Estado, poupança e miséria

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RicardoVitor
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Estado, poupança e miséria

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Estado, poupança e miséria

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Por Alceu Garcia
Rio de Janeiro, Abril de 2002

Introdução

Poucos temas provocam menos controvérsia quanto o que versa sobre as razões da pobreza e miséria de grande parte da população brasileira. Não se passa um dia sem que os intelectuais de esquerda (e também muitos de direita, ao menos nominalmente) confortavelmente aboletados em prestigiosos espaços na grande imprensa e cátedras universitárias profiram iracundos vereditos culpando, naturalmente, o capitalismo explorador, a globalização, o neoliberalismo, o imperialismo americano e outros bodes-expiatórios de ocasião pela triste situação do nosso país. Para esses paladinos dos "excluídos" a solução é simples: mais governo. Para os mais radicais somente a supressão completa do mercado e a consequente redução total da sociedade ao Estado sinalizará o fim da miséria. Para os moderados basta o controle estatal benevolente das "forças cegas" do "capitalismo selvagem" para a justiça social imperar no Brasil.

Uma análise objetiva, porém, revela o grosseiro equívoco dessas prescrições. Poucos se preocupam com o papel da poupança, e consequentemente da acumulação de capital, na eliminação da miséria e ninguém percebe que o Estado, o Deus ex-machina antipobreza, não poupa nem acumula capital; ele apenas desperdiça recursos escassos. A dilapidação de poupança formada pelo Estado, assim como o embaraço à formação de poupança nova, são as verdadeiras causas de tanta injustiça.
Formação e Função da Poupança

A pobreza é o estado natural da humanidade. Para sobreviver o homem precisa satisfazer suas necessidades e desejos, i.e., precisa consumir. Para consumir é necessário antes produzir, e a produção pressupõe meios de produção. Originariamente a natureza põe à nossa disposição apenas dois meios, ou fatores, de produção: o trabalho e a terra. O esforço humano combina e desloca os recursos naturais de modo a torná-los aptos para o consumo. Para aumentar a produtividade do trabalho, e ipso facto o consumo, contudo, um terceiro fator de produção é fundamental: o capital. A condição sine qua non para a existência de capital é a poupança, ou seja, a restrição do consumo corrente, e investimento, isto é, o posterior emprego do trabalho e terra (e tempo) economizados na fabricação de ferramentas que por sua vez se traduzirão em maior consumo futuro.

O exemplo clássico de um náufrago solitário numa ilha deserta ilustra bem esse processo. Suponhamos que ele esteja privado de ferramentas de qualquer tipo. Para subsistir gasta 10 horas por dia para obter 10 cocos tendo que subir nos coqueiros, e descansa pelo resto do tempo. Insatisfeito, o homem decide fabricar uma vara bem longa para derrubar mais cocos com menos trabalho e em menos tempo. Para tanto, ele se contenta com oito cocos obtidos em oito horas e reduz seu descanso e lazer em duas horas cada por dia. Essa restrição do consumo atual é poupança. Nas quatro horas diárias agora disponíveis ele se dedica por alguns dias a confeccionar a vara. Esse emprego do tempo e trabalho poupados é o investimento, e a vara é o bem de capital. Agora o náufrago consegue, digamos, 20 cocos em apenas 5 horas de trabalho por dia. Graças ao capital, que é fruto da poupança e investimento, seu padrão de vida melhorou. Para melhorar mais, ou mesmo para manter o mesmo padrão (susbstituindo periodicamente a vara desgastada por outra), ele terá que recorrer novamente à poupança e ao investimento

Em uma sociedade complexa esse processo torna-se bem mais complicado, sem porém invalidar os princípios delineados no exemplo acima. A elevação do padrão de vida geral depende do aumento do estoque de capital, o qual depende de poupança e investimento prévios. Na economia de troca indireta os poupadores nem sempre são os investidores. A renda dos agentes econômicos é em dinheiro, sendo que a parte não consumida é em geral entregue a instituições financeiras em troca de juros, as quais por sua vez emprestam aos empresários de vários modos (linhas de crédito bancárias, aquisição de ações etc). Estes investem em bens de capital visando auferir com os bens de consumo futuros um retorno superior ao dispêndio com o pagamento do principal e dos juros, ou seja, visando o lucro. O sucesso nessa empreitada significa que os consumidores aprovam o modo como os recursos estão sendo empregados e que, portanto, mais fatores de produção devem ser alocados para essa ou aquela linha de produção. O insucesso, ou seja, o prejuízo, indica a insatisfação dos consumidores com a utilização corrente dos recursos, de modo que aos empresários só resta organizar a produção com mais eficiência, reduzindo custos e preços, ou abandonar de vez dado ramo produtivo. Como os consumidores são também produtores, quanto mais capital disponível per capita, mais produtivo se torna o trabalho. Produzindo mais, demanda-se mais. Não se deve esquecer que, abstraindo-se o dinheiro, em última análise as pessoas trocam produção por produção. Toda a sofística keynesiana e marxista não conseguiu refutar esse princípio conhecido como Lei de Say.

Sem poupança, pois, não há acumulação de capital nem tampouco progresso material. Quanto mais abundante for o capital em relação ao trabalho, maior será o poder de compra dos salários, e menor será a pobreza. Os americanos são mais ricos do que os brasileiros porque dispõem de muito mais capital investido per capita do que nós. Do mesmo modo, os brasileiros são mais ricos do que os nigerianos porque há mais capital per capita no Brasil do que na Nigéria.
Digressão sobre Ética

A propriedade privada da terra e dos bens de capital tem sido criticada como injusta e imoral por socialistas e moralistas de todos os coturnos. Diz-se que só o trabalho cria valor e que a acumulação de capital depende da exploração dos trabalhadores, via apropriação injusta de trabalho não pago. Já vimos em outro trabalho que essa teoria não tem o menor fundamento e que a "mais-valia" não existe. Os bens de capital não são somente trabalho incorporado, como objurgava Marx. São trabalho, terra, tempo, risco e idéias incorporados, e os fatores despendidos em sua produção tendem a ser remunerados integralmente. A remuneração do trabalho gravita em torno de sua contribuição ao produto final (o valor do produto marginal), descontado o fator tempo (juro), podendo ser mais ou menos conforme as circunstâncias particulares de cada caso. Na economia de mercado os proprietários de terra e bens de capital são inexoravelmente forçados a empregar esses meios de produção da maneira mais útil segundo o ponto de vista dos consumidores, o que equivale a dizer da forma socialmente mais justa e eficiente. Os proprietários (e os empresários a quem os proprietários delegam essa tarefa) mais competentes na arte de antever e atender a demanda enriquecem, é claro. Mas não há nada de errado nisso, vez que se trata de riqueza obtida graças a transações livres e voluntárias nas quais todas as partes ganham. São os consumidores que decidem enriquecer aqueles que os servem bem.

