Outra questão aos contra abortistas

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Azathoth
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Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Azathoth »

Um experimento mental.

Em 2020, Ray Kurzweil e um Marvin Minsky muito velhinho unem forças no MIT e começam o projeto mais ambicioso da história da neo-robótica: o Ultra-Cog.

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O Ultra-Cog difere de muitas formas de seus predecessores. Embora seus predecessores já tivessem um corpo, braços para manipular o ambiente, expressões faciais e minimamente um estágio de desenvolvimento psicológico infantil (como o Kismet), o Ultra-Cog possui um estágio de gestação. Na década de 2010, pesquisadores da linha de cognição corpórea e neurodesenvolvimento interessados em robótica e inteligência artificial sugeriram ao MIT que promovessem um ambiente de desenvolvimento neural e psicológico para robôs que simulasse o ambiente pré-natal humano, e não apenas um ambiente baseado na infância humana.

Ora, é no ambiente pré-natal humano que ocorre a diferenciação neuronal, a formação das primeiras conexões (sinaptogênese), as primeiras reações de nosso sistema nervoso a estímulos ambientais, as primeiras podas neurais que chegam a eliminar metade do total de nossas células nervosas, etc. Talvez um conhecimento mais profundo dessas primeiras etapas do desenvolvimento cerebral sejam fundamentais para compreender (e replicar) a inteligência humana.

O projeto do Ultra-Cog foi planejado da seguinte forma: Ultra-Cog passará seus primeiros 9 meses de desenvolvimento em inatividade motora em um laboratório do MIT. Lá, redes neurais artificiais implementadas em seu cérebro eletrônico começaram a rodar de acordo com o que conhecemos do estado de arte da neurociência e psicologia do desenvolvimento. Ray Kurzweil chefia desde o início um grupo que realiza engenharia reversa do cérebro de fetos e infantes usando métodos seguros e não-invasivos e envia constantemente suas descobertas para o venerável Marvin Minsky fazer updates sobre seu infante robô. Ray espera que por volta de 2030, Ultra-Cog irá replicar o desenvolvimento neural de um feto humano e a partir daí, o projeto caminhará para o desenvolvimento de uma criança.

Constantemente na década de 2020, o Ultra-Cog começará no pé esquerdo. Irá seguir dados nebulosos, imprecisos, incorretos a respeito da dinâmica do desenvolvimento neural de embriões e fetos que deverão ser preenchidos por chutes dos pesquisadores, levando a um curso incorreto do objetivo principal do ambicioso projeto, de replicar o desenvolvimento nervoso pré-natal humano. Marvin Minsky e seus acessores irão constantemente ter que apagar as redes neurais artificiais do cérebro de silício de Ultra-Cog, dar um boot no sistema e começar tudo de novo, e em geral, estarão cada vez mais próximos do objetivo principal devido ao intercâmbio com a equipe de Kurzweil.

Pergunta: a partir de determinado estágio do projeto, antes ou depois de 2030, vocês considerariam imoral dar um reset no cérebro de Ultra-Cog?
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Azathoth
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Azathoth »

Up. Meu experimento mental parte de alguns pressupostos filosóficos como funcionalismo. Se alguém discordar disso ou de algo correlato, nem preciso justificar, posso modificar o experimento mental original.
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Insane_Boy
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Insane_Boy »

Não existe resposta para a pergunta solicitada.
Pelo mesmo motivo que não conseguimos definir o que é vida ou espécie.

Além de ela resultar em paradoxos intermináveis... pra começar seria ético brincar com um conhecimento assim? Seria a mesma coisa que clonar humanos? Replicar a eletrônicamente a inteligência humana seria a mesma coisa que replicar biologicamente a mente humana. Pelo menos em tese. Então, seria ético fazer isto? Criar uma cópia sintética do nosso cérebro seria tão anti-ético do que clonar alguém?

Então... se ambos são iguais, a pesquisa se quer deveria ser iniciada. É algo paradoxal demais pra ser pensado... qualquer regra válida para defesa dos humanos deveria ser utilizada para uma I.A. desse porte.
E por ai vai...
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Insane_Boy
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Insane_Boy »

Me recordei que recentemente abri um tópico sobre a Singularidade Tecnológica, em que apresentava o mais novo projeto de supercomputador (e bota super neste, a idéia é "monitorar" toda a Internet) da IBM, e sobre o Eddie, a inteligência artificial que roda sobre um supercomputador da mesma empresa, mas que foi desenvolvido (a I.A.não o supercomputador, dã!) por um instituto de pesquisa.

