Spinoza, Einstein e liberdade

Fórum de discussão de assuntos relevantes para o ateísmo, agnosticismo, humanismo e ceticismo. Defesa da razão e do Método Científico. Combate ao fanatismo e ao fundamentalismo religioso.
Avatar do usuário
APODman
Mensagens: 4237
Registrado em: 24 Out 2005, 16:31

Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por APODman »


Spinoza, Einstein e liberdade

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

"Minhas idéias estão próximas das de Spinoza: admiração pela beleza e crença na simplicidade lógica da ordem e da harmonia que percebemos, humilde e imperfeitamente. Devemos aceitar que nosso conhecimento é imperfeito e tratar questões morais e valores como problemas humanos."

Assim escreveu Albert Einstein, referindo-se a Bento (ou, em seu nome judaico, Baruch) Spinoza, o grande filósofo de origem portuguesa que viveu em meados do século 17 na Holanda. Os dois tinham um espírito rebelde e iconoclasta, pondo-se contra a ordem vigente: Einstein repensando como compreendemos e representamos o espaço, o tempo e a matéria, e Spinoza abolindo Deus como guia necessário para a moral humana.

As idéias de Spinoza custaram-lhe caro. O século 17 começou com Giordano Bruno queimado na fogueira em 1600 e viu Galileu ser forçado a abandonar sua opinião de que o Sol e não a Terra era o centro do cosmo, como dizia a Igreja Católica. Mesmo dentro da comunidade judaica em que vivia Spinoza, filho de ricos comerciantes portugueses, idéias contrárias eram punidas com a excomunhão e até punições físicas: a comunidade forçava o rebelde a abjurar suas idéias e o "libertava" das impurezas da mente com 39 chicotadas. Melhor do que as torturas da Inquisição, mas nada agradável.

Spinoza, que revelou-se um aluno brilhante de religião ainda jovem, mostrou-se também um pensador livre e nada tímido. Quando começou a questionar a natureza de Deus, dizendo que não podia ter forma humana ou existir fora da natureza, sua situação dentro da comunidade piorou rapidamente. No dia 27 de julho de 1656, foi banido da sinagoga. Conforme escreveu Einstein, "acredito no Deus de Spinoza, um Deus que se manifesta na harmonia de tudo o que existe, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações dos homens". Para Spinoza, as próprias leis da natureza podiam ser identificadas com a mente de Deus. Deus não existe em separado, em estado transcendente. Num certo sentido, Deus é a natureza em todas as suas manifestações.

Mas a influência de Spinoza vai além das ciências naturais, inspirando também as ciências da mente. O neurocientista António Damásio publicou uma trilogia onde discute idéias sobre o inconsciente baseadas em parte em Spinoza. Conforme escreveu Stuart Hampshire, um filósofo inglês, Spinoza ampliou o pensamento de Descartes e Galileu, que diziam que a linguagem da natureza era a matemática. Para Spinoza, era necessária uma outra linguagem, a linguagem que descreve as atividades dos indivíduos. Com isso, trouxe a responsabilidade ética de volta ao homem: "Cada coisa tenta, com os poderes que tem, preservar sua existência", escreveu. Não é à toa que Spinoza influenciou tanto Freud quanto Lacan, mesmo que Freud tenha mantido essa influência em segredo. Em uma carta de 1932, Freud escreveu: "Tive, por toda a vida, uma estima extraordinária pela pessoa e pelo pensamento daquele grande filósofo. Mas não acredito que tenha o direito de dizer algo sobre ele, pois o que poderia dizer já foi dito por outros". Já Lacan, em sua aula inaugural em 1964 na Escola Normal Superior chamada sarcasticamente de "A Excomunhão", contou como a Associação Internacional de Psicanálise o expulsou e proibiu de treinar psicanalistas. Como nos ensinou Spinoza, o indivíduo exerce sua liberdade através do uso da razão e da imaginação. Mesmo que, como no seu caso, o preço dessa liberdade às vezes seja a incompreensão dos que o cercam.



fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienci ... 200602.htm

[ ]´s
You wanna fuck with me? Okay. You wanna play rough? Okay. Say hello to my little friend!
Tony Montana

Mantra diário dos Criacionistas:
"Que mal poderia haver se um homem dissesse uma grande mentira para o bem e para a igreja Cristã... uma mentira sem necessidade, uma mentira útil, tais mentiras não seriam contra Deus, ele as aceitaria."
Martinho Lutero
-----//-----
Imagem

Avatar do usuário
cyrix
Mensagens: 488
Registrado em: 24 Out 2005, 20:39
Gênero: Masculino

Mensagem por cyrix »

Acho que muitos dos que macaqueiam frases de Einstein, principalmente aquela "Deus não joga dados", deveriam prestar atençã sobre o que ele entendia por "deus", antes de dar tiro no pé.
Onde há dúvida,há liberdade!
Reencarnação na Bíblia

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Bem...,
O fato é que Gleiser mostrou uma idéia completamente equivocada sobre as proposições de Spinoza, invertendo a ordem e o significado de algumas delas:


Marcelo Gleiser escreveu:Spinoza, que revelou-se um aluno brilhante de religião ainda jovem, mostrou-se também um pensador livre e nada tímido. Quando começou a questionar a natureza de Deus, dizendo que não podia ter forma humana ou existir fora da natureza, sua situação dentro da comunidade piorou rapidamente.


Spinoza não defendia que Deus não podia existir fora da natureza, mas que a natereza não podia existir fora de Deus, o que é muito diferente.


Marcelo Gleiser escreveu:Conforme escreveu Einstein, "acredito no Deus de Spinoza, um Deus que se manifesta na harmonia de tudo o que existe, e não num Deus que se preocupa com o destino e as ações dos homens".


Se Einstein disse isto não deve ter prestado atenção ao comentário de Spinoza sobre aqueles que acreditam que os movimentos celestes compõem uma harmonia se deixam enganar por sua imaginação, chegando a chamar que assim o faz de ignorantes.
Weeellll... Gleiser deveria dar uma checada no Apêndice da parte I de Ética.


Marcelo Gleiser escreveu:Para Spinoza, as próprias leis da natureza podiam ser identificadas com a mente de Deus. Deus não existe em separado, em estado transcendente. Num certo sentido, Deus é a natureza em todas as suas manifestações.


Receio que Gleiser tenha colocado suas próprias opiniões sobre Deus na boca de Spinoza.
Baruch definiu Deus como sendo "um ser absolutamente infinito, isto é uma substância composta de uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita". Há um monte de outras definições, axiomas, proposições e corolários de Spinoza que evidenciam claramente que sua idéia de Deus não tem nada a ver com a que Gleiser colocou, mas basta a definição de Deus dada pelo filósofo para encerrar o caso.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Valew APOD! Agora eu já sei de onde o Gleiser tirou aquela idéia de que o universo pode ser como um jogo dos deuses no qual somos apenas meros espectadores.

A metafora de Gleiser, além de muito bem utilizada, possui um grande valor estético. Não é em vão que ele está na lista dos escritores que admiro.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Acauan escreveu:Spinoza não defendia que Deus não podia existir fora da natureza, mas que a natereza não podia existir fora de Deus, o que é muito diferente.


Eu acho que o Marcelo apenas quis falar da questão da imanência. Que Deus é imanente ao nosso conhecimento. Pelo menos quando eu li pensei de cara na distinção entre Deus imanente e Deus transcendente. Não é o caso de eu discordar de vc, mas pra mim pareceu que ele quis dizer isso.

Acauan escreveu:Receio que Gleiser tenha colocado suas próprias opiniões sobre Deus na boca de Spinoza.
Baruch definiu Deus como sendo "um ser absolutamente infinito, isto é uma substância composta de uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita". Há um monte de outras definições, axiomas, proposições e corolários de Spinoza que evidenciam claramente que sua idéia de Deus não tem nada a ver com a que Gleiser colocou, mas basta a definição de Deus dada pelo filósofo para encerrar o caso.



