateu, "muito sábio seria este sujeito". E tinha toda razão ele.
Parece-me que existem apenas algumas ressalvas quanto ao seu raciocínio, nesta questão "ignorância" e maldade como reflexo.
Vou pedir melhores explicações para ele.
Parabéns pelo texto.

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Acauan
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Acauan »

NadaSei escreveu:
Acauan escreveu:.
Continua.


Acho.


Continue, está MUITO interessante.


Obrigado.

Conlui a primeira parte.
Nós, Índios.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Acauan »

chagas escreveu:Muito bom velho índio!
Mostrei a sua explanação inicial a um amigo espírita, e ele me disse que se foi escrito por um ateu, "muito sábio seria este sujeito". E tinha toda razão ele.
Parece-me que existem apenas algumas ressalvas quanto ao seu raciocínio, nesta questão "ignorância" e maldade como reflexo.
Vou pedir melhores explicações para ele.
Parabéns pelo texto.


Obrigado Chagas.

Conclui a primeira parte.

Seus comentários e de seu amigo são benvindos.

Abraços

Acauan
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cyrix
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por cyrix »

Acauan escreveu:Obrigado.

Conlui a primeira parte.


Mas já? :emoticon8:
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Res Cogitans
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Res Cogitans »

Acauan escreveu:[b]A Ética Espírita – Parte I
O Livro dos Espíritos diz que os espíritos foram criados com igual aptidão, tanto para o bem, quanto para o mal e que os maus o são por vontade própria.

Ocorre que se os espíritos recém criados são plenamente ignorantes das questões morais e dotados de igual aptidão para o bem ou para o mal, diante de uma decisão moral se encontrariam inevitavelmente em um impasse imobilizador.

Não poderiam julgar questões morais a partir do seu próprio conhecimento, limitados que seriam pela tabula rasa de si próprios, e não poderiam reagir intuitiva ou instintivamente, dada a equivalência de aptidões para o bem ou para o mal.

Um espírito com estas características, totalmente ignorante e moralmente neutro seria incapaz de tomar decisões morais.



Exato! Eu cheguei a conclusão similar há alguns anos, inclusive postei no RV na época:

115. Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus?
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais depressa à meta que lhes foi assinada. Outros só a suportam murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.”

– Se nada distingue em essência um espírito de outro também recém-criado, não se justifica que ajam diferentemente. Dizer que é por causa do livre-arbítrio não ajuda muito. Se tal livre-arbítrio existe, é baseado na essência do indivíduo. Se este tem inclinações para um comportamento X em sua essência, suas decisões tenderão para X. Com efeito, se o espírito quando criado não se diferencia de outro no mesmo estado, é estranho que tomem decisões diferentes. A saída para este problema seria dizer que os espíritos não são criados exatamente iguais, mas deste modo não haveria outro responsável para estas diferenças de inclinações, tanto pra o bem quanto para o mal, senão o próprio criador do espírito, neste caso: Deus.

121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”

– É o que foi discutido na p 115. o livre-arbítrio é baseado na essência, se os espíritos são criados iguais, tem as mesmas inclinações. As tomadas de decisões diferenciadas só se justificariam se fossem aleatórias, ou se as essências não fossem iguais.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

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Fernando Silva
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fernando Silva »

Acauan escreveu:A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.

Acho que isto é o argumento central.

O outro ponto importante é o conceito de que um espírito, criado sem conhecer o bem e o mal, pode decidir fazer o mal.
Pode até decidir, mas não pode ser culpado por isto nem ser obrigado a sofrer as consequências, já que não sabia o que fazia.

Equivale a expulsar de casa uma criança que comete um erro. Já seria injusto mesmo se ela tivesse sido avisada, pois sua compreensão é limitada, e totalmente injusto se ela não soubesse que era errado.

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Botanico
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Botanico »

Acauan escreveu:A Ética Espírita – Parte I

Por Acauan


A ética espírita é uma hipotética dinâmica cósmica na qual a providência divina, o livre arbítrio espiritual e o tempo interagem na cadeia de eventos da existência de modo a garantir que todos os espíritos criados igualmente simples e ignorantes evoluam até se tornar, todos, espíritos igualmente puros e perfeitos, quando desfrutarão de uma felicidade suprema e eterna.

Nesta dinâmica cósmica, a providência divina estabelece e sustenta a ordem metafísica, as regras do jogo, como a lei do karma – que determina que os espíritos devam passar por várias encarnações para expiar antigos erros e aprender - e a lei do progresso, segundo a qual os espíritos podem evoluir ou estacionar moralmente, mas nunca regredir.

Seguindo seu livre arbítrio, cada espírito submete-se ou não a esta ordem metafísica, às regras do jogo. Os que se submetem progridem mais rápido que os que não e alcançam em menor tempo a felicidade da perfeição.