Eddie é um IA Forte com Q.I equivalente ao de uma criança de 4 anos.
http://www.itnews.com.au/News/72057,chi ... -life.aspx
Vídeo que comprova a IA Forte de Eddie: http://www.youtube.com/watch?v=nAGfu0qvTxw

É ético resetar Eddie? hehehe.
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Azathoth
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Azathoth »

Insane_Boy escreveu:Não existe resposta para a pergunta solicitada.
Pelo mesmo motivo que não conseguimos definir o que é vida ou espécie.


Ah, permita-me discordar. Isso vem à tona freqüentemente. O fato de vários fenômenos existirem em um contínuo, em um gradiente nebuloso, não significa que falar em demarcações, definições, subcategorias ou outras repartições seja uma tarefa inútil ou sem sentido. É apenas uma tarefa mais difícil, mais imprecisa e com implicações especiais. Não precisamos mais de essencialismo.

Paródia: no arco-íris, verde e azul existem em um contínuo, numa fuzzy boundary onde não conseguimos diferenciar o verde-azulado do azul-esverdeado. Portanto, falar de "verde" e "azul" é inútil ou sem sentido.

Insane_Boy escreveu:Além de ela resultar em paradoxos intermináveis... pra começar seria ético brincar com um conhecimento assim? Seria a mesma coisa que clonar humanos? Replicar a eletrônicamente a inteligência humana seria a mesma coisa que replicar biologicamente a mente humana. Pelo menos em tese. Então, seria ético fazer isto? Criar uma cópia sintética do nosso cérebro seria tão anti-ético do que clonar alguém?


Esses são problemas éticos importantíssimos que deveremos encarar quando introduzirmos essas novas tecnologias nas próximas décadas. Por isso é bom já nos anteciparmos. Mas perceba a fuzzy boundary do meu experimento mental: replicar funcionalmente a mente humana é apenas o último estágio do projeto. Até lá, existe uma grande zona cinza. Como mente (na verdade o aspecto que eu queria enfatizar no experimento mental era a identidade pessoal, mas também serve) existe num contínuo, isso gera implicações importantes.

Insane_Boy escreveu:Então... se ambos são iguais, a pesquisa se quer deveria ser iniciada. É algo paradoxal demais pra ser pensado... qualquer regra válida para defesa dos humanos deveria ser utilizada para uma I.A. desse porte.
E por ai vai...


A pesquisa já foi iniciada, há muito tempo, e continua em andamento criando agentes autônomos com comportamento cada vez mais sofisticado. E por quê paradoxal? É exatamente isso que julgo que todos devem concluir, possuímos os mesmos compromissos morais com uma IA porque uma IA é uma pessoa também. A menos que exista uma boa justificativa para o especismo.
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mig l
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por mig l »

Se não se fizessem demarcaçõs, mesmo arbitrárias, não se poderia falar de nada... quanto mais tomar decisões.

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Insane_Boy
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Insane_Boy »

Azathoth escreveu:
Insane_Boy escreveu:Não existe resposta para a pergunta solicitada.
Pelo mesmo motivo que não conseguimos definir o que é vida ou espécie.


Ah, permita-me discordar. Isso vem à tona freqüentemente. O fato de vários fenômenos existirem em um contínuo, em um gradiente nebuloso, não significa que falar em demarcações, definições, subcategorias ou outras repartições seja uma tarefa inútil ou sem sentido. É apenas uma tarefa mais difícil, mais imprecisa e com implicações especiais. Não precisamos mais de essencialismo.

Paródia: no arco-íris, verde e azul existem em um contínuo, numa fuzzy boundary onde não conseguimos diferenciar o verde-azulado do azul-esverdeado. Portanto, falar de "verde" e "azul" é inútil ou sem sentido.


