Provas de que Emmanuel não existiu
Enviado: 22 Jun 2008, 22:27
Emmanuel, o guia de Chico Xavier
Este artigo busca fornecer fortes evidências de que Emmanuel, principal controle ou guia do alegado médium Chico Xavier, na verdade nunca existiu.
Emmanuel, o mais constante guia ou controle do médium Chico Xavier, responsável pela confecção de dezenas de livros, afirma em sua obra “Há Dois Mil Anos” ter sido em uma vida passada o senador Públio Lentulus Cornelius, que conviveu com Jesus Cristo.
Houve de fato alguns “Públios Lentulus” na história de Roma, mas nenhum deles se encaixa na personagem referida no romance “Há Dois Mil Anos”. De fato, o único indício de sua existência seria uma famosa carta que descreve Jesus. Segundo o site espírita http://www.guia.heu.nom.br/retrato_de_jesus.htm há ao menos quatro versões da carta. Não vou reproduzir aqui todas as diferentes versões da carta, apenas a mais abrangente delas e outra. Os interessados podem ir ao site indicado para ver as demais. Eis a primeira delas:
“SABENDO que desejas conhecer quanto vou narrar, existindo nos nossos tempos um homem, que vive atualmente, de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado o profeta da verdade; e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do céu e da terra e de todas coisas que nela se acham ou, que nela tenham estado; em verdade, ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas deste Jesus: ressuscita os mortos, cura os enfermos, numa palavra, - é um homem de justa estatura e muito belo no aspecto e, há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a temê-lo ou amá-lo. Tem os olhos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até a orelha e, da orelha até os ombros, são da cor da terra, porém, mais reluzentes. Tem no meio da sua fronte uma linha separando o cabelo, na forma de uso entre os Nazarenos. O seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, […] [muito parecido com sua mãe, que é de peregrina beleza, uma das belas mulheres da Palestina]
“A BARBA é espessa, semelhante ao cabelo, não muito longa, mas, separada pelo meio; seu olhar é muito afetuoso e grave; tem os olhos expressivos e claros, [o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol …] [porém ninguém pode olhar fixamente o seu semblante porque, quando resplende, apavora, quando ameniza, chora; faz-se amar e é alegre com gravidade].
“DIZEM que nunca ninguém o viu rir [em público], mas, antes, chorar. […] Na palestra, contenta muito, mas, o faz raramente e, quando dele nos aproximamos, verificamos que é muito modesto na presença e na pessoa. Se a majestade tua, ó César, deseja vê-lo, como no aviso passado escreveste, dá-me ordens, que não faltarei de mandá-lo o mais depressa possível. [… ] [tenho sido grandemente molestado por estes judeus] Caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, mas, em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas regiões. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram jamais tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como divino, mas, outros me querelam, afirmando que é contra a lei da tua majestade […] Dizem que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário: aqueles que o conhecem e que com ele têm praticado afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém, à tua obediência estou prontíssimo, aquilo que tua majestade ordenar será cumprido. Salve. Da tua majestade, fidelíssimo e obrigadíssimo. Publius Lentulus, presidente da Judeia. Indicção sétima, lua segunda.”
A Catholic Encyclopedia, iniciada em janeiro de 1905 e terminada em abril de 1914, fornece os seguintes motivos para a carta ser fraudulenta:
“Nunca houve um Governador de Jerusalém; não se sabe de nenhum Procurador da Judéia que tenha se chamado Lentulus e um governador romano não teria se dirigido ao Senado no modo representado. Por último um escritor romano não teria empregado as expressões, “profeta da verdade”, “filhos de homens” ou “Jesus Cristo”. Os dois primeiros são idiomas hebreus, o terceiro é tomado do Novo Testamento. A carta, portanto, dá uma descrição de Jesus tal como a religiosidade cristã concebeu-o.”