Vc fala isso tendo em mente que o universo é finito, né? Interessante o seu comentário. Eu não tinha pensado nisso antes.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Sky
Mensagens: 136
Registrado em: 12 Jan 2006, 13:10

Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Sky »

Spinoza era determinista, mas segundo Bertrand Russel, apesar de não ser o maior dos Filósofos, era o mais ético de todos. Fora isto... a filosofia racionalista de espinoza, que tenta deduzir a verdade da natureza como um teorema da matemática é um porcaria e uma seca que dá sono...

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Sky escreveu:Spinoza era determinista, mas segundo Bertrand Russel, apesar de não ser o maior dos Filósofos, era o mais ético de todos. Fora isto... a filosofia racionalista de espinoza, que tenta deduzir a verdade da natureza como um teorema da matemática é um porcaria e uma seca que dá sono...


E daí? Não vi ninguém lhe perguntando se a filosofia de Spinoza lhe dá sono. Russel disse que ele não é o maior, mas de uma coisa eu tenho certeza. Maior que o um metro e meio de altura (digo de baixura) do Kant ele é.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Fayman
Mensagens: 4072
Registrado em: 24 Out 2005, 14:22

Mensagem por Fayman »

Maior que o um metro e meio de altura (digo de baixura) do Kant ele é.

Realmente, o papo agora está se tornando... filosófico!

Fernando, nota 10 pelo termo "baixura"! :emoticon16:
Fayman

autor de:

OS GUARDIÕES DO TEMPO
RELÂMPAGOS DE SANGUE

ANJO - A FACE DO MAL
AMOR VAMPIRO
(Coletânea 7 autores)

Avatar do usuário
Sky
Mensagens: 136
Registrado em: 12 Jan 2006, 13:10

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Sky »

Fernando escreveu:
Sky escreveu:Spinoza era determinista, mas segundo Bertrand Russel, apesar de não ser o maior dos Filósofos, era o mais ético de todos. Fora isto... a filosofia racionalista de espinoza, que tenta deduzir a verdade da natureza como um teorema da matemática é um porcaria e uma seca que dá sono...


E daí? Não vi ninguém lhe perguntando se a filosofia de Spinoza lhe dá sono. Russel disse que ele não é o maior, mas de uma coisa eu tenho certeza. Maior que o um metro e meio de altura (digo de baixura) do Kant ele é.


O Kant é a maior seca e dor de cabeça do universo (também ninguém me perguntou nada sobre isso). E a opinião que eu dei do Spinoza é pessoal. Quando e leio algo sobre filosofia não quero ver a demonstração de um teorema...

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Sky escreveu:
Fernando escreveu:
Sky escreveu:Spinoza era determinista, mas segundo Bertrand Russel, apesar de não ser o maior dos Filósofos, era o mais ético de todos. Fora isto... a filosofia racionalista de espinoza, que tenta deduzir a verdade da natureza como um teorema da matemática é um porcaria e uma seca que dá sono...


E daí? Não vi ninguém lhe perguntando se a filosofia de Spinoza lhe dá sono. Russel disse que ele não é o maior, mas de uma coisa eu tenho certeza. Maior que o um metro e meio de altura (digo de baixura) do Kant ele é.


O Kant é a maior seca e dor de cabeça do universo (também ninguém me perguntou nada sobre isso). E a opinião que eu dei do Spinoza é pessoal. Quando e leio algo sobre filosofia não quero ver a demonstração de um teorema...


Ninguém quer saber da sua opinião. Eu não sei pq as pessoas acham muito importante ter uma opinião e sair falando dela a torta e direita. Até parece que os outros querem ouvir.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Sky
Mensagens: 136
Registrado em: 12 Jan 2006, 13:10

Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Sky »

Obrigado pela sua opinião... :emoticon12:

Avatar do usuário
Sky
Mensagens: 136
Registrado em: 12 Jan 2006, 13:10

Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Sky »

E Fernando, deixa de palhaçada. Isto é um Fórum e tudo o que podemos dar é opinião...