Em que momento eu disse que era uma terfa inútil? Cite-me aonde. Definir o que é espécie ou vida já foi listado como uma das futuras grandes descobertas da ciência, em nenhum momento eu disse que seria desnecessário.
Azathoth escreveu:
Insane_Boy escreveu:Além de ela resultar em paradoxos intermináveis... pra começar seria ético brincar com um conhecimento assim? Seria a mesma coisa que clonar humanos? Replicar a eletrônicamente a inteligência humana seria a mesma coisa que replicar biologicamente a mente humana. Pelo menos em tese. Então, seria ético fazer isto? Criar uma cópia sintética do nosso cérebro seria tão anti-ético do que clonar alguém?


Esses são problemas éticos importantíssimos que deveremos encarar quando introduzirmos essas novas tecnologias nas próximas décadas. Por isso é bom já nos anteciparmos. Mas perceba a fuzzy boundary do meu experimento mental: replicar funcionalmente a mente humana é apenas o último estágio do projeto. Até lá, existe uma grande zona cinza. Como mente (na verdade o aspecto que eu queria enfatizar no experimento mental era a identidade pessoal, mas também serve) existe num contínuo, isso gera implicações importantes.


1. Novamente afirmo que eles são importantes, você me interpretou mal, ou talvez não soube me expressar. Em nennhum momento eu quis transparecer que tais discurssões seriam inúteis apenas quis evidenciar que muito provavelmente resultaria em uma discurssão eterna, mas isto não quer dizer que esta não tenha utilidade.

2. O seu experimento mental já EXISTE. Se você visitasse os links que citei acima, poderia ver uma I.A. forte como a da sua mentalização, plenamente funcional, seu nome é Eddie e tem um Q.I. de uma criança de 4 anos, e tem autoconsicência, como você pode verificar no vídeo que lhe passei acima.

Azathoth escreveu:
Insane_Boy escreveu:Então... se ambos são iguais, a pesquisa se quer deveria ser iniciada. É algo paradoxal demais pra ser pensado... qualquer regra válida para defesa dos humanos deveria ser utilizada para uma I.A. desse porte.
E por ai vai...


A pesquisa já foi iniciada, há muito tempo, e continua em andamento criando agentes autônomos com comportamento cada vez mais sofisticado. E por quê paradoxal? É exatamente isso que julgo que todos devem concluir, possuímos os mesmos compromissos morais com uma IA porque uma IA é uma pessoa também. A menos que exista uma boa justificativa para o especismo.



O paradoxo pelo menos ao meu ver fica no fato de alguém achar anti-ético algo, quando já está praticamente pronto, se sabemos que ele irá se tornar autoconsciente, ou seja lá qual for o critério para considerá-lo "humano" ou ter os mesmos direitos humanos, porque iniciar tal projeto? Se igualamos uma I.A. a um ser humano, porque "mexer" com isso? Isto por si só já é anti-ético. Iniciar o projeto já está errado por essa lógica, se sabemos que um veneno de rato irá me matar, porque eu irei tomar? É que nem aquela lógica, porque deus criou os humanos se já sabia que eles iam ser "maus" e depois ia ter que puní-los? É simplesmente um paradoxo. Inclusive, você deveria enviar esses questionamentos para os criadores da I.A. supracitada, eles podem dar um reset em Eddie, e então ele irá morrer, isto é ético?

Só existe uma saída para não condernarmos os criadores de Eddie ou qualquer outra futura I.A. é não considerarmos I.A.'s uma forma de vida como a humana. Se não, nem a sua pesquisa fará sentido.
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Azathoth
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Azathoth »

Insane_Boy escreveu:Em que momento eu disse que era uma terfa inútil? Cite-me aonde. Definir o que é espécie ou vida já foi listado como uma das futuras grandes descobertas da ciência, em nenhum momento eu disse que seria desnecessário.


Não foi minha intenção te representar mal. Você disse que não há resposta para a pergunta do meu experimento mental pelo mesmo motivo que não conseguimos definir o que é vida ou espécie. A comparação foi apropriada porque estamos falando de vários fenômenos que existem em um contínuo. Mas existem sim, dúzias de definições para "ser vivo" e "espécie". O problema é que muitas dessas definições são derivadas de teorias essencialistas, um tipo de metafísica que não é apropriada no mundo após a revolução darwiniana.