Mesmo que se admitisse para argumentar a validade da tese da exploração, ainda assim teria-se que provar que a "exploração" (o juro e o lucro) desapareceria em uma comunidade socialista e que, instaurada a propriedade coletiva (isto é, estatal) dos fatores de produção, estes seriam alocados da maneira mais eficaz para os consumidores do que no capitalismo. Jamais o conseguiram, sequer em teoria e muito menos na prática; o juro é uma categoria da ação humana (preferência de bens presentes aos mesmos bens no futuro) e não pode ser abolido, nem mesmo em uma sociedade socialista pura (vide Bohm-Bawerk, Teoria Positiva do Capital). Toda ação humana visa atingir um objetivo qualquer estipulado pelo agente, isto é, visa o lucro. A supressão do critério do lucro e perdas monetárias como meio de avaliação da eficácia da produção é catastrófica, deslocando a busca pelo lucro para o "mercado" político, sem qualquer benefício para a coletividade. Pelo contrário, já que os indivíduos bem-sucedidos no "mercado" político são invariavelmente os mais inescrupulosos e truculentos, tais como Stalin, Hitler, Mussolini, Lenin, Fidel Castro e demais déspotas genocidas do tipo. Ademais, a propriedade "coletiva" inevitavelmente traduz-se em propriedade estatal em benefício do grupo que controla os cargos-chave do aparato burocrático. Para culminar, a impossibilidade do cálculo econômico inviabiliza completamente o projeto de uma economia socialista.

Vale observar ainda que todo sistema ético e religioso que se preze não pode dispensar a propriedade privada. Se devemos ser solidários como nossos semelhantes, para ajudar materialmente o próximo é preciso ter o que dar. Depois, é preciso que a ajuda seja voluntária ou não passa de coação. Sob qualquer ângulo que se aborde a questão, seja ético, religioso ou econômico, baseando-se em critérios de direito natural ou utilitários, a propriedade privada dos meios de produção (inclusive e sobretudo da própria capacidade de trabalho!) é sempre superior à propriedade pública.

Muito se fala na desigualdade como causa da miséria e a necessidade de igualdade econômica para se eliminá-la. Trata-se uma confusão totalmente falaciosa. Acabar com a desigualdade e acabar com a miséria são coisas muito diferentes e incompatíveis entre si. A ordem de mercado gera uma desigualdade de fortunas construída por decisões voluntárias. O Romário ganha muito mais do que a maioria dos jogadores por que os apreciadores do bom futebol pagam livremente mais para vê-lo jogar e menos (ou nada) para ver os outros jogarem. Não há nada de injusto nisso. A economia de mercado é incompatível com a igualdade mas é compatível com a abolição da miséria, pois a progressiva acumulação de capital resultante é tal que os trabalhos mais mal remunerados geram renda mais do que suficientes para a subsistência. Já a igualdade não só é incompatível com a abolição da miséria, pela impossibilidade mesma de uma ordem econômica puramente igualitária, como a própria igualdade é inatingível. Os indivíduos são desiguais, não há como mudar esse fato, e isso se reflete em sua capacidade de trabalho e potencial de obtenção de rendimentos maiores ou menores. A implantação da igualdade exige, pois, uma classe de "equalizadores" que por sua própria natureza está acima dos "equalizados". E não há exemplo histórico algum em que os "equalizadores" não tenham reservado para si a melhor parte do que repartem. Em suma, o igualitarismo gera desigualdade e não elimina a miséria.
Estado e Poupança

Os pressupostos para uma rápida formação de poupança e sua eficiente corporificação em uma estrutura de capital extensa são poucos e simples: propensão individual para poupar, garantia do direito de propriedade, estabilidade jurídica e livre mercado. Se todas as pessoas consumirem toda a sua renda nem mesmo a manutenção da estrutura de capital existente é possível. O resultado é o consumo de capital e a progressiva redução do padrão de vida geral. Fica evidente o absurdo de doutrinas como a de Keynes que exaltam a gastança desenfreada e condenam a poupança por reduzir a "demanda efetiva", incumbindo ao estado "investir" com "poupança" criada via impressoras da casa da moeda e lançamentos contábeis do banco central. O direito de propriedade é fundamental uma vez que ninguém terá incentivo para poupar e investir se seu dinheiro for frequentemente surrupiado no todo ou em parte por bandidos, por invasores estrangeiros ou pelo próprio Estado. A estabilidade das normas jurídicas e o respeito ao direito de propriedade criam um clima favorável sobretudo para investimentos pesados e de retorno a longo prazo, minimizando-se os riscos políticos e jurídicos, pois para os empresários os riscos de mercado já são uma preocupação suficiente. A cooperação voluntária e mutuamente benéfica vigente no livre mercado assegura a soberania dos consumidores, fazendo com que a poupança formada seja investida em linhas de produção que resultem em bens de consumo desejados pelos "soberanos", segundo suas escalas de valores e a utilidade que atribuem aos bens e serviços. Os empresários, por não terem meios de forçar os consumidores a adquirirem seus produtos, não têm outra alternativa senão combinarem os fatores de produção de maneira a satisfazer a demanda futura estimada a um dado preço, correndo os riscos de falhas de previsão.

