Guerra Fria - 60 anos

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emmmcri
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Guerra Fria - 60 anos

Mensagem por emmmcri »

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2008/06/30/ult2682u849.jhtm


Guerra Fria - 60 anos: 'Ambos os lados estavam tomados pela insanidade. E as coisas não mudaram'
Este ano marca o 60º aniversário do início da Guerra Fria. Em entrevista, o ex-chanceler alemão Helmut Schmidt discute a política de dissuasão nuclear durante a Guerra Fria, a Crise dos Mísseis de Cuba, a instalação de armas nucleares na Alemanha e as razões por trás do colapso da União Soviética

Klaus Wiegrefe e Hans-Ulrich Stoldt

Spiegel - Sr. Schmidt, o senhor foi libertado de um campo britânico de prisioneiros de guerra em agosto de 1945. A Conferência de Potsdam das Potências Aliadas vitoriosas tinha acabado de ser concluída. Na época, o senhor achava que divisões profundas logo dividiriam o Leste e o Oeste?
Schmidt - Sabe como é, após oito anos nas forças armadas, em tempos de paz e guerra, meu sentimento predominante era: "Graças a Deus acabou". Eu tinha 26 anos quando a guerra acabou e não sabia nada sobre o mundo. Eu cresci durante o período nazista e, até ser feito prisioneiro de guerra, eu nunca tinha ouvido falar da palavra democracia. Eu lembro que durante os últimos meses da guerra eu disse ao meu comandante: "O que estamos fazendo aqui é uma completa tolice. Nós deveríamos estar tentando conter os soviéticos e permitir os americanos avançarem o máximo possível". Então ele respondeu: "Schmidt, vou fingir que não ouvi isso".

Spiegel - O senhor já preferia os americanos naquela época.
Schmidt - Sim, é claro. Mas eu não suspeitava que logo se tornaria um conflito entre Leste e Oeste.

Spiegel - Em sua opinião, o que levou ao confronto? Era inevitável?
Schmidt - Rapidamente ficou claro que as tropas dos aliados ocidentais eram facilmente superadas em número pelo enorme acúmulo de tropas da União Soviética. De forma geral, seria possível dizer que em 1947-1948 as potências ocidentais viram a superioridade militar dos russos como uma ameaça. Foi aí que as armas nucleares entraram na equação. Elas visavam impedir os soviéticos de posicionarem seus muitos tanques e soldados. Esse foi o princípio conhecido como dissuasão nuclear.

GUERRA FRIA - 60 ANOS

Construção do Muro de Berlim
ENTREVISTA: EX-CHANCELER
UMA BREVE HISTÓRIA
Spiegel - Por que o Ocidente nunca tentou compensar de forma convencional?
Schmidt - Ele não podia. Dado o grande número de tropas soviéticas, era impossível, apesar da introdução posterior do serviço militar obrigatório na Alemanha Ocidental.

Spiegel - Mas do ponto de vista econômico, o Ocidente estava significativamente mais forte do que a União Soviética.
Schmidt - Quando se trata de guerra, assim como da prevenção da guerra, não é apenas uma questão de capacidade econômica e tamanho do orçamento de defesa, mas também do simples tamanho das forças armadas. É possível ver um exemplo disto no Iraque. Os americanos não contam com pessoal suficiente em solo lá, de forma que não conseguem vencer a guerra.

Spiegel - Recrutar soldados em um sistema ditatorial é certamente muito mais fácil do que em uma democracia.
Schmidt - Os americanos pretendiam abolir o serviço militar obrigatório, o que fizeram posteriormente. Os soviéticos viam o serviço militar obrigatório como algo natural. Também era assim sob os czares.

Spiegel - Um dos eventos mais dramáticos dos primeiros anos do pós-guerra foi a (ponte aérea) Berlin Airlift, de 1948-1949. Para muitos alemães ocidentais, esta operação de ajuda a Berlim Ocidental durante o bloqueio soviético transformou ex-inimigos em amigos. Como foi para o senhor?
Schmidt - Eu não via os americanos e britânicos como inimigos. Nem mesmo como soldado, apesar de ser natural de Hamburgo, onde em 1943 cerca de 30 mil a 40 mil pessoas foram mortas pelos britânicos em uma única semana. Mas a população de Hamburgo é anglófila desde as Guerras Napoleônicas e nutria menos ressentimento contra os britânicos do que contra Hermann Göring, que fracassou em protegê-la.