Lembro que a própria Igreja Católica teria todo o interesse em aceitar tal carta como autêntica, já que forneceria uma prova material da existência de Jesus. O fato da própria Igreja considerar a carta fraudulenta em que pese interesses contrários mostra grande honestidade de pesquisa neste caso. O livro “Há Dois Mil Anos” não reproduz o conteúdo da carta, mas diz na página 96:
“Naquele dia, Públio Lentulus ocupou-se tão somente de encher numerosos rolos de pergaminho, para mandar ao companheiro de luta notícias minuciosas de todas as ocorrências. Entre elas estava a boa-nova do restabelecimento da filhinha, atribuído ao clima adorável da Galileia. Mas, como possuía naquele valoroso descendente dos Severus uma alma de irmão dedicado e fiel, a cujo coração jamais deixara de confiar as mais recônditas emoções do seu espírito, escreveu-lhe longa carta, em suplemento. com vistas ao Senado Romano, sobre a personalidade de Jesus-Cristo, encarando-a serenamente, sob o estrito ponto de vista humano sem nenhum arrebatamento sentimental.”
Das quatro versões, penso que a que possui menos arrebatamento sentimental é esta (outras pessoas podem discordar, mas isso não será problema, já que todas as versões possuem praticamente os mesmos problemas):
“[…] ULTIMAMENTE, apareceu na Judeia um homem de estranho poder, cujo verdadeiro nome é Jesus [Cristo], mas, a quem o povo chama ”O Grande Profeta” e seus discípulos, ”O Filho de Deus”. Diariamente contam-se dele grandes prodígios: ressuscita os mortos, cura todas as enfermidades e traz assombrada toda Jerusalém com sua extraordinária doutrina. É um homem alto e de majestosa aparência […]; cabelo da cor do vinho, desce ondulado sobre os ombros; dividido ao meio, ao estilo nazareno. […] Barba abundante, da mesma cor do cabelo; […] as mãos, finas e compridas; olhos claros, [plácidos e brilhantes]. É grave, comedido e sóbrio em seus discursos. Repreendendo e condenando, é terrível; instruindo e exortando, sua palavra é doce a acariciadora. Ninguém o viu rir, mas, muitos o viram chorar. Caminha com os pés descalços e a cabeça descoberta. Vendo-o à distância, há quem o despreze, porém, em sua presença não há quem não estremeça com profundo respeito. Quantos se acerquem dele, afirmam haver recebido enormes benefícios, mas há quem o acuse de ser um perigo para a tua majestade, porque afirma publicamente que os reis e escravos são iguais perante Deus”’ (do ciclo de Pilatos, achado em Aquileia em 1580).
Evidentemente, como a carta não está reproduzida no livro, não é possível afirmar com base na carta que o livro em si seja uma fraude histórica, mas continuamos com o problema da falta de evidência de tal personagem. O que poderia ajudar-nos a resolver de vez a questão?
O nome das personagens. Um senador romano jamais erraria a construção romana dos nomes. O nome da filha de Lentulus, Flávia Lentúlia, é uma verdadeira aberração nesse sentido, segundo o pesquisador José Carlos Ferreira Fernandes. Eis o que foi-me informado a respeito disso:
“A menina era filha de um Cornélio Lêntulo e de uma Lívia; se o pai seguisse o uso patrício tradicional, ela chamar-se-ia Cornélia, e nada mais. Admitindo-se, contudo, que os pais fossem menos “tradicionalistas”, e mais abertos a algumas novidades já presentes na onomástica romana na primeira época imperial, algumas possibilidades poderiam ser consideradas para a denominação dessa menina; em ordem decrescente de probabilidade, seriam elas:
a) Cornélia, a denominação mais provável, utilizando apenas o gentílico paterno, ainda atestada entre os Cornélios da época imperial, inclusive entre os próprios Cornélios Lêntulos;
b) Cornélia Livila, na qual ao gentílico paterno acrescentar-se-ia uma forma diminutiva “cognominizada” do gentílico materno, indicando que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
c) Cornélia Lívia, uma polinomia, na qual, ao gentílico paterno acrescentar-se-ia o gentílico materno, também para se indicar que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
d) Lívia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico materno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”; dar-se-ia ênfase ao fato de a menina ter em suas veias sangue dos Lívios, sem desdenhar o fato de que também tinha sangue dos Cornélios Lêntulos;
e) Cornélia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”;
f) Cornélia Lívia Lentulina (ou Lentulila), mesmo caso anterior, mas com o uso de dois gentílicos, o paterno e o materno (polinomia); enfim,
g) Cornélia Livila Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-iam como cognomes uma forma “cognominizada” do gentílico materno e uma forma conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome paterno.