A formação de poupança e a acumulação de capital em bases de mercado são o único caminho para a rápida eliminação da pobreza. O papel do Estado na consecução desse objetivo é, pois, o de proteger os direitos de propriedade de todos os indivíduos e o bom funcionamento dos mecanismos de mercado. A tributação deve ser baixa (não mais de 10% do PIB) e as finanças públicas equilibradas. O aparelho burocrático deve ser limitado ao mínimo necessário. A legislação deve ser clara e simples e o judiciário não pode ser moroso e corrupto. Se o objetivo é acabar rapidamente com a miséria, não há outra solução. Tudo o mais é mistificação. No Brasil, todavia, como é fácil perceber, essa é a única solução condenada por todos os partidos políticos e correntes intelectuais influentes. Em maior ou menor grau, todos proclamam desde priscas eras que ao governo incumbe "promover o desenvolvimento", "redistribuir renda", "reduzir as desigualdades sociais" etc. O resultado é este que aí está. Vejamos alguns exemplos de como a ação estatal dilapida a poupança, ou inibe sua formação, perpetuando a pobreza.
Tributação Excessiva e o Peso da Burocracia

O Estado é um grupo de indivíduos dotado de um privilégio especialíssimo: o poder de obter coativamente receitas para financiar seus gastos. O imposto, como o termo sugere, é uma imposição mesmo. As demais pessoas auferem renda pela via contratual, i.e., estipulando voluntariamente trocas específicas. Quid pro quo. Essa é a diferença essencial entre administração burocrática e administração empresarial. Muitos políticos afirmam de tempos e tempos serem capazes de imprimir à administração pública a agilidade e eficiência do setor privado (o atual presidente mexicano é um deles). Isso seria um milagre similar à transmutação de chumbo em ouro. São formas organizacionais radicalmente diferentes e irredutíveis a uma forma única (vide a respeito o clássico ensaio de Ludwig von Mises, Bureaucracy). A ausência de um critério infalível de aferição de sucesso ou insucesso - lucros e perdas em dinheiro -, bem como a prerrogativa de confiscar o dinheiro dos administrados para custear seus gastos, por mais altos que sejam, faz da burocracia estatal um organismo pesado, lento, caro, corrupto e ineficiente. Como não há outra maneira de o Estado se estruturar, é preciso que ele seja cuidadosamente limitado, sob pena de sufocar e arruinar a sociedade.

Imaginemos um país em que o governo financia suas despesas integralmente com uma receita tributária da ordem de 40% da renda nacional, sem recorrer à inflação e endividamento, empregada no pagamento de salários aos servidores públicos, os quais totalizam, com dependentes, 30% da população. Nesse caso, os contribuintes dispõem de 40% a menos de sua renda para consumo e poupança. Alguém poderia afirmar que não há um grande mal nisso, uma vez que os funcionários públicos também consomem e poupam. Se abstrairmos o dinheiro desse processo, porém, é fácil verificar a falácia desse argumento. No mercado trocam-se bens e serviços por bens e serviços, produção por produção, segundo o grau de utilidade (valor) que cada participante atribui a esses bens e serviços. Ocorre que o governo não troca, impõe. Os bens e serviços oferecidos pelo Estado são compulsórios e seus agentes são remunerados mesmo que esses bens e serviços sejam considerados inúteis pelos consumidores, que não estariam dispostos a dar nada em troca por eles, se pudessem escolher. Desse modo, os funcionários públicos estão sendo pagos por um trabalho inútil e são um estorvo para a sociedade. Com seus rendimentos eles também consomem bens e serviços disputados pelos outros cidadãos, sem porém retribuir com bens e serviços úteis segundo os demais. Os funcionários públicos estão consumindo com produção alheia, estão substituindo o consumo dos contribuintes, sem porém dar nada em retribuição. É verdade, por outro lado, que a poupança dos funcionários gera acumulação de capital. Mas o mesmo se pode dizer da poupança de ladrões e fraudadores. É uma poupança subtraída coercitivamente de seus legítimos donos.
O Estado Empresário

Até algum tempo atrás a presença do governo nos setores "estratégicos" da economia era um dogma. O estrondoso fracasso das empresas estatais, entretanto, acabou por se tornar tão clamoroso que esse dogma foi abrandado, pelo menos até agora, e muitos elefantes brancos públicos foram privatizados. No Brasil, porém, muitas estatais sobreviveram, e o sistema de "agências reguladoras" públicas criado para supervisionar os setores em que houve privatização não mudou em essência o caráter dirigista da economia. Continuamos muito, muito longe de uma verdadeira economia de mercado. Mas qual a causa do descalabro das estatais? É simples: mesmo sob a forma de empresa privada (sociedade anônima), as estatais conservam um cordão umbilical indestrutível com o sistema político, sobretudo com o erário. Desfrutam geralmente de monopólios, posto que a concorrência é proibida. Seus cargos de direção, regiamente pagos, são loteados entre os apadrinhados dos políticos de todos os partidos, por mais incompetentes que sejam. Seus sindicatos e fundos de pensão são feudos da esquerda mais retrógrada. Os salários e vantagens nababescos de um número de empregados muito superior ao necessário sobrecarregam as folhas de pagamento. Essas pseudo-empresas, por serem do "povo", não são de ninguém, ou melhor, são de quem meter a mão primeiro, e quem faz isso são seus empregados, os políticos e certos grupos de fornecedores beneficiados por licitações viciadas e superfaturadas. Essas pseudo-empresas não têm compromisso com o lucro, o que significa dizer que não estão sujeitas à supremacia dos consumidores e não precisam aproveitar economicamente recursos escassos reduzindo incessantemente custos e preços. O privilégio permite que acobertem sua ineficiência e esbanjamento cobrando preços de monopólio e recorrendo ao tesouro, direta ou indiretamente, para cobrir rombos financeiros. Essas estatais são um sorvedouro de poupança, que de outro modo estaria sendo empregada eficientemente em finalidades desejadas pelos consumidores.
O Estado Banqueiro

Os bancos públicos e instituições de fomento tipo Sudene, Sudam e Bndes estão entre os campeões de dilapidação de poupança do Brasil. Só nos últimos anos, o erário (quer dizer, nós, os contribuintes) transferiu duzentos bilhões de reais para "sanear" bancos estaduais (Banerj, Banespa etc) e federais (Banco do Brasil, CEF). A politização do crédito é perversa porque anula a soberania do consumidor e desvia poupança (que é sempre escassa, é bom lembrar) para fins benéficos apenas para os políticos e seus clientes. Os desvios, os calotes, as "empresas" de fachada são o resultado infalível.
A Previdência Pública

