Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

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user f.k.a. Cabeção
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Re: Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Samael escreveu:E eis que, depois de tanto Hobbes na cultura liberal americana, vemos que um Rousseau enrustido é ESSENCIAL à teoria dos anti-estado.


Na verdade nao. A ideia de Rousseau do bom selvagem e a de que a sociedade destruiria o carater inerentemente bom do homem.

O que eu disse e exatamente o contrario. Na condicao de selvagem, o homem se ve destituido das ferramentas racionais que permitem a compreensao de um comportamento moral, que sao adquiridas com o processo civilizatorio, fazendo retrair a brutalidade e prevalecer a razao. E isso que eu quis dizer com o Estado ocupando o vacuo deixado pela ausencia de civilizacao.

Com o aprimoramento racional e moral do homem que tanto estimula quanto e estimulado pela divisao cada vez mais intensa do trabalho num ambiente de livre mercado, a percepcao de que os maiores beneficios extraidos de contratos podem substituir aquilo que antes parecia passivel de ser conseguido apenas atraves da dominacao e da forca. A "necessidade" de vigilancia e punicao reduz bastante, a confianca entre as pessoas aumenta substancialmente. E a harmonia de mercado.

A hegemonia da razao sobre a violencia tem marcado o avanco, nem sempre continuo, da civilizacao, sobretudo no Ocidente. Esse avanco foi interrompido e retrocessos se produziram nas revoltas contra a razao estimuladas por ideologias socialistas. Somente atraves da incriminacao do individuo essas ideias permitiram o avanco do Estado sobre a civilizacao, como ocorreu na Alemanha, culminando na negacao absoluta da razao, o Nazismo. Fenomenos muito similares, em diferentes intensidades, se passaram em todo Ocidente, inclusive nas democracias, e boa parte do seculo vinte foi perdida nos delirios estatistas oriundos das ideologias marxistas, fascistas, sindical-corporativas, fabianas, relativistas, descontrucionistas etc. Todas elas comungavam a aspiracao de substituir a razao individual por uma especie de "razao coletiva", e pregavam em algum nivel a falha da logica individual-burguesa que estabelecia o funcionamento e harmonia dos mercados.

Muitos pensadores imponentes, como Ludwig von Mises, encararam esses retrocessos para o Irracional como um motivo para pessimismo. Viveram em epocas conturbadas, onde as pessoas estariam confusas pelas ideologias, e mesmo hoje enfrentamos rescaldos do culto fervoroso ao irracionilismo que imperou naqueles tempos socialistas. Mas penso que ha boas razoes para manter a fe no individuo. Este tem sempre desenvolvido formas racionais de lidar com os problemas, aprimorando-se intelectual e moralmente. Abolimos inumeros males, decorrentes tanto da escassez de recursos quanto de aberracoes irracionais no trato com outros seres humanos. Existe muito a se fazer feito ainda, mas a razao prevalecera.


Samael escreveu:O mais incrível é que isso é mais do que óbvio, visto que espera-se que haja uma essência puramente boa guiando as ações morais humanas.



Sim. Se o Bem nao estiver ao alcance da razao do Homem, se o individuo nao tiver uma motivacao original para descobri-lo, reconhece-lo e pratica-lo, qualquer tentativa de defini-lo ou estabelece-lo sera arbitraria. E o que pregam os relativistas.

Samael escreveu:E, Vitor, acho que seria muito mais fácil (e algo verdadeiramente válido, na minha opinião), que a sua sociedade "anarco-liberalista" imaginada optasse pelo aborto.



Nao existe sustentacao racional para a tese abortista. Todo argumento levantado por abortistas e uma forma desesperada de disfarcar uma apologia a covardia moral.

O aborto transtorna o espirito mesmo de quem deseja pratica-lo. Mulheres confusas, atormentadas por perspectivas desagradaveis e induzidas pela falta de escrupulos de seus companheiros, de sua familia ou do seu proprio nicho societario, conduzem-se a tal ato por cederem covardemente a tais pressoes. Mas somente pessoas completamente vazias de sentimentos morais poderiam passar por tal experiencia abominavel sem nenhuma repulsa sentir. A mulher que aborta e a primeira a se odiar por isso, pois o aborto e odiavel.

Mesmo abortistas percebem que defendem algo abominavel, mas tentam contemporizar a abominacao reduzindo-a a uma materia de "escolha individual". Mas, nesse caso, toda acao, independente do seu conteudo moral, e uma questao de escolha. Matar e nao matar e uma questao de escolha, seja o alvo um feto ou um adulto. Sao as escolhas exatamente que permitem julgamentos morais.

Tentativas de definir categorias humanas completamente arbitrarias podem ate satisfazer momentaneamente intelectos obtusos e covardes, desesperados em busca de uma paz espiritual que jamais conseguirao sem a rejeicao completa desse mal. Mas isso apenas torna o ato mais abjeto e injustificavel, tal qual racistas que separam categorias humanas em racas superiores e inferiores, a fim de justificar sua violencia dominante sobre os demais.

O homem livre, guiado pela razao, nao teria motivos para defender ou tolerar essa fuga inconsequente das responsabilidades individuais. Praticar ou defender o aborto numa sociedade de homens livres seria atestar a deficiencia do proprio carater e a incapacidade de participar de contratos com as pessoas de Bem. A sociedade livre nunca apreciaria o abortismo, dado o fato deste ser uma das mais evidentes manifestacoes de irracionalidade e ignorancia fanaticas das quais o ser humano e, infelizmente, capaz.
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Mensagem por Samael »

user f.k.a. Cabeção escreveu:Na verdade nao. A ideia de Rousseau do bom selvagem e a de que a sociedade destruiria o carater inerentemente bom do homem.

O que eu disse e exatamente o contrario. Na condicao de selvagem, o homem se ve destituido das ferramentas racionais que permitem a compreensao de um comportamento moral, que sao adquiridas com o processo civilizatorio, fazendo retrair a brutalidade e prevalecer a razao. E isso que eu quis dizer com o Estado ocupando o vacuo deixado pela ausencia de civilizacao.

Com o aprimoramento racional e moral do homem que tanto estimula quanto e estimulado pela divisao cada vez mais intensa do trabalho num ambiente de livre mercado, a percepcao de que os maiores beneficios extraidos de contratos podem substituir aquilo que antes parecia passivel de ser conseguido apenas atraves da dominacao e da forca. A "necessidade" de vigilancia e punicao reduz bastante, a confianca entre as pessoas aumenta substancialmente. E a harmonia de mercado.


Num ideal utópico e simplista que em nada parece se dissociar dos ideais comunistas, senão a maneira de alcançá-lo, sim.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A hegemonia da razao sobre a violencia tem marcado o avanco, nem sempre continuo, da civilizacao, sobretudo no Ocidente. Esse avanco foi interrompido e retrocessos se produziram nas revoltas contra a razao estimuladas por ideologias socialistas. Somente atraves da incriminacao do individuo essas ideias permitiram o avanco do Estado sobre a civilizacao, como ocorreu na Alemanha, culminando na negacao absoluta da razao, o Nazismo. Fenomenos muito similares, em diferentes intensidades, se passaram em todo Ocidente, inclusive nas democracias, e boa parte do seculo vinte foi perdida nos delirios estatistas oriundos das ideologias marxistas, fascistas, sindical-corporativas, fabianas, relativistas, descontrucionistas etc. Todas elas comungavam a aspiracao de substituir a razao individual por uma especie de "razao coletiva", e pregavam em algum nivel a falha da logica individual-burguesa que estabelecia o funcionamento e harmonia dos mercados.


Essa é uma falsa dicotomia maniqueísta e reducionista. O nazismo pode ser tido como um movimento que negue a razão (ainda que, na prática, isso não seja uma regra), mas apenas devido às suas raízes puramente românticas. Todos os outros fenômenos citados são apenas frutos, fracassados ou não, da conjuntura histórica na qual as ideologias racionalistas se inseriram. O socialismo não se dissocia historicamente do anarquismo e do liberalismo, muito pelo contrário: boa parte dos liberais modernos eram socialistas ou, no mínimo, mantinham estreita relação de amizade com socialistas. Todos são fenômenos que vêm na esteira do século das luzes e todos possuem um fator "racionalizante" comum.

O que você está fazendo é uma teleologia hegeliana fajuta tentando legitimar a sua visão de mundo.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Muitos pensadores imponentes, como Ludwig von Mises, encararam esses retrocessos para o Irracional como um motivo para pessimismo. Viveram em epocas conturbadas, onde as pessoas estariam confusas pelas ideologias, e mesmo hoje enfrentamos rescaldos do culto fervoroso ao irracionilismo que imperou naqueles tempos socialistas. Mas penso que ha boas razoes para manter a fe no individuo. Este tem sempre desenvolvido formas racionais de lidar com os problemas, aprimorando-se intelectual e moralmente. Abolimos inumeros males, decorrentes tanto da escassez de recursos quanto de aberracoes irracionais no trato com outros seres humanos. Existe muito a se fazer feito ainda, mas a razao prevalecera.


As análises historicistas de Mises são completamente rasas e dispensáveis. Além do que, uma gama imensa de socialistas eram ultra-individualistas, como é o caso de Herzen ou Turguenev, por exemplo.

Aliás, a sua análise histórica é teleológica e extremamente hegeliana.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao existe sustentacao racional para a tese abortista. Todo argumento levantado por abortistas e uma forma desesperada de disfarcar uma apologia a covardia moral.


Panfletário.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O aborto transtorna o espirito mesmo de quem deseja pratica-lo. Mulheres confusas, atormentadas por perspectivas desagradaveis e induzidas pela falta de escrupulos de seus companheiros, de sua familia ou do seu proprio nicho societario, conduzem-se a tal ato por cederem covardemente a tais pressoes. Mas somente pessoas completamente vazias de sentimentos morais poderiam passar por tal experiencia abominavel sem nenhuma repulsa sentir. A mulher que aborta e a primeira a se odiar por isso, pois o aborto e odiavel.


Generalizante.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Mesmo abortistas percebem que defendem algo abominavel, mas tentam contemporizar a abominacao reduzindo-a a uma materia de "escolha individual". Mas, nesse caso, toda acao, independente do seu conteudo moral, e uma questao de escolha. Matar e nao matar e uma questao de escolha, seja o alvo um feto ou um adulto. Sao as escolhas exatamente que permitem julgamentos morais.


Panfletário E generalizante.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Tentativas de definir categorias humanas completamente arbitrarias podem ate satisfazer momentaneamente intelectos obtusos e covardes, desesperados em busca de uma paz espiritual que jamais conseguirao sem a rejeicao completa desse mal. Mas isso apenas torna o ato mais abjeto e injustificavel, tal qual racistas que separam categorias humanas em racas superiores e inferiores, a fim de justificar sua violencia dominante sobre os demais.


Lei de Godwin. Perfeito.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O homem livre, guiado pela razao, nao teria motivos para defender ou tolerar essa fuga inconsequente das responsabilidades individuais. Praticar ou defender o aborto numa sociedade de homens livres seria atestar a deficiencia do proprio carater e a incapacidade de participar de contratos com as pessoas de Bem. A sociedade livre nunca apreciaria o abortismo, dado o fato deste ser uma das mais evidentes manifestacoes de irracionalidade e ignorancia fanaticas das quais o ser humano e, infelizmente, capaz.


Você é um extremista radical e puramente retórico. Não deu a ninguém aqui argumentos realmente relevantes para que se considere seres unicelulares como seres humanos. Apenas criou uma categoria de humanidade na qual você, ideologicamente, recortou o processo onde bem entendeu e disse que isso é humano e que quem não concorda com a sua arbitrariedade é "mal, covarde, abjeto" e outras valorações que não acrescentam nada ao debate.

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Samael escreveu:Num ideal utópico e simplista que em nada parece se dissociar dos ideais comunistas, senão a maneira de alcançá-lo, sim.



Uma sociedade sem Estado, baseada em contratos, nao necessariamente precisa ser um ideal utopico.

Nenhuma caracteristica adicional ao ser humano esta sendo suposta, alem da sua racionalidade, ou seja, sua capacidade de refletir custos e beneficios, a longo e curto prazo de suas acoes, e fazer avaliacoes esteticas e morais dentro das quais ele valoraria o que seriam "custos" e "beneficios", dentro de uma realidade onde recursos a serem empregados sao escassos, enquanto os fins potenciais para eles nao sao. Isso e o pressuposto basico do pensamento economico.

A sociedade sem Estado nao estaria livre de individuos virulentos, nem de ocorrencias imorais: os espectros da fraude, roubo, abusos diversos (depredacao da propriedade alheia, poluicao, assedios, pedofilia, estupro ...), ameacas e intimidacoes, agressoes fisicas e morais, trafico ilegal (de drogas, escravos, mulheres, criancas, orgaos, armas ...), sequestros, acidentes graves ou fatais decorrentes de falha humana, abortos e assassinatos em geral, atentados terroristas e mesmo guerras entre os povos e nacoes ainda nos incomodariam, e considero que nenhuma organizacao social pode julgar-se apta a elimina-los da paisagem sem pretender reformar (e por fim destruir) o Homem.

A sociedade livre apenas oferece outros meios de lidar com eles. Toda pessoa tem o direito natural de reagir e de contratar servicos de defesa contra agressoes, tanto as agressoes desferidas contra ela ou sua propriedade privada como contra seus clientes, funcionarios, socios, amigos, parentes, vizinhos, conhecidos ou nao. As avaliacoes pessoais e julgamentos racionais dos individuos proprietarios decidiriam quanto a presenca desses servicos de seguranca seria necessaria, em cada propriedade, e as avaliacoes pessoais dos habitantes e frequentadores dessas propriedades permitira a eles decidir o quanto querem estar expostos a inseguranca da ausencia de servicos de seguranca e defesa ou as limitacoes de liberdade e custos financeiros decorrentes da manutencao de uma defesa ostensiva. Medidas similares sao validas para a seguranca contra perdas e acidentes, quando nao causados por crimes ou erros de outras pessoas.

Fora essa consideracao primaria, diversas modalidades de seguros, convencoes legais privadas, contratos (reais ou tacitos) de cohabitacao e cooperacao complementariam a seguranca individual, sendo alias mais presentes e considerados do que a propria seguranca e defesa armada, quanto mais a civilizacao inspirar confianca em seus membros. Ninguem precisa, por exemplo, da ameaca de ser preso, para nao exceder-se com seus cartoes de credito. Basta considerar que a inadimplencia contratual traz maleficios suficientes de longo prazo com a mancha decorrente no seu historico com os credores. A seguranca numa sociedade livre se produziria tambem mediante contratos que estabeleceriam restituicoes financeiras de danos, a serem pagas pelo individuo faltoso ou por sua compania de seguros. Assim, pessoas evitariam contratos com individuos que nao possuissem seguros confiaveis e nao tivessem saude financeira para arcar com eventuais reparacoes. As companias de seguros teriam incentivos para certificar-se dos riscos que seus clientes representavam, e poderiam praticar tarifas com base nesses riscos.

Tribunais privados poderiam avaliar a quebra de contrato e decidir o pagamento de restituicoes. Esses tribunais teriam o incentivo para a jurisprudencia, caso contrario as partes envolvidas no contrato (ou pelo menos uma delas) nao estariam interessadas nos servicos legais dessas empresas e procurariam outras.

Instalacoes securizadas privadas substituiriam as prisoes para individuos virulentos que violassem algum termo contratual determinando periodo de reclusao, ou que fossem capturados em propriedades privadas onde estivessem ilegais (a ser considerado pelos tribunais privados e pela "constituicao da propriedade"). Essas instalacoes seriam operadas independentemente, sendo a sua renda derivada dos pagamentos feitos pelas empresas de seguro e de defesa, tanto das vitimas quanto dos criminosos, em termos a serem estabelecidos nos contratos de seguro, assim como do eventual emprego da mao-de-obra, voluntaria e remunerada, dos detentos, em atividades de producao vigiadas e inseridas no seu programa de recuperacao. A reabilitacao do criminoso seria determinada por sua propria compania de seguros, a principal interessada em que ele volte a firmar contratos e restitua sua confiabilidade. Assim, as cadeias privadas teriam incentivos para serem eficientes tanto no confinamento quanto na recuperacao dos internos.

Grandes empresas certificadoras poderiam internalizar os custos das "grandes externalidades", como os diversos tipos de poluicao, e assim mediar contratos entre os individuos e empresas que produzem essas externalidades, seus consumidores e aqueles que sao afetados pelas externalidades. O interesse economico de cada uma das partes nesses certificados conduziria a gestao dessas externalidades a uma jurisprudencia completamente racional (economica), livre das arbitrariedades ideologicas e interesses politicos que regem as legislacoes de restricao de producao e consumo estabelecidas por Estados autoritarios e que nao levam em consideracao os custos e beneficios reais envolvidos, por administrarem o dinheiro dos outros.

O tratamento correto de criancas e mesmo questoes complicadas como o aborto, que apesar de imorais nao oferecem riscos diretos para outros individuos fora do nucleo familiar, poderiam ser reguladas mediante contratos, dentro dos casais (um conjuge certificando-se do outro), e o policiamento moral dos proprios casais seria exercido mediante contratos com o resto da sociedade, atraves de clausulas do contrato de seguranca infantil que eles teriam com sua compania de seguros. Pessoas nao seguradas contra abusos contra seus proprios filhos estariam, aos olhos das demais pessoas, oferecendo riscos morais inaceitaveis.

Invalidos em geral, seja pela idade avancada ou por acidentes ou ma formacoes, assim como orfaos, seriam atendidos pela caridade das pessoas, como o sao hoje. A diferenca e que seria a caridade individual (financiada pelas familias, amigos, conhecidos ou cidadaos e empresas preocupados, sendo a gestao desses servicos passivel de ser realizada por empresas de confianca do publico ou pelos individuos (ambos devidamente segurados)). A principal diferenca e que a gestao da caridade deixaria de ser um servico prestado por burocratas desinteressados, corruptos e investidos de plenos poderes, passando a ser uma responsabilidade moral direta dos individuos, como era de se esperar.

E claro que tudo isso pode e deve ser elaborado mais detalhadamente, a unica coisa que eu faco e esbocar um panorama geral do que poderia ser uma sociedade de contratos, como ela lidaria com os diversos problemas reais da convivencia humana, e para onde pode (e de um modo geral parece, apesar dos retrocessos ocasionais e sistematicos e do ritmo as vezes "lento") convergir a civilizacao, atraves da divisao cada vez mais intensa do trabalho e do aumento da confianca entre os individuos decorrente da melhor racionalizacao possivel dos recursos, assim como de valoracoes morais mais claras. A tal "necessidade natural" de um Estado, que na verdade e a simples ocupacao por essa entidade do vacuo civilizacional gerado pela incapacidade atual de organizacao racional e pela desconfianca mutua entre as pessoas, e cada vez mais reduzida. Aquele que era o absoluto Leviata em tempos ancestrais hoje se apresenta nas sociedades civilizadas e e encarado pelos mais lucidos individuos como um mal a ser minimizado, e, porque nao, eventualmente eliminado da paisagem. Mas ainda ha muito a se desenvolver em termos civilizatorios ate que esse processo de substituicao pelo mais eficiente e logico se complete, pela razao humana, sem utopias nem revolucoes que inspirem reformar o Homem.

Voce pode ate acusar-me de fe incondicional na racionalidade humana e na ordem civilizatoria espontanea que emerge das consideracoes de agentes racionais livres, acusacao que eu confesso, pois sei que em contrapartida a unica coisa que me sobra e depositar essa mesma fe em burocratas ou em divindades, ou simplesmente desconfiar de tudo e de todos.


Samael escreveu:Essa é uma falsa dicotomia maniqueísta e reducionista. O nazismo pode ser tido como um movimento que negue a razão (ainda que, na prática, isso não seja uma regra), mas apenas devido às suas raízes puramente românticas. Todos os outros fenômenos citados são apenas frutos, fracassados ou não, da conjuntura histórica na qual as ideologias racionalistas se inseriram. O socialismo não se dissocia historicamente do anarquismo e do liberalismo, muito pelo contrário: boa parte dos liberais modernos eram socialistas ou, no mínimo, mantinham estreita relação de amizade com socialistas. Todos são fenômenos que vêm na esteira do século das luzes e todos possuem um fator "racionalizante" comum.

O que você está fazendo é uma teleologia hegeliana fajuta tentando legitimar a sua visão de mundo.


As ideologias socializantes precisam incriminar o individuo pois a ideia basica que elas agregam e exatamente a de que os individuos, por serem incapazes de resolver seus proprios problemas e buscarem sua propria felicidade, dependem que um poder superior, exercido por uma casta de iluminados burocratas, tome essas decisoes por eles.

Quanto a descricao historica, eu tenho plena consciencia de que ela e incompleta e sintetica, alias, deixei isso bem claro no comeco meu texto, para que ninguem me atribuisse ambicoes maiores do que as que eu visionava.

Sobre a teleologia hegeliana, perceba-se que nao invoquei forcas historicas irresistiveis, superiores as consideracoes racionais dos individuos, e a crenca de que o acumulo da sabedoria fundamentalmente levara a algo mais logico, eficaz e moralmente correto; ainda que esse processo possa vir a ser interrompido ou parcialmente desfeito por erupcoes irracionais revolucionarias. O misticismo dialetico hegeliano invoca algo superior a razao, o Geist, do qual Hegel era o profeta, para justificar o poder absoluto das disnatias imperiais alemas, e cria uma analise historicista completamente estruturada para esse fim. Fascinante, porem absurdo. Nao poderia ser mais diferente das consideracoes que eu tenho colocado.

Recomendo a leitura de "A sociedade aberta e seus inimigos" e "A Miseria do Historicismo" de Karl R. Popper, para a critica mais poderosa ao historicismo do tipo hegeliano (e as desviacoes marxistas).


Samael escreveu:As análises historicistas de Mises são completamente rasas e dispensáveis.


Mises era completamente avesso ao "historicismo", alias, isso e basico para qualquer um que o tenha lido.

Samael escreveu:Além do que, uma gama imensa de socialistas eram ultra-individualistas, como é o caso de Herzen ou Turguenev, por exemplo.


O que nao elimina o contrasenso, alias, ilustra, haja vista a incapacidade dessas doutrinas de atingir o minimo de consistencia. Mesmo socialistas muito mais interessantes, como Pierre-Joseph Proudhon, nao conseguiram escapar desse fato.

Samael escreveu:Aliás, a sua análise histórica é teleológica e extremamente hegeliana.


Ver acima.

Samael escreveu:Você é um extremista radical e puramente retórico.


Eu tambem te amo.

Samael escreveu:Não deu a ninguém aqui argumentos realmente relevantes para que se considere seres unicelulares como seres humanos.


Talvez porque essa nunca tenha sido a minha tese.

Samael escreveu:Apenas criou uma categoria de humanidade na qual você, ideologicamente, recortou o processo onde bem entendeu e disse que isso é humano e que quem não concorda com a sua arbitrariedade é "mal, covarde, abjeto" e outras valorações que não acrescentam nada ao debate.



Nao. A minha "categoria de humanidade" e definida desde que possamos rastrear atos morais na origem dos processos analisados e considerar as responsabilidades individuais dos seus autores. Faco-o pois esses elementos sao prerrogativos para qualquer discussao sobre Etica, onde arbitrariedades didaticas bio-medicas como o numero de celulas que caracterizaria um "feto" ou "embriao" ou a diferenca entre um "tubo neural" e um "sistema nervoso" sao simplesmente desnecessarias. A ideologia abortista e intelectualmente desonesta (alem de "ma, covarde e abjeta") no que substitui tais futilidades pelas reais consideracoes de foro etico.
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Mensagem por Samael »

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Voce pode ate acusar-me de fe incondicional na racionalidade humana e na ordem civilizatoria espontanea que emerge das consideracoes de agentes racionais livres, acusacao que eu confesso, pois sei que em contrapartida a unica coisa que me sobra e depositar essa mesma fe em burocratas ou em divindades, ou simplesmente desconfiar de tudo e de todos.


Não, mais simples. Me assusta o fato de você acreditar que justiça ou estabilidade podem existir a partir das relações de poder interpessoais puras. Isso, pra mim, é ideologia comunista.

user f.k.a. Cabeção escreveu:As ideologias socializantes precisam incriminar o individuo pois a ideia basica que elas agregam e exatamente a de que os individuos, por serem incapazes de resolver seus proprios problemas e buscarem sua propria felicidade, dependem que um poder superior, exercido por uma casta de iluminados burocratas, tome essas decisoes por eles.


Não, essa é a idéia de ALGUNS socialistas.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Sobre a teleologia hegeliana, perceba-se que nao invoquei forcas historicas irresistiveis, superiores as consideracoes racionais dos individuos, e a crenca de que o acumulo da sabedoria fundamentalmente levara a algo mais logico, eficaz e moralmente correto; ainda que esse processo possa vir a ser interrompido ou parcialmente desfeito por erupcoes irracionais revolucionarias. O misticismo dialetico hegeliano invoca algo superior a razao, o Geist, do qual Hegel era o profeta, para justificar o poder absoluto das disnatias imperiais alemas, e cria uma analise historicista completamente estruturada para esse fim. Fascinante, porem absurdo. Nao poderia ser mais diferente das consideracoes que eu tenho colocado.


Estava me referindo essencialmente ao estruturalismo teleológico, onde você cria estruturas arbitrárias e diacrônicas (Estado, civilização) e depois cria um fim determinado (o não-Estado ultra-individualista) e demarca esse momento como "destino final moralmente superior" da humanidade. Define também o Estado como um momento transitório onde o homem deve aprender a ser "civilizado" para alcançar esse Estado.

Esse é o discurso hegeliano-marxista. Hegel vê o Estado como fim último, Marx vê o Estado como ente transitório.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Recomendo a leitura de "A sociedade aberta e seus inimigos" e "A Miseria do Historicismo" de Karl R. Popper, para a critica mais poderosa ao historicismo do tipo hegeliano (e as desviacoes marxistas).


Não gosto muito de Popper, nem politicamente nem a nível de teoria do conhecimento. O segundo é leitura de curso de Historiografia Contemporânea e Teoria da História, inclusive. Eu tive de lidar com ele, tanto em aulas de marxistas quanto em aulas de popperianos.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Mises era completamente avesso ao "historicismo", alias, isso e basico para qualquer um que o tenha lido.


A aversão de Mises é irrelevante. Toda análise histórica é necessariamente historicista.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O que nao elimina o contrasenso, alias, ilustra, haja vista a incapacidade dessas doutrinas de atingir o minimo de consistencia. Mesmo socialistas muito mais interessantes, como Pierre-Joseph Proudhon, nao conseguiram escapar desse fato.


Você não pegou o espírito da coisa ainda...

Caso você leia Herzen, você verá uma espécie de Tocqueville melhorado, sacou? A terminologia que separa liberais e socialistas, na modernidade, é INEXISTENTE. Esse dualismo entre as duas vertentes é absolutamente contemporâneo.

Se quiser entender um pouco melhor o que eu quero dizer, leia algum ensaio de Isaiah Berlin sobre a intelectualidade moderna européia.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu tambem te amo.


Eu gosto de você também, mas o que eu posso fazer se você dá uns ataques de loucura às vezes?! :emoticon2:

user f.k.a. Cabeção escreveu:Talvez porque essa nunca tenha sido a minha tese.


Esqueci daquele papo de "na dúvida, não faça".

