Deus sob controle: Programas para prever religiões
Enviado: 22 Abr 2008, 16:14
Pesquisadores querem criar programas de computador para prever o futuro das religiões
Marcela Buscato
QUESTÃO DE FÉ
Peregrinos católicos visitam o Vaticano. A ciência quer explicar o que move essas pessoas
O antropólogo britânico harvey Whitehouse estuda religiões há 20 anos. Na década de 1980, passou dois anos em pequenas ilhas do Pacífico pesquisando crenças e tradições desses povos. Hoje, é chefe da Escola de Antropologia e Museu Etnográfico da Universidade de Oxford, na Inglaterra, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do mundo. Whitehouse é o que se pode chamar de ateu convicto. “Mas não é que às vezes penso como uma pessoa religiosa?”, diz. “Quando algo dá muito certo, me vejo dizendo ‘Muito obrigado’ a um ser que não consigo identificar. Por quê?”
Whitehouse está à frente de um novo estudo que promete acabar com essa e outras questões que intrigam a ciência quando o assunto é a crença em entidades divinas. O projeto Explicando a Religião (Exrel) é um dos mais ousados estudos sobre o tema. Reúne psicólogos, antropólogos e economistas de nove universidades européias e cinco instituições americanas. O objetivo é reunir as características comuns às religiões para entender como esses aspectos universais são processados pela mente humana. Será que os mecanismos psicológicos
que fazem um cristão acreditar na divindade de Jesus são os mesmos que reforçam a crença de um muçulmano em Alá?
Com base nas respostas a essas perguntas, seria possível fazer programas de computador para tentar prever a dinâmica de movimentos religiosos. Os modelos considerariam os mecanismos psicológicos ligados a crenças, variáveis políticas e territoriais de uma região e a visão da sociedade sobre grupos religiosos. Com isso, os pesquisadores poderiam dizer se novos grupos fundamentalistas podem surgir no Oriente Médio ou se esse tipo de movimento acabaria no caso de mudanças políticas na região. “Eu não quero exagerar sobre o que poderemos fazer”, diz Whitehouse. “Mas, ao antecipar possíveis desdobramentos, poderíamos propor estratégias para ajudar a resolver conflitos sectários e a violência de grupos fundamentalistas.” Os modelos deverão ficar prontos até o fim de 2010.
O Exrel pertence a uma linha de pesquisa latente há anos no meio acadêmico, que examina a religião como um fenômeno natural. Esses cientistas enfatizam que não estão interessados em demover crentes de suas convicções. Não querem ser confundidos com os novos ateus, intelectuais que acreditam que a oposição à fé poderia encorajar pessoas com dúvidas sobre suas crenças a refutar o pensamento religioso. “Talvez a religião seja como um resfriado comum”, afirma o filósofo americano Daniel Dennett, considerado um dos ateus mais moderados. “Ela simplesmente sobrevive. E isso não significa que é porque nos faz algum bem.”
Os cientistas dizem que prever rumo de movimentos religiosos pode ajudar a resolver conflitos
Fora do movimento dos novos ateus, os cientistas garantem não encarar essas pesquisas como uma chance de a ciência se sobrepor à fé. “A questão é como podemos entender a irracionalidade humana para lidar com ela”, diz o antropólogo americano Scott Atran, da Universidade de Michigan, referência no estudo das religiões. “Não é porque descobrimos por que as pessoas gostam de chocolate que diminuirá a paixão delas por trufas.”