O desejo de assegurar uma velhice confortável é um poderoso incentivo para a formação de poupança. Administrados por instituições previdenciárias privadas, os fundos assim constituídos seriam naturalmente investidos em empresas promissoras via mercado de ações ou outros mecanismos. Essas instituições, é claro, visariam o lucro, e adotariam inexoravelmente uma política prudente de avaliação de risco de seus investimentos, a fim de preservar sua solvência. A formação de poupança, a acumulação de capital em grande escala e a consequente elevação do padrão de vida geral se seguiriam inevitavelmente. É exatamente isso que está acontecendo no Chile, o país mais estável e próspero da America Latina. Infelizmente vige no Brasil um sistema de previdência estatal compulsória que, sujeito à predação de castas privilegiadas de servidores públicos e alvo de toda sorte de fraudes e trambiques, sem falar na demagogia dos políticos, que concedem mil benefícios sem se preocupar com o custeio, sequer consegue preservar o equilíbrio atuarial. Os recursos geridos pelo INSS e congêneres não só não são investidos produtivamente como os crônicos déficits previdenciários acabam tendo de ser cobertos por receitas tributárias regulares. É difícil imaginar um sistema mais apropriado para esterilizar poupança do que o existente. É trágico.
O Ensino Público

Existem respeitáveis correntes de pensamento (Ex: o economista americano Gary Becker) que defendem a tese de que a elevação da renda é uma função da escolaridade dos indivíduos. Com base nesse diagnóstico, propugna-se que o governo deve investir maciçamente em educação. Com a devida vênia, ouso discordar. Aumento de renda depende do aumento da produtividade do trabalho, que depende de formação de poupança, que depende de investimento crescente em bens de capital. Em países comunistas como Cuba o alto grau de escolaridade da população (ao menos nas estatísticas oficiais) não levou a um aumento do padrão de vida geral. Sem poupança, a escolaridade é inútil.

Outra objeção pertinente levantada por muitos ( Ex: Murray Rothbard) é sobre a própria legitimidade do conceito de "investimento" estatal. Poupança e investimento são fenômenos indissoluvelmente vinculados a uma ordem de mercado sob o primado da cooperação voluntária. Como o governo é um monopólio coercitivo, não há que falar em "investimento", que pressupõe dispêndio em bens de capital que produzirão bens de consumo sujeitos futuramente à aprovação ou reprovação dos consumidores. Não há essa avaliação decisiva para o "investimento" do governo. Assim, tudo o que o Estado faz é gastar segundo os caprichos dos ocupantes do poder e do estamento burocrático (vide o "piscinão" de Ramos), nunca investir.

O estudo é um aprimoramento individual, um investimento em si mesmo, que não pode estar desligado do interesse e responsabilidade diretos do próprio interessado e de seus pais. De resto, o ensino público padece dos males burocráticos do esbanjamento, da ausência de incentivos, da uniformidade sufocante, da ineficiência etc, comuns ao setor público. Para piorar, o aparato de educação estatal facilmente cai nas mãos de intelectuais socialistas, garantindo-lhes sinecuras inexpugnáveis, e permitindo-lhes moldar a consciência dos alunos segundo os mais reacionários cânones anti-mercado. Mas não é justo que o governo forneça educação gratuita aos pobres? Não, pois evidentemente a educação estatal nada tem de gratuita, é custeada pelos impostos pagos por todos os brasileiros. E não é justo que os ricos paguem pela educação dos pobres? Não é justo, não é conveniente e nem mesmo é o que acontece na prática. Mais de 40% das verbas do ensino público é empregada nas universidades públicas, beneficiando menos de 3% do universo de estudantes, quase todos ricos e remediados. Em suma, os pobres é que pagam a educação dos ricos.
Protecionismo, Subsídios e Outros Privilégios

Diz-se que Adam Smith foi um apologista da hegemonia burguesa. Quem se der ao trabalho de ler A Riqueza das Nações, entretanto, lerá no livro do grande escocês amargas recriminações contra os empresários. Isso porque o liberalismo não foi uma doutrina favorável aos empresários, e sim aos consumidores. Os empresários dos tempos do mercantilismo estavam muito bem de vida, mimados com todo tipo de privilégios outorgados pelos governos. Por eles, nada teria mudado. Adam Smith pregava o fim desses privilégios e a liberdade de entrada no mercado, de modo a que a competição entre os produtores beneficiasse sobretudo os consumidores. No Brasil essa cultura mercantilista do privilégio é uma praga desde que Cabral aportou na Bahia. A sujeição dos consumidores aos desígnios de produtores (grupos de empresários e sindicatos de empregados) ineficientes é um excelente método de se travar a formação de poupança e investimento. Os compradores gastam demais em produtos que poderiam ser mais baratos, quando poderiam empregar parte de sua renda no consumo de outras coisas ou em poupança. Quando se ouve os costumeiros eufemismos para privilégios como "política industrial" podemos ter certeza de que vem roubo por aí.
Dívida Pública

Quando o estado toma dinheiro emprestado, em geral para cobrir a diferença entre o que arrecada e o que gasta,, o patrimônio e a renda presentes e futuros de todos os brasileiros estão sendo penhorados para toda a eternidade, pois é do seu confisco que virá o pagamento do principal e juros. O dinheiro que, na posse de seus legítimos donos, seria empregado para o consumo e para poupança, é assim sugado para o buraco negro das despesas públicas improdutivas. Para atrair gente disposta a correr o risco de emprestar a um devedor célebre como caloteiro e mentiroso como é o governo brasileiro, este oferece juros altíssimos para quem adquirir seus títulos. Parece que os juros reais brasileiros são os mais altos do mundo. O efeito disso é o desvio de poupança interna e externa, que poderia estar fluindo para empresas privadas, para sustentar a insaciável e voraz máquina burocrática estatal e sua clientela. A dívida pública brasileira no governo "neoliberal" de FHC passou de 50% do PIB. Fica difícil até imaginar o que isso significa em termos de desperdício de recursos escassos. Nossos trinetos ainda estarão pagando os papagaios estatais de hoje.
Inflação