Definir o que é "espécie" ou "vida" não são questões científicas, são questões da filosofia da biologia. É claro que descobertas científicas são fundamentais para nos auxiliar nessa definição, mas devemos nos preparar para fazer definições responsáveis, toda muito exclusivista irá falhar. Precisa ser uma definição nebulosa.

Eu julgo que existem sim respostas para essas perguntas, mas elas não são tão precisas como respostas essencialistas. Seres vivos são sistemas dissipativos com várias funções como auto-reparo, metabolismo, hereditariedade, etc, mas essas funções são interdependentes e existem num contínuo, e você se derrapa com várias entidades que manifestam parcialmente esse conjunto de funções como príons e vírus.

Insane_Boy escreveu:2. O seu experimento mental já EXISTE. Se você visitasse os links que citei acima, poderia ver uma I.A. forte como a da sua mentalização, plenamente funcional, seu nome é Eddie e tem um Q.I. de uma criança de 4 anos, e tem autoconsicência, como você pode verificar no vídeo que lhe passei acima.


Não tinha visto, obrigado pelos links. Não, ainda estamos muito longe de IA Forte - a arquitetura cognitiva que você linkou é bastante sofisticada e é focada em aspectos extremamente importantes da cognição humana como a tomada de atitudes proposicionais e ter uma teoria da mente (daí o teste da crença falsa) mas isso não é suficiente para IA Forte - um sistema artificial cujos estados cognitivos sejam equivalentes aos estados mentais humanos. Nós não estamos perto de fazer algo com a complexidade arquitetônica disso e há ainda muita controvérsia sobre como implementar diversos aspectos da cognição humana, que ainda exigem muita pesquisa.

Ainda não li o .pdf, mas pegue por exemplo a forma crucial como "crenças" são implementadas pela arquitetura RASCALS. Eu chuto que é usada uma versão representacionalista, "crenças" existem literalmente no supercomputador na forma de uma sentença escrita em uma linguagem simbólica (mentalês) acompanhadas por um ponteiro, como proposto por Jerry Fodor e Noam Chomsky. Paul Churchland julgaria que isso está totalmente errado, que não podemos assumir que os estados mentais da psicologia popular possuam correspondência direta com o que realmente está ocorrendo no cérebro. Daniel Dennett possui uma perspectiva externalista onde os estados mentais da psicologia popular são artifícios fictícios mas úteis para prever o comportamento de outros agentes autônomos. Existe uma série de pressuposições filosóficas como essas atrás de todo projeto de IA.

Para passar no Teste de Turing é necessário domínio completo no processamento de uma linguagem natural, e ainda estamos muito longe disso.

Self-consciousness é o aspecto mais controverso e o quê menos entendemos ainda. Daniel Dennett julga que para um stream-of-consciousness, um diálogo interno, é fundamental a presença de uma linguagem natural. Muitos outros apostam em auto-referência, auto-representação, ''pensamentos de alto nível" (HOT) e várias outras idéias.

Não, Eddie não é uma IA Forte.

Insane_Boy escreveu:O paradoxo pelo menos ao meu ver fica no fato de alguém achar anti-ético algo, quando já está praticamente pronto, se sabemos que ele irá se tornar autoconsciente, ou seja lá qual for o critério para considerá-lo "humano" ou ter os mesmos direitos humanos, porque iniciar tal projeto? Se igualamos uma I.A. a um ser humano, porque "mexer" com isso? Isto por si só já é anti-ético. Iniciar o projeto já está errado por essa lógica, se sabemos que um veneno de rato irá me matar, porque eu irei tomar? É que nem aquela lógica, porque deus criou os humanos se já sabia que eles iam ser "maus" e depois ia ter que puní-los? É simplesmente um paradoxo. Inclusive, você deveria enviar esses questionamentos para os criadores da I.A. supracitada, eles podem dar um reset em Eddie, e então ele irá morrer, isto é ético?
Só existe uma saída para não condernarmos os criadores de Eddie ou qualquer outra futura I.A. é não considerarmos I.A.'s uma forma de vida como a humana. Se não, nem a sua pesquisa fará sentido.