O propósito final da dinâmica cósmica é dar à existência um sentido de justiça universal, erigida da igualdade e do mérito, conforme todos os espíritos devam se submeter à mesma ordem metafísica para progredir e alcançar a felicidade da perfeição.

Esta justiça universal resolveria questões em aberto de outras filosofias e teologias morais:

O problema do Mal – por que um Deus bom permite o mal;
A conciliação entre soberania divina e livre arbítrio humano;
As injustiças da vida – por que algumas pessoas nascem condenadas a uma vida de miséria, doença e sofrimento, enquanto outras levam uma existência tranqüila e prazerosa, por que coisas ruins acontecem a pessoas boas, por que pessoas ruins se dão bem no final etc.

Segundo o espiritismo:

Deus permite o mal como decorrência da ignorância primitiva na qual os espíritos foram criados, como pré-requisito para o exercício do livre arbítrio e para estabelecer os méritos individuais dos espíritos que, de livre arbítrio, optam pelo bem.

A soberania divina e o livre arbítrio humano se conciliariam pela vigência da dinâmica cósmica que faz com que o resultado final das decisões individuais tomadas de livre arbítrio seja o encaminhamento de todos os espíritos para a perfeição e felicidade, no tempo justo a cada um.

As injustiças da vida seriam provações necessárias ao aprendizado e evolução do espírito e expiação de faltas passadas. Dentro da dinâmica cósmica as tais deixariam de ser injustas, pois a seqüência de reencarnações tanto pode estabelecer uma igualdade geral entre as existências individuais - quem foi pobre, doente ou sofredor em uma vida pode ser rico, saudável e afortunado em outra e vice-versa, quanto os que porventura passam por mais experiências ruins do que boas poderiam aprender e evoluir mais rápido espiritualmente, reduzindo o tempo requerido para alcançar a felicidade da perfeição.

Muitos adeptos do espiritismo o são por tomar como satisfatórias as proposições acima, vendo nelas explicações melhores para estas questões do que as dadas por outras filosofias ou teologias morais.

Nem sempre esta adesão e satisfação passam pelo crivo de uma análise mais metódica da coerência intrínseca e extrínseca das proposições. No mais das vezes pesa mais o alívio emocional do acreditar ter encontrado as respostas pelas quais se ansiava, do que a certeza racional de tê-las provadas verdadeiras.

Uma análise inicial da dinâmica cósmica que fundamenta a ética espírita demonstra contradições e lacunas, no mínimo tantas e tão sérias quanto às das outras filosofias e teologias morais no que se refere às questões propostas do problema do mal, livre arbítrio e injustiças da vida.

Bem, Acauan
As questões envolvendo as dores humanas têm embaraçado os filósofos e confundido as religiões. Não pretendemos tê-las resolvido plenamente, mas nós espíritas entendemos que a melhor luz sobre elas, senão a única, veio do Espiritismo. As demais filosofias e teologias a respeito não raro nos trazem propostas que ao menos para mim são de lastimável pobreza e impossível aceitação.


Acauan escreveu:Um primeiro problema é quando o espiritismo associa o mal à ignorância.
Admitida esta associação direta e exclusiva, o espírito ao longo do tempo se afastaria do mal na medida em que aprende e avança na dinâmica cósmica, até livrar-se dele por completo, por conta de ter aprendido o suficiente para tal.

Ora, a ignorância por si só não é boa ou má. É moralmente neutra.

Escolhas morais só se definem quando há consciência delas.
Nas teologias judaica e cristã esta consciência moral é simbolizada pelo fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, antes da tomada do qual o pecado não poderia existir.

O Livro dos Espíritos diz que os espíritos foram criados com igual aptidão, tanto para o bem, quanto para o mal e que os maus o são por vontade própria.

Ocorre que se os espíritos recém criados são plenamente ignorantes das questões morais e dotados de igual aptidão para o bem ou para o mal, diante de uma decisão moral se encontrariam inevitavelmente em um impasse imobilizador.

Não poderiam julgar questões morais a partir do seu próprio conhecimento, limitados que seriam pela tabula rasa de si próprios, e não poderiam reagir intuitiva ou instintivamente, dada a equivalência de aptidões para o bem ou para o mal.

Um espírito com estas características, totalmente ignorante e moralmente neutro seria incapaz de tomar decisões morais.

Na primeira edição do LE, Kardec não sabia o que fazer com os animais dentro deste processo, até que então, pelas lições recebidas e convencido afinal, entendeu que eles estão inclusos nele. Os espíritos são criados na forma de PRINCÍPIO INTELIGENTE, que como está dito, NÃO TEM CONSCIÊNCIA DE SUA EXISTÊNCIA E É SIMPLES E IGNORANTE. Portanto nesta fase ele NÃO É UM ESPÍRITO AINDA. A ignorância é uma PÁGINA EM BRANCO. Não podemos dizer que é imperfeita (como seria talvez uma página com dizeres ou figuras exaltando o racismo, o crime, a bandalheira) e também não é perfeita (como seria uma página com dizeres exaltando a igualdade, o amor, a caridade, etc). Ela é uma coisa VAZIA, NEUTRA, à espera de ser preenchida.