A inflação é um imposto lançado pelo estado sobre os possuidores de moeda nacional em benefício daqueles a quem o mesmo estado distribui o dinheiro novo que cria do nada. Diz-se que os grupos favorecidos pelo governo obtém assim uma poupança a ser empregada em fins socialmente benéficos em prol do desenvolvimento nacional. Essa é a tese de "economistas" como Celso Furtado, eternamente sabujado pela mídia como magnânimo defensor dos pobres! Na medida em que se pode chamar esse roubo de "poupança", no mesmo caso está a ‘poupança" de sequestradores e extorsionários. De resto, a inflação distorce os preços relativos, falsifica o cálculo econômico, desencoraja investimentos de longo prazo, gera uma péssima alocação de fatores de produção e no fim das contas cria um clima de desrespeito à propriedade privada extremamente desfavorável à formação de poupança e acumulação de capital. Tivemos nas últimas décadas um aumento do "nível de preços" da ordem de 1.000.000.000.000.000 %. O que isso significou em termos de expropriação, sobretudo de espoliação dos mais pobres, que não tinham como defender seu dinheiro em aplicações financeiras, é inconcebível. E vale ressaltar que, a despeito do "sucesso" do plano real, a inflação de preços continua corroendo o poder de compra da unidade monetária ao ritmo de 7% ao ano.
FGTS

Ao contrário do que as pessoas são induzidas a pensar, o fundo de garantia e outros "direitos sociais" previstos na legislação trabalhista e previdenciária não são dádivas da benevolência estatal acrescidas ao salário de cada um, e que de outro modo não seriam pagas. Os salários são dependentes da produtividade do trabalho, em nada influenciando os caprichos da legislação. As vantagens mencionadas são deduzidas do valor de mercado dos salários, e seriam pagas mesmo que inexistissem as leis trabalhistas. O FGTS é uma parcela da remuneração dos empregados da qual o governo se apropria à força, no pressuposto de que as pessoas são estúpidas demais para administrar sabiamente seu próprio dinheiro. Os recursos assim acumulados, é claro, são desbaratados com os gastos correntes estatais. Se permenecessem no domínio de seus proprietários, seriam alocados parte para o consumo, parte para poupança produtiva. Quando são exonerados, os trabalhadores recuperam a posse do seu dinheiro e aí ele pode vir a formar poupança útil. Mas enquanto esteve sob o poder do governo não serviu para nada de socialmente interessante. Ademais, esse sistema cria incentivos perversos na medida em que os empregados ficam tentados a deixar o trabalho para terem acesso ao dinheiro preso pelo governo, o que desencoraja a contratação e o investimento das empresas em capital humano.
Reforma Agrária

A idéia de que a divisão igualitária da terra é moralmente imperativa e socialmente útil é uma falácia. O que ocorre na realidade é que o governo compra terras com o dinheiro de todos e as distribui para alguns. Ganham esses "alguns", os proprietários desapropriados e indenizados e a casta burocrática que ganha a vida nesse processo. Perdem todos os demais. A terra como fator de produção numa economia de mercado fatalmente será alocada pelos empresários para os fins desejados pelos consumidores, seja a agricultura, pecuária etc. Não é preciso reforma agrária para isso; os próprios mecanismos de mercado se encarregam de maximizar o uso da terra em proveito dos consumidores, pouco importando a composição originária da propriedade fundiária. A finalidade da atividade agrária é produzir o máximo de alimentos possível de modo a que a abundância gere preços baixos. Só o mercado pode fazer isso. Hoje quanto mais intensiva de capital for a produção de alimentos, mas produtiva ela será. Cada vez menos mão-de-obra produz cada vez mais, liberando trabalho para outros fins necessários. Cabe notar, ainda, que no Brasil existe grande abundância de terra submarginal, ou seja, de rendimento zero. Atar milhões de lavradores de subsistência nessas terras seria inútil e uma estrutura assim só poderia sobreviver artificialmente graças à subsídios estatais, isto é, mediante o desvio de recursos de outras linhas de produção socialmente mais urgentes. Ao fim e ao cabo, o emprego de bilhões de reais na reforma agrária, além de semear incerteza e confusão no setor agropecuário via permanentes ameaças de invasões e expropriações, se reduz a mais um triste esbanjamento de poupança, agravado pelo fato de ser dominada pelos padres e intelectuais maoístas do MST. O dinheiro do povo termina financiando os inúteis kholkozes comunistas e sendo desviado para a "revolução". Um desastre.
Conclusão

Por conta desses e de muitos outros métodos de destruição de poupança por políticas estatais, não é de surpreeder a pobreza e o atraso brasileiro. Na verdade, num clima tão pestilento, o que surpreende é que a pobreza e o atraso não sejam muito piores. Os intelectuais, esses altamente bem pagos gigolôs da miséria, pregam de todas as tribunas e púlpitos: "o mercado é perverso e injusto; o estado é racional e benevolente. Que o governo faça a justiça social". Os políticos ouvem o chamado e batem no peito: "votem em mim e a justiça social será feita". Os burocratas não ficam atrás: "dêem-nos mais poder e dinheiro que em breve construiremos uma sociedade justa". As pessoas comuns percebem intuitivamente que tudo isso é mentira, mas não têm idéia de como trilhar um caminho alternativo. A tarefa de apontar esse caminho é dos intelectuais, os profissionais das idéias, mas esta casta está comprometida com o status quo. O resultado é uma luta hobbesiana de todos contra todos, pois cada indivíduo sabe muito bem que precisa integrar um "esquema" qualquer que garanta sua parte no butim. Só que o butim não dá para todos; alguém tem que pagar a conta desse jogo de soma zero. Os perdedores desse jogo são os milhões de pobres e miseráveis que nos circundam. Quem realmente se preocupa com a sorte desses nossos infelizes concidadãos deve defender uma economia de mercado o mais abrangente possível e a limitação do alcance da política a um mínimo absolutamente necessário. Todos os que defendem conscientemente o dirigismo estatista são hipócritas e cúmplices da exploração de nossos semelhantes.

http://www.olavodecarvalho.org/convidados/0144.htm
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Re: Estado, poupança e miséria

Mensagem por Apo »

Nada como uma aulinha básica de economia. Nem direita, nem esquerda. Só economia pura e simples.
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Claudio Loredo
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Re: Estado, poupança e miséria

Mensagem por Claudio Loredo »

POR QUE O SOCIALISMO?