Pode ficar tranqüilo que ainda estamos razoavelmente longe de IA Forte. O problema, como você identificou, é que com séries de arquiteturas cognitivas cada vez mais aprimoradas e aperfeiçoadas, nós ficamos cada vez mais próximos de construir um agente autônomo que também seja uma pessoa. Estamos cada vez mais desbravando esse território cinza, e vamos ter que confrontar questões como essas. O meu objetivo principal do tópico é que assumir esse avanço é assumir que identidade pessoal é um conceito nebuloso que é alcançado de forma contínua (na filosofia do direito acho que isso é chamado de "gradualismo", mas não sou muito fã do termo porque ele implica em algo que cresce em passos discretos), uma das premissas do meu posicionamento "pró-escolha".
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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

Uma questão interessante, algo novo nessa discussão toda.


Acho interessante que me parece um pouco mais problemático para os pró-escolha do que pró-vida.

Imagino que para os pró-vida, seria essencialmente: "é gente mesmo? Não, é um animal, cachorro, gato, macaco, ou robô? Então desligue quando e como quiser". Talvez com alguns desvios leves rumo a algo meio PETAesco (com todas ressalvas possíveis para distanciar filosófica/moral/existencialmente qualquer consideração com animais da PETA e outros do tipo, pois elas devem necessariamente ser coisas categoricamente diferentes) para animais superiores, mas não acho que isso seja muito intrínseco à base dos argumentos também. Um zigoto humano deve valer mais do que um chimpanzé adulto, porque podemos traçar uma linha clara entre chimpanzé e gente, então pronto.

Já eu, não vendo essas coisas como sendo sempre preto-ou-branco, acho no mínimo bastante válido o direito à vida de alguns outros animais, é algo bastante aceitável, partindo dessa premissa da "vida cerebral".

Mas se tratando de robôs, de repente acho que me vejo encurralado entre a lógica que aceito e algo que me parece de certa forma ridículo, mas é decorrente dela, talvez mais ou menos como os pró-vida quando se compara o ovócito II com o zigoto.

Talvez porque, analogamente, não há toda essa "cultura" de se respeitar os aparelhos eletrônicos ligados; como há para se respeitar a vida. Acho absurdamente diferente se desligar 5 "bichinhos-virtuais" porque se precisa das pilhas para qualquer outra coisa, e se jogar 5 hamsters pela privada, porque se quer plantar as sementes de girassol que eles comeriam, ou simplesmente por não querê-los mais. Talvez seja algo diferente para, por exemplo, pessoas dessas novas gerações que cresceram tendo esse novo tipo de afeição por brinquedos eletrônicos como bichinhos virtuais e robozinhos, sendo que eu quando pequeno tive hamsters. Certamente, para alguma criança que fosse dona dos bichinhos virtuais, talvez fosse também bastante impensável "matá-los" para usar a pilha para uma lanterna ou calculadora, talvez tanto ou mais do que matar hamsters.

Outra forma de aproximar o problema, de trazê-lo do ridículo para algo mais aceitável é combiná-lo com aquele exercício mental, não sei de quem, sobre substituição de partes do cérebro por eletrônica. Acho que isso possivelmente aproxima o problema até dos pró-vida.

Suponhamos que paralelamente a toda esse desenvolvimento de I.A., estivesse se desenvolvendo "próteses cerebrais", que talvez fosse interessante até se consideradas o carro-chefe da coisa. Essas próteses funcioariam da seguinte forma: todos os dias, durante o sono ou em algum outro momento específico, você usa um aparelho que faz uma cópia de segurança, um "backup" do conteúdo do seu cérebro. Mais ou menos como um sistema "RAID" de discos rígidos (grava instantâneamente a mesma coisa em ambos, e caso um deles pife, você tem o outro).

Se você sofre uma lesão cerebral de qualquer tipo, neurocirurgiões podem então implantar um componente específico, personalizado para aquela área danificada do seu cérebro, e gravar nele os dados correspondentes do seu backup. Assim você não corre o risco de ter alterações de personalidade, como o caso clássico Phineas Cage e diversos outros.

