Feliz pero no mucho
Enviado: 19 Mar 2008, 09:51
(..)o psicólogo americano Edward Diener – por muito tempo alcunhado de Doutor Felicidade – voltou atrás. Não à toa, seu próximo livro, em parceria com o filho, Robert Biswas-Diener, terá o título de Rethinking Happiness (Repensando a Felicidade). Diener não renega sua tese central, de que as pessoas felizes vivem mais (por ter sistemas imunes mais fortes) e são mais bem-sucedidas. Mas ele aprofundou suas pesquisas. Em geral, os estudos sobre o tema comparam pessoas felizes com pessoas infelizes. Desta vez, Diener comparou pessoas felizes e pessoas extremamente felizes. Aí, o resultado é outro. Os extremamente felizes vivem menos que os moderadamente felizes, e são menos bem-sucedidos.
Sua conclusão: há um nível de felicidade ótimo, além do qual ela se torna mais prejudicial que benéfica. Segundo ele, numa escala de 0 a 10, sendo 0 o sujeito miserável e 10 a pessoa inabalavelmente contente, o melhor é uma nota 8, nível médio de felicidade. Ele garante uma existência aprazível e traz uma margem de insatisfação que evita a letargia.
Como diz Diener, há uma lista enorme de pessoas que querem que você seja mais feliz – não importa quanto você já seja. Essa lista inclui os ativistas da psicologia positiva, uma corrente que se tornou preponderante nos Estados Unidos no fim da década de 90 e afirma que, em vez de apenas curar doenças, a medicina da mente deve tratar de elevar nosso bem-estar. Também inclui os autores de livros com receitas para sermos mais contentes, os políticos em quem você votou (porque a probabilidade é que os reeleja), os profissionais de auto-ajuda, os técnicos de laboratórios que buscam drogas cada vez mais eficazes para combater a tristeza. Até sua mãe, “porque ela o ama e provavelmente se sentirá um fracasso se você for uma pessoa infeliz”. Há, no entanto, uma corrente cada vez mais vigorosa contra essa indústria da felicidade. Ela inclui quatro vertentes de combate:
1. Felicidade tem limite
Nesse campo estão os argumentos apresentados por Diener: ser feliz demais não é bom. O contentamento em excesso torna as pessoas menos capazes, menos saudáveis, menos atentas a riscos. Além do pragmatismo de Diener, há uma questão de essência. “Cedo ou tarde na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável”, escreveu o escritor italiano Primo Levi, um sobrevivente de um campo de extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. “Poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza, eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer ‘infinito’.”
Há ainda uma terceira forma de entender os limites da felicidade. Só conseguimos ter a percepção de um sentimento em comparação com outros estados de ânimo. Como demonstram vários estudos, é a variação do humor que nos causa espasmos de alegria ou de tristeza.
2. Sem obstáculos, não há vitória
(...)
Algumas pessoas que passam por grandes traumas, como a perda de um ente querido, relatam que se tornaram mais completas depois de passar pela experiência, afirma o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade de Virgínia, nos EUA, em seu livro The Happiness Hypothesis (A Hipótese da Felicidade). “Quem passa por episódios traumáticos aprende a se conhecer melhor e passa a valorizar as coisas que realmente têm importância”, escreveu Haidt. Elas dão mais valor à amizade, à família, ao tempo livre, apreciam o que têm e entendem melhor seus limites.
“Só quem vive emoções profundas e passa pela dor e pelo sofrimento é capaz de se realizar na plenitude. O homem é um ser ambíguo”, diz o filósofo brasileiro Franklin Leopoldo e Silva, que no ano passado publicou um livro chamado Felicidade – Dos Filósofos Pré-Socráticos aos Contemporâneos.
Não é por algum ingrediente precioso que o sofrimento molda o caráter. Para Haidt, isso acontece porque nós somos seres viciados em contar histórias. O que sabemos sobre nós mesmos é um relato que continuamente reescrevemos, escolhendo o que lembrar do passado e o que projetar para o futuro. As adversidades nos ajudam a criar histórias melhores. (Ou você acha que a Branca de Neve seria um bom conto se a bruxa nunca a tivesse envenenado? Hamlet teria feito sucesso se não vivesse atormentado pelo drama do assassinato de seu pai?)
É claro que os traumas, assim como podem “purificar”, podem matar. Ou estragar uma vida inteira. Crianças são especialmente suscetíveis. Algumas pesquisas mostram que a melhor época para enfrentar um grande desafio na vida é a que vai do início da adolescência até os 20 e poucos anos – quando é assim, a probabilidade de o episódio servir de estímulo, em vez de fator de paralisia, é maior.
3. A alegria ou a vida
Um terceiro ponto de defesa da tristeza vem da teoria evolucionista. Os sentimentos negativos, como angústia, tristeza e pessimismo, fazem parte de nossa natureza. A seleção natural os favoreceu porque, se não os tivéssemos, seríamos presas fáceis de adversidades. Imagine um homem pré-histórico extremamente feliz e despreocupado, saindo desarmado no meio da selva. Se esse ancestral existiu algum dia, ele morreu, provavelmente comido por um grande felino. O que sobreviveu, e deu origem à espécie humana, foi seu primo preocupado, atento – por vezes angustiado e rabugento. É assim com todos os animais. O estado de tensão é uma condição necessária à vida.
No livro Felicidade, o economista Eduardo Giannetti aponta outros riscos que o contentamento exagerado traria para a sobrevivência da civilização. Segundo Giannetti, a invenção de uma pílula que provesse todos os cidadãos de felicidade provocaria danos irreparáveis ao mundo. Na ausência de sentimentos negativos como culpa, vergonha, remorso e arrependimento, todos eles neutralizados pelo tal remédio, haveria um enfraquecimento do respeito às normas morais de convivência. As pessoas não se sentiriam psicologicamente inibidas para praticar atos terríveis porque, ao tomar a pílula, deixariam de sentir culpa ao prejudicar alguém. O resultado seria o caos completo, que muito provavelmente resultaria no aniquilamento do mundo tal qual o conhecemos.