Por Albert Einstein

FONTE: Resistir.info

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Será aconselhável para quem não é especialista em assuntos económicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.

Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro.

Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.

Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade.

Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”

Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída?

É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.

O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantess, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidae que finalmente emerge é largamente formada pelo ambinte em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel.

O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.

Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.

Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.

A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.

Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.

O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.

Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”.

A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente.

Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.

Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.

No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder económico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?

A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.



- x -

Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães.

O original deste artigo encontra-se em http://www.monthlyreview.org/598einst.htm .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

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RicardoVitor
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Re: Estado, poupança e miséria

Mensagem por RicardoVitor »

Sobe. Segue algo relacionado:

Carlos Lessa: "O dólar acabou"

Terra 26 Setembro 2008

Claudio Leal

Ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o economista Carlos Lessa nada na contra-corrente do comissariado federal: identifica riscos imediatos para a economia brasileira, com o agravamento da crise nos Estados Unidos.

Congressistas democratas e republicanos se reuniram ontem com o presidente dos EUA, George W. Bush, para discutir o pacote anticrise. Participaram do encontro os candidatos à Casa Branca, Barack Obama e John McCain. A proposta do Tesouro americano prevê US$ 700 bilhões para a compra de títulos de risco. O acordo final ainda não foi fechado.

Para Lessa, "o dólar acabou" e seria preciso que um novo "Bretton Woods" estabelecesse novos parâmetros para a economia mundial. Em entrevista a Terra Magazine, expõe:

- Só tem um jeito. A Rússia já propôs, e a França também: reunir as potências do mundo e definir um novo acordo de Bretton Woods. O dólar acabou. Mas o problema é o seguinte: os Estados Unidos não vão deixar que o dólar acabe... O que os americanos vão tentar fazer é distribuir essa conta pelo mundo inteiro.

O economista demonstra segurança ao defender que "a crise está entrando no Brasil", apesar da tranqüilidade alardeada pela equipe do presidente Lula. O modelo de crescimento nacional, em sua opinião, está fundado em bolhas de crédito - e direciona a atenção aos créditos fáceis na venda de automotores.

Faz outro diagnóstico:

- Pra você ter uma idéia: as empresas no Brasil tomam 10% do total de crédito de empresa no exterior. Só que os bancos do exterior pararam de emprestar. Por que o Banco Central reduziu os depósitos obrigatórios dos bancos? Sabe por quê? Para tentar gerar um espaço de crédito pra essas empresas que não têm mais crédito. Quem diria que um país tupiniquim, com doutor (Henrique) Meirelles todo-poderoso, pagando os mais altos juros do
mundo, que tem US$ 207 bilhões na reserva, ia ter que fazer isso?

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, chegou a afirmar que os bancos brasileiros não tinham problema de liquidez. Adiante, um recuo. O BC anunciou anteontem a elevação da liquidez para bancos pequenos. Injeção de R$ 13,2 bilhões no mercado. Crítico da política monetária, Lessa elabora perguntas inquietantes:

1. "Não quero falar nada, mas quanto o Bradesco já perdeu? Quanto o Itaú já perdeu? Ninguém sabe. Eles não vão falar. Mas os bancos são encadeados uns com os outros."

2. "Como levaram o crescimento da economia brasileira? Pelo endividamento das famílias, não pelo investimento das empresas, não pelo investimento público."

Leia a entrevista:

Terra Magazine - O pacote de US$ 700 bilhões do governo Bush é um bom caminho para combater a crise? Como o senhor analisa esse plano emergencial?
Carlos Lessa - É preciso ter duas coisas em consideração. Primeiro, o poder norte-americano. Na história da humanidade, nunca houve uma sociedade tão poderosa quanto os Estados Unidos. É um poder militar, é um poder cultural enorme, mas a chave desse poder chama-se dólar, por uma razão muito simples: as reservas de todos os bancos centrais do mundo são lastreadas, predominantemente, em títulos do Tesouro norte-americano. Os Estados Unidos têm uma vantagem estratégica sobre qualquer outro País: o que ele emite, é dívida. Mas é a riqueza dos outros. Então, quem emite a riqueza, no caso os Estados Unidos, tem mais poder do que ter Forças Armadas.

Essa crise americana foi, na verdade, o jogo financeiro dos bancos americanos que, em última instância, debilitou profundamente o dólar.

Ninguém sabe o tamanho do buraco. A informação que se tem é que são de US$ 14 trilhões as operações imobiliárias. Porém, ninguém sabe como é que isto foi, pela ginástica da alquimia financeira; derivativos em cima de derivativos - o derivativo pega um papel ruim e converte em papel bom -, derivando de tal maneira que vou dar a seguinte informação: o País mais conservador do mundo é a Suíça.

Por quê?
Do ponto de vista financeiro, é o País mais conservador do mundo. É a pátria onde os bancos são dominantes. O maior banco suíço chama-se UBS. O UBS já perdeu US$ 40 bilhões com títulos de primeira classe norte-americanos.

Quarenta bilhões. Bom, o que estou querendo dizer: todos os bancos do mundo estão interligados nessa porcaria que os americanos fizeram. As perdas, ninguém sabe quais são. A esperança do governo americano, obviamente, é que colocando esses US$ 700 bilhões, pára. Por um lado, teoricamente, isso seria ótimo. O que o governo americano vai fazer é chamar para si tudo que é podre. Mas o problema é que, nessas crises, apodrece até o que é bom.