Spiegel - Em 1949, foi fundada a República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), seguida pela República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). A divisão da Alemanha era inevitável?
Schmidt - Ela aconteceu. Isto está claro. Se era ou não evitável ou alguém poderia ter impedido -são todas perguntas hipotéticas.

Spiegel - Mas é um fato que, em 1952, Josef Stalin se ofereceu para negociar com as potências ocidentais a reunificação da Alemanha. O chanceler alemão ocidental, Konrad Adenauer, rejeitou a oferta. Ele achou que a coisa toda era uma manobra para impedir que a Alemanha Ocidental fosse integrada ao Ocidente. Aquela foi uma oportunidade perdida?
Schmidt - Eu sinto que Adenauer cometeu um erro, e hoje ainda tenho a tendência de dizer que ele agiu impulsivamente ao rejeitar categoricamente a proposta. Mas Adenauer não era o homem chave; este era na verdade o presidente americano na época, Harry Truman. Cabia, é claro, a Washington decidir.

Spiegel - O que Stalin esperava obter com sua proposta?
Schmidt - Na época, os Estados Unidos e Adenauer pretendiam rearmar a Alemanha. É claro que os soviéticos sabiam disso. Eu acho que é provável que a oferta de Stalin fosse uma tentativa de evitar este desdobramento. Ninguém pode realmente dizer quão sincera era a proposta porque ninguém sabia qual era a verdadeira intenção de Stalin.

Spiegel - A Alemanha foi um dos grandes campos de batalha da Guerra Fria. O senhor temia na época que de fato poderia ocorrer uma guerra nuclear na Europa Ocidental?
Schmidt - Desde minha eleição à câmara baixa do Parlamento alemão, o Bundestag, no outono de 1953, eu me aprofundei em assuntos estratégicos. Eu rapidamente percebi que a ameaça de retaliação nuclear do Ocidente provocaria uma resposta nuclear da União Soviética. Os russos tinham suas armas nucleares há muito tempo, e então também adquiriram a bomba de hidrogênio.

Spiegel - E o senhor não se preocupava com possibilidade de escalada da situação?
Schmidt - Não. Eu apenas sentia que o Ocidente tinha que ser capaz de se defender para evitar ser arrastado para um conflito nuclear.

Spiegel - Em 1962, os soviéticos instalaram ogivas nucleares em Cuba. Isto levou a uma situação bastante perigosa. A Crise dos Mísseis de Cuba claramente chamou a atenção do mundo para os riscos de uma guerra nuclear. Muitos sentem que o fato desta catástrofe ter sido evitada foi o início da política de détente (distensão) que o governo do ex-chanceler alemão, Willy Brandt, buscou em 1969 com sua nova Ostpolitik (política para o leste em alemão), que buscava normalizar as relações com os países do bloco Oriental, incluindo a Alemanha Oriental.
Schmidt - O crédito pela solução da Crise dos Mísseis de Cuba não cabe apenas ao governo Kennedy, mas também a Nikita Kruschev e seu pessoal.

Spiegel - Que foi o responsável pela crise.
Schmidt - Sim. Kruschev sem dúvida foi um ditador muito impulsivo. Mas no final, não foram apenas os russos que cederam, mas também os americanos, que tinham instalado armas nucleares na Turquia. E elas foram desmontadas. Até então, a Turquia servia como uma base de lançamento de mísseis para os americanos. Então ambos os lados cederam. Casualmente, isto não levou a um período de détente -depois, em 1968, os russos marcharam na Tchecoslováquia. Foi apenas a solução para uma breve crise, provocada de forma injustificada e que foi extremamente perigosa.

Spiegel - Durante a Crise dos Mísseis de Cuba o senhor servia como ministro do Interior no Estado de Hamburgo. Muitas pessoas disseram que o senhor encenou o conflito com pessoas interpretando vários papéis.
Schmidt - Isto é pura tolice. Eu nunca sonhei em fazer algo assim. Quem supostamente teria interpretado o outro lado? Só poderia ser alguém como (o político da Baviera) Franz Josef Strauss.

Spiegel - Mas o ministro da Defesa alemão conservador, da União Social Cristã (o partido bávaro irmão do Partido Democrata Cristão nacional), infelizmente não estava em Hamburgo com muita freqüência.
Schmidt - De qualquer forma, é uma história totalmente falsa.

Spiegel - A partir de 1969, a política alemã de reaproximação sob o chanceler Willy Brandt aliviou ligeiramente as tensões entre Leste e Oeste.
Schmidt - Correto. Mas isto foi visto inicialmente pelos americanos com suspeita. O conselheiro de segurança nacional da época, Henry Kissinger, e o presidente Richard Nixon, estavam muito céticos. Eu gostaria de pensar que nós ajudamos a convencê-los a relaxar. Mas seria um exagero dizer que nós os convencemos em prol da détente.