Avatar do usuário
Sky
Mensagens: 136
Registrado em: 12 Jan 2006, 13:10

Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Sky »

Tipo chato e florzinha... :emoticon12:

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Fernando escreveu:
Acauan escreveu:Receio que Gleiser tenha colocado suas próprias opiniões sobre Deus na boca de Spinoza.
Baruch definiu Deus como sendo "um ser absolutamente infinito, isto é uma substância composta de uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita". Há um monte de outras definições, axiomas, proposições e corolários de Spinoza que evidenciam claramente que sua idéia de Deus não tem nada a ver com a que Gleiser colocou, mas basta a definição de Deus dada pelo filósofo para encerrar o caso.

Vc fala isso tendo em mente que o universo é finito, né? Interessante o seu comentário. Eu não tinha pensado nisso antes.


Pois é, o conceito de substância infinita de Spinoza nunca poderia ser a soma de partes finitas.
Gleiser parece cometer um erro comum que é confundir o monismo de Spinoza como panteísmo, talvez influenciado mais pelo julgamento que os religiosos fazem dos escritos do filósofo do que pela idéias dele analisadas direto da fonte.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Sky escreveu:Spinoza era determinista, mas segundo Bertrand Russel, apesar de não ser o maior dos Filósofos, era o mais ético de todos. Fora isto... a filosofia racionalista de espinoza, que tenta deduzir a verdade da natureza como um teorema da matemática é um porcaria e uma seca que dá sono...


O problema das demonstrações de Spinoza é que elas apenas desdobram os conceitos contidos nas definições e axiomas, sem apresentar qualquer razão pela qual as definições e axiomas devam ser considerados válidos e verdadeiros.

Isto não é problema na geometria, onde através da representação é possível constatar que certas proposições se mostram válidas e verdadeiras sempre que aferidas, como a soma dos ângulos internos do triângulo.

Ao levar o mesmo método para a Teologia, Spinoza carece de representações passíveis de aferição que tornem suas demonstrações minimamente sustentáveis fora do universo específico do pensamento.
Como coisa alguma existe porque pensamos que ele exista, tem-se que provar existência assim não é provar absolutamente nada.
Editado pela última vez por Acauan em 16 Jan 2006, 16:45, em um total de 1 vez.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Sky escreveu:E Fernando, deixa de palhaçada. Isto é um Fórum e tudo o que podemos dar é opinião...


Não. Também podemos falar de verdades, provas, ou até mesmo de coisas prováveis. :emoticon4:

Mas já que o que importa é dar opinião.

Vc é o maior seca, heim cara!
:emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12: :emoticon12:
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Acauan escreveu:O problema das demonstrações de Spinoza é que elas apenas desdobram os conceitos contidos nas definições e axiomas, sem apresentar qualquer razão pela qual as definições e axiomas devam ser considerados válidos e verdadeiros.

Isto não é problema na geometria, onde através da representação é possível constatar que certas proposições se mostram válidas e verdadeiras sempre que aferidas, como a soma dos ângulos internos do triângulo.

Ao levar o mesmo método para a Teologia, Spinoza carece de representações passíveis de aferição que tornem suas demonstrações minimamente sustentáveis fora do universo específico do pensamento.
Como coisa alguma existe porque pensamos que ele exista, tem-se que provar existência assim não é provar absolutamente nada.


Acauan,

É muito provável que Espinosa tenha escrito a Ética em modo geométrico não para constituir um sistema robusto e indestrutível, mas apenas para diminuir a possibilidade de interpretações absurdas.

Veja bem. Espinosa é um jovem marrano que percebeu muito cedo que poderia perder sua cabeça por dizer coisas que desagradassem a outras pessoas. Mesmo criado num ambiente cultural com grandes influências do cristianismo, do judaísmo e de outras concepções de mundo, o que fazia com que fossem obrigados a aprender a respeitar as diferenças, Espinosa tinha muitos inimigos, e seria muito fácil que fosse mal interpretado principalmente depois de ser excomungado. Por ter muitos inimigos escreveu o principal livro que conteria a sua filosofia em modo geométrico para dificultar interpretações maldosas que viessem a colocar ainda mais o seu pescoço na corda.