O economista Luiz Gonzaga Belluzo alertou para o risco de contaminar os bancos comerciais.
Luiz Gonzaga conhece profundamente isso. E já estão contaminados. Pra você ter uma idéia: as empresas no Brasil tomam 10% do total de crédito de empresa no exterior. Só que os bancos do exterior pararam de emprestar. Por que o Banco Central reduziu os depósitos obrigatórios dos bancos? Sabe por quê? Para tentar gerar um espaço de crédito pra essas empresas que não têm mais crédito. Quem diria que um país tupiniquim, com doutor (Henrique) Meirelles todo-poderoso, pagando os mais altos juros do mundo, que tem US$ 207 bilhões na reserva, ia ter que fazer isso?

Conciliando com o discurso de que o País não está sendo afetado?
Só 10% do crédito de empresas do Brasil vêm de fora. Agora, o UBS, o maior banco suíço, já perdeu US$ 40 bilhões. Não quero falar nada, mas quanto o Bradesco já perdeu? Quanto o Itaú já perdeu? Ninguém sabe. Eles não vão falar. Mas os bancos são encadeados uns com os outros. O Lehman Brothers era o terceiro banco em tamanho nos Estados Unidos, o maior banco de investimentos. Maravilhoso, fortíssimo e tal. Pra fechar o caixa, tirou US$ 8 bilhões do depósito do Lehman na Inglaterra. Aí o Lehman da Inglaterra não pagou seus funcionários. Quatro mil funcionários passando fome porque não receberam o salário do mês. Uma bolha dessa, quando explode, distribui fragmentos para todos os lados. Ninguém fez uma avaliação desse tamanho.

Então, como o senhor avalia...?
O que eu posso dizer é o seguinte: o tamanho do buraco é provavelmente muito maior do que foi anunciado até agora. Os bancos americanos já puseram US$ 1 trilhão.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) estimou as perdas em US$ 1,3 trilhão.
E agora mais US$ 700 bilhões! Você já fez acampamento? Pois veja bem. Todo mundo que faz acampamento sabe que tem que abafar a fogueira. Como é que se abafa? Joga um cobertor em cima e apaga. Tira o oxigênio. Mas se você puser um cobertor menor que a fogueira, alimenta o fogo. Eles já puseram US$ 1,3 trilhão nos últimos quatro meses. E vão colocar US$ 700 bilhões. Acho que é cobertor curto. Como os bancos do mundo estão entendendo essa história? O desespero deles fazendo isso é porque a situação é muito séria. Se a situação é muito séria, não vou emprestar pra ninguém.

Noutra entrevista, o senhor já tinha alertado também para a dissociação entre consumo e a renda real de uma pessoa, com a proliferação do crédito fácil. Qual é o risco para o País?
Certo. Chamei muita atenção de que o crescimento brasileiro, nos últimos dois anos, estava em cima de uma bolha de crédito. Vender carro sem pagamento à vista. O prazo de 90 prestações é o equivalente tupiniquim à bolha imobiliária americana. Se a crise bater no Brasil, os endividados vão fazer o quê? Parar de pagar. Os bancos vão fazer o quê? Executar e ficar dono dos carros? Vão fazer o que com os carros? A crise americana está se propagando pelo mundo inteiro. É só pra isso que estou chamando a atenção. E ninguém sabe o tamanho dela. A única coisa que se sabe é o seguinte: quanto mais ela avança, maior ela fica.

O que deve ser proposto?
Só tem um jeito. A Rússia já propôs, e a França também: reunir as potências do mundo e definir um novo acordo de Bretton Woods (que estabeleceu, em 1944, as relações monetárias mundiais). O dólar acabou. Mas o problema é o seguinte: os Estados Unidos não vão deixar que o dólar acabe. Mas, objetivamente, o dólar acabou. O que os americanos vão tentar fazer é distribuir essa conta pelo mundo inteiro. Vai sobrar até para a Guatemala.

Entre as propostas do democrata Barack Obama para apoiar esse novo pacote de Bush, está a de ajudar também os proprietários de imóveis, não só os detentores de hipotecas. O que o senhor acha dessa proposta?
Isso é o jogo eleitoral que ele está fazendo. Porque os americanos nunca vão deixar, não vão estar preocupados com os proprietários de imóveis. Eles vão estar preocupados é com os bancos. O proprietário de imóvel, que se endividou, azar! Vai ter que pagar ou perde o imóvel. Agora, os bancos, não recebendo, vão ficando podres. O dólar não está nos proprietários de imóveis. O dólar está nos bancos e no Tesouro americano. Niguém está se
perguntando o seguinte: se os americanos vão emitir mais US$ 700 bilhões, são mais US$ 700 bilhões de dívidas do tesouro americano. Quem é que vai comprar?

Quem o senhor sugere?
Vão tentar forçar o mundo inteiro a comprar. Vão jogar pra fora, vão jogar a crise pra fora. E o que o nosso Lula está dizendo? Que tá tudo bem, né? O que o (Guido) Mantega está dizendo? Metade do povo brasileiro é de classe média. O que é que dr. Meirelles não diz, mas faz? Continua a fazer o que sempre fez. A minha preocupação é que se tenha uma crise muito grande avançando, enquanto o governo faz um discurso que não tem nada a ver com o real.

Não há uma dimensão humana por trás disso?
As pessoas não estão... Há seis dias, estive em Juiz de Fora, pra fazer uma conferência. Lá tenho muitos amigos. Sabe qual foi a informação que eu recolhi? A cidade tem 520 mil habitantes. Sabe quantos veículos automotores estão licenciados na municipalidade de Juiz de Fora? 140 mil.

Uma proporção elevada.
Um para menos de quatro moradores. Se você pegar essa informação para Ribeirão Preto, Campinas, cidades próximas a São Paulo, vai encontrar uma proporção maior. Menos gente por carro. Como levaram o crescimento da economia brasileira? Pelo endividamento das famílias, não pelo investimento das empresas, não pelo investimento público. A única coisa que aconteceu foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Quando eu fui presidente do BNDES, o Lula me pediu pra fazer a lista dos projetos prioritários para o País. Fiz uma relação muito parecida com o PAC atual. Aliás, eu acho que eles partiram da lista que nós fizemos. Trabalhamos três meses com 50 pessoas. Detalhe: neste ano, só gastaram 40% do que foi programado. Você acha que vão continuar o PAC? E aí? Você acha os juros vão subir? Posso afirmar que vão, pois é a única coisa que o dr. Meirelles sabe fazer. Como os dólares estão saindo do Brasil, Meirelles vai empurrar os juros pra cima.
Os empresários vão continuar a investir? Já anunciaram que estão paralisando. A crise está entrando no Brasil.
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Herf
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Re: Estado, poupança e miséria

Mensagem por Herf »

Claudio Loredo escreveu:POR QUE O SOCIALISMO?