A matéria completa pode ser acessada na página da revista Época.
Sua conclusão: há um nível de felicidade ótimo, além do qual ela se torna mais prejudicial que benéfica. Segundo ele, numa escala de 0 a 10, sendo 0 o sujeito miserável e 10 a pessoa inabalavelmente contente, o melhor é uma nota 8, nível médio de felicidade. Ele garante uma existência aprazível e traz uma margem de insatisfação que evita a letargia.
Como diz Diener, há uma lista enorme de pessoas que querem que você seja mais feliz – não importa quanto você já seja. Essa lista inclui os ativistas da psicologia positiva, uma corrente que se tornou preponderante nos Estados Unidos no fim da década de 90 e afirma que, em vez de apenas curar doenças, a medicina da mente deve tratar de elevar nosso bem-estar. Também inclui os autores de livros com receitas para sermos mais contentes, os políticos em quem você votou (porque a probabilidade é que os reeleja), os profissionais de auto-ajuda, os técnicos de laboratórios que buscam drogas cada vez mais eficazes para combater a tristeza. Até sua mãe, “porque ela o ama e provavelmente se sentirá um fracasso se você for uma pessoa infeliz”. Há, no entanto, uma corrente cada vez mais vigorosa contra essa indústria da felicidade. Ela inclui quatro vertentes de combate:
1. Felicidade tem limite
Nesse campo estão os argumentos apresentados por Diener: ser feliz demais não é bom. O contentamento em excesso torna as pessoas menos capazes, menos saudáveis, menos atentas a riscos. Além do pragmatismo de Diener, há uma questão de essência. “Cedo ou tarde na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável”, escreveu o escritor italiano Primo Levi, um sobrevivente de um campo de extermínio nazista durante a Segunda Guerra Mundial. “Poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza, eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer ‘infinito’.”
Há ainda uma terceira forma de entender os limites da felicidade. Só conseguimos ter a percepção de um sentimento em comparação com outros estados de ânimo. Como demonstram vários estudos, é a variação do humor que nos causa espasmos de alegria ou de tristeza.
2. Sem obstáculos, não há vitória
(...)
Algumas pessoas que passam por grandes traumas, como a perda de um ente querido, relatam que se tornaram mais completas depois de passar pela experiência, afirma o psicólogo Jonathan Haidt, da Universidade de Virgínia, nos EUA, em seu livro The Happiness Hypothesis (A Hipótese da Felicidade). “Quem passa por episódios traumáticos aprende a se conhecer melhor e passa a valorizar as coisas que realmente têm importância”, escreveu Haidt. Elas dão mais valor à amizade, à família, ao tempo livre, apreciam o que têm e entendem melhor seus limites.
“Só quem vive emoções profundas e passa pela dor e pelo sofrimento é capaz de se realizar na plenitude. O homem é um ser ambíguo”, diz o filósofo brasileiro Franklin Leopoldo e Silva, que no ano passado publicou um livro chamado Felicidade – Dos Filósofos Pré-Socráticos aos Contemporâneos.
Não é por algum ingrediente precioso que o sofrimento molda o caráter. Para Haidt, isso acontece porque nós somos seres viciados em contar histórias. O que sabemos sobre nós mesmos é um relato que continuamente reescrevemos, escolhendo o que lembrar do passado e o que projetar para o futuro. As adversidades nos ajudam a criar histórias melhores. (Ou você acha que a Branca de Neve seria um bom conto se a bruxa nunca a tivesse envenenado? Hamlet teria feito sucesso se não vivesse atormentado pelo drama do assassinato de seu pai?)
É claro que os traumas, assim como podem “purificar”, podem matar. Ou estragar uma vida inteira. Crianças são especialmente suscetíveis. Algumas pesquisas mostram que a melhor época para enfrentar um grande desafio na vida é a que vai do início da adolescência até os 20 e poucos anos – quando é assim, a probabilidade de o episódio servir de estímulo, em vez de fator de paralisia, é maior.
3. A alegria ou a vida
Um terceiro ponto de defesa da tristeza vem da teoria evolucionista. Os sentimentos negativos, como angústia, tristeza e pessimismo, fazem parte de nossa natureza. A seleção natural os favoreceu porque, se não os tivéssemos, seríamos presas fáceis de adversidades. Imagine um homem pré-histórico extremamente feliz e despreocupado, saindo desarmado no meio da selva. Se esse ancestral existiu algum dia, ele morreu, provavelmente comido por um grande felino. O que sobreviveu, e deu origem à espécie humana, foi seu primo preocupado, atento – por vezes angustiado e rabugento. É assim com todos os animais. O estado de tensão é uma condição necessária à vida.
No livro Felicidade, o economista Eduardo Giannetti aponta outros riscos que o contentamento exagerado traria para a sobrevivência da civilização. Segundo Giannetti, a invenção de uma pílula que provesse todos os cidadãos de felicidade provocaria danos irreparáveis ao mundo. Na ausência de sentimentos negativos como culpa, vergonha, remorso e arrependimento, todos eles neutralizados pelo tal remédio, haveria um enfraquecimento do respeito às normas morais de convivência. As pessoas não se sentiriam psicologicamente inibidas para praticar atos terríveis porque, ao tomar a pílula, deixariam de sentir culpa ao prejudicar alguém. O resultado seria o caos completo, que muito provavelmente resultaria no aniquilamento do mundo tal qual o conhecemos.
A matéria completa pode ser acessada na página da revista Época.