Spiegel - Todavia, os Estados Unidos lançaram uma série de iniciativas, incluindo o Acordo dos Quatro Poderes em Berlim, em 1971, que abriu o caminho para o período de détente e as negociações SALT para limitação de armas estratégicas.
Schmidt - É correto. Mas o SALT, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o Tratado Abrangente de Proibição de Testes, o Tratado de Mísseis Antibalísticos e assim por diante não faziam parte da estratégia de reaproximação, mas sim uma estratégia para manutenção do equilíbrio.

Spiegel - E qual era o principal objetivo da Ostpolitik alemã? Era garantir a paz ou a unidade da Alemanha teve um papel chave? Qual era o foco principal? Os historiadores ainda estão debatendo este ponto.
Schmidt - Deixe que discutam nossos motivos.

Spiegel - O senhor não tem nenhuma opinião sobre o assunto?
Schmidt - A idéia era manter a essência da nação, nossa consciência como nação. Mas Brandt, (o então ministro dos assuntos especiais da Alemanha) Egon Bahr e Walter Scheel, que serviu como ministro das Relações Exteriores e vice-chanceler, perceberam que esta política só era possível com o apoio militar dos americanos como líderes da Otan. Vários sonhadores e ideólogos na Alemanha inflaram nossa Ostpolitik, que era guiada pela razão, em uma política motivada por um anseio pela paz. Estava claro que não poderia ter continuado se, por exemplo, os americanos tivessem dito não.

Spiegel - Olhando para trás, o senhor diria que a política alemã de détente foi um sucesso?
Schmidt - Ela foi um sucesso. De qualquer forma, ela ajudou a minimizar os riscos de confronto entre os dois Estados alemães. Apesar de não ter convencido ninguém na liderança soviética, ela definitivamente assegurou a Leonid Brejnev as nossas intenções pacíficas.

Spiegel - Em meados dos anos 70, as tensões aumentaram de novo. A União Soviética começou a instalar mísseis SS-20. O que levou a isto?
Schmidt - Anos atrás, eu perguntei a Mikhail Gorbatchov: "Você não era um membro do Politburo quando estes mísseis SS-20 foram instalados? Cada um equipado com três ogivas com alvos independentes. Com apenas um míssil era possível eliminar (as cidades alemãs de) Hamburgo, Bremen e Hanover, todas de uma só vez. O que levou vocês a fazerem esta ameaça?" Gorbatchov respondeu, e não tenho motivo para duvidar do que disse: "Isso nunca foi decidido no Politburo. O velho fez aquilo por iniciativa própria juntamente com o exército". O velho era Brejnev. Talvez ele achasse na época que o assunto não era importante o suficiente ou era importante demais para ser apresentado ao Politburo. Na verdade, estes novos mísseis de alcance médio soviéticos eram perfeitamente adequados para perturbar o equilíbrio militar; a maioria deles estava apontado para a Alemanha Ocidental.

Spiegel - O senhor foi importante na orquestração da resposta da Otan em 1979, com a decisão "Double-Track". Isto incluiu uma oferta para negociações somada à ameaça de posicionar mais mísseis caso nenhum acordo fosse acertado. O senhor realmente acreditava que a União Soviética queria usar seus mísseis?
Schmidt - Provavelmente nada teria acontecido sob Brejnev. Ele na verdade temia uma guerra, eu sei disso. Mas eu percebi que as coisas poderiam ser diferentes posteriormente, sob outra liderança soviética; e com a população extremamente nervosa na Alemanha, as pessoas poderiam sucumbir e desenrolar faixas dizendo "melhor vermelho que morto". Tudo isso tinha o potencial de gerar pressão. E também considerei como um governo americano reagiria caso apenas os alemães corressem risco.

Spiegel - Como as negociações fracassaram em produzir um acordo, em 1983 o Ocidente começou a instalar os mísseis de cruzeiro e Pershing II. Em Moscou -como agora sabemos- esta ação levou a um surto de histeria de guerra. Muitos membros da liderança soviética acreditavam que o Ocidente estava planejando um primeiro ataque nuclear. Neste sentido, a decisão "Double-Track" não deixou o mundo mais seguro, não foi?
Schmidt - Eu estou totalmente aberto a toda autocrítica, mas é tolice dizer que tornou o mundo menos seguro. Pelo contrário, desde que o Ocidente e o ex-chanceler Helmut Kohl se mantiveram firmes na decisão Double Track, em 1987 isto levou à eliminação dos temíveis mísseis de médio alcance de ambos os lados -graças ao primeiro tratado de desarmamento desde 1945!