Por Albert Einstein

Uma boa ilustração do motivo pelo qual devemos desconsiderar totalmente a autoridade de um argumentador ao analisar seu argumento. Até o grande Einstein pode incorrer em falácias.

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user f.k.a. Cabeção
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Re: Estado, poupança e miséria

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »


O texto de abertura do topico, de Alceu Garcia, e um resumo muito bom do que diz a teoria austriaca basica.

E interessante, pois a teoria austriaca nao precisa tomar nenhum partido pelo liberalismo. Ela apenas mostra que a alternativa logica a economia descentralizada e a economia planejada por burocratas.

Os socialistas normalmente nao pensam dessa forma. A dicotomia na cabeca deles e entre "desigualdade" e "igualdade". Como as desigualdades se manifestam no capitalismo, algo parece lhes dizer que para resolve-las devemos recorrer a burocracia e ao planejamento central.

Esse e o seu erro fatal.

A verdade e que pode-se ter qualquer opiniao a cerca da desigualdade: podemos considera-la boa ou ruim se adotarmos um ponto de vista ou outro. Eu particularmente penso na desigualdade, de um modo geral, como uma coisa boa. Motiva as pessoas a perseguirem seus objetivos individuais e se destacarem. Por outro lado entendo e ate concordo com esquerdistas quando estes dizem que e um fato lamentavel que existam pessoas afortunadas, que podem gozar de luxos indescritiveis, e pessoas miseraveis que nao tem sequer meios para conseguir algo para comer.

E verdade que a forma como e normalmente colocado esse problema sugere que a riqueza de uns causa a miseria de outros, como se coisas simultaneas tivessem que ter alguma relacao necessaria de causalidade. E claro que se o rico entregasse metade de sua riqueza para o pobre num determinado mometo, nenhum dos dois seria rico ou pobre, pelo menos por algum tempo. Mas nao e porque o rico nao quis no passado dividir o seu dinheiro com o pobre que existe miseria. Miseria e a condicao natural do homem. Viemos ao mundo pelados e sem documentos, e o unico capital que tinhamos era o nosso cerebro, que nos permitiu criar toda a riqueza que existe a partir dos fatores brutos da natureza, ou mesmo de ideias puras. A quantidade de riqueza na sociedade nao e algo estatico que simplesmente teve sua maior parte apoderada por ricos gananciosos, que deixaram apenas as migalhas para que os miseraveis pudessem sobreviver e reproduizir-se. O problema entao nao e exatamente o fato de existirem pessoas ricas, mas sim de ainda existirem pessoas miseraveis.

Ocorre que a aparente solucao dos socialistas para esse problema e simplesmente irracional e contra-producente: entregar poderes arbitrarios para politicos e burocratas. A unica sugestao de explicacao dada para esse fato esta na aparente incapacidade do capitalismo de acabar com a miseria.

Primeiramente, a acusacao contra o capitalismo e falsa. Este tem sido prominente em criar oportunidades para miseraveis desde que foi implantado, e ate hoje esse fato e verdadeiro, caso contrario nao veriamos o sempre intenso fluxo de imigrantes rumo aos paises capitalistas e a substancial melhora das condicoes de vida dos habitantes de paises que decidem migrar para o capitalismo.

Segundamente, burocratas e politicos tem interesses particulares e empregarao seus poderes arbitrarios para satisfaze-los antes de qualquer obrigacao para com as massas miseraveis. Acreditar que basta uma reforma moral na politica para que a vontade popular se manifeste e o socialismo seja efetivamente implantado e alimentar uma crenca irracional de que por algum misterio da natureza o poder arbitrario vai parar nas maos de pessoas sabias, honestas e incorruptiveis, e nao nas maos do tipo de pessoas que buscam incessantemente pelo poder arbitrario, e que raramente portam tais virtudes.

Fora o problema fundamental de toda burocracia central: como recolher, processar, e interpretar a infinidade de dados que compoe a estrutura da informacao na sociedade, substituindo o mercado por algo mais eficiente e justo e que torne as pessoas mais felizes. Como ja foi demonstrado ha bastante tempo, isso nao e um mero problema tecnologico, mas uma impossibilidade teorica e pratica. A informacao que os burocratas processam nao tem qualquer conteudo de realidade sem precos de mercado, de modo que quanto maior a intervencao do Estado, mais falsa e a contabilidade de custos, ate o ponto de um socialismo total onde nenhuma contabilidade de custos faria algum sentido.

Ou seja, o problema dos esquerdistas nao e exatamente um problema moral ou etico, afinal, e muito dificil sustentar que existiria algo de fundamentalmente errado com o ideal de que todos devem ter acesso as necessidades basicas humanas. E alias o principio moral que forjou a declaracao dos direitos humanos, e que motiva muitas ONGs internacionais, intituicoes e individuos a praticarem caridade voluntaria. Ja o ideal de igualdade extrema dos comunistas e logicamente falho e incompativel com a natureza humana, mas tambem nao e o seu erro fundamental.

O erro esta em acreditar que substituindo as decisoes tomadas por empresas e individuos por aquelas feitas por burocratas e tecnocratas eles estarao dando um passo adequado para alcancar seus ideais de justica social. Nenhum esquerdista se encarregou de fazer essa demonstracao fundamental para corroborar a tese de que o capitalismo deve ser substituido por algo melhor (sendo que as unicas alternativas sao a burocracia central ou a guerra de todos contra todos e ausencia de cooperacao social). Sem essa demonstracao, o esquerdismo precisa se valer de um non sequitur para atacar o capitalismo.
"Let 'em all go to hell, except cave 76" ~ Cave 76's national anthem

Trancado