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao. A minha "categoria de humanidade" e definida desde que possamos rastrear atos morais na origem dos processos analisados e considerar as responsabilidades individuais dos seus autores. Faco-o pois esses elementos sao prerrogativos para qualquer discussao sobre Etica, onde arbitrariedades didaticas bio-medicas como o numero de celulas que caracterizaria um "feto" ou "embriao" ou a diferenca entre um "tubo neural" e um "sistema nervoso" sao simplesmente desnecessarias. A ideologia abortista e intelectualmente desonesta (alem de "ma, covarde e abjeta") no que substitui tais futilidades pelas reais consideracoes de foro etico.


Não existe essa dicotomia entre a biologia e a moral. Inclusive, qualquer debate ético passa pela questão da definição de humanidade e pessoalidade conferida pela biologia, ou pela bioética.

As ações originárias de um processo são irrelevantes se o resultado das mesmas é, também, irrelevante. Sendo assim, concentre-se na humanidade do embrião e não na ação dos entes que o originaram.

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Samael escreveu:Não, mais simples. Me assusta o fato de você acreditar que justiça ou estabilidade podem existir a partir das relações de poder interpessoais puras. Isso, pra mim, é ideologia comunista.



Errado, isso e etica basica, onde a solucao comunista para o problema da ordem social esta em flagrante equivoco.

Os conflitos de interesse sociais originam-se do fato de que nem todos podem usar os recursos que julgam necessarios para satisfazer os seus proprios interesses, assim como ocupar os espacos fisicos que gostariam de estar ocupando, pois os recursos e espacos sao escassos e outras pessoas podem esgota-los antes. Bens nao escassos nao costumam gerar conflitos, como o ar por exemplo, enquanto bens escassos, como uma ferramenta ou alimento sim. O problema da alocacao desses recursos atraves de regras para a resolucao desses conflitos e chamado problema da ordem social, e pode-se tentar buscar uma solucao Etica racional para ele.

Hegemonia ocorre quando os interesses de um individuo ou de um grupo de individuos A sempre prevalecem sobre um individuo ou grupo B. Dessa forma, apenas A teria direitos de propriedade, e a B estaria reservado o destino de concordar com o que A determinasse. Haveria um grupo hegemonico A e um grupo submisso B. Assim, nossa definicao de justica pode ser a de uma ordem social nao hegemonica. Para tal ordem social justa, o controle sobre os recursos, numa primeira analise, pode ser definido atraves da propriedade privada ou da propriedade publica.

Na propriedade privada, um individuo dispoe, alem de seus proprios corpos fisicos e dos espacos ocupados instantanemente por eles, de um inventario de itens e espacos sob seu controle, itens os quais ou ele foi o primeiro a se apoderar no seu estado natural, ou ele adquiriu mediante troca voluntaria, e que so podem ser usados por outras pessoas com a sua permissao, ou caso ele doe ou troque por outros recursos, passando assim a compor a propriedade de outro individuo.

No esquema universal de propriedade publica, todos os individuos controlam todos os itens inimaginaveis, inclusive os corpos fisicos dos outros individuos. Isso e claramente irracional, pois sem a propriedade dos seus corpos fisicos as pessoas precisariam da autorizacao das demais para qualquer coisa fazer, inclusive respirar. Mas se ampliarmos a propriedade privada para apenas os corpos fisicos e os espacos que ocupam, a coisa nao melhora muito, ja que para realizar qualquer deslocamento ou empregar qualquer recurso, uma consulta impossivel ainda precisa ser realizada. Podemos seguir estendendo limitadas propriedades privadas para permitir as pessoas fazerem alguma coisa, mas ainda sim se houver alguma propriedade publica escassa no sentido estritamente universal e nao hegemonico, nao havera como emprega-la por nenhum agente sem um acordo universal e estariamos numa situacao na pratica analoga a de sua inexistencia.

A solucao para o socialismo totalitario real (a unica forma possivel de aproximar o ideal comunista universal) foi adotar um modelo hegemonico, onde um comite decidiria o emprego dos recursos escassos e sua vontade seria lei. Os individuos integrantes desse comite sao superiores aos nao integrantes que devem acatar suas decisoes. O poder invasivo do Estado assim constituido era tamanho, que mesmo os corpos e espacos ocupados pelos individuos nao eram integralmente propriedades dos proprios, mas ativos a disposicao do Poder. Os conflitos se resolvem pela capacidade dos membros do comite de empregarem ou ameacarem empregar violencia contra quem quer que nao os obedeca.

E preciso dizer entao que dessa forma, a distincao entre democracia e totalitarismo e basicamente uma distincao do grau de invasao desse poder sobre os direitos individuais de propriedade. Nas democracias, o Estado estaria limitado na sua acao sobre os direitos de propriedade dos individuos (embora diversos niveis de abusos e violacoes tenham sido e continuem sendo constantes), enquanto nos regimes totalitarios esses limites praticamente nao existiriam. Mas os dois sao, na pratica, regimes hegemonicos e como tais injustos.

Dessa forma, a distincao real entao entre as ordens sociais e marcada por apenas duas opcoes logicas: a ordem social da propriedade privada e a ordem social da hegemonia. Uma delas dispoe de simetria entre os direitos naturais dos individuos, e a outra nao, estabelecendo relacoes de poder incontestaveis, entre classes superiores e inferiores de individuos. Quanto mais proximos estivermos da ordem da propriedade privada, mais proximo estaremos de uma solucao etica para o problema da ordem social.

Essa discussao nao e exatamente nova. Aristoteles empregara raciocinios praticamente identicos quando refutou a utopia platonica no seu "Politica". Da mesma forma encontramos esses fundamentos nas leis romanas de propriedade, em S. Tomas de Aquino e no pensamento escolastico medieval, encontrando talvez sua forma mais desenvolvida em protestantes como John Stuart Mill e John Locke. Contudo, ideias utilitaristas incorretas e relativistas dos dois ultimos seculos colocaram esse pensamento etico em parte no ostracismo, quando foi resgatado novamente por Murray Rothbard.

Ainda assim, mesmo Aristoteles, os senadores romanos, os escolasticos catolicos, Mill, Locke e Rothbard tiveram seus problemas de interpretacao e deducao desses enunciados eticos, chegando a algumas conclusoes falaciosas. Os antigos nao viam problemas com o escravismo, os medievais tinham problemas com o lucro, os pre-iluministas ainda consideravam certas ideias socialistas e estatistas como fundamentalmente corretas e o contemporaneo e seus seguidores consideram o aborto algo eticamente toleravel. Contudo, nada disso remove a correcao basica dos argumentos fundamentais, apenas mostra que a formalizacao correta de direito natural e propriedade privada sempre apresentera certos niveis de sutilezas a se considerar.


Samael escreveu:Não, essa é a idéia de ALGUNS socialistas.


Defina socialismo. As vezes eu acho que estamos discutindo coisas num demasiado alto nivel quando nossos problemas residem basicamente no mais baixo nivel possivel. Se eu apresento problemas do socialismo de um modo geral, passo por uma definicao suficientemente geral do socialismo, um substrato que seria identificavel em todo tipo de pensamento dessa corrente e que permitiria a identificacao socialista. Caso esse substrato nao exista, socialismo passa a ser uma categoria aleatoria associada a pensamentos esparsos e desconexos e sobre o qual nao se poderia fazer nenhuma assertiva racional generalizada, precisando-se examinar cada uma das correntes que exibririam-se sob essa designacao inutil.

Assim, eu entendo o socialismo como as diversas correntes que tentam formalizar, em diversos niveis de intensidade, um conceito de propriedade publica por este parecer-lhes eticamente mais apropriado na solucao do problema da ordem social, apegando-se com diferentes paixoes a maxima do "a cada um de acordo com suas capacidades, para cada um de acordo com suas necessidades". Os socialistas partilham essa essencia comum e distinguem-se no grau e nas idiossincrasias. Podem variar de um nivel baixo ou baixissimo de socialismo propriamente dito (e consequentemente maior de coerencia e etica), como os defensores da democracia constitucional ate os niveis mais abismais daqueles que propoem a solucao totalitaria para todos os problemas (onde evidentemente eles seriam os ditadores).

Eu gostaria que voce me dissesse qual e a substancia basica com a qual voce unta socialistas, que nao envolva tal identidade coletivista.


Samael escreveu:Estava me referindo essencialmente ao estruturalismo teleológico, onde você cria estruturas arbitrárias e diacrônicas (Estado, civilização) e depois cria um fim determinado (o não-Estado ultra-individualista) e demarca esse momento como "destino final moralmente superior" da humanidade. Define também o Estado como um momento transitório onde o homem deve aprender a ser "civilizado" para alcançar esse Estado.

Esse é o discurso hegeliano-marxista. Hegel vê o Estado como fim último, Marx vê o Estado como ente transitório.



Essa e uma impressao que voce teve pois voce esta impregnado por um modelo de pensar.

No meu texto confessadamente ultra-resumido eu apenas dei nomes a fenomenos produzidos pelas acoes e consideracoes dos individuos e por seu acumulo historico de conhecimento e capital fisico. Chamei de civilizacao a tendencia dos individuos de resolver seus proprios problemas seguindo uma logica voluntaria de satisfacao mutua de interesses, que a instituicao da propriedade privada e da divisao do trabalho permitem. O Estado e a instituicao hegemonica residual de um longo processo historico, que opera desde tempos onde a civilizacao (no sentido anterior) era escassa e a dominacao era a estrutura basica de relacoes entre os individuos. Mas ele simplesmente denota a tendencia de determinados individuos de buscar a solucao de seus problemas atraves do dominio de outros.

O conflito entre essas "estruturas" passa a ser simplesmente evidente, e o fato de eu ter confiado na vitoria da civilizacao decorre da discussao anterior de que a solucao da propriedade privada e a unica solucao etica para o problema da ordem social, e que se pensarmos no ser humano individual como ente naturalmente racional e orientado para a busca de decisoes eticas, num longo prazo e essa a ordem a se estabelecer. Seria tautologico dizer que, nesse caso, podemos nos escorar na experiencia historica para identificar que povos mais civilizados possuiam maior organizacao privada da propriedade, afinal essa esta sendo a nossa definicao de civilizacao; mas com certeza nao teriamos nenhuma dificuldade em verificar que esses povos certamente gozavam de superioridade tecnologica e disponibilidade de meios que os demais, levando larga vantagem nos eventuais choques de civilizacoes.

Como voce pode ver, nao se trata de "estruturalismo teleologico", e exatamente o contrario disso. A ordem da propriedade privada e uma ordem espontanea, nao desenhada, tal como as diferentes linguas emergem como ordem de um aparente caos que e a mentalidade de cada individuo e a forma como ele interpreta e altera a linguagem. Esses processos de ordenacao espontanea decorrem das decisoes individuais e racionais de varios agentes separados e preocupados com seus proprios interesses, e nao de um interesse maior de um agente supra-social. Friedrich Hayek foi o cientista que melhor descreveu esse processo de ordenacao espontanea da sociedade atraves da logica da propriedade privada e das informacoes transportadas pelos precos no regime de livre mercado, e ele esta profundamente relacionado com o fato de que a unica solucao etica para o problema da ordem social e a ordem privada, conforme a demonstracao de Murray Rothbard que eu esbocei acima.

E claro que esses aspectos sao de suma importancia, e voce ate fez bem em observar esse carater aparentemente historicista do meu texto original, algo que de relance parece bastante, apesar de completamente nao intencional. Isso se deveu a pressa com a qual ele foi redigido, sem uma atencao devida a formalizacao dos conceitos corretos de etica e direito natural e dos processos de processamento de informacao na sociedade, que permitem uma compreensao exata das "estruturas arbitrarias" que eu evoquei naquele texto.

De toda forma, nao ha nada menos hegeliano.


Samael escreveu:Não gosto muito de Popper, nem politicamente nem a nível de teoria do conhecimento. O segundo é leitura de curso de Historiografia Contemporânea e Teoria da História, inclusive. Eu tive de lidar com ele, tanto em aulas de marxistas quanto em aulas de popperianos.


Isso e algum preconceito ou o que voce ja leu dele? A unica coisa que eu realmente nao gosto em Popper e seu estilo literario cansativo. Mas quais sao as objecoes reais que voce tem quanto as colocacoes do mesmo?

A teoria do conhecimento de Popper, com base na tentativa e erro, tal como descrito em "Conjecturas e refutacoes" e a "Logica da descoberta cientifica", parece de alguma forma equivocada para voce? Algo contra a demonstracao da falacia do indutivismo?

Quanto ao historicismo em particular, qual dos pontos de seu pensamento o desagradam? A critica ao vies claramente profetico e mistico das teorias hegelianas e marxistas? A demonstracao das implicacoes dessas ideias nas origens do totalitarismo, do racismo, do eugenismo e de todo tipo de ofensa a sociedade aberta?

Acho que voce deveria rever seu preconceito implacavel contra Popper e Hayek. A leitura de ambos pode te enriquecer bastante.


Samael escreveu:A aversão de Mises é irrelevante. Toda análise histórica é necessariamente historicista.


Que bobagem e esta? Toda analise historica "holistica" e historicista, alias, essa e basicamente a definicao. Agora todos aqueles que partem de principios e postulados basicos da acao dos individuos, e tentam reduzir a historia ao registro do somatorio (ou ao menos de uma parte importante) dessas acoes calcadas em principios, evidentemente nao esta sendo historicista. O historicista cre em forcas irresistiveis do momento historico, no Zeitgeist. Pensa que o meio produz as acoes humanas, e que os verdadeiros agentes historicos nao sao individuos, mas determinados coletivos (racas, nacoes, classes, religioes...) possuidores de um destino historico a cumprir, e nao que as acoes humanas, estabelecidas em categorias fundamentais e universais, determinam o meio, sendo as racas, nacoes, classes e religioes fenomenos temporais resultantes dessas interacoes.

Samael escreveu:Você não pegou o espírito da coisa ainda...

Caso você leia Herzen, você verá uma espécie de Tocqueville melhorado, sacou? A terminologia que separa liberais e socialistas, na modernidade, é INEXISTENTE. Esse dualismo entre as duas vertentes é absolutamente contemporâneo.

Se quiser entender um pouco melhor o que eu quero dizer, leia algum ensaio de Isaiah Berlin sobre a intelectualidade moderna européia.


O que voce quer dizer com "Tocqueville melhorado"?

Eu ja coloquei a definicao que emprego de socialismo acima, eu estou esperando sua demonstracao de que ela seria em essencia a mesma do liberalismo, sendo a diferenca mera terminologia. (se e que eu estou realmente entendendo o que voce quer dizer com isso)


Samael escreveu:Eu gosto de você também, mas o que eu posso fazer se você dá uns ataques de loucura às vezes?!


Exemplifique.

Samael escreveu:Esqueci daquele papo de "na dúvida, não faça".


Pois e.

Samael escreveu:Não existe essa dicotomia entre a biologia e a moral. Inclusive, qualquer debate ético passa pela questão da definição de humanidade e pessoalidade conferida pela biologia, ou pela bioética.

As ações originárias de um processo são irrelevantes se o resultado das mesmas é, também, irrelevante. Sendo assim, concentre-se na humanidade do embrião e não na ação dos entes que o originaram.


Como disse o Acauan, e a biologia que e definida por seres humanos tais quais entes racionais, nao o contrario. Ela pode definir a especie animal humana, mas nesse caso temos que tanto os embrioes quanto os adultos sao membros individuais da mesma especie.

O que a biologia pode oferecer sao informacoes sobre os estagios de formacao de determinadas estruturas organicas no desenvolvimento da vida do ser humano como animal, mas isso nao tem nenhuma serventia do ponto de vista etico.

Tanto quanto podemos saber, fetos e adultos sao individuos humanos, e os fetos (assim como as criancas pequenas) se encontram numa situacao de dependencia completa em decorrencia de um ato cuja responsabilidade e de seus pais, e somente deles. Essa responsabilidade pelo estado de carencia torna os pais eticamente imputaveis, cabendo a eles a obrigacao de prover as necessidades daquele individuo que naquela situacao foi colocado por um ato deliberado deles.

A discussao da capacidade neurologica inferior de um embriao e futil, pois a capacidade neurologica inferior ou em desenvolvimento nao anula ou reduz a condicao humana de absolutamente nada que a priori a possuiria. Esse e um criterio escolhido posteriormente, e cuja demarcacao so pode ser estabelecida de forma completamente arbitraria. Nada tem a ver com etica.
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Re: Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Mensagem por RicardoVitor »

Huxley escreveu:[...]

Resumindo o que se pode deduzir dessa frase de Friedman. Boa parte do destino de um indivíduo depende do que lhe é fornecido em matéria de educação, saúde e nutrição durante esse período da vida, período em que ele é JURIDICAMENTE INCAPAZ e não tem como tomar decisões responsáveis.


Não sei de que parte do texto você conseguiu tirar isso.

Huxley escreveu:Claro que os pais podem ter alguma culpa sobre o mau estado dos seus filhos durante esse período, mas a CULPA DOS PAIS NÃO SE TRANSMITE AOS FILHOS POR HERANÇA! Se um adulto não quiser se vacinar porque é masoquista, isso é problema dele. Agora, se ele não quer tratar de modo algum da saúde de seu filho, isso é um problema do ESTADO.


Por que?
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Re: Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Huxley escreveu:Correto, mas isso não muda em nada o fato que este é o caso em que o sistema de preços oferece o incentivo oposto a direção certa para que o atendimento daqueles que mais necessitam do serviço de saúde tenha prioridade.



Certo, e isso nao muda nada o fato de que essa sua afirmaca "etica" se baseia na maxima marxista, que define o socialismo, de "cada um de acordo com suas capacidades para cada um de acordo com suas necessidades".

No mundo real, ter mais necessidade nao significa pagar preco menor, em nenhum setor, e na saude nao e diferente, muito pelo contrario. Quem tem mais urgencia, ou tem problemas maiores a resolver, e precisa de um servico diferenciado ou mais rapido, tem necessariamente de estar disposto a pagar um preco maior por ele, em virtude de suas proprias condicoes particulares especiais, por uma simples questao de logica e escassez de recursos.

O sistema de precos apenas congrega a informacao sobre a urgencia do demandante e a disponibilidade dos recursos necessarios para satisfazer essa urgencia por parte dos ofertantes. Afeta-lo significa destruir essa informacao, que permite a ordenacao espontanea dos fatores de producao mediante o processo de calculo economico, substituindo-a por uma ordem arbitrada por burocratas e tecnocratas que julgam-se oniscientes.


Huxley escreveu:Você ignora que esse tipo de caridade inter-familiar é uma exceção, não uma regra. Se fosse uma regra, sua observação estaria corretíssima.


Errado. Nunca foi uma excecao. Ninguem nunca precisou do intermedio do Estado para ajudar quem realmente precisava. O Estado apenas cria um mecanismo de opressao e desperdicio e criterios burocraticos que favorecem o ocio, ao mesmo tempo que rompem o verdadeiro contato humano entre o carente e o contribuinte.

O carente passa a achar que e seu "direito" exigir mais caridade, e o contribuinte considera que esta fazendo mais do que deveria e alimentando um bando de vagabundos. Se a caridade fosse praticada voluntariamente, essas distorcoes tao comuns nunca ocorreriam.

Alias, e impressionante que esse seja realmente um argumento serio da sua parte. Voce deve pensar que existe algum componente magico que faz com que burocratas sejam mais humanos que os individuos comuns. Ora, por que diabos alguem elegeria um burocrata disposto a intermediar "caridade inter-familiar" se o proprio nao tivesse essa propria preocupacao moral?

No mundo moderno, a caridade nao necessariamente precisa ser direta. Empresas, igrejas e ONGs podem encarregar-se dela, e as pessoas podem avaliar como operam tais organismos nas tarefas que cada uma escolhe para si. Muito mais racional que com o governo, onde as pessoas sao espoliadas, o dinheiro some quase inteiro nas engrenagens da burocracia, para finalmente se realizar (quando muito) em migalhas dividas entre quem realmente precisa e mais um punhado de vagabundos e espertalhoes.


Huxley escreveu:Colocando na balança os efeitos positivos e os negativos, provavelmente haverá uma melhora líquida em relação a situação inicial. Um estudo de caso sobre os benefícios dos investimentos em saúde pública é visto na análise da expectativa de vida média da população do Reino Unido no período 1901-1960. Ocorreu uma expansão da expectativa de vida durante as duas décadas de guerra (S. Preston, Keyfitz, N., and Schoen, R. (1972). Causes of Death: Life Tables for National. Populations. New York and London : Seminar Press ), onde ocorreu um maior compartilhamento dos meios de sobrevivência, como serviços de saúde e suprimento alimentar. E tudo isso considerando o fato que as décadas de guerra foram o período de mais baixo crescimento do PIB per capita e a análise de possíveis processos causais.


Pelo-amor-de-deus...

E impressionante quanto um economiscista pode ser inconsequente nas afirmacoes que ele faz...

O efeito do aumento do PIB sobre a expectativa de vida se da atraves das geracoes. Enquanto que os velhos decrepitos nao beneficiam-se tanto, afinal seu poder de consumo nao aumenta significativamente ou proporcionalmente, nem os recursos adicionais sao enderecados primariamente a eles; os nascentes novos de uma grande expansao precisam envelhecer para entao compor os estratos mais idosos da populacao. Isso explica esse crescimento da expectativa de vida como resultado de nada mais que dos nascimentos e sobrevivencias maiores das epocas mais liberais da segunda metade do seculo XIX.

Alem disso, nesse meio tempo avancos substanciais da terapeutica, tais como o desenvolvimento de uma serie de vacinas e da Penicilina, podem ter tido papel importante nesse saldo.

E simplesmente uma afirmacao comica. Ela basicamente diria que deveriamos entrar em guerra para ampliar a expectativa de vida de todos! Na verdade, ela e ate coerente com o ideal socialista: uma guerra necessariamente implica em mais intervencao do governo na vida das pessoas. "Colocando na balanca" dos socialistas, parece entao que o efeito e positivo...


Huxley escreveu:A simples busca de utilidades no mercado e a ausência de coerção não traz automaticamente a eliminação de privações de capacitações que limitam as escolhas e as oportunidades de as pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agentes na sociedade.



Efetivamente.

Mas nao ha absolutamente nada de errado com isso. O fato de nenhum erro ser eliminado instantaneamente, nem que o processo decorra sem que haja qualquer tipo de distorcao, nao acrescenta nada ao que ja sabiamos: humanos sao imperfeitos nas avaliacoes e recursos para ser empregados sao escassos.

O fato e que substituir por uma burocracia estatal nao muda absolutamente nada nessa realidade, mas apenas altera o processo, que antes era resultado das consideracoes das milhares de mentes envolvidas, para ser conduzido por algumas poucas mentes nao envolvidas, interessadas em resolver principalmente seus proprios problemas e tomando decisoes arbitrarias, sem contudo serem afetadas diretamente por suas mas decisoes.

O que torna tudo menos claro e o fato de que o Estado bagunca a percepcao dos individuos sobre aquilo que realmente esta acontecendo. Enquanto ele desperdica recursos tirados de outros setores criando uma oferta cara, de baixa qualidade e ineficiente, mas ainda assim saturando total ou parcialmente o mercado, as pessoas comecam a pensar que dependem da coercao do Estado para organizar o servico, simplesmente porque ele as impede de perceber o que realmente esta acontecendo. Se o Estado fabricasse sapatos vagabundos com rios dinheiro de impostos e os distribuisse, com muita distorcao e desperdicio, nao se esperaria algo diferente das pessoas, alias, essa lenga-lenga sempre foi a mesma em todos os servicos estatais que existiram, quando se propunha uma privatizacao.

Mas como o Estado e o grande externalizador de custos, a maior parte das cagadas que ele faz na producao fica imperceptivel (ou, como dizia Bastiat, faz parte daquilo que "nao se ve"), distribuida em meio a setores que muitas vezes nada tem a ver com as analises que alguns economicistas fazem para avaliar o desempenho desses servicos estatais. Olhando apenas uma parte do problema (exatamente a que lhes convem), eles tentam refutar a logica simples de que o Estado retira recursos que estavam empregados em outras coisas para dar os fins que acha que deve dar, sem ser capacitado a fazer qualquer tipo de analise de custo e beneficio capaz de definir qual seria a sua acao optimal e como ajustar o comportamento atual rumo a ela.


Huxley escreveu:Os que negam isso simplesmente não levam em conta que as pessoas podem avaliar sua satisfação adaptativamente, dadas as condições em que vivem.


Ou seja, o Estado pode fazer as cagadas que for com o dinheiro dos outros que as pessoas ainda vao encontrar meios para serem felizes...

Huxley escreveu:Além disso, não se dão conta que a "utilidade" a que se refere na maximização do auto-interesse obtida no mercado é apenas a um tipo de comportamento de escolha de uma pessoa, mas não algo necessariamente relacionado a felicidade, prazer ou satisfação em geral.



O que voce fala simplesmente nao tem sentido.

Precisamos partir do pressuposto de que os agentes buscam aumentar seu estado de satisfacao, material ou abstrata, atraves da acao.

Dessa forma, o livre mercado possibilita a organizacao racional dos recursos atraves das valoracoes subjetivas das pessoas.

O que voce esta dizendo basicamente e que as pessoas nao sao capazes de organizar livremente sua acao de modo a atingir "a felicidade, prazer ou satisfacao geral", algo que so estaria ao alcance das acoes de iluminados burocratas revestidos de poderes e capacitados eticamente a emprega-los para o Bem de todos. Isso nao passa de uma mitologia irracional e inconsequente.


Huxley escreveu:Isso me lembra uma citação de Jeffrey Sachs no livro "O Fim da Pobreza":

“O problema fundamental para os países mais pobres é que a própria pobreza pode ser uma armadilha. Quando a pobreza é muito extrema, os pobres não têm capacidade- por eles mesmos- de sair da enrascada. Eis o porquê: pensemos no tipo de pobreza causado pela falta de capital por pessoa. As aldeias rurais não têm caminhões, estradas pavimentadas, geradores de energia, canais de irrigação. O capital humano é muito baixo, com moradores famintos, doentes e analfabetos lutando para sobreviver. O capital natural está esgotado: as árvores foram cortadas e os nutrientes do solo exauridos. Nessas condições, há mais necessidade de capital- físico, humano, natural- mais isso exige mais poupança. Quando as pessoas são pobres, mas não totalmente destituídas, talvez consigam economizar. Quando são totalmente destituídas, precisam de toda a renda, ou mais, apenas para sobreviver. Não há margem de renda acima do exigido para a sobrevivência que possa ser investido para o futuro.”

Veja só. Um seguidor do individualismo do tipo mais rasteiro, ao ver a citação, provavelmente vai dizer: "Não devemos permitir qualquer mecanismo extra-mercado (mesmo escolhido democraticamente)para ajudar essas pessoas, porque essa é apenas uma questão de preferência temporal, os membros das classes baixas são caracterizados por sua orientação ao presente e a propensão a não-poupança para financiar suas despesas de capítal físico e humano."



Voce esta todo errado, assim como Sachs.

Dizer que os pobres nao tem condicoes de sair por eles mesmos da enrascada e muito diferente de simplesmente dizer que eles sao extremamente pobres, e e isso que Sachs faz, diz que eles sao muito pobres.

Muito pobres tambem eram os habitantes das tribos que hoje sao os paises europeus desenvolvidos. E claro que ninguem esta afim de esperar 50 seculos ate que alguma coisa melhore, mas nem isso e necessario.

A situacao atual de miseria extrema e um resultado da coercao de Estados e proto-Estados tribais ultra violentos, e nao da simples e duradoura falta de capital, que e na verdade um efeito do ambiente civilizatorio primitivo. A impossibilidade institucional dessas pessoas de se organizarem entre si e cooperarem e pouparem, impossibilidade imposta pela acao selvagem dos warlords ou pela tirania dos ditadores fascinoras da ocasiao (e a ocasiao tambem muda bastante), torna inviavel produzir e poupar o excedente, alem de atrair investidores externos interessados em vantagens comparativas e novos mercados.