O objetivo do Exrel pode soar ousado para os religiosos. Como seria possível explicar cientificamente assuntos divinos? O debate causa polêmica até nas universidades. Há anos os pesquisadores especulam sobre a origem do pensamento religioso. E ainda não chegaram a um consenso. Tentar prever o futuro desses movimentos parece ainda mais improvável. Mas a equipe do Exrel está consciente do desafio. “É a parte mais ambiciosa do projeto”, diz um dos organizadores, o antropólogo brasileiro Paulo Sousa, vice-diretor do Instituto de Cognição & Cultura, de Belfast, na Irlanda do Norte. “Talvez nem seja realizável.”
fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... TROLE.html
Marcela Buscato
QUESTÃO DE FÉ
Peregrinos católicos visitam o Vaticano. A ciência quer explicar o que move essas pessoas
O antropólogo britânico harvey Whitehouse estuda religiões há 20 anos. Na década de 1980, passou dois anos em pequenas ilhas do Pacífico pesquisando crenças e tradições desses povos. Hoje, é chefe da Escola de Antropologia e Museu Etnográfico da Universidade de Oxford, na Inglaterra, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do mundo. Whitehouse é o que se pode chamar de ateu convicto. “Mas não é que às vezes penso como uma pessoa religiosa?”, diz. “Quando algo dá muito certo, me vejo dizendo ‘Muito obrigado’ a um ser que não consigo identificar. Por quê?”
Whitehouse está à frente de um novo estudo que promete acabar com essa e outras questões que intrigam a ciência quando o assunto é a crença em entidades divinas. O projeto Explicando a Religião (Exrel) é um dos mais ousados estudos sobre o tema. Reúne psicólogos, antropólogos e economistas de nove universidades européias e cinco instituições americanas. O objetivo é reunir as características comuns às religiões para entender como esses aspectos universais são processados pela mente humana. Será que os mecanismos psicológicos
que fazem um cristão acreditar na divindade de Jesus são os mesmos que reforçam a crença de um muçulmano em Alá?
Com base nas respostas a essas perguntas, seria possível fazer programas de computador para tentar prever a dinâmica de movimentos religiosos. Os modelos considerariam os mecanismos psicológicos ligados a crenças, variáveis políticas e territoriais de uma região e a visão da sociedade sobre grupos religiosos. Com isso, os pesquisadores poderiam dizer se novos grupos fundamentalistas podem surgir no Oriente Médio ou se esse tipo de movimento acabaria no caso de mudanças políticas na região. “Eu não quero exagerar sobre o que poderemos fazer”, diz Whitehouse. “Mas, ao antecipar possíveis desdobramentos, poderíamos propor estratégias para ajudar a resolver conflitos sectários e a violência de grupos fundamentalistas.” Os modelos deverão ficar prontos até o fim de 2010.
O Exrel pertence a uma linha de pesquisa latente há anos no meio acadêmico, que examina a religião como um fenômeno natural. Esses cientistas enfatizam que não estão interessados em demover crentes de suas convicções. Não querem ser confundidos com os novos ateus, intelectuais que acreditam que a oposição à fé poderia encorajar pessoas com dúvidas sobre suas crenças a refutar o pensamento religioso. “Talvez a religião seja como um resfriado comum”, afirma o filósofo americano Daniel Dennett, considerado um dos ateus mais moderados. “Ela simplesmente sobrevive. E isso não significa que é porque nos faz algum bem.”
Os cientistas dizem que prever rumo de movimentos religiosos pode ajudar a resolver conflitos
Fora do movimento dos novos ateus, os cientistas garantem não encarar essas pesquisas como uma chance de a ciência se sobrepor à fé. “A questão é como podemos entender a irracionalidade humana para lidar com ela”, diz o antropólogo americano Scott Atran, da Universidade de Michigan, referência no estudo das religiões. “Não é porque descobrimos por que as pessoas gostam de chocolate que diminuirá a paixão delas por trufas.”
O objetivo do Exrel pode soar ousado para os religiosos. Como seria possível explicar cientificamente assuntos divinos? O debate causa polêmica até nas universidades. Há anos os pesquisadores especulam sobre a origem do pensamento religioso. E ainda não chegaram a um consenso. Tentar prever o futuro desses movimentos parece ainda mais improvável. Mas a equipe do Exrel está consciente do desafio. “É a parte mais ambiciosa do projeto”, diz um dos organizadores, o antropólogo brasileiro Paulo Sousa, vice-diretor do Instituto de Cognição & Cultura, de Belfast, na Irlanda do Norte. “Talvez nem seja realizável.”
fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... TROLE.html