Essa tecnologia se desenvolve ao ponto de uma pessoa poder ter o cérebro biológico todo trocado por um cérebro eletrônico e não perceber a diferença. De fato, você poderia hackear o backup cerebral de uma pessoa A, fazer um cérebro eletrônico inteiro com base nele e colocá-lo no corpo do seu irmão gêmeo que acabou de sofrer morte cerebral, e então simplesmente trocá-los enquanto dormem, e o irmão gêmeo com o cérebro falso nem notaria que não é mesmo a pessoa A.

Da mesma forma que poderíamos fazer isso com corpos biológicos, poderíamos colocar um desses cérebros-backup também em corpos robóticos mesmo. (e talvez o inverso, colocar um cérebro humano num corpo totalmente protético/robótico, mas isso imagino que isso é menos relevante para a questão toda).

Então, é interessante se perguntar... será que se alguém fizess isso, pegasse a cópia cerebral de alguém e o colocasse em outro corpo, robótico, em um substrato eletrônico, desligar essa máquina seria assassinato? Ou, seria simplesmente um direito do dono dessa máquina - talvez até o dono da mente original que nela instalada.

E, voltando ao proposto originalmente, talvez se pudesse também criar mentes artificiais com o mesmo substrato eletrônico, que, em qualquer estágio de desenvolvimento, fossem indistintas em seu comportamento do padrão de pessoas normais. Isso é, você poderia pegar uma corpo humano de um feto anencefálico, e instalar nele um desses cérebros eletrônicos, e ele teriamos então um desenvolvimento cerebral que não conseguiríamos distinguir do desenvolvimento humano normal, de uma criança que nasceu com um cérebro de substrato biológico.

Será que poderíamos mesmo considerar apenas "pessoas" aquelas máquinas cujas mentes vieram em última instância da união de um espermatozóide com um óvulo, e não aquelas que já nasceram totalmente eletrônicas?


Para complicar ainda mais a questão, talvez num estágio de desenvolvimento tecnológico posterior, pudesse se fazer o inverso; poderiamos criar cérebros humanos ou partes deles, realmente biológicos, mais ou menos como uma clonagem parcial acelerada, e através do conhecimento do código neural e técnicas diversas, colocar nele todas as informações, memórias e etc, que "pertenciam" normalmente a uma pessoa que foi originalmente produto de coito e parto normais, no meio do mato, sem nem uma enfermeira, nem água quente ou toalha. Se alguém fizesse isso, esse cérebro, seria "gente", ou seria só um bife pensante que uns cientistas desocupados fizeram?

O substrato biológico da mente humana seria totalmente conhecido, e de certa forma, apenas mais uma tecnologia extremamente à disposição, de forma bastante flexível.

Eu tenho a impressão de que nessa questão toda tendemos não só a sermos "especistas", mas "substratistas"; é mais fácil aceitar a humanidade de uma mente que foi originalmente biológica, e que se tiver que ser transferida para outro substrato, é mais fácil aceitarmos a continuidade de sua humanidade se for também para um substrato biológico, e não eletrônico. Mas o inverso não; se uma mente é originalmente eletrônica e vai para um substrato biológico, a tendência é sentirmos como se sua humanidade fosse bem mais questionável, por mais indistinta que seja de uma mente humana normal em suas ações e até mecanismos.

A pergunta pode ser complicada ainda mais se fizermos analogia dos estágios imperfeitos da mente humana, retardamentos diversos que não consideramos indignos de viver, não só com outros animais com menores capacidades mentais, mas também com o desenvolvimento dessas tecnologias de inteligencia artificial. Talvez seja fácil negar a humanidade de uma "coisa" que não imita perfeitamente uma mente humana, mas ficamos encurralados se lembramos que nem todas as mentes humanas imitam perfeitamente mentes humanas "ideais".



E poderíamos complicar ainda mais isso tudo jogando especulações sobre qualia no meio... mas aí acho que já seria complicar muito mais que o necessário, ou mais do que o possível para se manter alguma discussão minimamente objetiva...
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Orbe
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Orbe »

Não sei porque essa eterna preocupação com o que seria ou não moralmente aceitável. Como se moral fosse uma divindade suprema e imutável, válida para toda a humanidade e a qual todos devemos servir sem questionar...

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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

Então crie um tópico sobre niilismo.
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Orbe
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Orbe »

Já tem um.

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King In Crimson
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por King In Crimson »

Não vejo por que essa questão pertenceria aos pró-vida mais do que aos abortistas.