Se as pessoas fossem livres para gerir seus recursos elas proprias organizariam a producao, e se o interesse externo fosse maior em decorrencia da seguranca institucional e da paz, garantindo que os investimentos nao serao consumidos instantaneamente, o proprio capital externo dos paises desenvolvidos fluiria para essas regioes. No curso de poucas geracoes, como ocorreu com os Tigres asiaticos, a miseria extrema se transformaria em riqueza, modernidade e abundancia. Embora os Estados autoritarios dos paises asiaticos nao se comprometessem com uma grande liberdade politica nem concedessem o poder atraves da sucessao democratica de partidos de oposicao como no modelo ocidental, mantinham-se suficientemente afastados dos direitos de propriedade das pessoas e nao criavam condicoes impropicias para a producao nem violencia institucional, o que e muito mais importante diga-se de passagem. Precisamente essas condicoes que tornaram aqueles paises adequados para o investimento externo e poupanca interna.

E claro que existem regioes que sao extremamente miseraveis porque o solo e desertico, sao isoladas e inacessiveis, e nao existe nenhum fator de exploracao interessante que permita ao homem produzir riqueza. Todas essas regioes devem ser evacuadas, e permanecerem tao vazias de atividade humana quanto a Antartica. E normalmente seriam, se as pessoas fossem livres para faze-lo ao deslocarem-se para areas mais apraziveis. Mas na medida que as pessoas so podem sair de la fugindo do Estado e da violencia, aqueles que nao estao capacitados a fugir perecerao sim, mas por culpa do Estado e da violencia.

Toda e qualquer solucao para o problema africano passa pela resolucao das crises institucionais daqueles paises (e dos proprios paises que poderiam receber os imigrantes de la, mas nao o fazem pois consideram os imbecis "custos do welfare"), nao pela ajuda direta em recursos que serao instantaneamente consumidos em guerras e mais guerras, permitindo o prolongamento do sofrimento daquela gente.



Huxley escreveu:Obviamente, isso é uma falácia.


Sim, lembrando que voce que criou o argumento, nao eu. Como e que chamam isso mesmo, "espantalho" ?

Huxley escreveu:Ora, a não-acumulação de capital físico e humano para um aldeão do caso citado por Sachs pode ser considerado uma OBRIGAÇÃO, logo, CONTRA a VONTADE DELE, mas é uma NECESSIDADE que se impõe a própria existência do indivíduo. Logo, ele pode NÃO QUERER CONSUMIR TODA A RENDA como trabalhador de subsistência, mas para VIVER, ele é OBRIGADO a isso. Tem pessoas que fingem não ver isso. Mas no fundo dizem para si mesmo: "têm algo errado com o meu raciocínio".


Sim ele e obrigado. Mas ele nao e obrigado em decorrencia da ausencia de uma ajuda estatal, mas da simples violencia politica que o submete a entregar tudo que possui (forcando-o portanto a consumir o maximo de recursos o mais rapidamente possivel para nao ter de entregar), assim como o impede de sair de regioes miseraveis e que nada lhe oferecem em comparacao com os ganhos que poderia ter caso migrasse.

Ficar dizendo que a situacao de tal individuo e precaria e muito pouco para sustentar a sua argumentacao. Voce nao tem como estruturar uma cadeia de causas que explique que a infelicidade daquele homem e decorrente da ausencia de uma politica de Welfare state, que e basicamente o seu argumento. Nao ha recursos para welfare state, eles devem ser produzidos mas estao sendo consumidos em guerras produzidas pelos anjinhos dos burocratas, ainda que naqueles paises atrasados os burocratas usem boinas vermelhas e Automat Kalashnikov 47.

O seu argumento e completamente insustentavel.


Huxley escreveu:Mais chavões misesianos. Isso me lembrou uma coisa:

"INTERVIEWER: Some of those debates became very, very heated. I think [Ludwig] von Mises once stormed out.

MILTON FRIEDMAN: Oh, yes, he did. Yes, in the middle of a debate on the subject of distribution of income, in which you had people who you would hardly call socialist or egalitarian -- people like Lionel Robbins, like George Stigler, like Frank Knight, like myself -- Mises got up and said, "You're all a bunch of socialists," and walked right out of the room. (laughs) But Mises was a person of very strong views and rather intolerant about any differences of opinion."

http://www.pbs.org/wgbh/commandingheigh ... edman.html

Até Milton Friedman era socialista? Qualquer semelhança de Ludwig "tudo o que não é o que eu penso é socialismo" von Mises com o Cabeção não é mera coincidência.



Ou, legal essa entrevista, eu desconhecia essas opinioes de Milton Friedman sobre outros economistas.

Milton Friedman, assim como Ludwig von Mises, Friedrich Hayek ou J. Maynard Keynes foram homens que estiveram, de uma forma maior ou menor, afetados pelos preconceitos de seu tempo.

Acredito que Friedman e muita gente na escola de Chicago, em muitas de suas opinioes, buscam encarar as coisas de uma perspectiva mais pragmatica, onde a realidade politica em muitos aspectos e um dado do sistema a ser considerado, e nao exatamente uma variavel. A abordagem entao consiste em buscar perceber qual e a melhor forma de maximizar a liberdade economica assumindo as limitacoes reais de ordem politica e institucional. Questoes como "public choice" surgem dessa filosofia.

Ludwig von Mises e Hayek preocupavam-se com uma forma mais pura de ciencia economica, nas quais as proprias estruturas institucionais seriam flexiveis, e onde eles percebiam que consideracoes puramente racionais, de ordem etica e catalatica eram as unicas fontes verdadeiras de conhecimento economico universal.

Nenhum dos dois esta errado em si. Pensar de forma pragmatica e importante na medida em que as acoes governamentais tem impactos serios na economia e e preciso criar metodos empregaveis de reduzi-los, produzindo mudancas sutis na estrutura institucional. E o pensamento puro e importante para guiar esse pragmatismo.

Esses atritos (entre esses tres liberais) com certeza deviam-se a divergencias naturais de pontos de vista sobre as formas de agir e pensar e tracos de personalidade individual de cada um deles do que sobre fundamentos da economia e da etica. Rothbard era outro que e era mais intransigente que Mises, o que nao serve para tirar sua razao.


Huxley escreveu:É uma pena, porque só observando os estudos de caso se pode conseguir uma evidência de que o livre-mercado na saúde é a melhor opção. Se eu seguisse seu raciocínio, eu diria que os estudos de economistas liberais não devem ser analisados por também pode haver neles interesses políticos por trás.



Se reparar bem, eu observei o estudo apresentado e o comentei. O que eu disse e que nao iria fazer qualquer comentario a respeito de eventuais distorcoes causadas pelo vies desse tipo de organizacao. A refutacao da sua metodologia completamente errada seria o bastante. Refutacao que voce nao fez qualquer observacao, mas que imagino que discorde, e que eu reproduzo aqui:

    Em economia, nao podemos analisar apenas a parte, precisamos estar conscientes de que os fenomenos economicos em geral tem repercucoes em todo o mercado.

    E verdade que o Estado tem poder para "melhorar" o sistema de saude, por assim dizer. Se entendemos por "melhorar" fornecer servicos de mais alta qualidade, a precos de mercado menores, atendendo a mais pessoas; o Estado tem um poder, embora limitado, de fazer isso sim. Estados relativamente bem organizados e pouco corruptos, em ambientes de amplos recursos disponiveis (como e o caso das nacoes analisadas) que considerem o investimento sistematico em saude para as massas como objetivo primario a ser atingido por suas politicas, podem conseguir "melhorar" o sistema de saude ate um ponto que a disponibilidade de recursos escassos necessarios permitiria.

    A economia nada tem a dizer com relacao a isso. Os recursos sao investidos num setor, e se esses recursos sao bem administrados de forma a se transformarem em servicos ou bens considerados melhores, dentro de criterios que analisem apenas esse setor, ou seja, onde a satisfacao dos consumidores decorra simplesmente dos produtos oferecidos por esse setor, teremos que houve um aumento do beneficio gerado para os individuos.

    Ou seja, se a unica coisa que as pessoas quisessem realmente comprar fosse melhor saude, mas que por motivacoes bizarras de auto-flagelo elas gastassem mais em coisas que elas proprias considerassem "superfluas" e "desnecessarias", a intervencao do Estado, recolhendo autoritariamente os recursos gastos erroneamente e investindo no setor correto da saude produziria um beneficio liquido para todos, que seria produzido as custas dos demais setores. Mas como eles sao superfluos diante das necessidades fundamentais de saude, nao seria um mal esfola-los para produzir um servico de saude de melhor qualidade. Assim, se nos Estados Unidos as pessoas preferem consumir outras coisas, levadas por impulsos frivolos, nos demais paises ricos as pessoas estao mais satisfeitas pois o Estado as impede de prejudicarem a si proprias comprando futilidades ao invez de uma saude de melhor qualidade.

    Essa e exatamente a ideia por tras da nocao do ditador sabio e justo: sendo as pessoas, mesmo as honestas, incapazes de reconhecer suas necessidades e desejos corretamente, um ditador sabio e justo poderia ajuda-las eliminando a sua liberdade de escolha, deixando apenas a opcao boa para que elas nao se enganem e se prejudiquem. Essa relacao entre Estado e individuo seria uma escala maior da relacao entre pais e filhos pequenos. Mas, os propositores dessa doutrina nunca deixam duvidas quanto ao que conteudo de sabedoria do sabio ditador: seria exatamente os mesmos deles proprios. Eles podem nao assumir, mas com certeza pensam que dariam excelentes ditadores. Talvez ate pensem que lhes falta carisma, eloquencia, e lideranca natural, de modo que considerem a si proprios mais adequados para a funcao de conselheiros do ditador, que reuniria essas capacidades essenciais para o seu cargo. De qualquer forma, imaginam que a ditadura devesse ser a personificacao de seus desejos e ideais, e qualquer desvio desses valores e considerado por eles como traicao e desvirtuamento dos principios basicos norteadores da Sociedade, ou seja, seus proprios principios.

    Isso e uma ideologia, e uma forma de pensar o mundo e o ser humano, da qual a economia nao tem porque se ocupar. Ela pode dizer para alguem que se orienta por tais objetivos que os meios que ele emprega para atingi-los sao mais ou menos adequados. Nesse caso, por exemplo, considerar os limites criados pelo custo da gerencia burocratica de um sistema de saude estatal e pela escassez de recursos que precisam ser tomados de outros setores da economia podem orientar as decisoes a serem tomadas pelos planejadores centrais no sentido de aumentar a eficiencia desses servicos que eles pretendem oferecer. E evidente que se todos os demais setores da economia estiverem tambem sobre o controle estatal, havera um problema grave de calculo economico devido a ausencia de mercado e em particular de moeda que transmita as informacoes sobre utilidade e escassez atraves dos precos, necessarias para a realizacao de projetos eficazes. Mas esse nao e o nosso problema nesse momento.

    Mas se o argumento inicial nao for o de que um investimento coletivo maior em saude e necessario em si, mas que o simples fato dele existir permite aos individuos colher uma satisfacao maior do que colheriam se fossem completamente livres para definir seus proprios investimentos, devido a consideracoes de teoria dos jogos e externalidades, valem argumentos contrarios analogos aos que eu coloquei na primeira parte do meu texto.

    Com toda certeza, e um tema interessante para o economista o estudo das condicoes institucionais, que poderiam ser aproximadas como rigidas, e assim permitirem aproximacoes sobre o comportamento dos seres humanos quando restritos a esses dados ambientes. Isso permite estabelecer conclusoes sobre o ambiente, que em geral se trata de uma configuracao particular de obstrucao de mercado caracteristica da natureza das instituicoes vigentes que regulam a propriedade privada e os contratos entre os individuos. As conclusoes assim estabelecidas permitem ao economista estabelecer conclusoes sobre tais mercados obstruidos especificos, mas o capitalismo nao se caracteriza por um tipo de mercado obstruido especifico, mas engloba todas as possibilidades de formalizacao da propriedade privada e limites para a associacao dos individuos e divisao do trabalho. Mesmo entre os varios paises podemos observar diferentes manifestacoes capitalistas decorrente das leis que estabelecem tais instituicoes localmente. Se as conclusoes que retiramos de um determinado mercado derivam necessariamente das hipoteses que fizemos sobre a rigidez institucional do mesmo e o tipo de limite que elas imporiam aos mercados que dentro delas se produziriam, devemos ser humildes o suficiente para reconhecer que o nosso trabalho tem um escopo institucional especifico, e que sobretudo nao se trata de uma refutacao do capitalismo, que e algo bem mais geral. As observacoes do professor John Forbes Nash sobre o comportamento de competidores sao importantes, mas nao se tratam de uma refutacao da teoria economica classica muito menos da teoria economica austriaca, que defendem o principio da Mao invisivel, pois essas teorias sao bem mais gerais no seu escopo institucional. Assim como as teorias do dr Joseph Stiglitz sobre mercados com externalidades. Suas contribuicoes sao interessantissimas, mas devem ser consideradas dentro dos limites estabelecidos nas hipoteses propostas. E se essas hipoteses de alguma forma admitem uma configuracao estatica especifica de obstrucao do mercado, seus resultados serao restritos apenas a essas condicoes. So poderiam ser generalizados caso uma demonstracao categorica com base nos fundamentos da acao humana demonstrasse que tais hipoteses sobre as instituicoes sao necessarias para dar realidade aos fenomenos de mercado, mas nada disso e feito, simplesmente porque tal demonstracao seria falsa.

    A assimetria de informacoes, em si, nao e uma situacao institucional, mas um dado da natureza. Algumas pessoas detem mais conhecimento sobre os fatos do que outras. Nem todas as pessoas sabem teoria musical, logo a apreciacao que darao a um instrumento musical especifico sera diferente. Mesmo que elas tenham acesso as suas caracteristicas, esse dado nada vai lhes acrescentar pois seu conhecimento nao permite estabelecer julgamentos sobre eles. O que deve ser examinado nao e a assimetria de informacao em si, mas os mecanismos institucionais que privilegiam a fraude, ou seja, a ocultacao ou a transmissao de informacoes falsas nos contratos reais ou tacitos, que nublariam a valoracao dos individuos que poderiam apreciar os dados verdadeiros corretamente e fazer julgamentos de valor e calculos economicos com eles. A assimetria de informacao nunca sera eliminada por nenhuma medida governamental, o que deve ser coibido e a fraude.

    A teoria dos jogos e um recurso matematico espetacular para a formalizacao dos conceitos praxeologicos, sobretudo para analise das condicoes institucionais e de conjunturas especificas, mas ela ainda e um campo que esta engatinhando apenas. E preciso humildade intelectual para reconhecer que as observacoes por vezes sao menos gerais do que nos pensamos. Essa e a humildade que faltou, algumas vezes, aos cientistas que formularam alguns de seus conceitos e ideias e aos professores e divulgadores que se encarregaram de transmiti-las e vulgariza-las. E preciso antes de mais nada saber que nem a teoria dos jogos nem qualquer outra abstracao matematica podera substituir o postulado basico da racionalidade dos agentes, pois elas proprias se servem desse postulado. O que elas permitem e uma analise formal de instituicoes vigentes ou imaginadas e se elas permitem que os individuos ajam e cooperem racionalmente, segundo o regime de divisao de trabalho e propriedade privada chamado capitalismo.

Sobre interesses politicos de liberais, isso me parece bastante contraditorio, a nao ser que voce diga que e um "interesse politico" o fato de nao se querer politicos mandando na nossa vida.


Huxley escreveu:Não há nenhum problema na existência do ócio e na busca por lazer. Essa é uma necessidade humana como qualquer outra. O homem que está buscando o lazer com o ato de trabalhar menos não está se aproveitando do dinheiro de ninguém. Devido a isso, só os níveis elevados de desemprego voluntário é que seriam preocupantes.



Acho que voce nao entendeu patavinas do que eu disse.

Eu nao disse que ha qualquer problema com o ocio e lazer. Cada um e responsavel pela sua renda e como ela deve ser administrada no tempo que reserva para si, tempo que deve ser tambem de sua responsabilidade.

Eu disse que ha um problema quando as condicoes institucionais produzem incentivo artificial para o ocio e lazer, ao financia-lo com o produto do trabalho dos outros. E exatamente o que o Welfare state faz, quando distribui custos de servicos publicos de forma arbitraria entre os contribuintes e oferece vantagens para quem se encontra total ou parcialmente no desemprego. As consideracoes das pessoas passam a ser afetadas pelos ganhos e custos externos criados pelo governo, e todos passam a considerar desvantajoso produzir acima de uma determinada cota, reduzindo a producao global e a satisfacao individual a um nivel mais baixo do que seria se as pessoas administrassem livremente seus recursos, sem produzir ganhos ou custos externos.

Quando a interferencia e relativamente baixa, e as vantagens do ocio nao sao interessantes, como nos paises desenvolvidos, os efeitos sao pequenos. Mas quando ocorre algo como nos paises comunistas, a unica forma de colocar as pessoas para produzir e atraves do trabalho compulsorio, caso contrario ninguem faria nada por si mesmo, esperando que os outros fizessem. A diferenca entre uma coisa e outra e apenas de intensidade.



Huxley escreveu:Tudo que você postou ainda não responde isso: “as alternativas não são mais próximas do realismo, porque asseveram que as pessoas erram de maneira reiterada e sistemática. Se isso acontece, elas devem sofrer perdas. Não é natural que tomem providências para evitar esses erros no futuro?”.



Perfeitamente. Mas uma mudanca institucional dessa ordem leva tempo e sao as ideias que as promovem. E o processo civilizatorio. Mas quanto mais a coercao violenta do Estado impedir as pessoas de agir e ter ideias, mais tempo levara.

Nao existe nenhum escapismo irreal em dizer que sao as pessoas que devem resolver os seus problemas, pois isso e um fato, elas estao sozinhas e precisam faze-lo. Quanto mais se reflete, mais se chega a conclusao que o aparato oficial de compulsao e coercao e apenas um mecanismo que impede as pessoas, e nao que as libertas.

John Locke tinha razao quando disse que a ordem social so pode existir dentro de um ambiente legal, mas muito tempo se levou ate perceber que o ambiente legal e um produto da racionalidade humana buscando a eficiencia e a Etica e encontrando a jurisprudencia natural, e nao uma emanacao mistica do Estado e imposta sobre o homem. Na verdade, e exatamente o contrario: as leis nao nascem da necessidade do Estado moral de controlar os vicios do homem imoral, mas da reflexao de que o proprio Estado e um elemento invasor e imoral e que precisa ser controlada para a realizacao da liberdade humana, tanto quanto os perturbadores individuais da ordem social.



Huxley escreveu:Eu já ouvi falar do caso de um pescador que aprendeu sozinho a nadar tão bem quanto um nadador profissional. E ele nada entende de leis da hidrodinâmica. Porque será que ele aprendeu a nadar? Resposta: o aprendizado é possível, onde é possível usar o método de “tentativa e erro” para descobrir como o mundo funciona. É devido a isso que teóricos das expectativas racionais como Robert Lucas fazem hipóteses que assumem que trabalhadores têm expectativas inflacionárias e reagem a política monetária como se entendessem de teorias sobre a inflação, algo extremamente complexo.

Por outro lado, o que você está tentando me convencer é que pessoas RACIONAIS e AUTÔNOMAS elegeram políticos que levaram perdas as mesmas, e mesmo assim, elas insistem obstinadamente em reivindicar mais coisas que levam a mais perdas e mais políticos que implementem tais medidas. Isso é verdade porque a ausência do protótipo de Estado Mínimo é quase tão antigo quanto a existência do sufrágio universal. Pela lógica, o tempo deveria jogar a favor dos acertos, e não dos erros. Se por acaso o aprendizado fosse impossível para as questões de política, então também seria para questões econômicas.




Nao tiro razao de nada disso que voce disse. O tempo tem mostrado que a vigencia de normas que restrinjam a invasao da propriedade e a liberdade dos individuos tem produzido sociedades mais prosperas de pessoas mais felizes. E um processo que com seus altos e baixos tem se produzido desde a alvorada do homem.

Isso nao muda absolutamente em nada o papel das ideias e da racionalidade. As solucoes mais corretas so poderao ser tentadas se elas forem imaginadas e descritas pelos intelectos mais agucados. A tentativa e erro e um processo de selecao, mas para que a evolucao ocorra e preciso um processo de mutacao, que sao as novas ideias. Experimentando novas solucoes imaginadas para problemas que persistem, conservando aquilo que for Bom, descartando o que for Mal. Assim a ordem civilizatoria emerge espontaneamente do caos inicial, num processo que nao pode ser acelerado exceto atraves da liberdade de producao e discussao de ideias. "Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridao", como disse Ludwig von Mises.

Nesse sentido, o mecanismo politico democratico e mais eficiente que os demais mecanismos politicos. Eficiente porque restringe a capacidade de produzir distorcao, por parte dos politicos. Mas ainda sim e um poder estabelecido. E em ambientes onde o poder e usado contra a liberdade de ideias, defenestrando os legitimos pensadores e aclamando charlatoes, e natural de se esperar que retrocessos sejam produzidos, mesmo em regimes de "sufragio universal". Alem disso, o tempo necessario para se apurar o erro de determinadas ideias nem sempre esta em sintonia com o tempo do processo eleitoral. Demorou um tempo consideravel ate que as pessoas percebessem as diversas falhas imensas do mercantilismo protecionismo, do socialismo, do nacionalismo, do fabianismo, do sindical-trabalhismo; e algumas delas ainda nao perceberam ate hoje. Nesse meio tempo, politicos e intelectuais foram aclamados durante toda a vida enquanto outros foram defenestrados e ignorados ate a morte, sem que se percebesse que o contrario deveria ter se passado, a tempo de se desfazer tais injusticas.

Desmacarar essas fraudes e o papel daqueles que ainda conservam sua liberdade de pensamento, e que buscam uma sociedade mais aberta.
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Re: Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Mensagem por Samael »

user f.k.a. Cabeção escreveu:Hegemonia ocorre quando os interesses de um individuo ou de um grupo de individuos A sempre prevalecem sobre um individuo ou grupo B. Dessa forma, apenas A teria direitos de propriedade, e a B estaria reservado o destino de concordar com o que A determinasse. Haveria um grupo hegemonico A e um grupo submisso B. Assim, nossa definicao de justica pode ser a de uma ordem social nao hegemonica. Para tal ordem social justa, o controle sobre os recursos, numa primeira analise, pode ser definido atraves da propriedade privada ou da propriedade publica.


Esse tipo de lógica, trazido a um viés individualizante, parece requerer das pessoas um tipo de auto-preservação e senso coletivo que elas não tem. Não se pode conceber que uma sociedade livre aberta conheça, por si só, a lógica e que o conflito de interesses individuais possa, de alguma forma se equilibrar segundo uma razão qualquer.

user f.k.a. Cabeção escreveu:No esquema universal de propriedade publica, todos os individuos controlam todos os itens inimaginaveis, inclusive os corpos fisicos dos outros individuos. Isso e claramente irracional, pois sem a propriedade dos seus corpos fisicos as pessoas precisariam da autorizacao das demais para qualquer coisa fazer, inclusive respirar. Mas se ampliarmos a propriedade privada para apenas os corpos fisicos e os espacos que ocupam, a coisa nao melhora muito, ja que para realizar qualquer deslocamento ou empregar qualquer recurso, uma consulta impossivel ainda precisa ser realizada. Podemos seguir estendendo limitadas propriedades privadas para permitir as pessoas fazerem alguma coisa, mas ainda sim se houver alguma propriedade publica escassa no sentido estritamente universal e nao hegemonico, nao havera como emprega-la por nenhum agente sem um acordo universal e estariamos numa situacao na pratica analoga a de sua inexistencia.


Acho que é muito mais simples. É a abolição da economia capitalista em prol de um individualismo ultra-racionalizante que SÓ viria a partir da doutrinação estatal sobre os indivíduos. Não é uma propriedade universal pública, é mais pragmático que isso. Inclusive, Marx criticou muito essa noção de "propriedade unviversal pública" em Bakunin.

É uma utopia tola, da mesma forma.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A solucao para o socialismo totalitario real (a unica forma possivel de aproximar o ideal comunista universal) foi adotar um modelo hegemonico, onde um comite decidiria o emprego dos recursos escassos e sua vontade seria lei. Os individuos integrantes desse comite sao superiores aos nao integrantes que devem acatar suas decisoes. O poder invasivo do Estado assim constituido era tamanho, que mesmo os corpos e espacos ocupados pelos individuos nao eram integralmente propriedades dos proprios, mas ativos a disposicao do Poder. Os conflitos se resolvem pela capacidade dos membros do comite de empregarem ou ameacarem empregar violencia contra quem quer que nao os obedeca.


Não. O Estado totalitário não decorre da filosofia marxista, ele é o "mal necessário" para se alcançar a sociedade sem Estado.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Dessa forma, a distincao real entao entre as ordens sociais e marcada por apenas duas opcoes logicas: a ordem social da propriedade privada e a ordem social da hegemonia. Uma delas dispoe de simetria entre os direitos naturais dos individuos, e a outra nao, estabelecendo relacoes de poder incontestaveis, entre classes superiores e inferiores de individuos. Quanto mais proximos estivermos da ordem da propriedade privada, mais proximo estaremos de uma solucao etica para o problema da ordem social.


Eu não sei qual é o grande ponto desse argumento, visto que qualquer marxista poderia dizer que essa distinção de classe ocorre no capitalismo também.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Defina socialismo. As vezes eu acho que estamos discutindo coisas num demasiado alto nivel quando nossos problemas residem basicamente no mais baixo nivel possivel. Se eu apresento problemas do socialismo de um modo geral, passo por uma definicao suficientemente geral do socialismo, um substrato que seria identificavel em todo tipo de pensamento dessa corrente e que permitiria a identificacao socialista. Caso esse substrato nao exista, socialismo passa a ser uma categoria aleatoria associada a pensamentos esparsos e desconexos e sobre o qual nao se poderia fazer nenhuma assertiva racional generalizada, precisando-se examinar cada uma das correntes que exibririam-se sob essa designacao inutil.


Eu só levantei esse ponto devido ao seu historicismo borderline absurdo, que vinculava ideologicamente marxismo e nazismo como inimigos naturais de uma pressuposta razão histórica, e o liberalismo como detentor dessa razão. Isso é bobagem revisionista.

Tanto o socialismo quanto o liberalismo são pensamentos de otimização da sociedade, vinculados à esteira do "paradigma newtoniano", frutos da crítica racional ao Estado medieval. Nesse ponto, o termo "socialista" e o termo "liberal" já cansaram de definir o mesmo espectro político de pessoas, sendo que as diferenças ideológicas pessoais definiam muito mais o duelo político desses indivíduos do que uma massa amorfa (estrutura tipicamente marxista) que os definam como socialistas ou liberais. O nazismo é um movimento neo-romântico, ele corre justo na direção contrária, ou seja, é irracionalista. Ele se encontra na mesma "esteira histórica" que os movimentos nacionalistas europeus, como o eslavismo, por exemplo. Agora, da mesma forma que é possível que os ideários de alguns socialistas coadunem com a idéia de totalitarismo, é possível que alguns românticos possam desenvolver idéias de Estados com o mesmo ideário político. Ambos são nojentos e reprováveis? Óbvio. São a mesma coisa? Não.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Assim, eu entendo o socialismo como as diversas correntes que tentam formalizar, em diversos niveis de intensidade, um conceito de propriedade publica por este parecer-lhes eticamente mais apropriado na solucao do problema da ordem social, apegando-se com diferentes paixoes a maxima do "a cada um de acordo com suas capacidades, para cada um de acordo com suas necessidades". Os socialistas partilham essa essencia comum e distinguem-se no grau e nas idiossincrasias. Podem variar de um nivel baixo ou baixissimo de socialismo propriamente dito (e consequentemente maior de coerencia e etica), como os defensores da democracia constitucional ate os niveis mais abismais daqueles que propoem a solucao totalitaria para todos os problemas (onde evidentemente eles seriam os ditadores).