Pois bem, esse PRINCÍPIO INTELIGENTE através do processo de EXPERIMENTAÇÃO da matéria começará a adquirir o conhecimento. Durante essa fase, ele encarnará em corpos animais, primeiro nos mais simples, sendentários, cujas reações são reflexas, permitindo ao princípio assistir, sem tanto ter de intervir. Posteriormente começa a encarnar em corpos animais mais ativos, que podem "tomar decisões", umas mais governadas por instinto, outras menos. E assim ele vai acumulando essas experiências, passando por mundos primitivos e por fim, chegando a mundos mais evoluídos, mas sempre ainda na condição animal.

Ao final desse processo, é feita uma somatória das experimentações e ele então adquire consciência própria. É nesse momento que ele se torna ESPÍRITO. Nessa condição ele retorna aos mundos primitivos, porém não mais encarnará como animal e sim como HUMANO. Não tem ainda a consciência do bem e do mal e sim apenas a questão de que deve sobreviver. A vida social começa a dar margem a escolhas morais, cuja moral é claro está subordinada ao nível de sua condição de primitividade. Assim, se amassar o crânio de um desafeto o faz ser mais respeitado pelos outros membros do bando, então sua moral lhe dirá que será mais respeitado ainda quanto maior for o número de crânios que ele amassar.

Muito que bem, se no decorrer desse processo, acabar por perceber que pode ser ainda respeitado, sem precisar matar ninguém, e resolver optar pelos novos processos, então estará seguindo o caminho do Bem. Se ao contrário, persistir na prática, então seguirá o caminho do Mal. O fato de adquirir conhecimentos não implica, portanto, que necessariamente progridirá moralmente na mesma medida, portanto. Aí então temos as tais classes de Espíritos Imperfeitos.

Acauan escreveu:O Livro dos Espíritos diz que outros espíritos ignorantes são capazes de influenciar os de seu nível ou abaixo para o mal.

Além do já exposto que ignorância não é sinônimo de maldade, fica a questão de quem influenciaria estes espíritos ignorantes que influenciariam os outros.
Não há como resolver o problema sem uma regressão infinita, incompatível com a dinâmica cósmica que parte do princípio que os espíritos são criados.

"Sabemos" pela ciência que o nosso universo iniciou-se há 13 bi de anos (até a próxima correção...). Mas será esse o único universo que existe? E antes dele o que havia? Não temos uma resposta definitiva para isso, mas quem tem?

Acauan escreveu:Outra contradição pode ser identificada no conceito de hierarquia moral que os espíritos estabeleceriam entre si conforme progridem na dinâmica cósmica.

O Livro dos Espíritos descreve esta hierarquia em três ordens e dez classes, com ressalvas quanto a esta divisão não ser absoluta.
Na base estariam os espíritos impuros da décima classe, com o status moral análogo ao dos demônios, e no topo os espíritos puros e perfeitos de primeira ordem e primeira classe.

A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.

Porém a descrição feita dos espíritos de décima ordem fala de seres inclinados ao mal, aos vícios, às paixões degradantes, que fazem o mal por prazer e ódio ao bem.
É claro que tais seres estão moralmente muito abaixo do que se poderia chamar de espíritos simples e ignorantes, igualmente aptos para o bem ou para o mal.

Mas Acauan, o simples e ignorante É O PONTO ZERO. Não podemos dizer que é imperfeito, mas também não podemos dizer que é perfeito ou melhor do que os espíritos impuros ou de qualquer outra categoria inferior. Zero é zero e a sua questão de achar que o zero é melhor do que o ruim é uma opinião sua, e não sei exatamente no que se baseia.

Acauan escreveu:Assim, ou alguns espíritos recém criados que deveriam ser moralmente neutros em sua ignorância primitiva degeneram para uma condição moral análoga à demoníaca, violando a lei do progresso, ou os espíritos humanos são criados na condição moral análoga à demoníaca, violando o princípio de ser na origem simples e ignorantes.

Nem uma coisa, nem outra, conforme expus acima.

Acauan escreveu:[color=yellow]Além disto, se todos os espíritos são criados iguais e se os de décima ordem são inclinados ao mal, de onde vem esta inclinação?
Não se pode dizer que do livre arbítrio, pois se todos os espíritos são criados igualmente ignorantes e com iguais aptidões morais seria de se esperar que seu uso do livre arbítrio apresentasse as mesmas inclinações.
A explicação da influência de outros espíritos inferiores também pode ser descartada como exposto acima, dado requerer uma regressão infinita para se sustentar.

