Livro apresenta uma nova visão sobre o pós-guerra na Europa
Enviado: 02 Mai 2008, 16:52
"O Globo" 30/04/08
Há um grande livro na praça, é "Pós-Guerra"
ELIO GASPARI
Saiu um daqueles livros que entram na vida de quem os lê e não saem mais. É "Pós-Guerra - Uma história da Europa desde 1945", do professor anglo-americano Tony Judt. São 848 páginas (1,2 kg) com o majestoso painel de um mundo que em pouco mais de meio século passou da ruína ao controle de mais de um terço da produção mundial. A Segunda Guerra custou à Europa 36 milhões de vidas e desalojou 30 milhões de pessoas. Hoje a União Européia forma um bloco de 500 milhões de cidadãos livres, educados e prósperos, capazes de fazer do século XXI sua hora e vez.
"Pós Guerra" será útil para quem não viveu o período, pois passa longe da matraca das falsificações produzidas durante a Guerra Fria. Judt vira pelo avesso diversas certezas.
Stalin poderia invadir a Europa? Difícil.
Em 1946 o generalíssimo cometeu um dos erros de sua vida. Achava que a guerra era inevitável, mas teria os Estados Unidos de um lado, a Inglaterra de outro e ele de fora.
Entre 1945 e 1947, a União Soviética baixou seu efetivo militar de 11,4 milhões para 2,9 milhões de soldados.
Socialismo? Não houve esse tipo de coisa, o que existiu foi o Estado ditatorial leninista.
Judt parece um malabar da política, da economia e da cultura. Vai da filosofia (o escritor francês Jean Paul Sartre chamava a violência comunista de "humanismo proletário") ao cinema ("A ponte do Rio Kwai" é um sinal de que os ingleses passaram a ver a guerra de outra forma). Quando joga números no meio da narrativa consegue o improvável: aumenta o prazer da leitura. Algumas vezes surpreende: A guerra destruiu apenas 20% da capacidade industrial da Alemanha e tanto ela quanto a Itália, a França, o Japão saíram com mais máquinas e equipamentos do que tinham antes do conflito. A Alemanha administrou a França mandando para lá apenas 1.500 funcionários. (Em 1953 a máquina de propaganda do governo americano tinha 13 mil empregados.) "Pós-Guerra" conta a história de duas Europas. A Ocidental, vigorosa, e a socialista, estagnada. Em 1957 só 2% das casas italianas tinham geladeira. Em 1974 eram 94%.
Segundo Judt, diversos fatores contribuíram para o renascimento europeu, da ajuda americana à liberalização do comércio. Mesmo assim, decisivos mesmo, foram o otimismo e o leite grátis. Mais gente, mais trabalhadores, mais produtos e mais consumidores transformaram as cidades arruinadas na Europa moderna.
O livro tem dois capítulos excepcionais.
"O fantasma da Revolução" conta os anos 60 da juventude do Ocidente. O seguinte, "O fim de caso", narra os 60 do outro lado do Muro.
Judt desmonta a mitologia sessentona com muita erudição, alguma ironia e nenhuma piedade. Ele gosta mais da garotada de Praga do que dos cabeludos de Paris. Sua conclusão: "Os Sessenta acabaram mal em todos os lugares." Dois personagens do fim do século estão muito bem retratados. Margaret Thatcher, por quem Judt tem uma ponta de admiração, mesmo detestando sua política, e Mikhail Gorbachev, a quem maltrata, gostando do que fez. O governante soviético admitia que tocassem rock, desde que fosse "melodioso, coerente e bem executado". "Era isso que Gorbachev queria, um comunismo melodioso, coerente e bem executado", diz Judt.
Há um grande livro na praça, é "Pós-Guerra"
ELIO GASPARI
Saiu um daqueles livros que entram na vida de quem os lê e não saem mais. É "Pós-Guerra - Uma história da Europa desde 1945", do professor anglo-americano Tony Judt. São 848 páginas (1,2 kg) com o majestoso painel de um mundo que em pouco mais de meio século passou da ruína ao controle de mais de um terço da produção mundial. A Segunda Guerra custou à Europa 36 milhões de vidas e desalojou 30 milhões de pessoas. Hoje a União Européia forma um bloco de 500 milhões de cidadãos livres, educados e prósperos, capazes de fazer do século XXI sua hora e vez.
"Pós Guerra" será útil para quem não viveu o período, pois passa longe da matraca das falsificações produzidas durante a Guerra Fria. Judt vira pelo avesso diversas certezas.
Stalin poderia invadir a Europa? Difícil.
Em 1946 o generalíssimo cometeu um dos erros de sua vida. Achava que a guerra era inevitável, mas teria os Estados Unidos de um lado, a Inglaterra de outro e ele de fora.
Entre 1945 e 1947, a União Soviética baixou seu efetivo militar de 11,4 milhões para 2,9 milhões de soldados.
Socialismo? Não houve esse tipo de coisa, o que existiu foi o Estado ditatorial leninista.
Judt parece um malabar da política, da economia e da cultura. Vai da filosofia (o escritor francês Jean Paul Sartre chamava a violência comunista de "humanismo proletário") ao cinema ("A ponte do Rio Kwai" é um sinal de que os ingleses passaram a ver a guerra de outra forma). Quando joga números no meio da narrativa consegue o improvável: aumenta o prazer da leitura. Algumas vezes surpreende: A guerra destruiu apenas 20% da capacidade industrial da Alemanha e tanto ela quanto a Itália, a França, o Japão saíram com mais máquinas e equipamentos do que tinham antes do conflito. A Alemanha administrou a França mandando para lá apenas 1.500 funcionários. (Em 1953 a máquina de propaganda do governo americano tinha 13 mil empregados.) "Pós-Guerra" conta a história de duas Europas. A Ocidental, vigorosa, e a socialista, estagnada. Em 1957 só 2% das casas italianas tinham geladeira. Em 1974 eram 94%.
Segundo Judt, diversos fatores contribuíram para o renascimento europeu, da ajuda americana à liberalização do comércio. Mesmo assim, decisivos mesmo, foram o otimismo e o leite grátis. Mais gente, mais trabalhadores, mais produtos e mais consumidores transformaram as cidades arruinadas na Europa moderna.
O livro tem dois capítulos excepcionais.
"O fantasma da Revolução" conta os anos 60 da juventude do Ocidente. O seguinte, "O fim de caso", narra os 60 do outro lado do Muro.
Judt desmonta a mitologia sessentona com muita erudição, alguma ironia e nenhuma piedade. Ele gosta mais da garotada de Praga do que dos cabeludos de Paris. Sua conclusão: "Os Sessenta acabaram mal em todos os lugares." Dois personagens do fim do século estão muito bem retratados. Margaret Thatcher, por quem Judt tem uma ponta de admiração, mesmo detestando sua política, e Mikhail Gorbachev, a quem maltrata, gostando do que fez. O governante soviético admitia que tocassem rock, desde que fosse "melodioso, coerente e bem executado". "Era isso que Gorbachev queria, um comunismo melodioso, coerente e bem executado", diz Judt.