Não, isso é basicamente Marx, Engels, Kautsky e seus espólios. Bielinski se dizia ultra-socialista e era contra qualquer estado minimamente autoritário. Os termos, historicamente, confundem-se.


user f.k.a. Cabeção escreveu:Essa e uma impressao que voce teve pois voce esta impregnado por um modelo de pensar.


Sim, e você é neutro como sabão de côco, né?

user f.k.a. Cabeção escreveu:No meu texto confessadamente ultra-resumido eu apenas dei nomes a fenomenos produzidos pelas acoes e consideracoes dos individuos e por seu acumulo historico de conhecimento e capital fisico. Chamei de civilizacao a tendencia dos individuos de resolver seus proprios problemas seguindo uma logica voluntaria de satisfacao mutua de interesses, que a instituicao da propriedade privada e da divisao do trabalho permitem. O Estado e a instituicao hegemonica residual de um longo processo historico, que opera desde tempos onde a civilizacao (no sentido anterior) era escassa e a dominacao era a estrutura basica de relacoes entre os individuos. Mas ele simplesmente denota a tendencia de determinados individuos de buscar a solucao de seus problemas atraves do dominio de outros.


Sim, o maniqueísmo tolo faz com que boa parte dos críticos modernos vejam a sociedade ou como "cooperação irrestrita" ou como "dominação de classes". As relações humanas são muito mais complexas que isso, seja em qualquer tempo histórico.

E eu discordo totalmente da sua acepção de civilização. Civilização, para mim, é a tendência que um grupo hegemônico tem de levantar uma espécie de liderança sobre outros (seja a partir de uma força física, moral ou religiosa) e de, a partir disso, ditar regras e regular uma sociedade. A Civilização surge com o Estado, mesmo que em suas formas mais arcaicas. Óbvio que, nesse interim, pode-se divisar a existência de pessoas que tentem empregar métodos cooperativos para satisfazer seus objetivos, mas, como bem coloca Weber, "o Estado é coerção" e esse tipo de Estado coercivo é diacrônico: não se conhece civilização que tenha emergido da cooperação individual sem uma liderança imposta à força.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O conflito entre essas "estruturas" passa a ser simplesmente evidente, e o fato de eu ter confiado na vitoria da civilizacao decorre da discussao anterior de que a solucao da propriedade privada e a unica solucao etica para o problema da ordem social, e que se pensarmos no ser humano individual como ente naturalmente racional e orientado para a busca de decisoes eticas, num longo prazo e essa a ordem a se estabelecer. Seria tautologico dizer que, nesse caso, podemos nos escorar na experiencia historica para identificar que povos mais civilizados possuiam maior organizacao privada da propriedade, afinal essa esta sendo a nossa definicao de civilizacao; mas com certeza nao teriamos nenhuma dificuldade em verificar que esses povos certamente gozavam de superioridade tecnologica e disponibilidade de meios que os demais, levando larga vantagem nos eventuais choques de civilizacoes.


Como suas conclusões decorrem das suas premissas, essa parte torna-se simplesmente inválida para qualquer um que discorde delas.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Como voce pode ver, nao se trata de "estruturalismo teleologico", e exatamente o contrario disso. A ordem da propriedade privada e uma ordem espontanea, nao desenhada, tal como as diferentes linguas emergem como ordem de um aparente caos que e a mentalidade de cada individuo e a forma como ele interpreta e altera a linguagem.


Não, se fosse uma ordem espontânea natural seria fator diacrônico, como o tabu ao incesto, por exemplo. A noção de propriedade privada não é nem nunca foi universal. É claro que você poderia defender que as populações que ainda não desenvolveram essa noção seriam populações existentes em civilizações notoriamente menos desenvolvidas culturalmente ou eticamente, mas isso novamente seria cair na teleologia e numa valoração inútil e arbitrária sobre "qualidades culturais", que pode ser até relevante sob o ponto de vista ético e antropológico, mas inútil sob o historiográfico.

user f.k.a. Cabeção escreveu:E claro que esses aspectos sao de suma importancia, e voce ate fez bem em observar esse carater aparentemente historicista do meu texto original, algo que de relance parece bastante, apesar de completamente nao intencional. Isso se deveu a pressa com a qual ele foi redigido, sem uma atencao devida a formalizacao dos conceitos corretos de etica e direito natural e dos processos de processamento de informacao na sociedade, que permitem uma compreensao exata das "estruturas arbitrarias" que eu evoquei naquele texto.


Cara, eu sei que não adianta te dizer isso, visto que nós temos pontos de vista muito divergentes sobre quase tudo (exceção feita, acho que apenas, à estética feminina):

Eu acho que toda análise histórica não historicista é necessariamente pós-moderna ou incorre, de uma forma ou de outra, no ceticismo histórico tolstoiano ou no "fim da história" do Fukuyama. Isso, creio eu, seria a resposta a quase todos os seus posts espantados com a minha concepção (que, diga-se de passagem, não é nova nem nada).

Entrar um pouco mais a fundo nesse assunto vai acabar de vez com o tópico que eu já desvirtuei, mas se você realmente quiser...

user f.k.a. Cabeção escreveu:Isso e algum preconceito ou o que voce ja leu dele? A unica coisa que eu realmente nao gosto em Popper e seu estilo literario cansativo. Mas quais sao as objecoes reais que voce tem quanto as colocacoes do mesmo?


Quando eu digo que "não gosto muito", significa que eu fui educado com Kuhn e Weber, e tive poucos professores popperianos (um só), que pudessem me prender a atenção.

Eu já li "A sociedade aberta e seus inimigos" por mim mesmo, e diversos trechos do "Miséria do Historicismo" por causa da faculdade.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A teoria do conhecimento de Popper, com base na tentativa e erro, tal como descrito em "Conjecturas e refutacoes" e a "Logica da descoberta cientifica", parece de alguma forma equivocada para voce? Algo contra a demonstracao da falacia do indutivismo?


Não, e nem tenho leitura em Popper suficiente para entrar num debate desses.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Quanto ao historicismo em particular, qual dos pontos de seu pensamento o desagradam? A critica ao vies claramente profetico e mistico das teorias hegelianas e marxistas? A demonstracao das implicacoes dessas ideias nas origens do totalitarismo, do racismo, do eugenismo e de todo tipo de ofensa a sociedade aberta?


O fato dele criar uma idéia mítica de "sociedade aberta", o fato dele escolher a dedo as características de um tal historicismo,que é outro termo EXTREMAMENTE confuso e refutá-las...

O grande ponto é História é que temos um acontecimento X, e precisamos buscar as suas causas, e nisso, como não temos como lidar empiricamente com os fenômenos, fazemos "achismos coerentes", que podem ou não terem levado àquele fenômeno. Nesse processo, onde há um presente histórico definido que precisa ser explicado por uma relação causal altamente restrita, caímos, fatalmente, no mesmo problema da teleologia, onde elegemos alguns fatos a partir de um achismo pessoal e criamos toda uma "estrada inteligível" que os liguem ao objeto.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Acho que voce deveria rever seu preconceito implacavel contra Popper e Hayek. A leitura de ambos pode te enriquecer bastante.


O meu preconceito com o Hayek é basicamente de historiador, quanto àquela bobeira de vincular socialismo e nazismo a partir de um viés histórico arbitrário de um cara que, tchanã, é inimigo político de ambos.

É o mesmo caso de Mises.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Que bobagem e esta? Toda analise historica "holistica" e historicista, alias, essa e basicamente a definicao. Agora todos aqueles que partem de principios e postulados basicos da acao dos individuos, e tentam reduzir a historia ao registro do somatorio (ou ao menos de uma parte importante) dessas acoes calcadas em principios, evidentemente nao esta sendo historicista. O historicista cre em forcas irresistiveis do momento historico, no Zeitgeist. Pensa que o meio produz as acoes humanas, e que os verdadeiros agentes historicos nao sao individuos, mas determinados coletivos (racas, nacoes, classes, religioes...) possuidores de um destino historico a cumprir, e nao que as acoes humanas, estabelecidas em categorias fundamentais e universais, determinam o meio, sendo as racas, nacoes, classes e religioes fenomenos temporais resultantes dessas interacoes.


Leia acima. A propósito, o historicismo que eu afirmo tem muito a ver com o historismo alemão, e essa é uma problemática conceitual da historiografia.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O que voce quer dizer com "Tocqueville melhorado"?


Quer dizer que eu gosto mais da filosofia moral dele do que a de Tocqueville, ora.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu ja coloquei a definicao que emprego de socialismo acima, eu estou esperando sua demonstracao de que ela seria em essencia a mesma do liberalismo, sendo a diferenca mera terminologia. (se e que eu estou realmente entendendo o que voce quer dizer com isso)


Eu já te respondi acima.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Exemplifique.


Seus discursos proféticos e moralistas, seu avatar e sua assinatura de cunho panfletário, sua mudança radical de postura política.

Quer dizer, você não enlouqueceu de verdade. Assim como o seu "eu também te amo", foi apenas uma figura retórica, você sabe.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Como disse o Acauan, e a biologia que e definida por seres humanos tais quais entes racionais, nao o contrario. Ela pode definir a especie animal humana, mas nesse caso temos que tanto os embrioes quanto os adultos sao membros individuais da mesma especie.


Então a biologia é definida pelos entes racionais mas você a usa, dentro do conceito de espécie, para definir esses mesmos entes racionais?

A tia tautologia te mandou um beijo.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O que a biologia pode oferecer sao informacoes sobre os estagios de formacao de determinadas estruturas organicas no desenvolvimento da vida do ser humano como animal, mas isso nao tem nenhuma serventia do ponto de vista etico.


Não, capacidade de agir moralmente nos diferencia de vários outros seres vivos, e isso é definido biologicamente. O que nos torna seres moralmente imputáveis é a nossa capacidade de abstração, nossa humanidade deriva do nosso desenvolvimento biológico. Nesse seu ponto de vista, caso uma criança pequena execute outra sumariamente sem ter o mínimo conhecimento ou capacidade de abstração sobre assassinatos, ela seria imputável da mesma forma que um adulto plenamente consciente.

Existe um conjunto de características que definem nossa humanidade, e elas podem ser agrupadas num conjunto P. Os seres que satisfazem essas características são seres que podem ser considerados "humanos". Um pato não é uma pessoa porque não satisfaz, digamos, algumas dessas características. Um teratoma não é uma pessoa porque não satisfaz, digamos, outras dessas características.

Qualquer elevação de um critério de humanidade diferente deste é meramente especista, arbitrário e falho, porque, caso tenhamos inteligência artificial relevante ou conheçamos extraterrestres inteligentes no futuro, essa sua definição poderá tratá-los como qualquer coisa dispensável e não-humana.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Tanto quanto podemos saber, fetos e adultos sao individuos humanos


Dependendo da obediência ao conjunto de características, podem ser ou não.
user f.k.a. Cabeção escreveu:e os fetos (assim como as criancas pequenas) se encontram numa situacao de dependencia completa em decorrencia de um ato cuja responsabilidade e de seus pais, e somente deles. Essa responsabilidade pelo estado de carencia torna os pais eticamente imputaveis, cabendo a eles a obrigacao de prover as necessidades daquele individuo que naquela situacao foi colocado por um ato deliberado deles.


Responsabilidade sobre algo irrelevante é tão irrelevante quanto o próprio objeto.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A discussao da capacidade neurologica inferior de um embriao e futil, pois a capacidade neurologica inferior ou em desenvolvimento nao anula ou reduz a condicao humana de absolutamente nada que a priori a possuiria. Esse e um criterio escolhido posteriormente, e cuja demarcacao so pode ser estabelecida de forma completamente arbitraria. Nada tem a ver com etica.


Defina condição humana.

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Mensagem por user f.k.a. Cabeção »

Samael escreveu:Esse tipo de lógica, trazido a um viés individualizante, parece requerer das pessoas um tipo de auto-preservação e senso coletivo que elas não tem. Não se pode conceber que uma sociedade livre aberta conheça, por si só, a lógica e que o conflito de interesses individuais possa, de alguma forma se equilibrar segundo uma razão qualquer.



Essa e uma reformulacao do mito do bom ditador: os individuos em sociedade sao nocivos uns aos outros e faz-se necessaria uma autoridade investida em alguem sabio e justo e capaz de tomar as boas decisoes que nao seriam tomadas livremente pelas pessoas.

Como eu disse antes, isso e uma fabula. Se nos nao supusermos racionalidade dos agentes, nao ha porque esperar qualquer tipo de organizacao racional, espontanea ou centralizada por uma autoridade. E se supusermos a racionalidade dos agentes, vemos que a ordem social emerge espontaneamente das relacoes entre eles.

O argumento principal dos estatistas e portanto muito fraco. A menos que eles queiram convencer alguem de que na verdade nao fazem parte do genero humano, que sao alguma especie de "ubermensch", capazes de uma razao mais avancada e de uma percepcao de alto nivel inatingiveis para o homem comum, tudo o que dizem pode ser descartado como lixo.

Voce esta enganado se acha que eu considero desnecessaria a existencia de uma policia que neutralize os desordeiros. Seguranca e um aspecto fundamental da sociedade e nao podemos confiar na racionalidade e consequencia de todos os que nela se inserem. Mas o servico de seguranca nao precisa ser prestado por uma autoridade central, encarregada por sua vez de deduzir os regulamentos corretos. Ele pode ser parte de um contrato, como tudo mais, inclusive os regulamentos.


Samael escreveu:Acho que é muito mais simples. É a abolição da economia capitalista em prol de um individualismo ultra-racionalizante que SÓ viria a partir da doutrinação estatal sobre os indivíduos. Não é uma propriedade universal pública, é mais pragmático que isso. Inclusive, Marx criticou muito essa noção de "propriedade unviversal pública" em Bakunin.

É uma utopia tola, da mesma forma.


Isso nao faz sentido.

Como e porque o Estado iria doutrinar alguem com ideologias individualistas? Gostaria de ver um texto marxista que pudesse ser visto como individualista. Marx nao falava disso, ao menos nao falou disso em Manifesto Comunista. Ele falou da necessidade em substituir o sistema de propriedade privada que alienava o proletariado.

Ele era claro em afirmar que a propriedade privada era um roubo, que o capital com o qual os capitalistas montavam empresas e equipavam os trabalhadores tambem tinha sido produzido por outros trabalhadores, logo tal capital a classe trabalhadora pertencia. Se isso nao e teorizar uma propriedade publica, eu nao sei o que mais e.

Nao sei o que ha de simples nesse nonsense que voce esta sugerindo. Talvez Marx ou algum seguidor seu tenha dito algo do genero, eu confesso que nao sei. Mas com certeza, se tiver um minimo sentido, nao e "muito mais simples", como voce disse.

De toda a forma, fazer essas afirmacoes nao refuta a logica com a qual foi delineado o problema da ordem social e suas possiveis solucoes praticas. Tudo esta claro: os meios para atingir os fins sao escassos e e preciso um criterio para utiliza-los, e o unico criterio viavel e desejavel e o controle individual exclusivo atraves da propriedade privada. Se voce quiser refutar isso apresente uma forma nao hegemonica de organizar a utilizacao desses meios escassos que nao se enquadre nos casos analisados.

Pois senao parece que voce solta uma frase desconexa apenas para responder aquele trecho com alguma quantidade de texto sem sentido, e ainda vem me dizer que e "muito simples". O mesmo vale para mim, se em algum momento voce nao estiver entendendo com suficiente clareza o que eu estou falando e definindo, e porque as demonstracoes dos raciocinios estariam corretas, voce deve me dizer.


Samael escreveu:Eu não sei qual é o grande ponto desse argumento, visto que qualquer marxista poderia dizer que essa distinção de classe ocorre no capitalismo também.



Eu estava falando da ordem social da propriedade privada. O capitalismo aproxima essa ordem, ele admite certos poderes hegemonicos pelos governos e tenta colocar em pratica em alguns setores a ideia equivocada de propriedade publica. O capitalismo nao e um sistema completamente isento de socialismo, e a distincao de classes vem desse fato. Contudo, ela e muito mais nitida nos regimes socialistas, que por sua vez tambem adotavam em alguma instancia bastante restrita a propriedade privada tambem.

Na America seria muito mais dificil para um burocrata retirar tua casa, confiscar teus bens e te colocar na prisao do que na Alemanha Nazista ou na URSS, embora tais fatos ocorressem nos dois regimes. E na verdade uma distincao de grau de proximidade entre duas categorias distintas, a ordem privada e a ordem hegemonica. Os "socialistas" alemaes e russos, assim como os "capitalistas" americanos tinham algo das duas, embora em teores tao distintos que podemos distingui-los numa primeira analise como sendo elementos de categorias separadas.


Samael escreveu:Eu só levantei esse ponto devido ao seu historicismo borderline absurdo, que vinculava ideologicamente marxismo e nazismo como inimigos naturais de uma pressuposta razão histórica, e o liberalismo como detentor dessa razão. Isso é bobagem revisionista.



Nao eram inimigos de uma "razao historica", eram inimigos da razao como todos a entendemos, e deixavam isso bem claro para qualquer um.

Marxistas e Nazistas eram suficientemente claros ao dizer que a logica proletaria ou ariana nao estaria ao alcance das classes burguesas e racas impuras. Eles estavam dizendo com isso que seres humanos raciocinariam segundo principios diferentes e que devido a essas diferentes razoes chegariam sempre a conclusoes diferentes, e que tal fato nao poderia ser mudado por nenhum acordo, chegando somente a um termo no momento em que a classe ou raca predestinada dominasse ou exterminasse todas as demais, impondo assim a sua razao como a unica verdade.

Eles sao os historicistas, nao os que os acusam.


Samael escreveu:Tanto o socialismo quanto o liberalismo são pensamentos de otimização da sociedade, vinculados à esteira do "paradigma newtoniano", frutos da crítica racional ao Estado medieval. Nesse ponto, o termo "socialista" e o termo "liberal" já cansaram de definir o mesmo espectro político de pessoas, sendo que as diferenças ideológicas pessoais definiam muito mais o duelo político desses indivíduos do que uma massa amorfa (estrutura tipicamente marxista) que os definam como socialistas ou liberais.



Voce comete um monte de erros nesse trecho, em parte por confundir pensamentos originarios de uma mesma epoca e tratando sobre questoes similares como se fossem formas diferentes da mesma coisa (algo bastante hegeliano diga-se de passagem), e em parte por se deixar levar pelas distorcoes criadas pela revolucao semantica, empregada por pessoas que se nao podiam convencer com argumentos, que ao menos confundissem a todos alterando o significado das palavras.

Liberalismo e socialismo, no sentido original dessas palavras, sao opostos totais e absolutos. Nao importa se as motivacoes que levam as pessoas a adotarem essas ideologias sao similares (e isso e uma afirmacao muito discutivel), o fato e que uma diz o exato contrario da outra, sao irreconciliaveis em todos os niveis. O socialismo propoe o alcance da ordem social publica atraves do emprego cada vez mais hegemonico do poder por parte do Estado, o liberalismo prega o alcance da ordem privada atraves do desmonte desse poder. Sao diferentes nos objetivos e nos metodos para atingi-los.

O fato de algumas pessoas serem incoerentes ou confusas o bastante para misturar elementos de cada uma dessas ideologias (e de outras) nao as torna iguais, apenas atesta para o fato de que muita gente fala muita bobagem.

E como o termo "liberal" foi sequestrado por socialistas que nao defendiam uma maior liberdade individual em si, mas sim o assalto revolucionario contra as instituicoes estabelecidas.

Ser favoravel a uma maior liberdade individual significa nao so seguir sua propria vontade, mas reconhecer-se como membro de uma sociedade na qual voce e responsavel por seus atos e dentro da qual voce deve respeitar os outros, assim como as instituicoes que eles adotam, caso queira extrair algum proveito das associacoes livres entre os individuos.

Os hippies, punks e todos os demais vagabundos de paises desenvolvidos que eram em geral os prototipos desses novos "liberais" e queriam um mundo onde eles pudessem fazer o que eles quisessem, sem respeitar absolutamente nada. Nao lhes ocorria, talvez por conta das drogas pesadas que consumiam, que tudo aquilo que eles obtinham, como roupas jeans para rasgar e emporcalhar, ponchos e chapeus ridiculos, camisetas com o simbolo da paz, comida natureba, spray para pixacoes, kombis coloridas, discos de rock ou copias de "Roube esse livro" era fruto de uma delicada ordem onde as pessoas envolvidas na cadeia de producao respeitavam acordos e instituicoes e operavam segundo regras e contratos, pois se nao fosse assim nada daquilo poderia ser produzido. O capitalismo funciona mesmo quando para abastecer seus detratores.


Samael escreveu:O nazismo é um movimento neo-romântico, ele corre justo na direção contrária, ou seja, é irracionalista. Ele se encontra na mesma "esteira histórica" que os movimentos nacionalistas europeus, como o eslavismo, por exemplo. Agora, da mesma forma que é possível que os ideários de alguns socialistas coadunem com a idéia de totalitarismo, é possível que alguns românticos possam desenvolver idéias de Estados com o mesmo ideário político. Ambos são nojentos e reprováveis? Óbvio. São a mesma coisa? Não.



Samael, o fato de existirem diferentes motivacoes basicas para o socialismo nao altera o fato de que a essencia do que eles empregam como metodos e do que eles atingem como fins seja de todo diferente.

Quando eu exibo as semelhancas gritantes entre os socialismos nazistas e marxistas, e evidente que eu estou ciente que as pessoas abracam essas filosofias por razoes apartentemente distintas. Eu os critico na nocao inconsequente de que uma autoridade central deve ser a fonte da ordem social. Essa ideologia, comum a ambas as formas de pensamento, e que deve ser entendida como socialismo, e ela conduz necessariamente a uma sociedade policial totalitaria.

O "socialismo sem Estado e individualizado" e apenas uma aberracao sem sentido e utopica de alguns autores que estavam muito longe de compreender como opera o ser humano. Nao por menos muitos desses autores, convencidos da retidao moral de suas ideias e da perversao do Homem, propuseram os Estados totalitarios como meios de consertar os defeitos do ser humano para que enfim ele pudesse ser livre. Mas isso os torna identicos aos socialistas reais.


Samael escreveu:Não, isso é basicamente Marx, Engels, Kautsky e seus espólios. Bielinski se dizia ultra-socialista e era contra qualquer estado minimamente autoritário. Os termos, historicamente, confundem-se.


Samael, as pessoas podem se dizer o que for, isso nao muda absolutamente nada em relacao a realidade intrinseca que incompatibiliza certos pensamentos.

O Estado totalitario e uma consequencia logica do socialismo, nao existindo como desvincula-los. O fato de alguem achar o contrario e se dizer socialista e contra o Estado totalitario nao muda isso, apenas atesta para o fato de que esse sujeito sofre de uma profunda incompreensao dos fatos. Seria como tentar desvincular os efeitos "bons" da emissao de dinheiro e credito dos efeitos inflacionarios "ruins". Ou um porre de whiskey da ressaca subsequente. Simplesmente nao da, ambos sao logicamente vinculados, e o erro esta na percepcao que confunde e faz acreditar que os efeitos considerados bons nao sao apenas um outro aspecto dos efeitos considerados ruins. Nos dois casos, os fatos nao impedem as pessoas de continuarem a dizer coisas.


Samael escreveu:Sim, o maniqueísmo tolo faz com que boa parte dos críticos modernos vejam a sociedade ou como "cooperação irrestrita" ou como "dominação de classes". As relações humanas são muito mais complexas que isso, seja em qualquer tempo histórico.


Claro que nao. Eu fui claro em dizer que existem os dois tipos de relacao, e que a civilizacao esta caracterizada pela predominancia da cooperacao sob a dominacao, e o contrario para a barbarie.

Samael escreveu:E eu discordo totalmente da sua acepção de civilização. Civilização, para mim, é a tendência que um grupo hegemônico tem de levantar uma espécie de liderança sobre outros (seja a partir de uma força física, moral ou religiosa) e de, a partir disso, ditar regras e regular uma sociedade. A Civilização surge com o Estado, mesmo que em suas formas mais arcaicas. Óbvio que, nesse interim, pode-se divisar a existência de pessoas que tentem empregar métodos cooperativos para satisfazer seus objetivos, mas, como bem coloca Weber, "o Estado é coerção" e esse tipo de Estado coercivo é diacrônico: não se conhece civilização que tenha emergido da cooperação individual sem uma liderança imposta à força.


Sim, o Estado e coercao, e exatamente o que eu tenho dito.

Agora o fato de se desconhecer uma civilizacao que tenha emergido sem Estado diz apenas que esse fator esteve presente, mas nao diz qual foi o seu papel. Nao se conhece nenhuma civilizacao que tenha emergido sem bandidos, e nem por isso nos atribuimos a eles o sucesso relativo de sua sociedade.

Eu nao disse que as pessoas saiam da ignorancia e violencia generalizada para a civilidade num so pulo. E preciso aprender a cooperar e perceber as vantagens da cooperacao. Isso vem com o tempo. O Estado nao ajuda nem acelera esse processo, ele e um escolio do fato das pessoas ainda preservarem algumas instituicoes de dominacao barbara. Existe muita confusao sobre o que e o Estado; algumas pessoas confundem o Estado com o aparato policial que visa manter uma determinada ordem. Essa visao esta errada, o Estado pode exercer essa funcao na sociedade, mas nao e ela que o define. O Estado e o mecanismo que monopoliza a violencia, e que pode empregar esse poder para intimidar as pessoas a pagarem tributos ou a fazerem coisas que nao estao interessadas nem se comprometeram a fazer.

Tampouco e o Estado que define a ordem social. Ele tenta faze-lo, empregando violencia ou ameacando emprega-la, pois pode ser interessante para os seus lideres. Mas ele so conseguira continuar com isso enquanto sua capacidade de opressao for superior a capacidade de reacao das pessoas que racionalmente objetam seguir a ordem estabelecida. Quem faz as verdadeiras mudancas sao os individuos ao perceber as vantagens em faze-las. Nao sao os revolucionarios, nem os idealistas, que impoem a ordem de cima para baixo atraves da brutalizacao, mas as pessoas comuns que ao ficarem menos ignorantes percebem que as distorcoes do sistema hegemonico precisam ser substituidas por algo mais etico e mais funcional.

Tomemos um exemplo interessante. Voce pode ficar achando que o escravismo foi derrotado pela boa vontade de legisladores supremos, ou voce pode perceber que foram as proprias pessoas que, com o tempo e o acumulo de conhecimentos, notaram que era muito mais vantajoso e produtivo utilizar mao de obra livre atraves de contratos voluntarios do que manter um escravo caro e pouco produtivo em cativeiro.

Mas pare que uma sociedade de homens livres fosse possivel, era preciso uma tecnologia de contratos e uma disposicao a cumpri-los que nao era a realidade de epocas onde a mao-de-obra era mobilizada na base do chicote. A percepcao individual dessas vantagens, por ambos os lados, fez surgir o contrato e liberou os grilhoes. Isso se deu atraves do crescimento da confianca mutua, estimulado por instituicoes procuravam conserva-la. Nao foi o Estado que libertou os escravos, foi o capitalismo.