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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

Orbe escreveu:Já tem um.


E lá então que seria o lugar mais ideal para discutir isso. Aqui se parte do pressuposto que a moral importa, dentre outros tantos, como que a realidade existe, a rejeição do solipsismo e teorias de que estamos numa "matrix". Abordar esses tópicos aqui simplesmente não faz sentido algum.
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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

King In Crimson escreveu:Não vejo por que essa questão pertenceria aos pró-vida mais do que aos abortistas.



Para ficar mais estritamente dirigida aos PETOFOs*, deveria ser: suponhamos que houvessem robôs que fossem considerados humanos; seria assassinato múltiplo se interrompêssemos a produção de uma série quando as primeiras peças já tivessem sido conectadas numa linha de montagem, quando as esteiras estivessem rolando?





* People for the Ethical Treatment Of Fecundated Ova.
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Márcio
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Márcio »

Azathoth escreveu:Um experimento mental.

Em 2020, Ray Kurzweil e um Marvin Minsky muito velhinho unem forças no MIT e começam o projeto mais ambicioso da história da neo-robótica: o Ultra-Cog.

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O Ultra-Cog difere de muitas formas de seus predecessores. Embora seus predecessores já tivessem um corpo, braços para manipular o ambiente, expressões faciais e minimamente um estágio de desenvolvimento psicológico infantil (como o Kismet), o Ultra-Cog possui um estágio de gestação. Na década de 2010, pesquisadores da linha de cognição corpórea e neurodesenvolvimento interessados em robótica e inteligência artificial sugeriram ao MIT que promovessem um ambiente de desenvolvimento neural e psicológico para robôs que simulasse o ambiente pré-natal humano, e não apenas um ambiente baseado na infância humana.

Ora, é no ambiente pré-natal humano que ocorre a diferenciação neuronal, a formação das primeiras conexões (sinaptogênese), as primeiras reações de nosso sistema nervoso a estímulos ambientais, as primeiras podas neurais que chegam a eliminar metade do total de nossas células nervosas, etc. Talvez um conhecimento mais profundo dessas primeiras etapas do desenvolvimento cerebral sejam fundamentais para compreender (e replicar) a inteligência humana.

O projeto do Ultra-Cog foi planejado da seguinte forma: Ultra-Cog passará seus primeiros 9 meses de desenvolvimento em inatividade motora em um laboratório do MIT. Lá, redes neurais artificiais implementadas em seu cérebro eletrônico começaram a rodar de acordo com o que conhecemos do estado de arte da neurociência e psicologia do desenvolvimento. Ray Kurzweil chefia desde o início um grupo que realiza engenharia reversa do cérebro de fetos e infantes usando métodos seguros e não-invasivos e envia constantemente suas descobertas para o venerável Marvin Minsky fazer updates sobre seu infante robô. Ray espera que por volta de 2030, Ultra-Cog irá replicar o desenvolvimento neural de um feto humano e a partir daí, o projeto caminhará para o desenvolvimento de uma criança.

Constantemente na década de 2020, o Ultra-Cog começará no pé esquerdo. Irá seguir dados nebulosos, imprecisos, incorretos a respeito da dinâmica do desenvolvimento neural de embriões e fetos que deverão ser preenchidos por chutes dos pesquisadores, levando a um curso incorreto do objetivo principal do ambicioso projeto, de replicar o desenvolvimento nervoso pré-natal humano. Marvin Minsky e seus acessores irão constantemente ter que apagar as redes neurais artificiais do cérebro de silício de Ultra-Cog, dar um boot no sistema e começar tudo de novo, e em geral, estarão cada vez mais próximos do objetivo principal devido ao intercâmbio com a equipe de Kurzweil.

Pergunta: a partir de determinado estágio do projeto, antes ou depois de 2030, vocês considerariam imoral dar um reset no cérebro de Ultra-Cog?


Um contra abortista típico, ou a maioria das pessoas, diria que nada há de imoral em se desligar uma máquina, da mesma forma que se faz com uma geladeira. Pois a vida é uma propriedade apenas de seres biológicos.

No futuro as definições podem mudar, assim como muitas já mudaram.