As razões pelas quais vc procura não estão na Ética mas no Tratado da correção do intelecto. A Ética é o grande resultado do Tratado. Assim como este é o melhro livro de introdução àquela. Não apenas por deixar o conteúdo dela mais fácil e mais ascessível ao leitor, mas para que ele compreenda justamente as razões pelas quais a Ética deve ser levada a cabo.

Para Espinosa a filosofia começa quando procuramos por um bem que não esteja sujeito ao malogro da fortuna. Resumindo, a filosifia começa quando percebemos que a nossa felicidade pode não estar pautada apenas na busca de prazeres, de riquezas e de fama. Pois na mesma medida em que todas estas coisas são bens, podem ser males se buscados como fins em si mesmos.

Neste meio descobrimos que para alcançarmos a felicidade, temos buscar a perfeição através da união da mente com a Natureza. Para isso temos que compreender todos os modos que comumente usamos para perceber algo, e depois disso escolher o melhor e mais perfeito. Feito isso já teremos critérios para começar a distinguir idéias verdadeiras de idéias falsas. Depois disso temos que aprender o método, que consiste simplesmente no melhoramento do nosso conhecimento da Natureza através do aperfeiçoamento das ferramentas que temos. Assim como os primeiros homens fizeram martelos com pedras, e que a partir de cada novo martelo puderam produzir um mais perfeito. Da mesma forma é o nosso conhecimento. Temos idéias verdadeiras, e quanto mais conhecemos a Natureza, mais capacidade para conhecê-la temos. Depois devemos comprender a via pela qual devemos conduzir nossos esforços. Que consiste em conduzir nosso conhecimento pela idéias verdadeiras dadas, e que o método será tanto mais perfeito quanto mais buscarmos conhecer o ser perfeitíssimo.

Assim passaremos a buscar a diferença entre o necessariamente existente, o necessariamente inexistente. Ambos consistirão, necessariamente, em verdades absolutas. Tudo cuja existência ou inexistência não for necessária é fruto da ficção que criamos pela imaginação.

Da mesma forma, quando conhecemos a natureza de Deus, não podemos fazer de conta que ele não existe, assim como não podemos fazer de conta que a vela ascesa diante de nós está apagada. Só podemos fazê-lo na medida que sabemos que aquilo se trata de uma ficção.

É por isso que se nos perguntarmos pela necessidade da existência de uma coisa qualquer, necessariamente chegaremos a Deus, pois ele é a única coisa que existe por si mesmo e não depende de outro para existir. É por isso que o método será tanto melhor se começarmos logo de saída da idéia de Deus.

Compreendidos os modos de conhecimento, escolhido o melhor, compreendido o método e a via, só resta começar a por este trabalho em ação. É neste ponto que entra a Ética. Não como um Elementos da realidade. Mas como uma filosofia que se compromete em dizer como e porque as coisas são como são.

É por isso que definições passam a dizer a essência das coisas ao invés de simplesmente nos ensinar a usar palavras. Não para fazer uma metafísica matemática, mas para eliminar a possibilidade de que pessoas com más intenções colocassem a cabeça de Espinosa mais em perigo do que já estava.

Vc diz que nada existe pq pensamos que exista. Pra mim isso é um grande teatro hipócrita do materialismo. Pois a ciência está repleta de entes de razão. O átomo é um deles. Ele só existe pq é a única forma de explicar alguns fenômenos. Isso é, o conhecemos a partir de seus efeitos e não em si mesmo. Nada mais imperativo da parte da razão do que isso. Fazer existir uma coisa que só conhecemos do efeito para a causa.

Todo este debate ganharia um tempero a mais se compreendêssemos que entes de razão não existem. Mas isso é papo pra outra hora.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Mensagem por Fernando »

Fayman escreveu:Maior que o um metro e meio de altura (digo de baixura) do Kant ele é.

Realmente, o papo agora está se tornando... filosófico!