Qual seria então o fator diferenciador que levaria alguns espíritos originalmente ignorantes e aptos tanto para o bem quanto para o mal a inclinar seu livre arbítrio para o mal, com a intensidade perversa relatada na descrição dos espíritos de décima classe, enquanto outros criados na mesma condição não o fazem.

Uma explicação possível seria que estes espíritos possuíssem vocação inata para o mal, teriam sido criados com ela, o que contraria o princípio da igualdade original na criação e derruba um dos pilares da justiça universal da dinâmica cósmica espírita que é justamente a igualdade geral das existências individuais, uma vez que alguns espíritos já seriam na origem melhores do que outros.

Outra é que esta queda para o mal é feita de modo completamente aleatório, com o espírito optando por este caminho a partir de decisões tomadas na cegueira de sua ignorância moral primitiva, o que implicaria que o acaso interfere na evolução dos espíritos, o que também contraria a dinâmica cósmica, como definida.


Complementado e revisado em 08/03/2008 às 13h00min

Acho que já expliquei, então não vou repetir.

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Res Cogitans
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Res Cogitans »

Botânico escreveu:Mas Acauan, o simples e ignorante É O PONTO ZERO. Não podemos dizer que é imperfeito, mas também não podemos dizer que é perfeito ou melhor do que os espíritos impuros ou de qualquer outra categoria inferior. Zero é zero e a sua questão de achar que o zero é melhor do que o ruim é uma opinião sua, e não sei exatamente no que se baseia.


Ter uma conta com saldo negativo é pior que com saldo zero :emoticon19:

Agora quanto a questão... eu não sei como explicar de maneira mais básica do que já foi explicado pelo próprio Acauan. Então...hierarquize as situações abaixo:

Seu filho tem inclinação maior para fazer coisas boas.
Seu filho tem a mesma inclinação para fazer tanto coisas boas quanto ruins.
Seu filho tem inclinação maior para fazer coisas ruins.
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

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Fedidovisk
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fedidovisk »

Uma cisma minha com o espiritismo é muito simples e tem a ver com essa "ética".

Se analisada a nossa situação terrestre como um todo, todos fazemos parte de um mesmo processo, e portanto todos somos tão culpados ou inocentes quanto o outro, ou seja, embora aparentemete sentimo-nos tentado à reduzir a culpa do assassinato no assassino, somos todos indiretamente responsáveis por esse ato, ele só se reduz grosseiramente na cena em flagrante, mas para isso houve todo um processo.

Por isso chamo-a de arbitrária. :emoticon33:

Fora o evangelho e a bíblia... Os espíritas desconsideram o velho testamento, mas a todo momento usam-no como forma de sustentar a DE ( O caso de Elias por exemplo) e citações... quanto ao evangelho, ora bolas, é retirado só o que é conveniente dos evangelhos.

Tipo, eu estava escrevendo um texto semelhante ao do Acauan, lógico, não tão bem escrito, mas com os mesmos tópicos... mas aí fui postar e a porra do forum deu erro...

Ahhhhh... fica então essa pequena questão.

Mas eu ainda vou escrever algo bem detalhado, me aguarde Botânico... será algo irrefutável... :emoticon12:

Frequento Centros sempre que posso e estudo os 5 livros de Kardec, embora digam que é necessário em um estudo formal, em média 4 anos para terminar.

Não fosse Chico Xavier, não perderia meu tempo com isso....

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Fedidovisk
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fedidovisk »


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Deise Garcia
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Deise Garcia »

[quote="Acauan"]A Ética Espírita – Parte I

Por Acauan


A ética espírita é uma hipotética dinâmica cósmica na qual a providência divina, o livre arbítrio espiritual e o tempo interagem na cadeia de eventos da existência de modo a garantir que todos os espíritos criados igualmente simples e ignorantes evoluam até se tornar, todos, espíritos igualmente puros e perfeitos, quando desfrutarão de uma felicidade suprema e eterna.


A ética espírita também diz que a felicidade suprema está diretamente relacionada aos irmãos que não evoluiram. Por essa razão, espíritos que já alcançaram um grau de evolução maior, tem como missão reencarnar entre nós para estabelecer cada vez mais o bem como parte de uma evolução infinita.

Nesta dinâmica cósmica, a providência divina estabelece e sustenta a ordem metafísica, as regras do jogo, como a lei do karma – que determina que os espíritos devam passar por várias encarnações para expiar antigos erros e aprender - e a lei do progresso, segundo a qual os espíritos podem evoluir ou estacionar moralmente, mas nunca regredir.

Seguindo seu livre arbítrio, cada espírito submete-se ou não a esta ordem metafísica, às regras do jogo. Os que se submetem progridem mais rápido que os que não e alcançam em menor tempo a felicidade da perfeição.


Nem sempre! Alguns se submetem e falham!