(Algo como uma inteligência artificial semelhante à humana pode colocar em cheque, de uma vez por todas, questões tais como espíritos, almas e deuses criadores.)
O ateísmo é uma consequência em mim, não uma militância sistemática.

'' O homem sábio molda a sí mesmo, os tolos só vivem para morrer.'' (O Messias de Duna - F.Herbert)

Não importa se você faz um pacto com deus ou o demônio, em quaisquer dos casos é a sua alma que será perdida, corrompida...!

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Márcio
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Márcio »

Orbe escreveu:Não sei porque essa eterna preocupação com o que seria ou não moralmente aceitável. Como se moral fosse uma divindade suprema e imutável, válida para toda a humanidade e a qual todos devemos servir sem questionar...


A moral é uma das causas para o surgimento das religiões. Que tentam impor depois sua própria noção de moral pretensamente perfeita e imutável.

A preocupação é justamente questionar tais regras, visto serem frutos do pensamento humano.
O ateísmo é uma consequência em mim, não uma militância sistemática.

'' O homem sábio molda a sí mesmo, os tolos só vivem para morrer.'' (O Messias de Duna - F.Herbert)

Não importa se você faz um pacto com deus ou o demônio, em quaisquer dos casos é a sua alma que será perdida, corrompida...!

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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

Talvez haja a necessidade de um adendo para os espíritas. Imagino esse, que talvez tenha necessidade de revisão: suponham que nesse interim algum vidente/médium altamente creditado pelos espíritas baixasse/se comunicasse com um espírito sábio e chiquérrimo (alguém como o dr. Fritz ou o Chico Xavier) que atestasse que almas podem habitar esses corpos, que a partir do momento que existem suportes materiais que podem reproduzir tudo que é pensado por uma alma humana, elas então podem reencarnar nesses suportes, mesmo que sejam máquinas e não carne.

Para os não-espíritas mas ainda crentes em dualismo alma-corpo, suponhamos que algum porta-voz respeitabilíssimo da religião ou Deus em pessoa viesse e atestasse que esses corpos de hoje em diante seriam suporte material de almas, mas que, para o azar de todos, não dissesse em que estágio da montagem as almas são enlatadas. (Essa incerteza também deve ocorrer para os espíritas)
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Márcio
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por Márcio »

zumbi filosófico escreveu:Talvez haja a necessidade de um adendo para os espíritas. Imagino esse, que talvez tenha necessidade de revisão: suponham que nesse interim algum vidente/médium altamente creditado pelos espíritas baixasse/se comunicasse com um espírito sábio e chiquérrimo (alguém como o dr. Fritz ou o Chico Xavier) que atestasse que almas podem habitar esses corpos, que a partir do momento que existem suportes materiais que podem reproduzir tudo que é pensado por uma alma humana, elas então podem reencarnar nesses suportes, mesmo que sejam máquinas e não carne.


Isso seria adaptação ao novo horizonte.
Religiões e seitas também se ajustam aos novos fatos que possam colocar em perigo suas doutrinas, quando irremediavelmente não podem ser mais negados. Faz parte do kit de sobrevivência.

Pense que suportes assim podem ser quase eternos, basta reparar os danos e substituir os componentes ad infinitum.
Será que as almas vão se revezar num caso assim?
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King In Crimson
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por King In Crimson »

zumbi filosófico escreveu:
King In Crimson escreveu:Não vejo por que essa questão pertenceria aos pró-vida mais do que aos abortistas.



Para ficar mais estritamente dirigida aos PETOFOs*, deveria ser: suponhamos que houvessem robôs que fossem considerados humanos; seria assassinato múltiplo se interrompêssemos a produção de uma série quando as primeiras peças já tivessem sido conectadas numa linha de montagem, quando as esteiras estivessem rolando?





* People for the Ethical Treatment Of Fecundated Ova.
E para os assassinos inescrupulosos de bebês: seria assassinato interropemper a programação de seu sistema operacional?

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zumbi filosófico
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Re: Outra questão aos contra abortistas

Mensagem por zumbi filosófico »

Bem, como um assíduo pró-assassínio-inescrupuloso-de-bebês-seguido-de-necropedofilia-canibalismo-e-rituais-satânicos, acho que não.
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Trancado