O crime do senador contra o Islã

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DIG
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O crime do senador contra o Islã

Mensagem por DIG »

Edward N. Luttwak*


Barack Obama emergiu como um clássico exemplo de liderança carismática - uma figura na qual os outros projetam as próprias esperanças e desejos. A intensidade emocional resultante acrescenta muito às qualidades mais convencionais da campanha bem organizada do senador, e foi certamente o bastante para superar as formidáveis vantagens iniciais da senadora Hillary Clinton.

Entretanto, um dos perigos de tal carisma é a possibilidade de este invocar esperanças irreais quanto àquilo que um candidato poderia de fato realizar durante o mandato, independentemente de suas habilidades pessoais. O caso a que me refiro é a afirmação feita com freqüência de que a presidência de Obama seria bem recebida pelo mundo muçulmano.

Essa idéia costuma vir de mãos dadas com o argumento muito mais plausível de que a eleição de Obama melhoraria a estima africana pelos Estados Unidos - de fato, ele já provoca muito entusiasmo no país natal de seu pai, o Quênia, e até certo ponto em outras partes do continente.

Mas é um erro combinar sua identidade africana com sua herança muçulmana. Obama é metade africano de nascimento e os africanos identificam-se compreensivelmente com ele. No Islã, entretanto, não há tal coisa: não existe um meio-muçulmano. Como todas as religiões monoteístas, o Islã é uma fé excludente.

Como filho de pai muçulmano, Obama nasceu muçulmano sob a lei muçulmana, conforme o seu entendimento universal. Não faz diferença o fato de que, conforme escreveu Obama, seu pai dizia ter renunciado à sua religião.

Igualmente, sob a lei muçulmana baseada no Alcorão, o passado cristão de sua mãe é irrelevante.

É claro que, como entende a maioria dos americanos, Obama não é muçulmano. Ele optou por tornar-se cristão, e de fato escreveu de maneira convincente para explicar como chegou a essa escolha e como a sua fé cristã é importante para ele.

No entanto, sua conversão foi um crime aos olhos muçulmanos; trata-se de "irtidad" ou "ridda", habitualmente traduzida do árabe como "apostasia", mas com conotações de rebelião e traição. De fato, é o pior de todos os crimes que um muçulmano pode cometer, pior do que o assassinato (crime que a família da vítima pode escolher perdoar).

Com poucas exceções, os juristas de todas as escolas sunitas e xiitas estabelecem a execução para todos os adultos que abandonem a fé sem coerção; o castigo recomendado é a decapitação nas mãos de um clérigo, embora nos anos recentes tenha havido tanto apedrejamentos quanto enforcamentos. (Alguns podem comentar casos em que o castigo recomendado foi mais brando - como ocorreu com certos intelectuais egípcios que foram punidos por obras interpretadas como apostasia -, mas estes foram na verdade casos de suposta heresia, e não apostasia explicitamente declarada, como no caso de Obama.)

É verdade que os códigos criminais da maioria dos países muçulmanos não exigem a execução como pena para o crime de apostasia (embora uma lei propondo exatamente isso esteja em avaliação no Parlamento iraniano e em dois Estados da Malásia). Mas, do ponto de vista prático, em pouquíssimos países islâmicos os governos têm autoridade suficiente para resistir às exigências de castigo aos apóstatas nas mãos das autoridades religiosas.

Por exemplo, no Irã, em 1994, a intervenção do papa João Paulo II e de outras figuras ocidentais conseguiu uma suspensão de última hora para um convertido ao cristianismo, mas o homem foi seqüestrado e morto pouco depois de ser libertado. Igualmente, em 2006 no Afeganistão, um cristão convertido teve de ser declarado insano para evitar a execução, e ainda assim foi obrigado a fugir para a Itália.

Por causa do fato de nenhum governo estar disposto a permitir a denúncia contra um presidente Obama - nem mesmo os do Irã e da Arábia Saudita, os dois únicos países onde as cortes religiosas islâmicas predominam sobre a lei secular -, outra cláusula da lei islâmica é talvez mais relevante: a proibição de castigo a qualquer muçulmano que mate um apóstata, proibindo efetivamente qualquer interferência em tal assassinato.

No mínimo, isso complicaria o planejamento da segurança para visitas de Estado do presidente Obama aos países islâmicos, porque o próprio ato de protegê-lo seria pecaminoso para os agentes muçulmanos de segurança. Numa perspectiva mais geral, a maioria dos cidadãos do mundo islâmico ficaria horrorizada com a conversão de Obama ao cristianismo assim que esse fato se tornasse amplamente conhecido - o que sem dúvida ocorrerá se ele chegar à Casa Branca. Isso comprometeria a capacidade dos governos de países islâmicos de cooperar com os EUA na luta contra o terrorismo, bem como os esforços americanos de exportar a democracia e os direitos humanos pelo mundo.

Que a presidência de Obama acarrete tais complicações nas relações dos EUA com o mundo islâmico não será provavelmente um fator importante para os eleitores americanos, e a implicação não é a de que deveria sê-lo. Mas, de todos os desejos bem-intencionados projetados sobre Obama, a esperança de que ele melhoraria de maneira decisiva as relações com os muçulmanos de todo o mundo é o menos realista.

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Edward N. Luttwak é bolsista do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e autor de ?Strategy: The Logic of War and Peace? (Estratégia: a Lógica da Guerra e Paz). Artigo escrito para o jornal ?The New York Times?


Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje ... 4551,0.php

Trancado