Todas essas opções são, ao menos, plausíveis (sendo que a mais provável é a tradicional “Cornélia”, sem mais nada); no entanto, o nome escolhido foi a aberração “Flávia Lentúlia”, em termos onomásticos romanos uma autêntica monstruosidade: por que utilizar como nome gentílico da criança a forma gentílica feminina “Flávia”, se ela era uma Cornélia, e não uma Flávia, e se, além do mais, sua mãe era uma Lívia, e não uma Flávia? E (horror dos horrores!), por que acrescentar a esse gentílico extemporâneo uma forma adjetivada do cognome paterno (“Lentúlia”), de forma a torná-lo como que um gentílico, algo jamais atestado no meio e na época? Mas essa monstruosidade tem a sua razão de ser se se considera como raciocinaria alguém que tentasse adaptar elementos “romanos” à estrutura onomástica moderna, para fins de criar um nome feminino. Pois, sendo filha de “Públio Lentulus”, a menina “tinha que ter” uma forma feminina de seu “nome de família” – daí a criação “Lentúlia”; a essa forma feminina do “nome de família” deveria anteceder o seu “primeiro nome”; e, do repertório de “elementos romanos”, escolheu-se o nome “Flávia” (considerado como um “primeiro nome”, e não como aquilo que era, a forma feminina do nome gentílico “Flávio”). “Flávia Lentúlia” é um dos melhores exemplos, se não o melhor, em todo o livro, da ignorância do autor acerca das mais elementares regras onomásticas vigentes na sociedade romana que diz retratar.”
Discussão
Dado que o livro é uma fraude histórica e que Públio Lentulus não existiu, quem ou o quê se manifestou em Chico por décadas escrevendo dezenas de livros?
Há várias opções:
a) Um espírito mistificador.
b) Uma criação inconsciente do médium.
c) Uma personalidade secundária do médium.
Gauld informa em seu livro “Mediunidade e Sobrevivência” vários casos de controles ou guias considerados fictícios, com estudos apontando serem aspectos da personalidade do médium. Em um dos exemplos, diz:
Um desses médiuns foi “Hélène Smith”, de Genebra (Catherine Elise Muller), sobre quem o psicólogo suíço Theodore Flournoy escreveu um notável estudo From India to Planet Mars [Da Índia ao Planeta Marte]. A conclusão de Flournoy é que os controles de Hèléne são construções de uma camada onírica um tanto infantil de sua personalidade, e, de fato, não estão separados de sua consciência “por uma barreira impenetrável, mas ocorrem trocas osmóticas de uma para outra”.
Penso que a opção mais parcimoniosa sobre Emmanuel/Públio Lentulus é de que ele não passa de uma personalidade secundária do médium, já que há muitos estudos dando base a tal idéia. Não vejo por que Chico seria uma exceção à regra. O fato é que controles fictícios não são desconhecidos da literatura psíquica.
Conclusão
Há evidência razoável de que Emmanuel não passa de um aspecto da personalidade do próprio médium, e há evidências extremamente fortes de que sua alegada encarnação passada nunca existiu, ao menos como descrita no livro “Há Dois Mil Anos”, que fica sendo, portanto, uma fraude histórica, feita talvez de forma inconsciente, isentando assim o médium de qualquer culpa.
Referências
http://www.newadvent.org/cathen/00001a.htm (acessado dia 05/12/2007)
http://www.newadvent.org/cathen/09154a.htm (acessado dia 05/12/2007)
http://www.espirito.org.br/portal/pales ... risto.html (acessado dia 05/12/2007)
Gauld, Alan (1986). Mediunidade e Sobrevivência. São Paulo: Pensamento.
Xavier, Chico. “Há Dois Mil Anos”, FEB, 1939.
Fernandes, José Carlos Ferreira. Análise Histórica Preliminar da Psicografia “Há Dois Mil Anos” (não-publicado).
http://obraspsicografadas.haaan.com/200 ... co-xavier/
Este artigo busca fornecer fortes evidências de que Emmanuel, principal controle ou guia do alegado médium Chico Xavier, na verdade nunca existiu.