O propósito final da dinâmica cósmica é dar à existência um sentido de justiça universal, erigida da igualdade e do mérito, conforme todos os espíritos devam se submeter à mesma ordem metafísica para progredir e alcançar a felicidade da perfeição.

Esta justiça universal resolveria questões em aberto de outras filosofias e teologias morais:

O problema do Mal – por que um Deus bom permite o mal;
A conciliação entre soberania divina e livre arbítrio humano;
As injustiças da vida – por que algumas pessoas nascem condenadas a uma vida de miséria, doença e sofrimento, enquanto outras levam uma existência tranqüila e prazerosa, por que coisas ruins acontecem a pessoas boas, por que pessoas ruins se dão bem no final etc.

Segundo o espiritismo:

Deus permite o mal como decorrência da ignorância primitiva na qual os espíritos foram criados, como pré-requisito para o exercício do livre arbítrio e para estabelecer os méritos individuais dos espíritos que, de livre arbítrio, optam pelo bem.


Deus não permite o mal! O mal faz parte da imperfeição humana. Não é por outra razão que cada um expia seus atos na medida em que infringe Suas leis.

A soberania divina e o livre arbítrio humano se conciliariam pela vigência da dinâmica cósmica que faz com que o resultado final das decisões individuais tomadas de livre arbítrio seja o encaminhamento de todos os espíritos para a perfeição e felicidade, no tempo justo a cada um.

As injustiças da vida seriam provações necessárias ao aprendizado e evolução do espírito e expiação de faltas passadas. Dentro da dinâmica cósmica as tais deixariam de ser injustas, pois a seqüência de reencarnações tanto pode estabelecer uma igualdade geral entre as existências individuais - quem foi pobre, doente ou sofredor em uma vida pode ser rico, saudável e afortunado em outra e vice-versa, quanto os que porventura passam por mais experiências ruins do que boas poderiam aprender e evoluir mais rápido espiritualmente, reduzindo o tempo requerido para alcançar a felicidade da perfeição.

Muitos adeptos do espiritismo o são por tomar como satisfatórias as proposições acima, vendo nelas explicações melhores para estas questões do que as dadas por outras filosofias ou teologias morais.


Muitos, sim! A maioria, não! Você precisa conhecer caso a caso. Temos até aqueles que vão por mera curiosidade. Eu mesma já fiz entrevista com vários deles.

[cor=yellow]Nem sempre esta adesão e satisfação passam pelo crivo de uma análise mais metódica da coerência intrínseca e extrínseca das proposições. No mais das vezes pesa mais o alívio emocional do acreditar ter encontrado as respostas pelas quais se ansiava, do que a certeza racional de tê-las provadas verdadeiras.

Uma análise inicial da dinâmica cósmica que fundamenta a ética espírita demonstra contradições e lacunas, no mínimo tantas e tão sérias quanto às das outras filosofias e teologias morais no que se refere às questões propostas do problema do mal, livre arbítrio e injustiças da vida.[/color]

Assim é a quem lhe parece. Mas devemos notar que o espiritismo é uma das religiões, se não a única, onde seus adeptos tem maior nível escolar. É bem verdade que existe grande diferença entre escolaridade e nível cultural. Mas não é menos verdade que a falta de cultura deve-se ao baixo nível de escolaridade.

Um primeiro problema é quando o espiritismo associa o mal à ignorância.
Admitida esta associação direta e exclusiva, o espírito ao longo do tempo se afastaria do mal na medida em que aprende e avança na dinâmica cósmica, até livrar-se dele por completo, por conta de ter aprendido o suficiente para tal.

Ora, a ignorância por si só não é boa ou má. É moralmente neutra.


A ignorância, segundo a DE, não é neutra. Ela é o Marco Zero.

[cor=yellow]Escolhas morais só se definem quando há consciência delas.
Nas teologias judaica e cristã esta consciência moral é simbolizada pelo fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, antes da tomada do qual o pecado não poderia existir.[/color]

O espiritismo não tem e não discute teologia. Percebe a diferença entre uma doutrina clara e outras repletas de interrogações?

O Livro dos Espíritos diz que os espíritos foram criados com igual aptidão, tanto para o bem, quanto para o mal e que os maus o são por vontade própria.

Ocorre que se os espíritos recém criados são plenamente ignorantes das questões morais e dotados de igual aptidão para o bem ou para o mal, diante de uma decisão moral se encontrariam inevitavelmente em um impasse imobilizador.

Não poderiam julgar questões morais a partir do seu próprio conhecimento, limitados que seriam pela tabula rasa de si próprios, e não poderiam reagir intuitiva ou instintivamente, dada a equivalência de aptidões para o bem ou para o mal.

Um espírito com estas características, totalmente ignorante e moralmente neutro seria incapaz de tomar decisões morais.