O Estado sempre esteve atrasado, pois tem poucos meios para capturar as mudancas na organizacao social. Ele que mantinha instituicoes escravistas enquanto ja se percebia o quanto elas eram produto de uma ignorancia enorme. Mas mesmo sendo capaz de empregar coercao, o Estado nao resiste a pressao racional, a destruicao criativa a qual se referia Schumpeter, que ao remover a ineficiencia e ignorancia renova as instituicoes sociais e a organizacao do trabalho no capitalismo.


Samael escreveu:Como suas conclusões decorrem das suas premissas, essa parte torna-se simplesmente inválida para qualquer um que discorde delas.



Entao diga qual das premissas voce discorda:


1. As pessoas sao racionais. Com isso pretendo dizer que as pessoas procuraram empregar o metodo mais adequado que conhecerem para atingir um determinado, embora possam estar equivocadas quanto a sua verdadeira eficacia.

2. Os recursos sao escassos. Pessoas diferentes tem fins diferentes que dependem do emprego de meios que sao finitos e nao podem atender a todos.

3. Para resolver o problema da escassez, as pessoas podem recorrer a violencia ou a negociacao.

4. Empregar a violencia incita ressentimento e rancor da parte hostilizada, que passa a ter incentivo para organizar uma reacao tambem violenta. Negocios de um modo geral estimulam mais e mais negocios.

A conclusao e que no longo prazo, o fato das pessoas serem racionais fara com que elas optem por uma ordem social onde praticamente tudo seja resultado de negociacoes entre as partes interessadas, pois a violencia e algo que custa caro e mobiliza incentivos para uma reacao que acaba sendo mais forte. Contudo, para que os negocios se produzam e preciso o desenvolvimento da confianca, da seguranca, e de todas as instituicoes e tecnologias que a razao humana desenvolve para possibilitar todas as trocas afim de melhorar o seu proprio bem-estar. O processo de desenvolvimento e amadurecimento dessas instituicoes e o proprio processo de civilizacao.



Samael escreveu:Não, se fosse uma ordem espontânea natural seria fator diacrônico, como o tabu ao incesto, por exemplo. A noção de propriedade privada não é nem nunca foi universal. É claro que você poderia defender que as populações que ainda não desenvolveram essa noção seriam populações existentes em civilizações notoriamente menos desenvolvidas culturalmente ou eticamente, mas isso novamente seria cair na teleologia e numa valoração inútil e arbitrária sobre "qualidades culturais", que pode ser até relevante sob o ponto de vista ético e antropológico, mas inútil sob o historiográfico.



Na verdade, tal raciocinio decorre de determindados da natureza humana racional e de como ele emprega a razao para resolver o problema da escassez. A teoria vem dessas premissas, nao da observacao que as nacoes tecnologicamente superiores eram de um modo geral quase sempre as que tinham instituicoes de propriedade privada melhor definidas. Isso e um corolario da teoria.

A propriedade privada esteve presente tanto no ocidente como no oriente antigo, ainda que em medidas e manifestacoes diferentes. E claro que qualquer relativista pode considerar uma tribo qualquer no meio da selva tao desenvolvida quanto o Imperio Romano ou a Inglaterra vitoriana. Ele pode empregar o criterio que quiser (ou mesmo nao empregar nenhum) para dizer algo vago sobre quem e mais ou menos desenvolvido.

Mas um fato que ele nao pode contestar e que na Inglaterra ou em Roma havia a colaboracao social de um numero muito maior de pessoas que em qualquer tribo de pigmeus ou caravana de beduinos. E que essa colaboracao de milhoes de anonimos so se produzia porque existiam instituicoes de propriedade privada que as tornavam vantajosas para todos os participantes (ou ao menos uma boa parte deles), e todo o poder dessas sociedades derivava dessas interacoes; poder que erodiu quando tentaram modifica-las tornando-as piores.

Pegar exemplos de "civilizacoes" que sao na verdade tribos autarquicas esparsas, cuja interacao social consiste num grupo pequeno de pessoas que conhecem umas as outras (quase todas de uma mesma grande familia) nao refuta absolutamente nada. A ordem privada emerge quando grupos diferentes, com diferentes objetivos, entendem que podem cooperar entre si para atingi-los, e que essa cooperacao depende da observacao de determinadas regras. Sociedades proto-legais nao interessam exceto como curiosidade antropologica.


Samael escreveu:Eu acho que toda análise histórica não historicista é necessariamente pós-moderna ou incorre, de uma forma ou de outra, no ceticismo histórico tolstoiano ou no "fim da história" do Fukuyama. Isso, creio eu, seria a resposta a quase todos os seus posts espantados com a minha concepção (que, diga-se de passagem, não é nova nem nada).


O que voce esta chamando de historicismo? Pos-modernos sao quase todos acolitos de formas bizarras de marxismo, como era o psicanalista Jacques Lacan (um dos maiores faladores de merda de todos os tempos, lembrando um "o pensador" com um pouco mais de capacidade verbal, pseudo-erudicao e arrogancia) ou Jacques Derrida e seu "descontrucionismo".

Eu nao li o livro do Fukuyama, sei muito vagamente de que se trata de uma defesa da vitoria da democracia liberal. Voce leu?

O que eu estou chamando de historicismo e a nocao de que a historia deve ser comprendida como resultado de fenomenos coletivos, onde os agentes sao povos, nacoes, classes, racas, religioes; e nao meros individuos; que produzem e sao produzidos por "forcas historicas" inescapaveis. A mentalidade dos individuos seria determinada inteiramente por essas pressoes. Essas ideias, alem de um vies profetico; e que caracterizavam Hegel e Marx.

A abordagem nao historicista que eu me refiro e aquela que ao inves de buscar a compreensao a partir desses "atores cosmicos" tenta entender o individuo, e como e porque ele age, para entao entender como ele coopera, como os sistemas sociais e politicos sao criados e funcionam, e assim enquadrar os diversos coletivos nessa perspectiva. Nessas abordagens os coletivos sociais existem pois servem aos individuos (tanto os hegemonicos quanto os cooperativos), e nao o contrario. Todos os coletivos sao transitorios e dependem do estado da razao do homem e como ele consegue conceber as possibilidades de agir e se associar de maneira a extrair o maior beneficio possivel.

A diferenca as vezes e expressa, por partidarios do historicismo, com os termos "holismo" e "reducionismo".


Samael escreveu:Entrar um pouco mais a fundo nesse assunto vai acabar de vez com o tópico que eu já desvirtuei, mas se você realmente quiser...


Desvirtuar topicos e uma antiga tradicao do RV.

Samael escreveu:Quando eu digo que "não gosto muito", significa que eu fui educado com Kuhn e Weber, e tive poucos professores popperianos (um só), que pudessem me prender a atenção.

Eu já li "A sociedade aberta e seus inimigos" por mim mesmo, e diversos trechos do "Miséria do Historicismo" por causa da faculdade.


Eu ja li um pouco dos tres: Weber eu li "A etica protestante", Khun eu li "A estrutura das revolucoes cientificas", e Popper eu li "Conjecturas", "A logica da pesquisa cientifica", "A sociedade aberta e seus inimigos" e "A miseria do historicismo".

Como eu nao li outros trabalhos de Weber exceto esse, eu nao saberia comentar suas ideias epistemologicas. Sobre a analise historica desse livro, eu achei bem interessante por evidenciar a relacao profunda de uma etica pessoal com o desenvolvimento do capitalismo. A etica protestante e um produto da razao mediado e adornado por uma instuicao religiosa, e ele diz que judeus transmitiam valores similares e isso explicava sua prosperidade mesmo sendo segregados. Eu sou um ignorante em teologia crista, mas nao e dificil perceber a teologia calvinista de predestinacao e dos sinais de prosperidade como uma outra forma de estimular a diligencia no trabalho de maneira e usufruir da satisfacao produzida por essa postura, sendo coerente e mesmo se confundindo com a graca divina.

Eu escrevi um texto aqui ha algum tempo sobre racionalidade crista, logo depois que eu li esse livro, que encerrava essa ideia de Weber de que alguns conceitos teologicos poderiam ser apenas uma outra forma de perceber e encarar verdades e enunciados eticos fundamentais que para ceticos e racionalistas seriam simplesmente auto-evidentes. Que em grande parte os elementos misticos e divinos dessas doutrinas seriam antropomorfismos de valores eternos do espirito humano; imagens, rituais e simbolos que estabeleceriam um elo aparentemente menos abstrato com essas verdades. O texto se chama "Irracionalidade crista ou tendenciosidade ateia?", depois eu vou procurar.

Eu li o livro do Khun ano passado, em ingles, para um curso sobre historia da Ciencia que eu fiz aqui. Para dizer a verdade, embora o livro seja de leitura facil e agradavel, nao me pareceu nada muito empolgante. Ele concentra no estudo de casos do desenvolvimento da fisica, cujas formulacoes basicas seriam os paradigmas sobre os quais se desenvolveriam teorias que detalhariam os fenomenos atraves da solucao de enigmas e cuja a experiencia acumulada de resultados insatisfatorios levaria finalmente a uma substituicao de paradigma, e a um perido de ciencia revolucionaria onde a ocupacao principal dos cientistas seria a de estabelecer quais seriam as bases desse novo paradigma. Ele ilustra isso principalmente com o aparecimento da mecanica quantica no comeco do seculo XX.

Isso nao esta em contradicao com o que Popper dizia sobre a ciencia se estruturar em conjecturas concebidas pelo espirito humano que estabeleceriam quais eventos nao podem ocorrer numa determinada classe de fenomenos. A sua formulacao epistemologica repousa unicamente sobre essa possibilidade de refutacao. Uma teoria e definida pelos eventos que ela proibe. Os "resultados insatisfatorios" de Khun seriam as refutacoes, que exigiriam novas conjecturas.

Dessa forma acho que Popper e mais geral que Khun, pois sua teoria pode ser extendida com maior acuracia para campos que estudam fenomenos complexos, como a biologia, a sociologia, a linguistica ou a economia. Teorias sobre fenomenos complexos, como a teoria da evolucao das especies, nao permitem fazer previsoes futuras com um grau definido de precisao, como a fisica. Mesmo assim, a teoria da evolucao proibe muitas coisas (como cavalos criando asas no curso de uma geracao). As teorias da acao humana seriam similares a teoria da evolucao, naquilo que tentariam explicar fenomenos complexos como resultado de interacoes mais simples, mas cujo escopo e precisao da explicacao seria relativamente menor em decorrencia da complexidade dos sistemas, cuja configuracao completa e muito pouco conhecida e todas as possibilidades de interacao nao sao calculaveis.

Essas consideracoes sobre teorias de fenomenos complexos e graus de explicacao sao muito bem desenvolvidas nos livros filosoficos de Hayek, como "Individualism and Economic Order" e "Studies in Philosophy, Politics and Economics". Nesses livros ele antecipou de uma certa forma ideias que se apresentariam mais tarde revolucionariam a matematica, como a teoria do caos, que tornam determinados sistemas dinamicos deterministicos complexos bastante dificeis de serem tratados com precisao arbitraria por conta de uma dependencia muito forte das condicoes iniciais. A complexidade dos fenomenos exige portanto abordagens diferentes, que se ocupariam das estruturas permitidas e proibidas, e menos focada em fazer previsoes arbitrariamente precisas. Isso inclusive e visto de uma forma mais gradual no estudo de fenomenos fisicos tais como a formacao de estruturas cristalinas dos minerais ou eventos metereologicos, que admitem previsoes mas com severas restricoes na precisao.


Samael escreveu:O fato dele criar uma idéia mítica de "sociedade aberta", o fato dele escolher a dedo as características de um tal historicismo,que é outro termo EXTREMAMENTE confuso e refutá-las...



O livro "A sociedade aberta e seus inimigos" e parte de um "esforco de guerra", como ele proprio deixa claro no prefacio. A ideia era combater as ideologias totalitarias e suas raizes intelectuais comuns, abracadas por muita gente mesmo no mundo democratico.

A sociedade aberta de Popper era a sociedade que tolerava o debate e se posicionava contra o totalitarismo. Isso nao tem nada de mitico. O "mundo livre" da epoca da segunda guerra nao era tao livre assim, mas com certeza era bastante diferente do mundo do totalitarismo.


Samael escreveu:O grande ponto é História é que temos um acontecimento X, e precisamos buscar as suas causas, e nisso, como não temos como lidar empiricamente com os fenômenos, fazemos "achismos coerentes", que podem ou não terem levado àquele fenômeno. Nesse processo, onde há um presente histórico definido que precisa ser explicado por uma relação causal altamente restrita, caímos, fatalmente, no mesmo problema da teleologia, onde elegemos alguns fatos a partir de um achismo pessoal e criamos toda uma "estrada inteligível" que os liguem ao objeto.



Mas o problema e quando invertemos a ordem hieararquica das categoiras da acao: passamos a encarar o individuo como produto das transformacoes do meio, e nao o meio como produto da razao dos individuos. A analise historicista consiste exatamente nisso.


Samael escreveu:O meu preconceito com o Hayek é basicamente de historiador, quanto àquela bobeira de vincular socialismo e nazismo a partir de um viés histórico arbitrário de um cara que, tchanã, é inimigo político de ambos.

É o mesmo caso de Mises.


Eu aposto que voce nao leu nada para formar sua opiniao. Leia "O caminho para servidao" antes de formar um preconceito qualquer. Mesmo que voce discorde das ideias, vale pelo estilo literario e para voce formar uma opiniao mais solida sobre Hayek. E e um livro relativamente pequeno.

Perceba que Hayek nao vincula nazismo e socialismo. Na definicao praxeologica de socialismo, o nazismo e apenas um caso particular. O que ele faz e mostrar como uma sociedade que tente introduzir niveis de controle centralizado para corrigir distorcoes sociais eventualmente converge para o totalitarismo. Nem os nazistas nem os bolcheviques surgiram do nada, como se costuma pensar. Bismark ja tinha comecado a realizar reformas que ampliariam o poder do Estado alemao ainda na epoca do imperio de Habsburgo, e o mesmo com os czares russos. Esse estatismo foi a causa da primeira guerra, das crises economicas anteriores e subsequentes a ela e finalmente da tomada do poder pelos totalitarios, que arquitetaram praticamente em concerto a carnificina que seria a segunda guerra mundial, sob os narizes de Chamberlains e Roosevelts, que acreditavam piamente ter estabelecido a "paz duradoura entre os povos" em seus acordos do pre-guerra com os genocidas.


Samael escreveu:Leia acima. A propósito, o historicismo que eu afirmo tem muito a ver com o historismo alemão, e essa é uma problemática conceitual da historiografia.


Sim, e se voce estiver disposto podera ver que Mises apresenta varias criticas a essa escola, sobretudo a von Schmoller e Lujo Brentano, por toda a sua obra. Um dos poucos ligados a esse movimento que ele respeitava era Max Weber, embora deixasse claro que lhe faltava conhecimento economico.

Mises dizia que essa escola pretendia substituir o estuda dos fundamentos da economia pelo estudo da historia economica, e que esse procedimento era equivocado.

Mises separava a ciencia praxeologica da catalaxia (a Economia propriamente dita), estabelecida sobre categorias aprioristicas da Acao Humana, do estuda da sua historia, que embora importante nao poderia nos oferecer informacao alguma sobre os fundamentos dessa ciencia, exceto auxiliar a refutar "fundamentos" incorretos.


Samael escreveu:Eu já te respondi acima.


Nao estou satisfeito.

Para mim voce fez um discurso tentando associar socialismo e liberalismo sem oferecer nenhuma definicao identificavel de ambos. Dizer que ambos sao "teorias de otimizacao da sociedade" oriundos de analises de determinados problemas numa mesma epoca nao e dizer muita coisa, e pode ser entendido de diversas formas.


Samael escreveu:Seus discursos proféticos e moralistas, seu avatar e sua assinatura de cunho panfletário, sua mudança radical de postura política.


Acho que voce esta sendo preconceituoso apenas porque eu nao partilho ideias iguais as suas. Eu fundamento todas as minhas posicoes com argumentos. Estes podem ou nao ser adequados, mas nao quer dizer que eu fico fazendo discurso e sendo panfletario.

Samael escreveu:Então a biologia é definida pelos entes racionais mas você a usa, dentro do conceito de espécie, para definir esses mesmos entes racionais?

A tia tautologia te mandou um beijo.


Nao.

A biologia e uma ciencia feita por seres humanos tal qual entes racionais, e estes nao podem vir a ser definidos pela biologia, pois eles estariam definindo a si proprios, e isso introduz uma serie de complicacoes de foro logico. Seres humanos tal qual entes racionais nao sao materia de definicao, mas a prioris de qualquer debate racional.

A biologia pode definir especie humana, que por sua vez nao define seres humanos tal qual entes racionais. Um ser humano tal qual ente racional nao precisa pertencer a especie de macacos africanos pelados "homo sapiens sapiens". Embora nao conhecamos nenhum outro exemplo, nada impediria um polvo ou um alienigena dotados de razao (atual ou potencial) suficiente para conceber a etica das relacoes sociais e a moral como esse tipo de "ser humano".

Se tivessemos contatos com seres desse tipo, os mesmos enunciados e deducoes eticas que derivamos para seres humanos seriam extensiveis para eles. Nao e portanto a condicao biologica do homem tal qual primata racional que determina a Etica.


Samael escreveu:Não, capacidade de agir moralmente nos diferencia de vários outros seres vivos, e isso é definido biologicamente.


Nao e nao. Tente definir moral biologicamente.

Hipoteticos seres de outras especies dotados de capacidade moral teriam a mesma condicao humana que nos. E precisamente o fato dos animais nao terem essa capacidade que torna eticamente admissivel o seu tratamento como seres de uma categoria inferior.

Nao tem nada a ver com o numero de celulas no cerebro. Um elefante ou uma baleia tem muito mais celulas no cerebro do que um bebe, e nem por isso eu deixaria de mata-los se isso salvasse a vida de um bebe que fosse.


Samael escreveu:O que nos torna seres moralmente imputáveis é a nossa capacidade de abstração, nossa humanidade deriva do nosso desenvolvimento biológico. Nesse seu ponto de vista, caso uma criança pequena execute outra sumariamente sem ter o mínimo conhecimento ou capacidade de abstração sobre assassinatos, ela seria imputável da mesma forma que um adulto plenamente consciente.


Nao, porque o meu ponto de vista leva em consideracao a potencialidade.

Contudo, no seu ponto de vista, poderiamos degolar uma crianca assim como degolamos um frango, pois ambos tem uma nocao de certo e errado inferior a de um adulto, em decorrencia de seus "sistemas nervosos pouco desenvolvidos".

Etica nao tem a ver com biologia, ela e um conjunto de regras delineado pela razao para estabelecer o funcionamento de uma sociedade e a acao correta de um individuo para com o outro. Homens da caverna eram biologicamente identicos a nos, mas seu desenvolvimento racional primitivo os tornava eticamente inferiores e bastante similares aos demais animais no seu comportamento.

A etica e um produto da razao, e a razao e mais do que simples biologia. A biologia apenas fornece condicoes fisiologicas subsidiarias para que a razao possa emergir num determinado grupo de organismos, mas ela nao determina o que deve ser a razao. Os fundamentos racionais da etica de hipoteticos polvos sociais dotados de razao seria a mesma que a nossa, independente deles terem ou nao um cerebro para cada tentaculo.


Samael escreveu:Existe um conjunto de características que definem nossa humanidade, e elas podem ser agrupadas num conjunto P. Os seres que satisfazem essas características são seres que podem ser considerados "humanos". Um pato não é uma pessoa porque não satisfaz, digamos, algumas dessas características. Um teratoma não é uma pessoa porque não satisfaz, digamos, outras dessas características.

Qualquer elevação de um critério de humanidade diferente deste é meramente especista, arbitrário e falho, porque, caso tenhamos inteligência artificial relevante ou conheçamos extraterrestres inteligentes no futuro, essa sua definição poderá tratá-los como qualquer coisa dispensável e não-humana.



Sim, e qualquer criterio que admita um numero de celulas cerebrais para a humanidade tambem e falho, pelas razoes que eu ja expus.

O fato e que nao se pode admitir que a humanidade seja definida apenas pela capacidade racional atual. Isso tornaria, por exemplo, eticamente viavel assassinar uma pessoa em coma ou dormindo profundamente. Ou entao criancas pequenas que ainda nao desenvolveram toda a razao necessaria para se tornarem imputaveis.

Essas tentativas de precisar o ser humano sao completamente inconsequentes. A etica nos diz que devemos considerar a potencialidade dos processos e a responsabilidade individual dos seus causadores. De tal modo, temos que o aborto e eticamente inadmissivel pois cria um processo cujo potencial e um ser humano e cuja responsabilidade recai sobre individuos imputaveis.

Nenhum outro criterio satisfaz a etica, pois ora desconsidera a potencialidade, ou a considera a partir de um momento arbitrario, como na "transicao" entre embriao e feto (como se o feto ja fosse capaz de compreender enunciados morais, e o embriao nao...), ou esquecem-se da responsabilidade individual dos autores, como nas tentativas pateticas de considerar a potencialidade humana de gametas nao fecundados.

Tentativas de reunir o conjunto P de caracteristicas humanas, da forma que voce tenta fazer, serao sempre futeis e arbitrarias, por ignorarem esse fato basico.

E por isso que eu disse que a postura abortista de um Murray Rothbard era a mais coerente de todas. Ele descarta completamente a potencialidade, e assim admite que tanto fetos quanto criancas possam ser abandonados pelos seus pais, que por conta da nao potencialidade nao seriam portanto responsaveis por nada. E absurdo sim, embora mais consequente do que dizer que na semana X da gravidez a potencialidade moral do embriao passa a valer e os pais nao podem interromper a gestacao. Isso e evidentemente um criterio arbitrario e covarde para criar uma janela de tempo onde estariamos livres para produzir acoes anti-eticas.


Samael escreveu:Responsabilidade sobre algo irrelevante é tão irrelevante quanto o próprio objeto.


A relevancia depende da relevancia da potencialidade em relacao a atualidade. Se quiser abandonar a relevancia potencial, esteja apto a aceitar todas as consequencias eticas irracionais que derivariam.

Samael escreveu:Defina condição humana.


A definicao mais precisa que se pode dar e a condicao de um individuo capaz potencial ou atualmente de compreender enunciados eticos.
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Mensagem por Samael »

user f.k.a. Cabeção escreveu:Essa e uma reformulacao do mito do bom ditador: os individuos em sociedade sao nocivos uns aos outros e faz-se necessaria uma autoridade investida em alguem sabio e justo e capaz de tomar as boas decisoes que nao seriam tomadas livremente pelas pessoas.


Não, não é. Isso é Hobbes puro. Isso é a idéia mais anti-rousseau possível. O homem, enquanto indivíduo, é um animal e não podemos esperar dele nada além da sua auto-preservação, mesmo que, numa lógica coletiva, ele esteja indo de encontro ao que seria racionalmente melhor para todos no longo prazo.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Como eu disse antes, isso e uma fabula. Se nos nao supusermos racionalidade dos agentes, nao ha porque esperar qualquer tipo de organizacao racional, espontanea ou centralizada por uma autoridade. E se supusermos a racionalidade dos agentes, vemos que a ordem social emerge espontaneamente das relacoes entre eles.


Esse maniqueísmo racional x irracional é muito cômodo para quem deseja defender um dos extremos.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O argumento principal dos estatistas e portanto muito fraco. A menos que eles queiram convencer alguem de que na verdade nao fazem parte do genero humano, que sao alguma especie de "ubermensch", capazes de uma razao mais avancada e de uma percepcao de alto nivel inatingiveis para o homem comum, tudo o que dizem pode ser descartado como lixo.


Quanto ao fato de existirem homens mais esclarecidos que outros, acho que isso é óbvio. E isso já justificaria, ao menos pra mim, a idéia de liderança na sociedade. Mas eu acho que a idéia de Estado, no conceito "democrático" moderno está mais ligada à idéia de "governo de muitos", o que impediria a arbitrariedade individual. Passa longe, portanto, da idéia de um "super-homem" que toma decisões por si só.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Voce esta enganado se acha que eu considero desnecessaria a existencia de uma policia que neutralize os desordeiros. Seguranca e um aspecto fundamental da sociedade e nao podemos confiar na racionalidade e consequencia de todos os que nela se inserem. Mas o servico de seguranca nao precisa ser prestado por uma autoridade central, encarregada por sua vez de deduzir os regulamentos corretos. Ele pode ser parte de um contrato, como tudo mais, inclusive os regulamentos.


É mesmo? E quem iria regular essas várias milícias urbanas? Quem as impediria de tomar o poder e formar vários pequenos "estados informais"? Quem é que limitaria a noção de justiça e a noção de injustiça? Pequenos grupos com ideologias diferentes?

Eu sei que você está a um tempinho afastado do Rio, mas veja bem, mesmo com o Estado aqui, nós temos milícia urbanas que obrigam a população a contratá-las e criam monopólios econômicos na base de ameaças e execuções em cima de todo teórico "comércio livre". Isso que você está dizendo é absurdo.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Isso nao faz sentido.

Como e porque o Estado iria doutrinar alguem com ideologias individualistas? Gostaria de ver um texto marxista que pudesse ser visto como individualista. Marx nao falava disso, ao menos nao falou disso em Manifesto Comunista. Ele falou da necessidade em substituir o sistema de propriedade privada que alienava o proletariado.


O Manifesto não é um trabalho filosófico, é apenas um panfleto retórico para convocar as massas proletárias. Marx teceu vários elogios ao capitalismo (alguns podem até ser vistos no Manifesto, onde ele afirma a superioridade do capitalismo a todos os sistemas até hoje vistos) mas ele mantém a opinião de que, apesar de ter sido um sistema de produção muito superior a todos os outros até hoje vistos, ele ainda peca por separar a sociedade em classes e não direcionar todo o potencial de produção humana devido aos vários problemas de inclusão e utilização racional da força produtiva humana (isso é muito presente nos Grundrisse).

A partir daí, podemos visualizar que, na História, todas as quebras de sistemas de produção se deram por meio de revoluções feitas pelos insatisfeitos com aquele sistema. A classe dominante não desejaria perder seu poder, e isso legitimaria, em nome de um bem futuro, o "sangue oriundo da revolução". A idéia de Marx é que os socialistas deveriam iluminar o proletariado e, assim, conscientes da sua situação histórica e da eterna luta de classes, essa classe, durante o seu governo, deveria abolir completamente essa divisão.

Marx nunca tratou, entretanto, de como essa ilustração se daria, e, principalmente, como é que a estrutura histórica que ele mesmo criou poderia ser rompida logo durante o governo da classe que ele mesmo escolheu, arbitrariamente, como a "messiânica". Por isso mesmo há marxistas mais radicais que tentam eximir Marx até mesmo do totalitarismo comunista, coisa absurda por sinal.

user f.k.a. Cabeção escreveu:De toda a forma, fazer essas afirmacoes nao refuta a logica com a qual foi delineado o problema da ordem social e suas possiveis solucoes praticas. Tudo esta claro: os meios para atingir os fins sao escassos e e preciso um criterio para utiliza-los, e o unico criterio viavel e desejavel e o controle individual exclusivo atraves da propriedade privada. Se voce quiser refutar isso apresente uma forma nao hegemonica de organizar a utilizacao desses meios escassos que nao se enquadre nos casos analisados.