Emmanuel, o mais constante guia ou controle do médium Chico Xavier, responsável pela confecção de dezenas de livros, afirma em sua obra “Há Dois Mil Anos” ter sido em uma vida passada o senador Públio Lentulus Cornelius, que conviveu com Jesus Cristo.
Houve de fato alguns “Públios Lentulus” na história de Roma, mas nenhum deles se encaixa na personagem referida no romance “Há Dois Mil Anos”. De fato, o único indício de sua existência seria uma famosa carta que descreve Jesus. Segundo o site espírita http://www.guia.heu.nom.br/retrato_de_jesus.htm há ao menos quatro versões da carta. Não vou reproduzir aqui todas as diferentes versões da carta, apenas a mais abrangente delas e outra. Os interessados podem ir ao site indicado para ver as demais. Eis a primeira delas:
“SABENDO que desejas conhecer quanto vou narrar, existindo nos nossos tempos um homem, que vive atualmente, de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado o profeta da verdade; e os seus discípulos dizem que é filho de Deus, criador do céu e da terra e de todas coisas que nela se acham ou, que nela tenham estado; em verdade, ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas deste Jesus: ressuscita os mortos, cura os enfermos, numa palavra, - é um homem de justa estatura e muito belo no aspecto e, há tanta majestade no rosto, que aqueles que o vêem são forçados a temê-lo ou amá-lo. Tem os olhos da cor da amêndoa bem madura, são distendidos até a orelha e, da orelha até os ombros, são da cor da terra, porém, mais reluzentes. Tem no meio da sua fronte uma linha separando o cabelo, na forma de uso entre os Nazarenos. O seu rosto é cheio, o aspecto é muito sereno, […] [muito parecido com sua mãe, que é de peregrina beleza, uma das belas mulheres da Palestina]
“A BARBA é espessa, semelhante ao cabelo, não muito longa, mas, separada pelo meio; seu olhar é muito afetuoso e grave; tem os olhos expressivos e claros, [o que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios do sol …] [porém ninguém pode olhar fixamente o seu semblante porque, quando resplende, apavora, quando ameniza, chora; faz-se amar e é alegre com gravidade].
“DIZEM que nunca ninguém o viu rir [em público], mas, antes, chorar. […] Na palestra, contenta muito, mas, o faz raramente e, quando dele nos aproximamos, verificamos que é muito modesto na presença e na pessoa. Se a majestade tua, ó César, deseja vê-lo, como no aviso passado escreveste, dá-me ordens, que não faltarei de mandá-lo o mais depressa possível. [… ] [tenho sido grandemente molestado por estes judeus] Caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, mas, em sua presença, falando com ele, tremem e admiram. Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas regiões. Em verdade, segundo me dizem os hebreus, não se ouviram jamais tais conselhos, de grande doutrina, como ensina este Jesus; muitos judeus o têm como divino, mas, outros me querelam, afirmando que é contra a lei da tua majestade […] Dizem que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário: aqueles que o conhecem e que com ele têm praticado afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém, à tua obediência estou prontíssimo, aquilo que tua majestade ordenar será cumprido. Salve. Da tua majestade, fidelíssimo e obrigadíssimo. Publius Lentulus, presidente da Judeia. Indicção sétima, lua segunda.”
A Catholic Encyclopedia, iniciada em janeiro de 1905 e terminada em abril de 1914, fornece os seguintes motivos para a carta ser fraudulenta:
“Nunca houve um Governador de Jerusalém; não se sabe de nenhum Procurador da Judéia que tenha se chamado Lentulus e um governador romano não teria se dirigido ao Senado no modo representado. Por último um escritor romano não teria empregado as expressões, “profeta da verdade”, “filhos de homens” ou “Jesus Cristo”. Os dois primeiros são idiomas hebreus, o terceiro é tomado do Novo Testamento. A carta, portanto, dá uma descrição de Jesus tal como a religiosidade cristã concebeu-o.”