Efetivamente eles não podem julgar. Por essa razão a quitação do carma é proporcional ao seu estado evolutivo.

O Livro dos Espíritos diz que outros espíritos ignorantes são capazes de influenciar os de seu nível ou abaixo para o mal.

Além do já exposto que ignorância não é sinônimo de maldade, fica a questão de quem influenciaria estes espíritos ignorantes que influenciariam os outros.
Não há como resolver o problema sem uma regressão infinita, incompatível com a dinâmica cósmica que parte do princípio que os espíritos são criados.


Já respondido. Este parecer não tem a concordância espírita, tanto quanto as demais explanações.

Outra contradição pode ser identificada no conceito de hierarquia moral que os espíritos estabeleceriam entre si conforme progridem na dinâmica cósmica.

O Livro dos Espíritos descreve esta hierarquia em três ordens e dez classes, com ressalvas quanto a esta divisão não ser absoluta.
Na base estariam os espíritos impuros da décima classe, com o status moral análogo ao dos demônios, e no topo os espíritos puros e perfeitos de primeira ordem e primeira classe.

A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.

Porém a descrição feita dos espíritos de décima ordem fala de seres inclinados ao mal, aos vícios, às paixões degradantes, que fazem o mal por prazer e ódio ao bem.
É claro que tais seres estão moralmente muito abaixo do que se poderia chamar de espíritos simples e ignorantes, igualmente aptos para o bem ou para o mal.

Assim, ou alguns espíritos recém criados que deveriam ser moralmente neutros em sua ignorância primitiva degeneram para uma condição moral análoga à demoníaca, violando a lei do progresso, ou os espíritos humanos são criados na condição moral análoga à demoníaca, violando o princípio de ser na origem simples e ignorantes.

Além disto, se todos os espíritos são criados iguais e se os de décima ordem são inclinados ao mal, de onde vem esta inclinação?
Não se pode dizer que do livre arbítrio, pois se todos os espíritos são criados igualmente ignorantes e com iguais aptidões morais seria de se esperar que seu uso do livre arbítrio apresentasse as mesmas inclinações.
A explicação da influência de outros espíritos inferiores também pode ser descartada como exposto acima, dado requerer uma regressão infinita para se sustentar.

Qual seria então o fator diferenciador que levaria alguns espíritos originalmente ignorantes e aptos tanto para o bem quanto para o mal a inclinar seu livre arbítrio para o mal, com a intensidade perversa relatada na descrição dos espíritos de décima classe, enquanto outros criados na mesma condição não o fazem.

Uma explicação possível seria que estes espíritos possuíssem vocação inata para o mal, teriam sido criados com ela, o que contraria o princípio da igualdade original na criação e derruba um dos pilares da justiça universal da dinâmica cósmica espírita que é justamente a igualdade geral das existências individuais, uma vez que alguns espíritos já seriam na origem melhores do que outros.

Outra é que esta queda para o mal é feita de modo completamente aleatório, com o espírito optando por este caminho a partir de decisões tomadas na cegueira de sua ignorância moral primitiva, o que implicaria que o acaso interfere na evolução dos espíritos, o que também contraria a dinâmica cósmica, como definida.


Os espíritos não disseram que Deus cria seres imperfeitos. Eles seguem a lei natural da evolução. No princípio da "carreira humana" são atrasados, muitos dos seus erros provém desse atraso. Se isso significa imperfeição congênita, a culpa é da natureza ... ou do Adão, e não da DE. Os adversários da DE nem sempre foram muito ponderados.
Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.

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NadaSei
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por NadaSei »

Fernando Silva escreveu:
Acauan escreveu:A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.

Acho que isto é o argumento central.

O outro ponto importante é o conceito de que um espírito, criado sem conhecer o bem e o mal, pode decidir fazer o mal.
Pode até decidir, mas não pode ser culpado por isto nem ser obrigado a sofrer as consequências, já que não sabia o que fazia.

Equivale a expulsar de casa uma criança que comete um erro. Já seria injusto mesmo se ela tivesse sido avisada, pois sua compreensão é limitada, e totalmente injusto se ela não soubesse que era errado.

Creio que sua comparação segue o caminho mais lógico para a questão.
A ignorância ou falta de conhecimento, leva a comparação com a criança.

Eu diria que o caminho é esse, observar o que chamamos de "maldade" como fruto da ignorância e, como crianças, erramos e somos obrigados arcar com as consequências desses erros.
Uma vez que o ceticismo adequadamente se refere à dúvida ao invés da negação - descrédito ao invés de crença - críticos que assumem uma posição negativa ao invés de uma posição agnóstica ou neutra, mas ainda assim se auto-intitulam "céticos" são, na verdade, "pseudo-céticos".