Spiegel - Em caso de uma guerra entre a União Soviética e os Estados Unidos, a Alemanha teria sido um dos campos de batalha principais. A Alemanha Ocidental tinha direito de veto ao possível uso de armas nucleares?
Schmidt - No papel, sim, mas na prática provavelmente não. O veto só envolvia armas nucleares que poderiam ser lançadas de solo alemão. Todavia, nos anos 70, nós conseguimos proibir as ridículas minas nucleares entre as zonas de ocupação, que teriam mais ou menos provocado automaticamente uma guerra nuclear.

Spiegel - Milhares de armas nucleares já foram estocadas na Alemanha Ocidental. Por que o governo alemão nunca fez esforços mais concentrados para reduzir drasticamente esta ameaça?
Schmidt - Ambos os lados estavam tomados pela insanidade. E as coisas não mudaram. Os americanos ainda possuem cerca de 10 mil ogivas nucleares. E os russos têm um pouco mais.

Spiegel - Como chanceler alemão, o senhor poderia se manifestar e pedir uma redução.
Schmidt - Eu estava interessado em criar um equilíbrio estratégico porque o equilíbrio de poder reduz a probabilidade de alguém apertar o botão errado. Não havia sentido em convencer os americanos a reduzirem unilateralmente seus números.

Spiegel - O senhor foi membro do governo alemão por 13 anos, os últimos oito como chanceler. Durante esse período, alguma vez houve conversa sobre o desenvolvimento ou produção de armas nucleares alemãs?
Schmidt - Não. Pelo que sei, a última vez que o assunto foi discutido foi durante o segundo ou terceiro Gabinete sob Adenauer. Strauss era o ministro da Defesa e estava pressionando para que as forças armadas alemãs tivessem armas nucleares. É concebível que algumas pessoas tenham sugerido para mim que poderíamos produzi-las nós mesmos. Não há dúvida de que poderíamos ter reunido a perícia científica e tecnológica para criá-las. Mas até onde sei, isto nunca foi considerado seriamente por um governo alemão ocidental, apesar dos conservadores democratas-cristãos terem rejeitado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Spiegel - O colapso da União Soviética marcou o fim da era do confronto entre Leste e Oeste. No final, a Guerra Fria afetou a queda do império soviético ou a acelerou?
Schmidt - O fato é que até os anos 80, a União Soviética usou seu potencial físico para alimentar a escalada militar a um grau maior do que qualquer outro país. Sem a glasnost e perestroika, isto poderia continuar por vários anos. Era, é claro, uma ditadura rígida. Mas é outra questão se a Guerra Fria, ou uma série de megalomaníacos no Kremlin, ou a glasnost e perestroika, foram responsáveis pelo colapso da União Soviética.

Spiegel - A União Soviética perdeu a Guerra Fria. O Ocidente a venceu?
Schmidt - A União Soviética implodiu, mas não em conseqüência da Guerra Fria. Alguns americanos gostariam de acreditar que derrubaram os russos com a corrida armamentista. Isto é um exagero compreensível, mas também é absurdo.

Spiegel - O presidente americano, George W. Bush, e outros acreditam que a ameaça do terrorismo internacional torna a atual situação mundial tão perigosa ou ainda mais volátil do que durante a época da Guerra Fria. O senhor compartilha este ponto de vista?
Schmidt - Não. A Crise dos Mísseis de Cuba foi o momento mais perigoso na segunda metade do século 20. O maior desafio estratégico do século 21 não é o terrorismo, mas sim a explosão populacional e o crescente conflito cultural entre o Ocidente e a parte islâmica do mundo. Estes problemas podem produzir migrações em massa e possivelmente até guerras.

Spiegel - Sr. Schmidt, obrigado por esta entrevista.

Tradução: George El Khouri Andolfato
"Assombra-me o universo e eu crer procuro em vão, que haja um tal relógio e um relojoeiro não.
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Porque tanto se orgulhar de nossos conhecimentos se os instrumentos para alcançá-los e objetivá-los são limitados e parciais ?
A Guerra faz de heróis corajosos assassinos covardes e de assassinos covardes heróis corajosos .
No fim ela mostra o que somos , apenas medíocres humanos.



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