Lembro que a própria Igreja Católica teria todo o interesse em aceitar tal carta como autêntica, já que forneceria uma prova material da existência de Jesus. O fato da própria Igreja considerar a carta fraudulenta em que pese interesses contrários mostra grande honestidade de pesquisa neste caso. O livro “Há Dois Mil Anos” não reproduz o conteúdo da carta, mas diz na página 96:
“Naquele dia, Públio Lentulus ocupou-se tão somente de encher numerosos rolos de pergaminho, para mandar ao companheiro de luta notícias minuciosas de todas as ocorrências. Entre elas estava a boa-nova do restabelecimento da filhinha, atribuído ao clima adorável da Galileia. Mas, como possuía naquele valoroso descendente dos Severus uma alma de irmão dedicado e fiel, a cujo coração jamais deixara de confiar as mais recônditas emoções do seu espírito, escreveu-lhe longa carta, em suplemento. com vistas ao Senado Romano, sobre a personalidade de Jesus-Cristo, encarando-a serenamente, sob o estrito ponto de vista humano sem nenhum arrebatamento sentimental.”
Das quatro versões, penso que a que possui menos arrebatamento sentimental é esta (outras pessoas podem discordar, mas isso não será problema, já que todas as versões possuem praticamente os mesmos problemas):
“[…] ULTIMAMENTE, apareceu na Judeia um homem de estranho poder, cujo verdadeiro nome é Jesus [Cristo], mas, a quem o povo chama ”O Grande Profeta” e seus discípulos, ”O Filho de Deus”. Diariamente contam-se dele grandes prodígios: ressuscita os mortos, cura todas as enfermidades e traz assombrada toda Jerusalém com sua extraordinária doutrina. É um homem alto e de majestosa aparência […]; cabelo da cor do vinho, desce ondulado sobre os ombros; dividido ao meio, ao estilo nazareno. […] Barba abundante, da mesma cor do cabelo; […] as mãos, finas e compridas; olhos claros, [plácidos e brilhantes]. É grave, comedido e sóbrio em seus discursos. Repreendendo e condenando, é terrível; instruindo e exortando, sua palavra é doce a acariciadora. Ninguém o viu rir, mas, muitos o viram chorar. Caminha com os pés descalços e a cabeça descoberta. Vendo-o à distância, há quem o despreze, porém, em sua presença não há quem não estremeça com profundo respeito. Quantos se acerquem dele, afirmam haver recebido enormes benefícios, mas há quem o acuse de ser um perigo para a tua majestade, porque afirma publicamente que os reis e escravos são iguais perante Deus”’ (do ciclo de Pilatos, achado em Aquileia em 1580).
Evidentemente, como a carta não está reproduzida no livro, não é possível afirmar com base na carta que o livro em si seja uma fraude histórica, mas continuamos com o problema da falta de evidência de tal personagem. O que poderia ajudar-nos a resolver de vez a questão?
O nome das personagens. Um senador romano jamais erraria a construção romana dos nomes. O nome da filha de Lentulus, Flávia Lentúlia, é uma verdadeira aberração nesse sentido, segundo o pesquisador José Carlos Ferreira Fernandes. Eis o que foi-me informado a respeito disso:
“A menina era filha de um Cornélio Lêntulo e de uma Lívia; se o pai seguisse o uso patrício tradicional, ela chamar-se-ia Cornélia, e nada mais. Admitindo-se, contudo, que os pais fossem menos “tradicionalistas”, e mais abertos a algumas novidades já presentes na onomástica romana na primeira época imperial, algumas possibilidades poderiam ser consideradas para a denominação dessa menina; em ordem decrescente de probabilidade, seriam elas:
a) Cornélia, a denominação mais provável, utilizando apenas o gentílico paterno, ainda atestada entre os Cornélios da época imperial, inclusive entre os próprios Cornélios Lêntulos;
b) Cornélia Livila, na qual ao gentílico paterno acrescentar-se-ia uma forma diminutiva “cognominizada” do gentílico materno, indicando que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
c) Cornélia Lívia, uma polinomia, na qual, ao gentílico paterno acrescentar-se-ia o gentílico materno, também para se indicar que a moça em questão era filha de um Cornélio e de uma Lívia;
d) Lívia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico materno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”; dar-se-ia ênfase ao fato de a menina ter em suas veias sangue dos Lívios, sem desdenhar o fato de que também tinha sangue dos Cornélios Lêntulos;
e) Cornélia Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-ia uma forma feminina conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome “Lêntulo”;
f) Cornélia Lívia Lentulina (ou Lentulila), mesmo caso anterior, mas com o uso de dois gentílicos, o paterno e o materno (polinomia); enfim,
g) Cornélia Livila Lentulina (ou Lentulila), na qual, ao gentílico paterno, acrescentar-se-iam como cognomes uma forma “cognominizada” do gentílico materno e uma forma conveniente (no diminutivo afetuoso) do cognome paterno.