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NadaSei
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por NadaSei »

Botanico escreveu:Bem, Acauan
As questões envolvendo as dores humanas têm embaraçado os filósofos e confundido as religiões. Não pretendemos tê-las resolvido plenamente, mas nós espíritas entendemos que a melhor luz sobre elas, senão a única, veio do Espiritismo. As demais filosofias e teologias a respeito não raro nos trazem propostas que ao menos para mim são de lastimável pobreza e impossível aceitação.

Agora eu tenho que discordar de você Bôtanico.
As religiões orientais falam muito sobre essa questão e sobre o karma .

O conceito de carma que vejo em muitos espíritas, parece distorcer os significados de karma mais fundamentais dessas religiões.
Vejo muitos espíritas falando sobre acumular carma ruim, carma bom, punição e recompensa através do carma, etc...

O karma é essencialmente ação apegada e, toda ação apegada, seja boa ou ruim, gera karma.
O karma é sempre ruim, mesmo o karma fruto de uma boa ação, pois ele não é "recompensa" por um bom ato, nem o karma "ruim" é punição por um ruim.
Estar sujeito ao karma significa estar sujeito as ações e reações suas, dos outros e do mundo fenomenico, estar sujeito a reações não exatamente livres que nos levam a situações que muitas vezes não queremos ou não são as melhores pra nós, mesmo que algumas possam ser agradáveis.

O karma é grande parte da questão, pois trata que chamamos de "eu", apontado nessas religiões como o fruto de nossas dores.
A solução do problema é mais lógica e acertada no hinduismo, budismo e taoismo, apesar das três terem abordagens que diferem entre si em alguns pontos.
Basicamente diria que cada uma dessas religiões acerta mais em um ponto, mas todas diferem bastante do espiritismo, ao menos do que foi postado até agora e entre si, as três seguem mais ou menos a mesma linha lógica, que trata do "eu", da ação apegada, da ignorância e do karma.
Uma vez que o ceticismo adequadamente se refere à dúvida ao invés da negação - descrédito ao invés de crença - críticos que assumem uma posição negativa ao invés de uma posição agnóstica ou neutra, mas ainda assim se auto-intitulam "céticos" são, na verdade, "pseudo-céticos".

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Fernando Silva
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fernando Silva »

Botanico escreveu:Zero é zero e a sua questão de achar que o zero é melhor do que o ruim é uma opinião sua, e não sei exatamente no que se baseia.

E eu não vejo como alguém que nunca fez nada de bom nem de ruim possa ser pior que alguém que já fez coisas ruins.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fernando Silva »

Deise Garcia escreveu:Deus não permite o mal! O mal faz parte da imperfeição humana. Não é por outra razão que cada um expia seus atos na medida em que infringe Suas leis.

Deus criou tudo, portanto criou a imperfeição humana e o mal.
Deise Garcia escreveu:Efetivamente eles não podem julgar. Por essa razão a quitação do carma é proporcional ao seu estado evolutivo.

Não há carma a quitar num espírito recém-criado.
Deise Garcia escreveu:Os espíritos não disseram que Deus cria seres imperfeitos. Eles seguem a lei natural da evolução. No princípio da "carreira humana" são atrasados, muitos dos seus erros provém desse atraso. Se isso significa imperfeição congênita, a culpa é da natureza ... ou do Adão, e não da DE. Os adversários da DE nem sempre foram muito ponderados.

Se os espíritos erram devido a seu atraso e a terem sido criados imperfeitos, a culpa não é deles e não há carma a pagar.
Se a natureza é imperfeita, a culpa é de Deus que a criou.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fernando Silva »

NadaSei escreveu:
Fernando Silva escreveu:Equivale a expulsar de casa uma criança que comete um erro. Já seria injusto mesmo se ela tivesse sido avisada, pois sua compreensão é limitada, e totalmente injusto se ela não soubesse que era errado.

Creio que sua comparação segue o caminho mais lógico para a questão.
A ignorância ou falta de conhecimento, leva a comparação com a criança.

Eu diria que o caminho é esse, observar o que chamamos de "maldade" como fruto da ignorância e, como crianças, erramos e somos obrigados arcar com as consequências desses erros.

A diferença é que uma criança tem que pagar pelos seus erros dentro da realidade humana, que é limitada, mas Deus poderia ter criado um mundo sem esses limites. Ele nos impôs essa realidade e não pode nos cobrar pelas consequências de vivermos nela.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por ade »

Deise Garcia escreveu:Deus não permite o mal! O mal faz parte da imperfeição humana. Não é por outra razão que cada um expia seus atos na medida em que infringe Suas leis.


Não é o que está na biblia:
"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas. IS 45:07"
"É dificil levar alguem a entender algo quando sua fé depende de que não entenda" - Ditado mais velho que a humanidade.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fenrir »

Fernando Silva escreveu:
Acauan escreveu:A contradição está em que se a lei do progresso impede os espíritos de regredir, temos que nenhum espírito poderia apresentar um status moral inferior àquele em que foi criado - simples, ignorante e igualmente apto ao bem ou ao mal.