Não discordo da hegemonia da propriedade privada, discordo da sua "exclusividade", eu acredito no Estado "necessário". Aliás, o debate economicista não é comigo. Neste campo, estou apenas observando e aprendendo um pouco.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu estava falando da ordem social da propriedade privada. O capitalismo aproxima essa ordem, ele admite certos poderes hegemonicos pelos governos e tenta colocar em pratica em alguns setores a ideia equivocada de propriedade publica. O capitalismo nao e um sistema completamente isento de socialismo, e a distincao de classes vem desse fato.


Hein?? Deixa ver se eu entendi: as classes sociais derivam do socialismo???

user f.k.a. Cabeção escreveu:Na America seria muito mais dificil para um burocrata retirar tua casa, confiscar teus bens e te colocar na prisao do que na Alemanha Nazista ou na URSS, embora tais fatos ocorressem nos dois regimes. E na verdade uma distincao de grau de proximidade entre duas categorias distintas, a ordem privada e a ordem hegemonica. Os "socialistas" alemaes e russos, assim como os "capitalistas" americanos tinham algo das duas, embora em teores tao distintos que podemos distingui-los numa primeira analise como sendo elementos de categorias separadas.


Com certeza, mas o diálogo permance mudo, na medida em que uma contingência capitalista também poderia retirar a sua casa, ou fazer com que você pudesse perder seus bens. Eu sei, não é isso que você está discutindo, mas sim o teor de "estatismo" e "individualismo" existente em ambas as idéias.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao eram inimigos de uma "razao historica", eram inimigos da razao como todos a entendemos, e deixavam isso bem claro para qualquer um.

Marxistas e Nazistas eram suficientemente claros ao dizer que a logica proletaria ou ariana nao estaria ao alcance das classes burguesas e racas impuras. Eles estavam dizendo com isso que seres humanos raciocinariam segundo principios diferentes e que devido a essas diferentes razoes chegariam sempre a conclusoes diferentes, e que tal fato nao poderia ser mudado por nenhum acordo, chegando somente a um termo no momento em que a classe ou raca predestinada dominasse ou exterminasse todas as demais, impondo assim a sua razao como a unica verdade.


Apesar do tom panfletário, você abriu uma discussão interessante, que é a questão da ideologia no nazismo. Mas o que interessa, a nível de debate é:

Que "razão como todos a entendemos" é essa? Se você for adepto da filosofia aristotélica você diria que Platão é "um inimigo da razão como todos a entendemos"? Paradigmas políticos vêm e vão, e o "racionalismo" das teorias consiste num jogo de coerência interna e vínculo com a realidade. Os nazistas NEGAVAM essa realidade apostando ideal romântico alemão, ao contrário dos filósofos modernos (salvo as devidas exceções românticas), que eram basicamente fruto do mesmo contexto histórico: críticos ácidos do Antigo Regime que tentavam remodelar de forma pragmática o que seria a "nova sociedade" posterior à queda dos Impérios.

Além do mais, a divisão de classes sociais é, salvo eu esteja enganado, totalmente marxista. Ninguém precisaria separar a sociedade em classe ou demonizar a razão da "classe adversária" para ser pró-estado.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eles sao os historicistas, nao os que os acusam


Todos somos. Ou adeptos do pós-modernismo na História.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Voce comete um monte de erros nesse trecho, em parte por confundir pensamentos originarios de uma mesma epoca e tratando sobre questoes similares como se fossem formas diferentes da mesma coisa (algo bastante hegeliano diga-se de passagem), e em parte por se deixar levar pelas distorcoes criadas pela revolucao semantica, empregada por pessoas que se nao podiam convencer com argumentos, que ao menos confundissem a todos alterando o significado das palavras.


O seu desconhecimento (quase) completo de História Moderna é gritante demais para que você entre nesse assunto com tanta cara de pau.

Os intelectuais racionalistas TODOS tinham como ponto comum a crítica ao Estado Medieval, que ainda mantinha suas "garras" sobre boa parte da Europa. Nisso, foram alcunhados, todos, independente das ideologias pessoais, tanto como liberais quanto como socialistas.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O socialismo propoe o alcance da ordem social publica atraves do emprego cada vez mais hegemonico do poder por parte do Estado


Metade da inteligentsia européia do período auto-intitulada socialista diria que você acabou de fazer uma apropriação errônea e absurda do termo. O termo "socialista" também servia para definir pessoas com ideais totalmente anti-estado, como o próprio Herzen ou mesmo Bakunin. A palavra "socialismo", inclusive, não traz implícita nenhuma forma de "estado" em sua concepção.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O fato de algumas pessoas serem incoerentes ou confusas o bastante para misturar elementos de cada uma dessas ideologias (e de outras) nao as torna iguais, apenas atesta para o fato de que muita gente fala muita bobagem.


Agora que o Deus Cabeção definiu o termo ahistórico "socialista" enquanto "estatista" e "liberal" enquanto "individualista", tudo fez sentido!

user f.k.a. Cabeção escreveu:E como o termo "liberal" foi sequestrado por socialistas que nao defendiam uma maior liberdade individual em si, mas sim o assalto revolucionario contra as instituicoes estabelecidas.


Os termos "liberal" e "socialista" foram utilizados para denominar qualquer crítico do Antigo Regime, independente das suas idéias pessoais sobre como a sociedade posterior àquele regime deveria se organizar.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Os hippies, punks e todos os demais vagabundos de paises desenvolvidos que eram em geral os prototipos desses novos "liberais" e queriam um mundo onde eles pudessem fazer o que eles quisessem, sem respeitar absolutamente nada. Nao lhes ocorria, talvez por conta das drogas pesadas que consumiam, que tudo aquilo que eles obtinham, como roupas jeans para rasgar e emporcalhar, ponchos e chapeus ridiculos, camisetas com o simbolo da paz, comida natureba, spray para pixacoes, kombis coloridas, discos de rock ou copias de "Roube esse livro" era fruto de uma delicada ordem onde as pessoas envolvidas na cadeia de producao respeitavam acordos e instituicoes e operavam segundo regras e contratos, pois se nao fosse assim nada daquilo poderia ser produzido. O capitalismo funciona mesmo quando para abastecer seus detratores.


Imagem

user f.k.a. Cabeção escreveu:Samael, o fato de existirem diferentes motivacoes basicas para o socialismo nao altera o fato de que a essencia do que eles empregam como metodos e do que eles atingem como fins seja de todo diferente.

Quando eu exibo as semelhancas gritantes entre os socialismos nazistas e marxistas, e evidente que eu estou ciente que as pessoas abracam essas filosofias por razoes apartentemente distintas. Eu os critico na nocao inconsequente de que uma autoridade central deve ser a fonte da ordem social. Essa ideologia, comum a ambas as formas de pensamento, e que deve ser entendida como socialismo, e ela conduz necessariamente a uma sociedade policial totalitaria.

O "socialismo sem Estado e individualizado" e apenas uma aberracao sem sentido e utopica de alguns autores que estavam muito longe de compreender como opera o ser humano. Nao por menos muitos desses autores, convencidos da retidao moral de suas ideias e da perversao do Homem, propuseram os Estados totalitarios como meios de consertar os defeitos do ser humano para que enfim ele pudesse ser livre. Mas isso os torna identicos aos socialistas reais.


É impressão minha ou você se tornou anarco-capitalista?

user f.k.a. Cabeção escreveu:O Estado totalitario e uma consequencia logica do socialismo, nao existindo como desvincula-los. O fato de alguem achar o contrario e se dizer socialista e contra o Estado totalitario nao muda isso, apenas atesta para o fato de que esse sujeito sofre de uma profunda incompreensao dos fatos. Seria como tentar desvincular os efeitos "bons" da emissao de dinheiro e credito dos efeitos inflacionarios "ruins". Ou um porre de whiskey da ressaca subsequente. Simplesmente nao da, ambos sao logicamente vinculados, e o erro esta na percepcao que confunde e faz acreditar que os efeitos considerados bons nao sao apenas um outro aspecto dos efeitos considerados ruins. Nos dois casos, os fatos nao impedem as pessoas de continuarem a dizer coisas.


As sociais democracias são o quê? As comunas de Enfantin e Tolstói são o quê? As sociedades agrárias religiosas bizarras são o quê?

Repare, eu não disse que nada disso acima é bom (embora considere a primeira opção muito boa), eu só te pergunto como é que o o totalitarismo é conseqüência lógica do socialismo se existiram um bom número de sociedades coletivistas e não individualistas que não eram totalitárias.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Sim, o Estado e coercao, e exatamente o que eu tenho dito.

Agora o fato de se desconhecer uma civilizacao que tenha emergido sem Estado diz apenas que esse fator esteve presente, mas nao diz qual foi o seu papel. Nao se conhece nenhuma civilizacao que tenha emergido sem bandidos, e nem por isso nos atribuimos a eles o sucesso relativo de sua sociedade.

Eu nao disse que as pessoas saiam da ignorancia e violencia generalizada para a civilidade num so pulo. E preciso aprender a cooperar e perceber as vantagens da cooperacao. Isso vem com o tempo. O Estado nao ajuda nem acelera esse processo, ele e um escolio do fato das pessoas ainda preservarem algumas instituicoes de dominacao barbara.


Não, ele é uma forma de unificar os "grupos informais" que tendem a dominar por meio da violência a sociedade. Ele otimiza, a princípio, a capacidade de produção dos indivíduos.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Tampouco e o Estado que define a ordem social. Ele tenta faze-lo, empregando violencia ou ameacando emprega-la, pois pode ser interessante para os seus lideres. Mas ele so conseguira continuar com isso enquanto sua capacidade de opressao for superior a capacidade de reacao das pessoas que racionalmente objetam seguir a ordem estabelecida. Quem faz as verdadeiras mudancas sao os individuos ao perceber as vantagens em faze-las. Nao sao os revolucionarios, nem os idealistas, que impoem a ordem de cima para baixo atraves da brutalizacao, mas as pessoas comuns que ao ficarem menos ignorantes percebem que as distorcoes do sistema hegemonico precisam ser substituidas por algo mais etico e mais funcional.


Teleologia individualizante. Você simpatizaria com os hegelianos de direita.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Tomemos um exemplo interessante. Voce pode ficar achando que o escravismo foi derrotado pela boa vontade de legisladores supremos, ou voce pode perceber que foram as proprias pessoas que, com o tempo e o acumulo de conhecimentos, notaram que era muito mais vantajoso e produtivo utilizar mao de obra livre atraves de contratos voluntarios do que manter um escravo caro e pouco produtivo em cativeiro.


Isso é um reducionismo histórico. Existem zilhões de fatores envolvidos no fim da escravidão, e o econômico (lançado, aliás, por marxistas) é apenas um deles.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao foi o Estado que libertou os escravos, foi o capitalismo.


:emoticon22: :emoticon22: :emoticon22:

user f.k.a. Cabeção escreveu:O Estado sempre esteve atrasado, pois tem poucos meios para capturar as mudancas na organizacao social. Ele que mantinha instituicoes escravistas enquanto ja se percebia o quanto elas eram produto de uma ignorancia enorme. Mas mesmo sendo capaz de empregar coercao, o Estado nao resiste a pressao racional, a destruicao criativa a qual se referia Schumpeter, que ao remover a ineficiencia e ignorancia renova as instituicoes sociais e a organizacao do trabalho no capitalismo.


Mentira, a maioria das "revoluções" é dada por cima. Uma pequena parcela com interesses quaisquer tomam de assalto o poder ou, principalmente, convencem os outros de suas idéias. Em vários e vários momentos na História, o Estado esteve era à frente da racionalidade individual. O racionalismo individual não fez com que as pessoas deixassem de urinar no chão no Brasil até hoje, e o papel do Estado é coibir esse tipo de comportamento, por exemplo.

user f.k.a. Cabeção escreveu:
Entao diga qual das premissas voce discorda:

1. As pessoas sao racionais. Com isso pretendo dizer que as pessoas procuraram empregar o metodo mais adequado que conhecerem para atingir um determinado, embora possam estar equivocadas quanto a sua verdadeira eficacia.

2. Os recursos sao escassos. Pessoas diferentes tem fins diferentes que dependem do emprego de meios que sao finitos e nao podem atender a todos.

3. Para resolver o problema da escassez, as pessoas podem recorrer a violencia ou a negociacao.

4. Empregar a violencia incita ressentimento e rancor da parte hostilizada, que passa a ter incentivo para organizar uma reacao tambem violenta. Negocios de um modo geral estimulam mais e mais negocios.

A conclusao e que no longo prazo, o fato das pessoas serem racionais fara com que elas optem por uma ordem social onde praticamente tudo seja resultado de negociacoes entre as partes interessadas, pois a violencia e algo que custa caro e mobiliza incentivos para uma reacao que acaba sendo mais forte. Contudo, para que os negocios se produzam e preciso o desenvolvimento da confianca, da seguranca, e de todas as instituicoes e tecnologias que a razao humana desenvolve para possibilitar todas as trocas afim de melhorar o seu proprio bem-estar. O processo de desenvolvimento e amadurecimento dessas instituicoes e o proprio processo de civilizacao.


Da 1 e da 4. A primeira, por fatores óbvios. Eu vejo a sociedade como um fator multicausal, onde há um ciclo onde "se é educado" e "se educa". A sua supervalorização da capacidade individual é simplesmente utópica, as pessoas só conseguem adquirir uma capacidade crítica relevante se educadas a isso, salvo as devidas exceções. A formação de culturas, que são fatores de esmagamento do "individual", é a maior prova que esse absurdo não possui sentido algum.

A quarta, também por fatores óbvios, está no fato da violência nem sempre gerar violência. Pessoas são adaptáveis, elas se adaptam à situação de dominação com facilidade, da mesma forma que podem ser adaptar a um discurso onde, imaginariamente, "não são dominadas". Para mim, violência excessiva tende a gerar mais é uma sociedade passiva e amedrontada.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A propriedade privada esteve presente tanto no ocidente como no oriente antigo, ainda que em medidas e manifestacoes diferentes. E claro que qualquer relativista pode considerar uma tribo qualquer no meio da selva tao desenvolvida quanto o Imperio Romano ou a Inglaterra vitoriana. Ele pode empregar o criterio que quiser (ou mesmo nao empregar nenhum) para dizer algo vago sobre quem e mais ou menos desenvolvido.


Com uma forçação de barra bem marxista, que enxerga caracteres ahistóricos em todas as sociedades para legitimar o discurso historicista (coisa que você está fazendo, embora não admita), você pode afirmar isso.

Óbvio que, na sua análise histórica teleológica e historicista, a sociedade deve caminhar para o "melhor", ou seja, para a "civilização", e existe um fator ahistórico que deve emergir naturalmente em todas as culturas: a propriedade privada. Nisso você força sociedades diferentes a possuírem uma mesma estrutura e, nessa generalização, a legitimar o seu caminho pré-determinado rumo ao fim do Estado.

Ainda faz-se história como no século XIX.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Pegar exemplos de "civilizacoes" que sao na verdade tribos autarquicas esparsas, cuja interacao social consiste num grupo pequeno de pessoas que conhecem umas as outras (quase todas de uma mesma grande familia) nao refuta absolutamente nada. A ordem privada emerge quando grupos diferentes, com diferentes objetivos, entendem que podem cooperar entre si para atingi-los, e que essa cooperacao depende da observacao de determinadas regras. Sociedades proto-legais nao interessam exceto como curiosidade antropologica.


Pouco importa se são "esparsas" ou não. Eu não estou preocupado com juízos de valor aqui. Fato é que a propriedade privada NÃO emergiu naturalmente em várias sociedades, o que invalida o seu historicismo batido.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O que voce esta chamando de historicismo? Pos-modernos sao quase todos acolitos de formas bizarras de marxismo, como era o psicanalista Jacques Lacan (um dos maiores faladores de merda de todos os tempos, lembrando um "o pensador" com um pouco mais de capacidade verbal, pseudo-erudicao e arrogancia) ou Jacques Derrida e seu "descontrucionismo".


Não, a maioria deles são exatos contrários ao marxismo. O pós-modernismo É uma resposta natural à decadência do paradigma marxista.

O historicismo ao qual me refiro é a a forma de análise histórica hegeliana, onde delineamos um fim determinado à história (o objeto trabalhado) e então construímos um "caminho coerente" baseado nos fatos anteriores até esse fato tido como objeto. É a única forma mimimamente confiável de se fazer história, na minha opinião. E você não foge a ela. Mises também não.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu nao li o livro do Fukuyama, sei muito vagamente de que se trata de uma defesa da vitoria da democracia liberal. Voce leu?


Alguns capítulos. Mas li por inteiro a análise de Perry Anderson sobre a obra. Li e não gostei, aliás.

Me parece que a obra do Fukuyama vai além disso, ela retoma a idéia que Hegel tinha de "sociedade ideal" com fim no Estado (eu já abordei isso num post anterior) e, assumindo a idéia de que a história é basicamente a "história da luta de classes", como desejava Marx, a História realmente acabou, visto que o capitalismo, mesmo que em formas mais ou menos estatizadas, se provou um sistema de produção e de organização social muito superior a qualquer outro.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O que eu estou chamando de historicismo e a nocao de que a historia deve ser comprendida como resultado de fenomenos coletivos, onde os agentes sao povos, nacoes, classes, racas, religioes; e nao meros individuos; que produzem e sao produzidos por "forcas historicas" inescapaveis. A mentalidade dos individuos seria determinada inteiramente por essas pressoes. Essas ideias, alem de um vies profetico; e que caracterizavam Hegel e Marx.


Você necessariamente cai na concepção de "grupos sociais" quando reforça que a mudança histórica vem de indivíduos que se unem e modificam a sociedade por um objetivo qualquer. Você não saiu o historicismo.

O historicismo não é simplesmente um reducionismo estruturalista, ele é uma forma de fazer a história, com seus milhões de nexos causais muitas vezes inimagináveis e inatingíveis para nosso intelecto, tornar a análise histórica inteligível.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A abordagem nao historicista que eu me refiro e aquela que ao inves de buscar a compreensao a partir desses "atores cosmicos" tenta entender o individuo, e como e porque ele age, para entao entender como ele coopera, como os sistemas sociais e politicos sao criados e funcionam, e assim enquadrar os diversos coletivos nessa perspectiva. Nessas abordagens os coletivos sociais existem pois servem aos individuos (tanto os hegemonicos quanto os cooperativos), e nao o contrario. Todos os coletivos sao transitorios e dependem do estado da razao do homem e como ele consegue conceber as possibilidades de agir e se associar de maneira a extrair o maior beneficio possivel.


Analisar apenas indivíduos, isoladamente, não serve de muita coisa. No máximo, serve à história narrativa comum a Ginzburg e algumas "perfumarias" das mentalidades francesas. Nós sempre precisamos sair dessa perspectiva, como colocava Weber, e "analisar a floresta, ainda que tenhamos atentado a algumas poucas árvores anteriormente". Mesmo em Weber, nós iremos tirar alguns indivíduos como amostra e disso deduziremos grupos sociais que serão os verdadeiros atores de um processo histórico efetivo.

Ou seja, não temos como sair do historicismo. O que podemos fazer é quebrar a estrutura de determinado intelectual caso ela apresente problemas (exemplo do que Weber faz com a estrutura de classes de Marx), mas não temos, ao menos enquanto fazemos história, como fugir disso.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Como eu nao li outros trabalhos de Weber exceto esse, eu nao saberia comentar suas ideias epistemologicas. Sobre a analise historica desse livro, eu achei bem interessante por evidenciar a relacao profunda de uma etica pessoal com o desenvolvimento do capitalismo. A etica protestante e um produto da razao mediado e adornado por uma instuicao religiosa, e ele diz que judeus transmitiam valores similares e isso explicava sua prosperidade mesmo sendo segregados. Eu sou um ignorante em teologia crista, mas nao e dificil perceber a teologia calvinista de predestinacao e dos sinais de prosperidade como uma outra forma de estimular a diligencia no trabalho de maneira e usufruir da satisfacao produzida por essa postura, sendo coerente e mesmo se confundindo com a graca divina.


Bom livro, já li também, ainda que como curioso, pois não entendo quase nada de teologia cristã (assim como você). Existem muitos autores que fizeram boas críticas dele também. Mas eu não me aventuro nisso, ao menos por enquanto.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu escrevi um texto aqui ha algum tempo sobre racionalidade crista, logo depois que eu li esse livro, que encerrava essa ideia de Weber de que alguns conceitos teologicos poderiam ser apenas uma outra forma de perceber e encarar verdades e enunciados eticos fundamentais que para ceticos e racionalistas seriam simplesmente auto-evidentes. Que em grande parte os elementos misticos e divinos dessas doutrinas seriam antropomorfismos de valores eternos do espirito humano; imagens, rituais e simbolos que estabeleceriam um elo aparentemente menos abstrato com essas verdades. O texto se chama "Irracionalidade crista ou tendenciosidade ateia?", depois eu vou procurar.


Eu gostaria de ler.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu li o livro do Khun ano passado, em ingles, para um curso sobre historia da Ciencia que eu fiz aqui. Para dizer a verdade, embora o livro seja de leitura facil e agradavel, nao me pareceu nada muito empolgante. Ele concentra no estudo de casos do desenvolvimento da fisica, cujas formulacoes basicas seriam os paradigmas sobre os quais se desenvolveriam teorias que detalhariam os fenomenos atraves da solucao de enigmas e cuja a experiencia acumulada de resultados insatisfatorios levaria finalmente a uma substituicao de paradigma, e a um perido de ciencia revolucionaria onde a ocupacao principal dos cientistas seria a de estabelecer quais seriam as bases desse novo paradigma. Ele ilustra isso principalmente com o aparecimento da mecanica quantica no comeco do seculo XX.

Isso nao esta em contradicao com o que Popper dizia sobre a ciencia se estruturar em conjecturas concebidas pelo espirito humano que estabeleceriam quais eventos nao podem ocorrer numa determinada classe de fenomenos. A sua formulacao epistemologica repousa unicamente sobre essa possibilidade de refutacao. Uma teoria e definida pelos eventos que ela proibe. Os "resultados insatisfatorios" de Khun seriam as refutacoes, que exigiriam novas conjecturas.

Dessa forma acho que Popper e mais geral que Khun, pois sua teoria pode ser extendida com maior acuracia para campos que estudam fenomenos complexos, como a biologia, a sociologia, a linguistica ou a economia. Teorias sobre fenomenos complexos, como a teoria da evolucao das especies, nao permitem fazer previsoes futuras com um grau definido de precisao, como a fisica. Mesmo assim, a teoria da evolucao proibe muitas coisas (como cavalos criando asas no curso de uma geracao). As teorias da acao humana seriam similares a teoria da evolucao, naquilo que tentariam explicar fenomenos complexos como resultado de interacoes mais simples, mas cujo escopo e precisao da explicacao seria relativamente menor em decorrencia da complexidade dos sistemas, cuja configuracao completa e muito pouco conhecida e todas as possibilidades de interacao nao sao calculaveis.

Essas consideracoes sobre teorias de fenomenos complexos e graus de explicacao sao muito bem desenvolvidas nos livros filosoficos de Hayek, como "Individualism and Economic Order" e "Studies in Philosophy, Politics and Economics". Nesses livros ele antecipou de uma certa forma ideias que se apresentariam mais tarde revolucionariam a matematica, como a teoria do caos, que tornam determinados sistemas dinamicos deterministicos complexos bastante dificeis de serem tratados com precisao arbitraria por conta de uma dependencia muito forte das condicoes iniciais. A complexidade dos fenomenos exige portanto abordagens diferentes, que se ocupariam das estruturas permitidas e proibidas, e menos focada em fazer previsoes arbitrariamente precisas. Isso inclusive e visto de uma forma mais gradual no estudo de fenomenos fisicos tais como a formacao de estruturas cristalinas dos minerais ou eventos metereologicos, que admitem previsoes mas com severas restricoes na precisao.


Legal, vou procurar ler depois.

user f.k.a. Cabeção escreveu:O livro "A sociedade aberta e seus inimigos" e parte de um "esforco de guerra", como ele proprio deixa claro no prefacio. A ideia era combater as ideologias totalitarias e suas raizes intelectuais comuns, abracadas por muita gente mesmo no mundo democratico.

A sociedade aberta de Popper era a sociedade que tolerava o debate e se posicionava contra o totalitarismo. Isso nao tem nada de mitico. O "mundo livre" da epoca da segunda guerra nao era tao livre assim, mas com certeza era bastante diferente do mundo do totalitarismo.


Eu não gosto desse tom panfletário. É óbvio que eu prefiro mil vezes estar no que ele chama de "sociedade aberta", mas isso sempre me cheira a bajulação hipócrita daqueles que preferem fechar os olhos aos problemas oriundos dessa mesma sociedade. Ainda que, obviamente, essa seja infinitamente melhor que as outras sociedades existentes.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Mas o problema e quando invertemos a ordem hieararquica das categoiras da acao: passamos a encarar o individuo como produto das transformacoes do meio, e nao o meio como produto da razao dos individuos. A analise historicista consiste exatamente nisso.


Acho que temos um probleminha conceitual aqui. Isso que você chamou de "historicismo" eu chamo de "problema de uma análise histórica ultra-estruturalista e generalizante". Mas eu acredito na idéia de "causação circular": os indivíduos alteram o meio e são alterados por esse mesmo meio.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Eu aposto que voce nao leu nada para formar sua opiniao. Leia "O caminho para servidao" antes de formar um preconceito qualquer. Mesmo que voce discorde das ideias, vale pelo estilo literario e para voce formar uma opiniao mais solida sobre Hayek. E e um livro relativamente pequeno.

Perceba que Hayek nao vincula nazismo e socialismo. Na definicao praxeologica de socialismo, o nazismo e apenas um caso particular. O que ele faz e mostrar como uma sociedade que tente introduzir niveis de controle centralizado para corrigir distorcoes sociais eventualmente converge para o totalitarismo. Nem os nazistas nem os bolcheviques surgiram do nada, como se costuma pensar. Bismark ja tinha comecado a realizar reformas que ampliariam o poder do Estado alemao ainda na epoca do imperio de Habsburgo, e o mesmo com os czares russos.


Cara, não sei quanto a Alemanha, mas a Rússia alternou todo tipo de monarca até a Revolução Russa. O recrudescimento do aparato estatal é mais presente no governo de Nicolau I, por exemplo, mas não é uma regra. Não existe uma caminhada gradual rumo ao estatismo na Rússia. O que existe é um Estado absolutista anacrônico, que perpetua seu poder numa nação ultra agrária e muito atrasada, que dá lugar, a partir de uma Revolução sangrenta e um Golpe de Estado ainda mais sangrento, a um partido socialista que mal conhecia o significado de "democracia moderna", ou, quando conhecia, considerava-o o mais puro sistema burguês de dominação.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Esse estatismo foi a causa da primeira guerra, das crises economicas anteriores e subsequentes a ela e finalmente da tomada do poder pelos totalitarios, que arquitetaram praticamente em concerto a carnificina que seria a segunda guerra mundial, sob os narizes de Chamberlains e Roosevelts, que acreditavam piamente ter estabelecido a "paz duradoura entre os povos" em seus acordos do pre-guerra com os genocidas.


Ah, claro, e os conflitos CAPITALISTAS colonialistas não significaram nada, né?

user f.k.a. Cabeção escreveu:Sim, e se voce estiver disposto podera ver que Mises apresenta varias criticas a essa escola, sobretudo a von Schmoller e Lujo Brentano, por toda a sua obra. Um dos poucos ligados a esse movimento que ele respeitava era Max Weber, embora deixasse claro que lhe faltava conhecimento economico.


