A IGREJA CATÓLICA E A MODA DO PERDÃO
Enviado: 11 Mai 2008, 21:20
João Miguel Tavares - Jornalista
jmtavares@dn.pt
A Igreja Católica rendeu-se à moda do perdão. Perdão aos muçulmanos, perdão aos judeus, perdão a Galileu, perdão a todos os que foram ofendidos nos últimos 20 séculos, perdão a tudo o que mexe e, sobretudo, perdão aos que já não mexem. A humildade fica sempre bem e está de acordo com metade da mensagem de Jesus: pedir desculpa e desculpar os outros. Só que - parte chata - o homem continuou a falar, e é na outra metade que mora a verdadeira ética cristã. Alguém se lembra da história da mulher adúltera? "Vai, e de agora em diante não tornes a pecar", diz-lhe Jesus. O pedido de perdão e o reconhecimento do erro só têm valor se a partir daí houver mudanças na nossa vida. Ora, a Igreja Católica pede perdão com muita facilidade, mas tem muita dificuldade em emendar-se. E é por isso que o encontro de Bento XVI com vítimas da pedofilia nos Estados Unidos não me impressiona por aí além. Pode ser bonito - lá saiu mais um perdão, agora para os abusados de Boston - mas não muda coisa nenhuma.
A dimensão da pedofilia no seio da Igreja Católica americana atingiu uma dimensão impensável, envolvendo mais de quatro mil padres, cerca de 4% de todo o clero. No total, foram pagos dois mil milhões de dólares em indemnizações. Dois mil milhões de dólares. Imaginem um católico a pôr uma moedinha no cofre da igreja cheio de vontade de ajudar os pobres e depois ver esse dinheiro ser desviado para o bolso de uma das 13 mil vítimas que foram abusadas por padres em criança. Mais do que isso: as violações por parte de sacerdotes foram abafadas pela hierarquia católica, com variadíssimos bispos (e pelo menos um cardeal) envolvidos na estratégia de silenciamento, optando por proteger os abusadores durante décadas e décadas.
Vale a pena pedir desculpa por uma coisa destas? É sequer possível perdoar? Bento XVI acha que sim. Só que, como várias vítimas reclamaram, o que se pede são actos e não palavras. Existem reivindicações concretas, que passam pela mudança das leis canónicas, mas existe um problema global, relacionado com a forma como a estrutura da Igreja convida ao silêncio e à submissão e, sobretudo, como ela entende a sexualidade. Esta é uma conversa antiga, que habitualmente se esgota na questão do preservativo. Mas a obrigatoriedade do celibato não é menos perniciosa. Seria certamente injusto fazer uma ligação directa entre o celibato e a pedofilia, tanto mais que há estudos sobre o assunto (poucos) que indiciam que as diferenças nas percentagens de sacerdotes católicos e protestantes envolvidos em abusos não é significativa. Mas mais de quatro mil padres pedófilos não pode ser uma simples coincidência. É preciso reflectir. Encontrar causas. Mudar tudo. A Igreja pode pedir os perdões que quiser, mas enquanto não olhar realmente para dentro de si são apenas palavras vãs. Mesmo que saiam da boca de um papa.|
jmtavares@dn.pt
A Igreja Católica rendeu-se à moda do perdão. Perdão aos muçulmanos, perdão aos judeus, perdão a Galileu, perdão a todos os que foram ofendidos nos últimos 20 séculos, perdão a tudo o que mexe e, sobretudo, perdão aos que já não mexem. A humildade fica sempre bem e está de acordo com metade da mensagem de Jesus: pedir desculpa e desculpar os outros. Só que - parte chata - o homem continuou a falar, e é na outra metade que mora a verdadeira ética cristã. Alguém se lembra da história da mulher adúltera? "Vai, e de agora em diante não tornes a pecar", diz-lhe Jesus. O pedido de perdão e o reconhecimento do erro só têm valor se a partir daí houver mudanças na nossa vida. Ora, a Igreja Católica pede perdão com muita facilidade, mas tem muita dificuldade em emendar-se. E é por isso que o encontro de Bento XVI com vítimas da pedofilia nos Estados Unidos não me impressiona por aí além. Pode ser bonito - lá saiu mais um perdão, agora para os abusados de Boston - mas não muda coisa nenhuma.
A dimensão da pedofilia no seio da Igreja Católica americana atingiu uma dimensão impensável, envolvendo mais de quatro mil padres, cerca de 4% de todo o clero. No total, foram pagos dois mil milhões de dólares em indemnizações. Dois mil milhões de dólares. Imaginem um católico a pôr uma moedinha no cofre da igreja cheio de vontade de ajudar os pobres e depois ver esse dinheiro ser desviado para o bolso de uma das 13 mil vítimas que foram abusadas por padres em criança. Mais do que isso: as violações por parte de sacerdotes foram abafadas pela hierarquia católica, com variadíssimos bispos (e pelo menos um cardeal) envolvidos na estratégia de silenciamento, optando por proteger os abusadores durante décadas e décadas.
Vale a pena pedir desculpa por uma coisa destas? É sequer possível perdoar? Bento XVI acha que sim. Só que, como várias vítimas reclamaram, o que se pede são actos e não palavras. Existem reivindicações concretas, que passam pela mudança das leis canónicas, mas existe um problema global, relacionado com a forma como a estrutura da Igreja convida ao silêncio e à submissão e, sobretudo, como ela entende a sexualidade. Esta é uma conversa antiga, que habitualmente se esgota na questão do preservativo. Mas a obrigatoriedade do celibato não é menos perniciosa. Seria certamente injusto fazer uma ligação directa entre o celibato e a pedofilia, tanto mais que há estudos sobre o assunto (poucos) que indiciam que as diferenças nas percentagens de sacerdotes católicos e protestantes envolvidos em abusos não é significativa. Mas mais de quatro mil padres pedófilos não pode ser uma simples coincidência. É preciso reflectir. Encontrar causas. Mudar tudo. A Igreja pode pedir os perdões que quiser, mas enquanto não olhar realmente para dentro de si são apenas palavras vãs. Mesmo que saiam da boca de um papa.|