Acho que isto é o argumento central.


Isto sim é coisa para os espíritas ruminarem.

Parabens pelo Texto!
"Man is the measure of all gods"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"The things are what they are and are not what they are not"
(Fenrígoras, o sofista pós-socrático)

"As mentes mentem"
(Fenrir, o mentiroso)

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Fernando Silva
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fernando Silva »

ade escreveu:
Deise Garcia escreveu:Deus não permite o mal! O mal faz parte da imperfeição humana. Não é por outra razão que cada um expia seus atos na medida em que infringe Suas leis.

Não é o que está na biblia:
"Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas. IS 45:07"

Espíritas só recorrem à Bíblia quando lhes interessa.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por DarkWings »

Espioritismo é uma quimera adorada pelos pretensiosos.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fedidovisk »

Fernando Silva escreveu:
Botanico escreveu:Zero é zero e a sua questão de achar que o zero é melhor do que o ruim é uma opinião sua, e não sei exatamente no que se baseia.

E eu não vejo como alguém que nunca fez nada de bom nem de ruim possa ser pior que alguém que já fez coisas ruins.


Ruim é um termo muito relativo, dele se pode tirar muitas lições e etc... diferente de um estado inerte.

Claro, se olhado sob um ponto de vista totalmente "amoral", novamente a DE se mostra arbitrária, ao definir uma moral ou moral divina. Certo ou errado.

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Fedidovisk
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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Fedidovisk »

Metáfora Zen Budista Bodisatva Lunático!

O espírita é só aquele que quer brincar um pouco até mais tarde no parquinho.

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Re: A Ética Espírita - Parte I

Mensagem por Benetton »



Acauan escreveu:A Ética Espírita – Parte I

Por Acauan


(...)

Segundo o espiritismo:

Deus permite o mal como decorrência da ignorância primitiva na qual os espíritos foram criados, como pré-requisito para o exercício do livre arbítrio e para estabelecer os méritos individuais dos espíritos que, de livre arbítrio, optam pelo bem.

(...)

Um primeiro problema é quando o espiritismo associa o mal à ignorância.
Admitida esta associação direta e exclusiva ...




Inicialmente, quero parabenizá-lo pelo excelente texto. Ao contrário de muitos participantes desse Fórum, Você trata as crenças com seriedade e nunca usa de sarcasmos, o que só fortalece a sua postura cética que busca na essência das filosofias religiosas, explicações racionais que objetivem respadar suas premissas mais básicas.

Não vou comentar todo seu texto, mesmo porque o Botânico já iniciou as devidas réplicas. Mas posso fazer minhas pequenas intervenções na medida que Eu achá-las necessárias e pertinetes ao caso sob análise.

Antes de questionar o que me chamou a atenção, quero diferenciar conceitos empregados em situações díspares, a despeito da convergência e significado do termo.

O termo "Ignorância" tanto pode denotar uma característica neutra e sem maiores consequências como uma característica pejorativa e depreciativa.

Ex 1 : "A criança vive na ignorância, reflexo de sua ingenuidade".
Neste caso, o termo "ignorância" revela simples desconhecimento da vida e é um estado natural que todo ser humano passa.

Ex 2 : "Sua brutalidade, igorância e estupidez o fizeram cometer aquele crime".
Aqui, percebe-se claramente que o termo "ignorância" é empregado com um sentido depreciativo relacionado à personalidade de um indivíduo.


Vamos lá. A ignorância tratada da D.E refere-se ao Exemplo 1. Portanto o termo é exclusivamente relacionado à falta de conhecimentos.


Muito bem. Você diz :

"Um primeiro problema é quando o espiritismo associa o mal à ignorância.
Admitida esta associação direta e exclusiva..."



Admitida??? Admitida por quem, cara-pálida?

Você parte de um pressuposto conjecturado por você mesmo para daí basear esse texto tão bem escrito?

Existem algumas menções no L.E acerca da ignorância e do mal, mas tratam do significado do exemplo 1 acima.

O que existe mais claro sobre essa parte é :


120. Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?

“Pela fieira do mal, não; mas pela fieira da ignorância.”

[ Veja como claramente a D.E NÃO associa o mal à ignorância, pois são termos tratados de forma distinta ]



121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal?

“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”

[ Mais uma vez são discriminados os conceitos de maldade e ignorância ]



122. Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra?

“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram.”






" Duvidar de tudo ou acreditar em tudo são duas soluções igualmente cômodas : Ambas nos dispensam do trabalho de pensar. "

Jules Henri Poincare - Físico e Matemático Francês.

_________________

"Sempre que possivel, converse com um saco de cimento. Nessa vida só devemos acreditar no que é concreto."

Autor Desconhecido.


Trancado