Fernando, nota 10 pelo termo "baixura"! :emoticon16:


Comentários bobos só podem ser respondidos com respostas bobas.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Fernando escreveu:Vc diz que nada existe pq pensamos que exista. Pra mim isso é um grande teatro hipócrita do materialismo. Pois a ciência está repleta de entes de razão. O átomo é um deles. Ele só existe pq é a única forma de explicar alguns fenômenos. Isso é, o conhecemos a partir de seus efeitos e não em si mesmo. Nada mais imperativo da parte da razão do que isso. Fazer existir uma coisa que só conhecemos do efeito para a causa.

Todo este debate ganharia um tempero a mais se compreendêssemos que entes de razão não existem. Mas isso é papo pra outra hora.


Fernando,

Não há nenhuma hipocrisia em dizer que nada existe porque pensamos que exista pelo fato auto-evidente de que o pensamento humano, por sí só, não confere existência a coisa alguma.
O que existe, existe em si e não no pensamento de quem o reconhece como existente.
Se átomos existem, eles existem, independente de nosso pensamento a respeito deles ser correto ou absurdo, e se não existirem, a regra continua valendo.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Fernando escreveu: Acauan,

As razões pelas quais vc procura não estão na Ética mas no Tratado da correção do intelecto. A Ética é o grande resultado do Tratado. Assim como este é o melhro livro de introdução àquela. Não apenas por deixar o conteúdo dela mais fácil e mais ascessível ao leitor, mas para que ele compreenda justamente as razões pelas quais a Ética deve ser levada a cabo.


As boas edições de Ética possuem notas correlacionando as proposições desta com as do Tratado, assim como traçam frequentes paralelos entre a abordagem de Spinoza e as de Descartes ou Leibniz sobre o mesmo tema.

De fato não é uma obra para ser analisada isoladamente.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Acauan escreveu:Fernando,

Não há nenhuma hipocrisia em dizer que nada existe porque pensamos que exista pelo fato auto-evidente de que o pensamento humano, por sí só, não confere existência a coisa alguma.
O que existe, existe em si e não no pensamento de quem o reconhece como existente.
Se átomos existem, eles existem, independente de nosso pensamento a respeito deles ser correto ou absurdo, e se não existirem, a regra continua valendo.


Eu apenas quero chamar atenção para o fato de que sempre precisamos FALAR daquilo que é a realidade. Isso nos abriga a ter um DISCURSO sobre a realidade. Este discurso apresenta APORIAS que, dependendo do caso, podem garantir a existência ou não de tal coisa.

Não há nenhum problema em dizer que exista uma realidade independente das nossas aporias (entendendo-as aqui como se fossem algo pessoal ou subjetivo). Mas há um problema enorme quando queremos fazer de conta que podemos falar desta realidade sem que encontremos aporias que nos abriguem a aceitar ou recusar determinadas coisas.

Todo experimento é também linguagem. Pq a própria percepção do mundo empírico é linguagem. Não dá pra criticar alguém por porpor aporias sendo que a ciência funciona pelas mesmas aporias.

O verdadeiro plano de fundo do nosso debate, e que, talvez, valesse a pena ser discutido, é: são possíveis intuições intelectuais? Ou apenas intuições empíricas?

Vc acha que intuições intelectuais não são possíveis pois são apenas o nosso pensamento. De fato, se forem apenas conclusões do nosso pensamento, não podem ser possíveis. O problema é que nenhum racionalista diz que as intuições intelectuais são mero pensamento. Eles dizem que elas são a percepção das coisas mesmas. Acho que precisaríamos fazer algum esforço para entender o que isso significa, senão vamos continuar achando que intuições intelectuais são impossíveis.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Fernando
Mensagens: 2501
Registrado em: 24 Out 2005, 14:07

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Fernando »

Acauan escreveu:
Fernando escreveu: Acauan,

As razões pelas quais vc procura não estão na Ética mas no Tratado da correção do intelecto. A Ética é o grande resultado do Tratado. Assim como este é o melhro livro de introdução àquela. Não apenas por deixar o conteúdo dela mais fácil e mais ascessível ao leitor, mas para que ele compreenda justamente as razões pelas quais a Ética deve ser levada a cabo.