O que é sobretudo bizarro, visto que muito economista por aí diz que "não se entende economia contemporânea" sem se ler o "Economia e Sociedade" do Weber. Como eu não sei nada sobre isso, me abstenho de comentar.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao estou satisfeito.

Para mim voce fez um discurso tentando associar socialismo e liberalismo sem oferecer nenhuma definicao identificavel de ambos. Dizer que ambos sao "teorias de otimizacao da sociedade" oriundos de analises de determinados problemas numa mesma epoca nao e dizer muita coisa, e pode ser entendido de diversas formas.


Eu não pretendi identificá-los ahistoricamente. Pretendi apenas mostrar que são termos confusos e que causam problemas a vários estudiosos, e que sua análise tendia a se deixar levar por essa confusão conceitual ao separar autores razoavelmente próximos por conta disso.

Pessoalmente, os termos não me dizem nada. Socialista de que forma? Um pró-sociedade? Pró-indivíduo que tem o direito de se inserir no coletivo ou pró-coletivo que domina o indivíduo?

Liberal em relação a quê? Ao Antigo Regime? Aos princípios morais vigentes?

São termos vagos demais e que não fazem muito sentido.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Acho que voce esta sendo preconceituoso apenas porque eu nao partilho ideias iguais as suas. Eu fundamento todas as minhas posicoes com argumentos. Estes podem ou nao ser adequados, mas nao quer dizer que eu fico fazendo discurso e sendo panfletario.


Eu quase não posto mais no fórum. Se respondo aos seus posts, significa que eu tenho algo a ganhar com isso. E, de fato, debato contigo não por "diversão" ou "birra ideológica", mas para validar minhas posições e encontrar possíveis refutações a elas, de forma a criar um jogo dialético. Por isso, quando você começa com o tom de panfleto, e não debate, eu faço alguma graça ou coisa assim, de forma a puxar o assunto pro cerne dele novamente.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A biologia e uma ciencia feita por seres humanos tal qual entes racionais, e estes nao podem vir a ser definidos pela biologia, pois eles estariam definindo a si proprios, e isso introduz uma serie de complicacoes de foro logico. Seres humanos tal qual entes racionais nao sao materia de definicao, mas a prioris de qualquer debate racional.


E como você define esse racionalismo? Ele está presente no conjunto de atributos que definem seres humanos.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A biologia pode definir especie humana, que por sua vez nao define seres humanos tal qual entes racionais. Um ser humano tal qual ente racional nao precisa pertencer a especie de macacos africanos pelados "homo sapiens sapiens". Embora nao conhecamos nenhum outro exemplo, nada impediria um polvo ou um alienigena dotados de razao (atual ou potencial) suficiente para conceber a etica das relacoes sociais e a moral como esse tipo de "ser humano".


Não existe essa de "razão potencial". Espermatozóides também têm potência pra fecundarem óvulos e formarem pessoas e nem por isso são objetos de proteção. A humanidade dos seres depende da inserção no conjunto de características que definem a humanidade, e não em alguma capacidade potencial de desenvolvimento racional.[/b][/color][/quote]

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao e nao. Tente definir moral biologicamente.


Não é a moral que deve ser definida biologicamente, é o mecanismo material que dá origem ao "pensar moralmente". Sabemos agir eticamente graças a todo um aparato intelectual que pode ser definido biologicamente, e somos dignos de proteção graças a uma série de atributos que nos qualificam ATUALMENTE como pessoas.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Nao, porque o meu ponto de vista leva em consideracao a potencialidade.


E você ainda não deu justificativas plausíveis a ninguém para considerar isso relevante.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Contudo, no seu ponto de vista, poderiamos degolar uma crianca assim como degolamos um frango, pois ambos tem uma nocao de certo e errado inferior a de um adulto, em decorrencia de seus "sistemas nervosos pouco desenvolvidos".


Não, pois crianças possuem as características necessárias, contidas no conjunto P, que as delimitam enquanto seres humanos.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Sim, e qualquer criterio que admita um numero de celulas cerebrais para a humanidade tambem e falho, pelas razoes que eu ja expus.


O conjunto de características que define a pessoalidade não se caracteriza por maior ou menor quantidade de células ou coisa assim, mas pelas características que (derivadas dessas mesmas células ou não) as pessoas possuem. Essas características não são imanentes. São adquiridas com o desenvolvimento biológico, e todo e qualquer corte no processo é sempre arbitrário. Entretanto, o corte arbitrário na questão do aborto defende que potência de humanidade não é característica suficiente para que se considere aquele ser como um "ser humano".

user f.k.a. Cabeção escreveu:O fato e que nao se pode admitir que a humanidade seja definida apenas pela capacidade racional atual. Isso tornaria, por exemplo, eticamente viavel assassinar uma pessoa em coma ou dormindo profundamente. Ou entao criancas pequenas que ainda nao desenvolveram toda a razao necessaria para se tornarem imputaveis.


Analogia inválida. No primeiro caso, as características P estão apenas temporariamente inutilizadas, mas não deixaram de existir. No segundo, elas já existem.

user f.k.a. Cabeção escreveu:Essas tentativas de precisar o ser humano sao completamente inconsequentes. A etica nos diz que devemos considerar a potencialidade dos processos e a responsabilidade individual dos seus causadores. De tal modo, temos que o aborto e eticamente inadmissivel pois cria um processo cujo potencial e um ser humano e cuja responsabilidade recai sobre individuos imputaveis.

Nenhum outro criterio satisfaz a etica, pois ora desconsidera a potencialidade, ou a considera a partir de um momento arbitrario, como na "transicao" entre embriao e feto (como se o feto ja fosse capaz de compreender enunciados morais, e o embriao nao...), ou esquecem-se da responsabilidade individual dos autores, como nas tentativas pateticas de considerar a potencialidade humana de gametas nao fecundados.


Deixa eu ver se entendi o seu argumento: não se sabe se um embrião é um ser humano ou não. Na dúvida, não podemos matar. Na dúvida, também não poderíamos matar também gametas, devido a esse desconhecimento. Mas, como as pessoas só podem ser responsabilizadas por atos seus, que partiram da sua vontade própria, elas não podem ser penalizadas pela morte de tais gametas. Mas podem ser responsabilizadas pela morte de um embrião, é isso?

user f.k.a. Cabeção escreveu:A relevancia depende da relevancia da potencialidade em relacao a atualidade. Se quiser abandonar a relevancia potencial, esteja apto a aceitar todas as consequencias eticas irracionais que derivariam.


Potencialidade de humanidade NÃO É humanidade e não há motivo algum para ser tomado como tal.

user f.k.a. Cabeção escreveu:A definicao mais precisa que se pode dar e a condicao de um individuo capaz potencial ou atualmente de compreender enunciados eticos.


O que valida seu argumento, embora não o faça deixar de soar completamente absurdo.

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Samael escreveu:Não, não é. Isso é Hobbes puro. Isso é a idéia mais anti-rousseau possível. O homem, enquanto indivíduo, é um animal e não podemos esperar dele nada além da sua auto-preservação, mesmo que, numa lógica coletiva, ele esteja indo de encontro ao que seria racionalmente melhor para todos no longo prazo.



Eu consigo entender alguem que considere o individuo irracional, mesquinho, imediatista, tal qual animais.

O que eu nao consigo e entender alguem que considere que isso sirva de argumento em favor de uma ordem social estatista, onde o estado seria formado pela mesma categoria de individuos irracionais, mesquinhos e imediatistas, tais quais animais. Sera que ao serem investidos de poder em cargos publicos os homens deixariam de ser levados por seus maus instintos, e imbuidos de candura angelical passariam a se preocupar com o destino e a felicidade dos demais? E preciso ser muito ingenuo ou cretino para dizer, contra todas as evidencias, uma barbaridade dessas.

Eu nao sou favoravel as teorias de Jacques Rousseau. "O contrato social" e uma fraude, um engodo. O estado nao e estabelecido via contrato, real ou tacito, ele e um elemento de dominacao. Eu nunca subscrevi a nenhuma constituicao, e se me oferecessem como contrato a de 1988 eu a rasgaria na cara deles.

A primeira protecao que o estado nos vende e contra ele proprio, e sua capacidade de produzir coercao. Somente depois e que ele nos defende de nossos outros inimigos. Exatamente como gangsters, porem formalmente legitimos. O estado e o "mao negra" oficial.

Muito menos sou favoravel a Hobbes. Voce so ve critica a Hobbes em Rousseau porque todos os seus professores foram doutrinados a jamais falar, exceto em comentarios, ou ler nada de homens como John Locke, John Stuart Mill, ou John Milton, apenas para citar pensadores classicos. Se voce tivesse lido "Dois tratados sobre o estado" voce saberia do que eu estou falando. Nenhum desses tres era anarquista, contudo eles tinham uma visao muito mais realista do que era o estado.


Samael escreveu:Esse maniqueísmo racional x irracional é muito cômodo para quem deseja defender um dos extremos.


Voce acabou de afirmar acima que considera o individuo irracional. Eu nao estou fazendo nenhum tipo de maniqueismo, eu apenas estou trabalhando com hipoteses. A minha e de que as pessoas sao racionais. Dela eu concluo que sao elas mesmas que se organizam para resolver seus problemas e melhorar seus niveis de vida. A ordem social e produzida por essas consideracoes racionais, nao pela imposicao de algum poder dominante, que tende a desaparecer quanto maior for a organizacao das pessoas.

Os defensores do "homem irracional" nao conseguem fundamentar porque uma instituicao de coercao formada tambem por homens irracionais seria mais adequada para produzir algum tipo de ordem e melhorar a vida das pessoas. Se os dominadores sao tao irracionais e inconsequentes quanto os dominados, qual e a ajuda que eles poderiam oferecer?


Samael escreveu:Quanto ao fato de existirem homens mais esclarecidos que outros, acho que isso é óbvio. E isso já justificaria, ao menos pra mim, a idéia de liderança na sociedade. Mas eu acho que a idéia de Estado, no conceito "democrático" moderno está mais ligada à idéia de "governo de muitos", o que impediria a arbitrariedade individual. Passa longe, portanto, da idéia de um "super-homem" que toma decisões por si só.


Isso e outra fabula: o mito da democracia.

A democracia delega poderes tanto quanto qualquer outro sistema de governo. Se ela faz isso atraves do voto da maioria, isso reduz o poder desses governos, mas nao e o "governo de muitos".

Alem disso, na democracia como em qualquer sistema politico, os cargos publicos de poder atrairao exatamente os "power freaks", aqueles com maior interesse em mandar na vida dos outros. Eles serao selecionados por suas capacidades de convencer outros a lhe investirem tal poder, e apos isso, de usar esse poder para se manter poderosos. Isso nao quer dizer nem de longe que serao os mais esclarecidos e sensatos, muito pelo contrario ate.

Pode-se dizer que a racionalidade dos governados no longo prazo sumiria com esses "power freaks" e colocaria pessoas honestas e capazes no poder. O poder seletivo do eleitor tenderia a eliminar esses usurpadores da paisagem. O eleitor seria como um consumidor escolhendo entre produtos (propostas de Welfare, crescimento economico, liberdades civis, seguranca e etc.), que escolheria os melhores provedores desses servicos entre os politicos disponiveis.

O primeiro erro evidente desse argumento e que ele tambem depende da racionalidade individual para a tomada de decisoes, que tinha sido negada para impossibilitar o mercado.

Na verdade, esse argumento tenta se aproveitar das similaridades entre uma democracia e um mercado, se apropriando das qualidades inerentes do mercado para a democracia, sem reconhecer que a democracia tem falhas enormes que a impedem de funcionar corretamente.

A primeira diferenca fundamental e que na democracia a maioria sempre vence. Nao importa se uma questao interessa pouco uma maioria e a contra-proposta interessa muito uma minoria. Por exemplo, questoes como o fumo em determinados locais publicos. Fumantes pagariam mais caro para poder frequentar bares que tolerassem o fumo, o que tornaria interessante a existencia de dois tipos de bares. Mas as leis impoe que bares so podem aceitar clientes nao-fumantes, por serem uma maioria. No mercado voce pode comprar o carro que voce quiser, independente de qual marca tem mais clientes. Na politica, voce recebera os servicos apenas do lider de votos.

Essa diferenca introduz uma serie de outras. No mercado, voce tem incentivo para pesquisar a fundo quais itens satisfarao melhor seus interesses, pois assim que voce chegar a uma conclusao, voce podera adquirir exatamente o que melhor lhe convier. Voce recebera um beneficio correspondente ao seu esforco para tomar a decisao correta. Na politica, voce pode ate descobrir, depois de muito investigar, qual e o politico mais adequado para atender os seus objetivos particulares. Mas voce so tera o beneficio de seu governo se uma maioria de eleitores votar nele. Por essa razao, as pessoas nao tem tanto interesse assim em procurar se informar sobre os politicos que votarao, a capacidade que seu "voto consciente" tem de alterar o resultado de uma eleicao e infima. E por essa razao que as pessoas considerao politicos "todos iguais" mas nao consideram as marcas de sabao em po iguais. Isso inclusive estimula politicos a nao serem tao fieis a seus discursos ou terem um perfil de honestidade, mas simplesmente melhorarem o discurso instantaneo, pois e isso que ganha votos.

Outra diferenca relacionada e que na politica voce nao pode substituir uma decisao errada por outra mais correta facilmente. Se voce comprou algo de ma qualidade, dependendo do preco pago voce nao tera dificuldades de substituir a compra ou recindir o contrato. Um politico eleito fica no poder durante quatro anos ate novas eleicoes ocorrerem. Em quatro anos muita coisa se passa. E dificil comparar politicos de tempos diferentes, ate porque as decisoes corretas e erradas de um politico anterior podem ser falsamente creditadas a politicos posteriores, em decorrencia do longo prazo dos efeitos se realizar apenas no outro mandato. Isso cria um incentivo para politicas de curto prazo, imediatistas, pelas quais os politicos podem colher os lucros no mandato corrente e mandar a conta para os proximos. No mercado, se voce esta insatisfeito com sua compania habitual de seguros, de conexao com a internet ou aerea, ou com o restaurante que voce costuma comer, ou com a sua empregada domestica, voce pode mandar todo mundo pastar a hora que voce quiser. Mesmo no caso de contratos com clausulas de recisao, ou em compras mais caras como automoveis ou apartamentos, voce tem essa possibilidade, embora lhe custe mais. De qualquer forma, com um apartamento ou um carro, voce normalmente tera pesquisado antes de compra-los, e tera comprado aquilo que queria. Pode haver erro, mas a chance e substancialmente menor.

Esses elementos tornam a democracia um sistema que aloca incorretamente incentivos. Algumas reformas sao feitas para tornar a democracia mais competitiva, assemelhando-a ainda mais com mercado. A independencia de um senado, de uma camara de deputados, do judiciario, a autonomia legal e fiscal das unidades da federacao e das municipalidades, sao formas de descentralizar o poder, permitir que minorias tenham seus representantes, que comparacoes entre governos possam ser realizadas de uma forma um pouco menos inadequada. Mas isso ainda e pouco.

O mercado e uma democracia muito mais justa do que a propria democracia. Uma critica muito comum que e feita ao mercado por socialistas e que as pessoas nao escolhem livremente, mas que sao influenciadas por propagandas. Isso e uma manifesta expressao da formula "acuse-os do que voce faz". Empresas no mercado dependem o tempo todo de reputacao para se manter nos negocios, se oferecerem qualidade baixa e precos altos serao substituidas e isso ocorre todos os dias, o tempo inteiro. Agora os politicos, visto que vendem apenas promessas e nao podem ser comparados com os concorrentes, e que investem pesado em propaganda como forma de subverter a verdade. Fazem isso tambem porque os seus clientes, os eleitores, nao estao muito interessados em conhecer todos os fatos, acreditarao na melhor propaganda, pois e muito custoso para eles e pouco produtivo estar iterado sobre os acontecimentos politicos e os reais resultados das medidas que os governantes tomam ou pretendem tomar. Seu voto vale muito pouco e ele normalmente estara disposto a troca-lo por um mero slogan. Pessoas dao muito mais valor, com razao, ao seu dinheiro do que ao seu voto. Com seu dinheiro elas tem a certeza de ter aquilo que compram, mas seu voto e apenas uma rifa.

Finalmente, o tipo de gente que o mercado torna bem sucedido sao aqueles que melhor conseguirem satisfazer seus concidadaos com servicos de alta qualidade a precos melhores que os concorrentes. Sao pessoas ocupadas dia e noite em servir os demais da melhor forma possivel. Mas e importante lembrar que fazem isso porque buscam seu proprio interesse. Se for mais interessante investir mais na politica, comprando senadores e juizes, elegendo amigos que oferecerao privilegios, controlando os orgaos de fiscalizacao da sua atividade, eles farao sim.

Ou seja, a origem da ineficiencia do mercado e a de que (em determinadas condicoes) ele pode assumir um comportamento de um sistema politico. E a melhor defesa da democracia e que ela seria um sistema politico que aproxima mal e porcamente um mercado. Nao precisa ser muito esperto agora para tirar uma conclusao sobre politica e mercado.


Samael escreveu:É mesmo? E quem iria regular essas várias milícias urbanas? Quem as impediria de tomar o poder e formar vários pequenos "estados informais"? Quem é que limitaria a noção de justiça e a noção de injustiça? Pequenos grupos com ideologias diferentes?

Eu sei que você está a um tempinho afastado do Rio, mas veja bem, mesmo com o Estado aqui, nós temos milícia urbanas que obrigam a população a contratá-las e criam monopólios econômicos na base de ameaças e execuções em cima de todo teórico "comércio livre". Isso que você está dizendo é absurdo.


Voce esta pedindo garantias para mim, quando voce mesmo nao as da por completo.

O que impede a Marinha, o Exercito e a Forca Aerea de ocuparem o pais e destituirem os poderes democraticos, estabelecendo uma ditadura militar?

Eu nem vou entrar em fatos historicos, acredito que meu ponto ja esta esclarecido.

Tambem "nada" impede os EUA ou a Inglaterra de invadirem um pais pequeno e atrasado, com um poder belico insignificante.

Ou porque a Argentina nao entra em guerra com o Brasil quando um cidadao argentino e morto ou assaltado no Rio de Janeiro?


Guerras entre as firmas de defesa e seguranca nao ocorreriam porque elas seriam firmas preocupadas com os custos dessas operacoes "militares", inclusive muito mais do que os proprios Estados nacoes, que podem sempre transferir esses custos para seus povos, atraves de impostos e inflacoes. Uma firma de seguranca precisa recolher dinheiro atraves de contratos voluntarios com os seus clientes, se ela for uma firma disposta a entrar em guerras inuteis com outras firmas, ela tera que cobrar muito caro de seus clientes, que por sua vez se sentirao menos seguros do que com uma firma menos belicosa. Um sistema de seguranca descentralizado se assemelharia mais a Suica do que a Somalia ou o Rio de Janeiro.

A falacia que voce comete e a de associar um comportamento imperialista dos milicianos, que sao gangsters que cobram pela protecao contra eles proprios, com firmas de seguranca que nada farao contra voce nem a seu favor se voce nao tiver um contrato com elas, nem assaltar a casa de ninguem que tenha contrato com elas. Quantos segurancas privados ja bateram na sua porta cobrando por um servico que voce nao contratou? Agora o estado faz isso todos os anos. As milicias, dependendo de como se organizem, podem ser um segundo estado ou podem ser livre associacao de pessoas para defesa e seguranca da comunidade. No Rio de Janeiro elas substituem um estado relapso que permite o caos por um estado policial nao-oficial. Dizer que isso e um teorico

Sobre justica e injustica, as pessoas mesmas definiriam as leis sobre suas propriedades e as constituicoes dentro das quais operariam. Isso nao colocaria uma dificuldade muito maior do que a que existe hoje nas relacoes internacionais ou interestaduais quando dizem respeito a sistemas legais diferentes para cada uma das partes. O comercio e o movimento internacional de pessoas nao e impossibilitado pela existencia de diferentes constituicoes.

Firmas de arbitragem privadas poderiam fazer o papel de mediadoras de contratos entre pessoas que operassem segundo leis diferentes. Essas firmas nao teriam mais poder de coercao que uma firma de cartao de credito tem para te impedir de fazer mais compras do que voce pode pagar. Essas firmas ja existem nos Estados Unidos, onde substituem o ineficiente setor juridico do estado para boa parte do mercado de contratos. Veja: http://en.wikipedia.org/wiki/American_A ... ssociation .

A maioria dos sistemas legais seria praticamente identica em itens importantes, como a proibicao do assassinato, roubo, etc. Assim como as constituicoes de todos os paises. Em teoria, um sistema legal poderia ate ser tolerante com essas coisas, mas pessoas que vivessem nesse sistema legal seriam vistas com desconfianca por todo o resto do mundo e provavelmente so conseguiriam subsistir numa sociedade isolada de assassinos e ladroes, roubando e matando uns aos outros. Quem quiser coexistir com a civilizacao teria que obedecer a determinados principios absolutos.

A justica assim derivaria das cortes e das empresas de arbitragem privadas. As cortes criminais seriam definidas por acordos entre as firmas de seguranca do reu e da vitima. As firmas de arbitragem seriam definidas pelos contratos entre a parte queixosa e a parte acusada. Se o reu se recusar a obedecer um apelo a corte feito pelas duas firmas de seguranca, ele simplesmente estaria se tornando um foragido para todas as firmas de seguranca e proprietarios, que passariam a considera-lo um elemento perigoso e invasor, a ser capturado ou neutralizado em qualquer terreno que pise. Provavelmente, todos os contratos que ele tenha realizado estariam automaticamente invalidados por uma clausula protetora contra foragidos da lei, o que por sua vez invalidaria inclusive seu proprio direito de propriedade sobre sua casa e terreno, reclamados pela firma que o titulava, por exemplo. Ele entao seria persona nao grata em todo territorio, inclusive naquele que era sua propriedade, sem ter para onde fugir.

A pergunta nao deve ser quem vai "regular as milicias urbanas", pois a mesma pergunta pode ser feita sobre quem regula o estado. O que deve-se questionar e se um sistema descentralizado e privado, baseado em contratos voluntarios, e mais eficiente para garantir liberdade e seguranca para os consumidores do que um sistema centralizado estatal baseado no roubo oficial o e para garantir essas coisas para um contribuinte.


Samael escreveu:O Manifesto não é um trabalho filosófico, é apenas um panfleto retórico para convocar as massas proletárias. Marx teceu vários elogios ao capitalismo (alguns podem até ser vistos no Manifesto, onde ele afirma a superioridade do capitalismo a todos os sistemas até hoje vistos) mas ele mantém a opinião de que, apesar de ter sido um sistema de produção muito superior a todos os outros até hoje vistos, ele ainda peca por separar a sociedade em classes e não direcionar todo o potencial de produção humana devido aos vários problemas de inclusão e utilização racional da força produtiva humana (isso é muito presente nos Grundrisse).



Esse e um recurso bastante enfadonho. Marx diz um monte de coisas no Manifesto Comunista; e para se defender os marxistas dizem que este nao e um trabalho de importancia.

Sobre o capitalismo separar a sociedade em classes, eu gostaria que alguem demonstrasse isso, dizendo quais sao as classes da sociedade capitalista. No capitalismo, todos sao consumidores, empresarios e trabalhadores, na medida que compram os itens para satisfazer suas necessidades, especulam sobre melhor forma de emprega-los, e gastam algum tempo e esforco para produzi-los. Todo trabalhador e um empresario naquilo que comercializa, ou seja, sua forca e tempo de trabalho. E nenhuma pessoa esta proibida de entrar em qualquer mercado. E claro que se nao conseguir convencer outras pessoas de que sua ideia realmente merece atencao, e nao tiver ela propria como financiar sua aventura comercial, ela nao podera ir muito longe logo de cara. Mas isso e apenas um reflexo do fato de que recursos sao escassos, e esse fato nao foi inventado pelo capitalismo e nao cabe ao capitalismo corrigi-lo.

No entando, no socialismo, as classes efetivamente existem. Voce ou faz parte da nomenklatura, ou nao faz. Ou voce e um dos que mandam ou voce e um dos que obedecem ou voce e um dos que desaparecem.



Samael escreveu:A partir daí, podemos visualizar que, na História, todas as quebras de sistemas de produção se deram por meio de revoluções feitas pelos insatisfeitos com aquele sistema. A classe dominante não desejaria perder seu poder, e isso legitimaria, em nome de um bem futuro, o "sangue oriundo da revolução". A idéia de Marx é que os socialistas deveriam iluminar o proletariado e, assim, conscientes da sua situação histórica e da eterna luta de classes, essa classe, durante o seu governo, deveria abolir completamente essa divisão.



Isso esta completamente equivocado. E por isso que deve-se combater a forma de romantizar a historia atraves de revolucoes, pois isso e evidentemente falso. A revolucao industrial nao foi uma revolucao, nao havia interesse direto em se destruir ou substituir nada. A crescente industrializacao se deu porque as pessoas perceberam as vantagens desses novos metodos de producao, nao porque algum grupo de radicais botou abaixo o sistema feudal e mercantilista. A industrializacao aconteceu gradualmente e involuntariamente, ela nao foi planejada por visionarios. Os unicos visionarios foram os capitalistas querendo ganhar dinheiro, sem motivacoes ideologicas.

Esse processo foi equivocadamente chamado de revolucao por conta das profundas transformacoes que produziu e da velocidade que ocorreu, mas nada teve a ver com a dinamica revolucionaria em si. Assim como a transicao da economia antiga para o feudalismo se deu pela ruralizacao e autarquizacao das provincias romanas, provocada pela inflacao e pelos controles de precos que criavam custos excessivos para os habitantes das cidades e o mercantilismo dos processos lentos que formaram os novos Estado-nacoes europeus, o capitalismo nao surgiu de nenhuma revolucao.

Todos esses processos foram feitos por pessoas que pensavam em otimizar sua producao e consumo, e nao legitimizados por nenhum "bem futuro".


Samael escreveu:Marx nunca tratou, entretanto, de como essa ilustração se daria, e, principalmente, como é que a estrutura histórica que ele mesmo criou poderia ser rompida logo durante o governo da classe que ele mesmo escolheu, arbitrariamente, como a "messiânica". Por isso mesmo há marxistas mais radicais que tentam eximir Marx até mesmo do totalitarismo comunista, coisa absurda por sinal.


Depois que eu li alguns escritos originais de ambos, fiquei com a certeza que tanto Marx quanto Keynes eram mais sensatos nas suas opinioes que os marxistas e os keynesianos.


Samael escreveu:Não discordo da hegemonia da propriedade privada, discordo da sua "exclusividade", eu acredito no Estado "necessário". Aliás, o debate economicista não é comigo. Neste campo, estou apenas observando e aprendendo um pouco.



Mas se voce quiser fundamentar a necessidade do Estado, precisara entrar em algum nivel na argumentacao economica. Alem disso, voce esta empregano errado o termo "economicista". Economicista e aqule que reduz fatos historicos a dados materiais e os fenomenos economicos sobre esses dados.

Essa nocao implicita que associa a Economia com o Economicismo e que fez Mises propor o emprego dos nomes Praxeologia e Catalaxia para as ciencias da acao humana e dos fenomenos de mercado, embora nao tenha sido ele o primeiro a utiliza-los.


Samael escreveu:Hein?? Deixa ver se eu entendi: as classes sociais derivam do socialismo???


Depende do que voce esta chamando de classes sociais.

Se esta falando de categorias de seres humanos dotados de direitos fundamentais diferentes, sim, o socialismo e a causa deles. Ele propoe a existencia de pessoas que mandem nas outras, que teriam sua liberdade reduzida ou eliminada por conseguinte.