Todas essas opções são, ao menos, plausíveis (sendo que a mais provável é a tradicional “Cornélia”, sem mais nada); no entanto, o nome escolhido foi a aberração “Flávia Lentúlia”, em termos onomásticos romanos uma autêntica monstruosidade: por que utilizar como nome gentílico da criança a forma gentílica feminina “Flávia”, se ela era uma Cornélia, e não uma Flávia, e se, além do mais, sua mãe era uma Lívia, e não uma Flávia? E (horror dos horrores!), por que acrescentar a esse gentílico extemporâneo uma forma adjetivada do cognome paterno (“Lentúlia”), de forma a torná-lo como que um gentílico, algo jamais atestado no meio e na época? Mas essa monstruosidade tem a sua razão de ser se se considera como raciocinaria alguém que tentasse adaptar elementos “romanos” à estrutura onomástica moderna, para fins de criar um nome feminino. Pois, sendo filha de “Públio Lentulus”, a menina “tinha que ter” uma forma feminina de seu “nome de família” – daí a criação “Lentúlia”; a essa forma feminina do “nome de família” deveria anteceder o seu “primeiro nome”; e, do repertório de “elementos romanos”, escolheu-se o nome “Flávia” (considerado como um “primeiro nome”, e não como aquilo que era, a forma feminina do nome gentílico “Flávio”). “Flávia Lentúlia” é um dos melhores exemplos, se não o melhor, em todo o livro, da ignorância do autor acerca das mais elementares regras onomásticas vigentes na sociedade romana que diz retratar.”
Discussão
Dado que o livro é uma fraude histórica e que Públio Lentulus não existiu, quem ou o quê se manifestou em Chico por décadas escrevendo dezenas de livros?
Há várias opções:
a) Um espírito mistificador.
b) Uma criação inconsciente do médium.
c) Uma personalidade secundária do médium.
Gauld informa em seu livro “Mediunidade e Sobrevivência” vários casos de controles ou guias considerados fictícios, com estudos apontando serem aspectos da personalidade do médium. Em um dos exemplos, diz:
Um desses médiuns foi “Hélène Smith”, de Genebra (Catherine Elise Muller), sobre quem o psicólogo suíço Theodore Flournoy escreveu um notável estudo From India to Planet Mars [Da Índia ao Planeta Marte]. A conclusão de Flournoy é que os controles de Hèléne são construções de uma camada onírica um tanto infantil de sua personalidade, e, de fato, não estão separados de sua consciência “por uma barreira impenetrável, mas ocorrem trocas osmóticas de uma para outra”.
Penso que a opção mais parcimoniosa sobre Emmanuel/Públio Lentulus é de que ele não passa de uma personalidade secundária do médium, já que há muitos estudos dando base a tal idéia. Não vejo por que Chico seria uma exceção à regra. O fato é que controles fictícios não são desconhecidos da literatura psíquica.
Conclusão
Há evidência razoável de que Emmanuel não passa de um aspecto da personalidade do próprio médium, e há evidências extremamente fortes de que sua alegada encarnação passada nunca existiu, ao menos como descrita no livro “Há Dois Mil Anos”, que fica sendo, portanto, uma fraude histórica, feita talvez de forma inconsciente, isentando assim o médium de qualquer culpa.
Referências
http://www.newadvent.org/cathen/00001a.htm (acessado dia 05/12/2007)
http://www.newadvent.org/cathen/09154a.htm (acessado dia 05/12/2007)
http://www.espirito.org.br/portal/pales ... risto.html (acessado dia 05/12/2007)
Gauld, Alan (1986). Mediunidade e Sobrevivência. São Paulo: Pensamento.
Xavier, Chico. “Há Dois Mil Anos”, FEB, 1939.
Fernandes, José Carlos Ferreira. Análise Histórica Preliminar da Psicografia “Há Dois Mil Anos” (não-publicado).
http://obraspsicografadas.haaan.com/200 ... co-xavier/