As boas edições de Ética possuem notas correlacionando as proposições desta com as do Tratado, assim como traçam frequentes paralelos entre a abordagem de Spinoza e as de Descartes ou Leibniz sobre o mesmo tema.

De fato não é uma obra para ser analisada isoladamente.


Vc conhece alguma edição além da dos pensadores? Aqui em Curitiba é raro achar Espinosa. Quando eu achei o Tratado da correção do intelecto e o Tratado teológico-político que saíram pela Martins Fontes comprei na hora. Mas a Ética mesmo, só conheço a dos pensadores. Ainda não perguntei nada pro meu orientador pq só vou estudá-la ano que vem no mestrado. Mas fiquei curioso agora que vc falow.
"Nada tem valor algum senão dentro do coração, e não como coisa" (Hegel)

Avatar do usuário
Acauan
Moderador
Mensagens: 12929
Registrado em: 16 Out 2005, 18:15
Gênero: Masculino

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Acauan »

Fernando escreveu:Vc acha que intuições intelectuais não são possíveis pois são apenas o nosso pensamento. De fato, se forem apenas conclusões do nosso pensamento, não podem ser possíveis. O problema é que nenhum racionalista diz que as intuições intelectuais são mero pensamento. Eles dizem que elas são a percepção das coisas mesmas. Acho que precisaríamos fazer algum esforço para entender o que isso significa, senão vamos continuar achando que intuições intelectuais são impossíveis.


Fernando,

Não disse nada sobre intuições intelectuais serem possíveis ou não.
Apenas coloquei o incontestável, que a existência em si independe delas.
Todas as considerações filosóficas sobre nossos meios de aferir esta existência, com maior ou menor correção, podem ser válidas, mas não mudam o fato citado que é evidente em si mesmo.
Nós, Índios.

Acauan Guajajara
ACAUAN DOS TUPIS, o gavião que caminha
Lutar com bravura, morrer com honra.

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!

Avatar do usuário
Res Cogitans
Mensagens: 5575
Registrado em: 24 Out 2005, 21:55
Localização: Hell de Janeiro

Re: Re.: Spinoza, Einstein e liberdade

Mensagem por Res Cogitans »

Fernando escreveu: Vc conhece alguma edição além da dos pensadores?


Imagem
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

Avatar do usuário
Fayman
Mensagens: 4072
Registrado em: 24 Out 2005, 14:22

Mensagem por Fayman »

são possíveis intuições intelectuais?

Olá, Fernando! Só dando um pitaco, pois ando sem muito tempo para debater.

Respondendo à sua questão, desde que eu tenha entendido o que você quer dizer com Intuições intelectuais, a resposta é sim; intuições intelectuais não só são possíveis, como temos vários exemplos delas na Ciência.

Veja o caso de Einstein e a Relatividade Geral. A concepção do Espaço-Tempo como não plano (curvo) foi uma intuição intelectual de Einstein, um fruto exclusivo de seu pensamento e raciocínio, e foi exatamente sobre essa intuição que ele desenvolveu toda a teoria.

Mas a questão que fica, pelo menos dentro da Ciência, é como diferenciar entre duas concepções diferentes, por exemplo, ambas fruto de intuições intelectuais e que descrevam o mesmo fenômeno? Note que, assim como Einstein, Newton também desenvolveu sua teoria da Gravitação baseado em uma intuição intelectual.

Neste exemplo temos então duas concepções distintas (e concorrentes, por assim dizer) para um mesmo fenômeno (Gravidade). Já que concordamos que intuições intelectuais são possíveis, baseado em que você avaliaria essas concepções para estabelecer qual de fato é uma melhor representação para o fenômeno em questão?

Abraços!
Fayman

autor de:

OS GUARDIÕES DO TEMPO
RELÂMPAGOS DE SANGUE

ANJO - A FACE DO MAL
AMOR VAMPIRO
(Coletânea 7 autores)

Trancado