Agora se classes sociais sao "niveis de renda", elas existem no capitalismo. Elas derivam das diferencas existentes, inatas e desenvolvidas, entre os individuos, em capacidades e talentos, assim como ambicao ou sorte. Mas as pessoas variam bastante nas "classes sociais" no sistema capitalista, de modo que a ideia de classe fica bastante inadequada.

Com o proposito declarado de destruir essas diferencas de renda, os socialistas estabelecem e aumentam os mecanismos de poder e opressao que estabelecem as classes reais de individuos, os camaradas membros do Estado e os seus suditos.


Samael escreveu:Com certeza, mas o diálogo permance mudo, na medida em que uma contingência capitalista também poderia retirar a sua casa, ou fazer com que você pudesse perder seus bens. Eu sei, não é isso que você está discutindo, mas sim o teor de "estatismo" e "individualismo" existente em ambas as idéias.


Um capitalista nao tem nenhum poder para retirar a sua casa. Agora se voce tiver assinado um contrato de hipoteca, voce e que voluntariamente permitiu que o banco reclamasse sua propriedade caso voce nao pudesse pagar o montante emprestado. Isso nao e coercao.

Samael escreveu:Que "razão como todos a entendemos" é essa? Se você for adepto da filosofia aristotélica você diria que Platão é "um inimigo da razão como todos a entendemos"? Paradigmas políticos vêm e vão, e o "racionalismo" das teorias consiste num jogo de coerência interna e vínculo com a realidade. Os nazistas NEGAVAM essa realidade apostando ideal romântico alemão, ao contrário dos filósofos modernos (salvo as devidas exceções românticas), que eram basicamente fruto do mesmo contexto histórico: críticos ácidos do Antigo Regime que tentavam remodelar de forma pragmática o que seria a "nova sociedade" posterior à queda dos Impérios.



Eram inimigos da razao que seria comum a todos os seres humanos, eram adeptos do polilogismo.

Para nazistas e marxistas, a logica ariana e proletaria era diferente da logica das racas impuras e burguesas. O cerebro dos burgueses nao seria capaz de compreender silogismos que valeriam para os proletarios.

Ate onde eu saiba, Platao nao fazia esse tipo de distincao, ate por ser discipulo de Socrates, um dos maiores inimigos dessa ideia. Para Socrates, um escravo era dotado da mesma razao que seu senhor, e isso fica evidente em "Dialogos". Platao propunha uma sociedade baseada na autoridade de filosofos, e essa visao e criticada em "Sociedade Aberta", mas nao pelos filosofos terem uma razao diferente dos demais, mas por terem desenvolvido melhor a mesma razao. Seus enunciados em teoria seriam acessiveis a todas as mentes.


Samael escreveu:Além do mais, a divisão de classes sociais é, salvo eu esteja enganado, totalmente marxista. Ninguém precisaria separar a sociedade em classe ou demonizar a razão da "classe adversária" para ser pró-estado.


Demonizar a razao adversaria e apenas uma forma de nao precisar contra-argumentar. Diante das substanciais criticas postas por questionadores racionais essa pode ser a unica estrategia viavel, e quando aplicada com sofisticada erudicao, eloquencia ou carisma, pode mostrar-se bastante efetiva.

Samael escreveu:Todos somos. Ou adeptos do pós-modernismo na História.


Voce ainda nao me apresentou a sua definicao de historicismo.

Samael escreveu:O seu desconhecimento (quase) completo de História Moderna é gritante demais para que você entre nesse assunto com tanta cara de pau.


Queira me perdoar por tamanha insolencia.

Samael escreveu:Os intelectuais racionalistas TODOS tinham como ponto comum a crítica ao Estado Medieval, que ainda mantinha suas "garras" sobre boa parte da Europa. Nisso, foram alcunhados, todos, independente das ideologias pessoais, tanto como liberais quanto como socialistas.


O que ainda nao iguala um Rousseau a um John Locke.

Samael escreveu:Metade da inteligentsia européia do período auto-intitulada socialista diria que você acabou de fazer uma apropriação errônea e absurda do termo. O termo "socialista" também servia para definir pessoas com ideais totalmente anti-estado, como o próprio Herzen ou mesmo Bakunin. A palavra "socialismo", inclusive, não traz implícita nenhuma forma de "estado" em sua concepção.


Defina socialismo de uma forma em que nao seja necessaria a coercao oficial de um organismo que "equalize" as rendas de seres humanos desiguais.

Ora, pode-se muito bem se teorizar sobre um mundo de santos, onde todas as pessoas fariam o bem por amor aos demais. Pode-se dizer que nesse mundo ninguem faria nada por interesse proprio, mas pelo bem estar proximo. A propriedade privada nao existiria pois nao teria sentido algum para os individuos dessa realidade.

Ocorre que esse mundo idilico socialista nao e compativel com a natureza do ser humano. Os homens usam suas capacidades diferenciais para obter uma maior satisfacao pessoal, eles operam racionalmente buscando satisfazer objetivos particulares. Para esse tipo de individuo, o socialismo so tem uma saida; impor atraves da violencia que as pessoas entreguem suas posses, seu trabalho e seu tempo para aderir a uma causa coletiva, vista como moralmente superior ao egoismo de cada um.

O principio de "cada um de acordo com as suas capacidades para cada um de acordo com as suas necessidades", caso dependa da pura boa vontade dos capacitados para com os necessitados, exige em excesso do homem. Qualquer socialista razoavel sabe que nao se chegara a atingi-lo convencendo as pessoas a passarem a vida a praticar caridade, e que e preciso forca-las.



Samael escreveu:Agora que o Deus Cabeção definiu o termo ahistórico "socialista" enquanto "estatista" e "liberal" enquanto "individualista", tudo fez sentido!


Mas e evidente que ser liberal significa fundamentalmente reconhecer a cada um o direito de usofruto de seu trabalho livre e de sua capacidade de livre associacao mediante contratos. A propriedade privada e um simples corolario do liberalismo, na medida em que o liberalismo a tolera e o homem livre a estabelece por ser a forma mais conveniente de atingir seus interesses.

Qualquer um que nao autorize a propriedade privada esta negando essa liberdade fundamental do homem, e pode ser chamado de qualquer coisa, exceto de liberal.


Samael escreveu:Os termos "liberal" e "socialista" foram utilizados para denominar qualquer crítico do Antigo Regime, independente das suas idéias pessoais sobre como a sociedade posterior àquele regime deveria se organizar.


O seu argumento consiste simplesmente em citar como termos foram usados no passado, e nao em estabelecer claras definicoes para eles e discutir assim as implicacoes logicas de cada uma das nocoes. Essa e a estrategia da confusao semantica da qual eu vinha falando.

Pouco importa quem foi chamado por quem de conservador ou liberal, esquerdista ou direitista numa determinada epoca. Partidos esquerdistas adoram gritar fascismo para qualquer proposta conservadora, pouco interessando provar que ela teria qualquer vinculo com o Fascismo tal qual existiu na Europa dos anos 20 aos anos 40. As pessoas sempre foram propensas a chamar seus inimigos e desafetos pelas alcunhas menos lisonjeiras que conheciam. O que interessa e o que realmente define cada uma dessas ideologias, e o que se pode deduzir dessas definicoes.


Samael escreveu:Imagem


Um dos melhores e mais injusticados atores de todos os tempos.

Samael escreveu:É impressão minha ou você se tornou anarco-capitalista?


Esse termo tem muitos significados diferentes. Eu acho considero o Estado algo a ser superado, mas sei que ele existe e cumpre muitas funcoes porque as pessoas acreditam que ele seja necessario para tanto. Uma forma de mudar isso e educando as pessoas, mostrando a eficacia de solucoes sem Estado (ainda que parciais). Isso vem se produzindo a despeito das investidas contrarias do Estado, atraves das privatizacoes e do livre comercio internacional.

Eu sou tudo menos um revolucionario. Nao e porque eu vejo a politica e o governo como um mal que eu proponho a substituicao violenta deles. Isso apenas abriria espaco para novos governantes, quase sempre mais opressores e violentos que os antigos, como em praticamente todos os movimentos revolucionarios. Pode-se dizer que os politicos evitarao com todas as forcas diminuir o poder do Estado, e trabalharao no sentido contrario. Isso e parcialmente verdadeiro. Na verdade, um politico tambem nao tem qualquer voluntarismo exotico em aumentar o poder do Estado. Ele quer e aumentar seu proprio poder. Ele pode sim fazer isso expandindo o Estado e controlando as novas funcoes criadas para a maquina publica. Mas se ele considerar que no estagio atual do desenvolvimento da sociedade e do mercado, os lucros politicos de uma reducao da intervencao do Estado sao mais interessantes que a sua expansao, ele provavelmente fara isso. O que e necessario e criar a percepcao das pessoas dessa capacidade que elas tem de se organizar livremente e cobrar liberdade de seus governantes, para quem nao restera alternativa se nao conceder-lhes o que querem.

Entre democracia e totalitarismo, eu sou um ferrenho democrata. Mas normalmente essa e uma falsa dicotomia. Se a democracia for menos eficaz na garantia das liberdades fundamentais que um regime politicamente autoritario, eu nao tenho duvidas entre apoiar os politicamente autoritarios. Prefiro alguem que respeite profundamente a minha propriedade e o meu direito de fazer o que eu quiser e assinar os contratos que eu quiser, ainda que eu nao possa retira-lo do governo, do que um bando de ladroes que se revezem na tarefa de me extorquir e me explorar. Nesse sentido, penso que por vezes um regime democratico pode ser uma ditadura muito pior do que um regime nao-democratico.

Dizer que o regime democratico e "mais controlado" nesse sentido pode ate ser verdade em boa parte dos casos, mas nao e a realidade geral. A democracia e cheia de problemas, conforme eu ja discuti acima, e sem instituicoes vigentes conservando a liberdade individual ela se transforma apenas num outro mecanismo de opressao, ainda mais perigoso por fingir se tratar de uma liberdade individual em si. E com a vigencia dessas instituicoes, criadas e obedecidas pela razao das proprias pessoas, a democracia nao e muito mais do que mera perfumaria.


Samael escreveu:As sociais democracias são o quê?


Dizer que as social-democracias sao socialistas e simplesmente ignorar que em todos esses paises as pessoas, a despeito de um maior ou menor nivel de intervencao governamental, tem seus direitos de propriedade e livre associacao garantidos.

As politicas de welfare sao evidentemente uma forma de atingir o socialismo, mas a sua mera existencia nao coloca em marcha todo o processo. Alem disso, mesmo paises que nao sao taxados de "social-democracia", como os EUA, tem sua quota de welfare; e muitos outros, como o Brasil, sob muitos criterios dispoem de liberdade economica muito mais debil que a maioria desses "paises socialistas".

Dizer que o seu modelo de socialismo e o modelo Sueco e simplesmente atribuir uma falsa causalidade, que estabeleceria que a prosperidade dos suecos e decorrente do welfare socialista, ignorando a assercao mais logica de que a mera possibilidade do welfare socialista decorre da prosperidade criada pelas instituicoes que ja estabeleciam o livre empreendedorismo e a propriedade privada naquele pais ha muitos e muitos anos.

Mesmo assim a Suecia nao esta protegida do mal socialista do welfare. Se as pessoas comecarem a dar credito excessivo a essa falsa causalidade, o crescimento do Estado seguira a mesma logica de todos os regimes socialistas, extorquindo e consumindo a poupanca, removendo as liberdades individuais e jogando a todos na masmorra coletiva.


Samael escreveu:As comunas de Enfantin e Tolstói são o quê? As sociedades agrárias religiosas bizarras são o quê?


Como eu disse antes, fenomenos efemeros e com poucas pessoas envolvidas nao sao contra-exemplos validos.

E evidente que uma comunidade Amish ou de alguma denominacao bizarra do mormonismo, ao devotarem suas crencas religiosas em algum lider carismatico ou em um modo de vida particular conseguem transcender, por assim dizer, a ordem privada, sem se tornarem regimes totalitarios propriamente ditos. Mas esses sao grupos de pessoas que basicamente partilham os mesmos ideais de uma forma quase que identica. Se todo o mundo fosse assim, talvez um socialismo mundial pudesse se produzir, mas nao ha a menor razao para esperar que isso aconteca.


Samael escreveu:Repare, eu não disse que nada disso acima é bom (embora considere a primeira opção muito boa), eu só te pergunto como é que o o totalitarismo é conseqüência lógica do socialismo se existiram um bom número de sociedades coletivistas e não individualistas que não eram totalitárias.



Samael, onde os paises escandinavos (os prototipos basicos da "social democracia europeia") sao sociedades coletivistas? Que merda e essa?

Se o fato de existir um governo que toma impostos e distribui porcarias e suficiente para que uma sociedade possa ser chamada de coletivista, entao o mundo inteiro e coletivista praticamente, nao so os paises escandinavos.

O welfare e um elemento do coletivismo, mas enxergar esse elemento apenas em casos particulares muito bem escolhidos nao me parece uma estrategia honesta. A Venezuela e o Zimbabue tambem o praticam, e numa escala muito maior (e muito mais coletivista) do que os paises escandinavos, e os EUA numa escala menor, e nem por isso voce os pega como exemplos de sociedades coletivistas. Isso e cegueira ideologica.


Samael escreveu:Não, ele é uma forma de unificar os "grupos informais" que tendem a dominar por meio da violência a sociedade. Ele otimiza, a princípio, a capacidade de produção dos indivíduos.



Errado. O Estado domina por meio da violencia tambem. Ele e apenas um dos grupos, o que atualmente esta se saindo vencedor e soberano sobre algum territorio. Quando outro grupo mais forte e interessado em governar sobre determinado territorio ou populacao aparece, o Estado atual desaparece. E viva o novo rei!

Ele nao otimiza absolutamente nada. Na sua forma atual, ele monopoliza certos servicos necessarios, como seguranca ou justica, mas o fato desses servicos serem necessarios para "otimizar a producao" nao tem absolutamente nada a ver com uma eventual necessidade intrinseca deles serem oferecidos via um monopolio estatal, muito pelo contrario ate.


Samael escreveu:Teleologia individualizante. Você simpatizaria com os hegelianos de direita.


Voce solta muitas frases soltas, que sozinhas tem muito pouco ou nenhum sentido. Porque nao desenvolve mais seus contra-argumentos?

Samael escreveu:Isso é um reducionismo histórico. Existem zilhões de fatores envolvidos no fim da escravidão, e o econômico (lançado, aliás, por marxistas) é apenas um deles.


Sim, existem zilhoes de fatores envolvidos com o aprendizado sobre o que e certo ou errado, sobre o que e etico e o que nao e etico, sobre o que funciona melhor ou pior. Onde foi que eu neguei isso?

O fato e que o capitalismo e ao mesmo tempo baseado num desenvolvimento etico e estimula o desenvolvimento etico da sociedade, passando de um estado menos livre para um mais livre.


Samael escreveu:Mentira, a maioria das "revoluções" é dada por cima. Uma pequena parcela com interesses quaisquer tomam de assalto o poder ou, principalmente, convencem os outros de suas idéias. Em vários e vários momentos na História, o Estado esteve era à frente da racionalidade individual. O racionalismo individual não fez com que as pessoas deixassem de urinar no chão no Brasil até hoje, e o papel do Estado é coibir esse tipo de comportamento, por exemplo.


Essa visao romantica da historia e pouco respaldada por fatos. Em geral o que chamam de revolucoes e realmente um processo de dominacao, mas nao e isso que provoca as mudancas duradouras na postura das pessoas. Ninguem deixa de fazer o que acha que e certo ou melhor porque um revolucionario decidiu assim. Ela pode ate parar de fazer para salvar sua vida, mas nao deixara de buscar outras formas de contornar os devaneios dos revolucionarios de tentar mudar o ser humano.

As verdadeiras conquistas se dao atraves do aprendizado mais simples, da tentativa e erro, das pequenas conquistas do dia-a-dia, e nao das grandes transformacoes de visionarios. Todo arquiteto de sociedades ate hoje fracassou, e todos continuarao a fracassar.


Samael escreveu:Da 1 e da 4. A primeira, por fatores óbvios. Eu vejo a sociedade como um fator multicausal, onde há um ciclo onde "se é educado" e "se educa". A sua supervalorização da capacidade individual é simplesmente utópica, as pessoas só conseguem adquirir uma capacidade crítica relevante se educadas a isso, salvo as devidas exceções. A formação de culturas, que são fatores de esmagamento do "individual", é a maior prova que esse absurdo não possui sentido algum.


E eu disse algo contra a educacao?

O que eu disse e que as pessoas sao racionais, e ser racional e um pre-requisito inclusive para ser educado. Quem educa sao outros individuos, passando adiante o conteudo de conhecimento e experiencia que adquiriu na sua vida ou das geracoes anteriores. Ninguem e educado pela coletividade, e a educacao nao vem do nada nem emana de seres superiores. Ela e um produto do acumulo de conhecimento que nos remete aos primordios da humanidade. Mas todos os atores sao individuos, assim como os primeiros a pensarem e a educarem os outros a pensar tambem foram individuos.

Nao sei em que isso invalidaria a hipotese do ser humano ser um ente racional, alias, acho que inclusive corrobora. A menos que voce confabule que os seres humanos eram beocios ate que um santo inventou o Estado e resolveu tira-los da miseria existencial em que se encontravam.


Samael escreveu:A quarta, também por fatores óbvios, está no fato da violência nem sempre gerar violência. Pessoas são adaptáveis, elas se adaptam à situação de dominação com facilidade, da mesma forma que podem ser adaptar a um discurso onde, imaginariamente, "não são dominadas". Para mim, violência excessiva tende a gerar mais é uma sociedade passiva e amedrontada.


A quarta e um corolario da primeira. Quem e submetido pela violencia a fazer o que nao quer tem interesse racional em destruir a fonte de violencia desde que os custos parecam ser aceitaveis. E evidente que eu nao vou desafiar o governo sozinho, pois so teria a perder, mas se o governo comeca a despertar rancor em muitas pessoas, pode parecer para elas que os custos de contra-atacar sejam aceitaveis.

Samael escreveu:Com uma forçação de barra bem marxista, que enxerga caracteres ahistóricos em todas as sociedades para legitimar o discurso historicista (coisa que você está fazendo, embora não admita), você pode afirmar isso.



Os caracteres ahistoricos que eu assumo sao as categorias da acao humana. Como os individuos operam e cooperam para atingir seus fins, e o fenomeno social como produto dessa cooperacao.

Se e isso que voce esta chamando de historicismo, entao eu sou historicista segundo voce. Mas segundo voce todo mundo e historicista ("toda analise historica e historicista"), embora voce use o termo como pejorativo em expressoes como "discurso historicista". Eu acho e que voce nao tem a mais minima ideia do que voce esta falando, mas deixemos que voce mesmo se explique.
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Samael escreveu:Óbvio que, na sua análise histórica teleológica e historicista, a sociedade deve caminhar para o "melhor", ou seja, para a "civilização", e existe um fator ahistórico que deve emergir naturalmente em todas as culturas: a propriedade privada. Nisso você força sociedades diferentes a possuírem uma mesma estrutura e, nessa generalização, a legitimar o seu caminho pré-determinado rumo ao fim do Estado.


O carater universal da propriedade privada decorre do fato dela ser a unica solucao possivel para o problema da ordem social num ambiente onde as numerosas diferentes pessoas teriam numerosos e diferentes fins e os meios para atingi-los seriam diversos porem escassos, o que parece ser a realidade de quase todas as sociedades humanas.

A civilizacao e o estado no qual os individuos de uma determinada sociedade teriam desenvolvido atraves de instituicoes que delimitassem e possibilitassem a exploracao da propriedade privada e dos contratos entre os individuos livres, para beneficio dos proprios individuos.

Essa civilizacao emergiria da racionalidade pelo fato de que como as pessoas seriam consideradas racionais cedo ou tarde elas concluiriam que determinadas instituicoes sao eficazes para preservar a ordem que possibilita que atinjam seus fins e lhes apresentam outros fins nao antes imaginados. Os objetivos de um homem moderno dificilmente sao os mesmos de um homem primitivo, pois a sociedade criou varias possibilidades novas. Esse homem, mesmo que nao reflita conscientemente a esse respeito, sabe que a observacao das instituicoes da sociedade e o unico meio pelo qual toda a producao atual e possivel, e assim ele pode usufruir de bem mais do que poderia se essas instituicoes nao fossem observadas. Talvez seja por intuicao moral, por selecao daqueles que sao capazes dessa percepcao em nivel maior do que a consciencia, que a sociedade e possivel. Eu chamo isso de racionalidade.

Uma outra forma de ver o problema e analisando a economia do roubo. O roubo e uma atividade economica que consiste em subtrair bens de algum individuo e entrega-los a outro individuo (normalmente o proprio ladrao que efetuou o assalto). Sem colocar nenhuma carga pejorativa a priori no ato de roubar, segundo essa definicao, temos que a doutrina de transferencia de renda do socialismo e uma doutrina de roubo. Numa primeira analise pode-se pensar que o roubo geraria um jogo de soma zero: alguem perderia para outro ganhar. Mas na verdade, a questao e mais sutil. O roubo nao produz: a quantidade total de riqueza e no maximo identica apos um roubo bem sucedido. Mas o roubo consome tempo e recursos para ser efetuado, o que diminui a disponibilidade dos mesmos para aumentar a producao. Alem disso, o roubo estimula os detentores de recursos roubaveis a gastar uma parte de seu tempo e recursos para criar mecanismos que diminuam a probabilidade de serem roubados, assim como incentiva a producao apenas de itens que sao dificeis de serem roubados. Ainda ha o efeito de que caso nao haja penalidade para o roubo, atividade atrairia numero suficiente de pessoas para que seu retorno fosse exatamente o mesmo que qualquer outra atividade economica, que por sua vez estaria menos produtiva devido a existencia e popularidade do roubo. Afinal, nao ha lealdade entre ladroes, um ladrao roubaria o outro sem nenhum escrupulo, caso tivesse a oportunidade.

Essas consideracoes mostram que a economia do roubo e um jogo de soma negativa no qual, mesmo no longo prazo, os relativamente beneficiados se sairiam pior. E exatamente essa a logica que reduz os lucros monopolisticos. Quando poucas empresas sao permitidas num determinado mercado e elas estabelecem precos minimos para seus artigos, elas passam a competir entre si em outras qualidades nao controladas, tentando apoderar o mercado dos outros monopolistas e aumentando seus custos ate que eles se consumam todos os ganhos monopolistas que conseguiram. Isso pode ser ilustrado com companias aereas americanas que na decada de 60 e 70 tinham tarifas controladas, para evitar guerras de precos, e que competiam entre si oferecendo os melhores e mais caros servicos de bordo; muitas vezes tendo lucros muito menores que setores nao monopolisticos.

Outro ponto seria a competicao por cargos politicos. Quanto maior o beneficio pessoal a ser extraido de um cargo politico, maior e a competicao e os gastos que os pretendentes a politicos estarao dispostos a fazer para consegui-los. No final, a politica seleciona aqueles que foram mais competentes nos seus gastos, e penaliza varios que foram incompetentes. Quando pensamos em politicos, normalmente pensamos apenas naqueles que foram eleitos e ganharam muito com a eleicao (por cima ou por baixo dos panos). Raramente lembramos de todos que nao foram eleitos (ou que apoiaram candidatos que nao foram eleitos) e perderam muito ao tentarem se-lo.

Monopolios e politica sao apenas cristalizacoes da definicao que eu dei acima para roubo, e seguem a mesma logica de longo prazo. Num sistema de pessoas racionais, e de se esperar a percepcao desses efeitos e tentativas de corrigi-los atraves de regras que coibam o roubo (no sentido geral). Afinal, no caso de ser ladrao pagar menos que ser honesto, e de se esperar que o "malandragem" depois de algum tempo caia na real e tome vergonha na cara.

Para o socialismo, temos que a criacao de mecanismos de transferencia de renda geraria incentivos para que os beneficiados continuassem recebendo e maximizassem o seu ganho, isto e, desempregados nao arranjariam empregos, familias pobres continuariam a ter filhos sem a mesma atencao que teriam se estes nao aumentassem sua renda em privilegios governamentais, pessoas com doencas ou propensao para te-las nao tomariam os cuidados que tomariam caso os custos desses males fossem pagos do seu proprio bolso, e etc ad nauseam. Assim como os pagadores de impostos tomariam todo tipo de preocaucao para realizar o maximo possivel de operacoes nao sujeitas a impostos, mesmo que essas operacoes sejam menos produtivas. Deixam de contratar um funcionario extra pois seu custo em impostos supera o acrescimo de produtividade, realizam maiores consumos em itens debitaveis do imposto de renda, gastam tempo e dinheiro pesquisando formas de ganhar e manipular dinheiro sem te-lo confiscado pelo governo, pagando advogados especialistas e contadores apenas para realizar essas estrategias. Nada disso aumenta a produtividade, muito pelo contrario. Tirando politicos, advogados e contadores (que por sua vez no longo prazo tambem perderiam com o aumento da concorrencia), e esperado que no saldo geral do socialismo de transferencia, tanto pobres quanto ricos saiam perdendo. A racionalidade deve banir o socialismo de transferencia por ser uma tipica economia de roubo ineficiente.

Pode-se argumentar, com algum nivel de razao, que existam escroques naturais, cujo unico talento real seria a ladroagem. Para essas pessoas, viver honestamente nunca teria a mesma remuneracao que viver de politicagens ou trambicagens diversas. Eu nao duvido, mas acho que esses sao casos raros. A maioria dos politicos, dos monopolistas, dos socialistas e dos ladroes em geral poderia se dedicar a atividades realmente produtivas, sem lesar a propriedade alheia. Se nao o fazem e devido a uma percepcao errada que tem dos lucros de suas atividades biscateiras, que tenderia a ser anulada no longo prazo caso consideremos esses sujeitos como racionais, ou devido a regras sociais que facilitem o tipo de escroquetagem que praticam, regras que tenderiam a ser modificadas caso consideremos o resto das pessoas lesadas como racionais.

Assim, o livre mercado dentro da ordem privada dotada de regras que penalizem o roubo no sentido geral (que incluiria as transferencias socialistas) e a forma que otimiza o payoff de todos os envolvidos no longo prazo. Essa e a forma para qual as sociedades de individuos racionais devem convergir. Veja que aqui eu nao parti de nenhum postulado arbitrario de que a propriedade privada e boa e o roubo e mal. Eu mostrei porque individuos racionais chegariam a essa conclusao e estabeleceriam instituicoes que minimizassem os prejuizos decorrentes do roubo, do ponto de vista individual, inclusive dos proprios ladroes. A percepcao individual dos efeitos globais do roubo, inclusive para o proprio bem estar do ladrao, levaria os individuos da sociedade a estruturar essas instituicoes.

O processo que decorre dessas percepcoes e cria as regras da sociedade e que eu estou chamando de civilizacao.


Samael escreveu:Pouco importa se são "esparsas" ou não. Eu não estou preocupado com juízos de valor aqui. Fato é que a propriedade privada NÃO emergiu naturalmente em várias sociedades, o que invalida o seu historicismo batido.


Importa bastante. Voce esta querendo pegar casos particulares de micro-comunidades extremamente homogeneas, de pessoas que comungariam os mesmos objetivos e crencas metafisicas, e que basicamente funcionariam como uma grande familia amorosa, e extender isso como se eu pudesse no mundo altamente heterogeneo e diverso que vivemos conseguir que o padeiro me fornecesse pao por puro e simples amor.

Nao, fora dessas comunidades fechadas, no mundo diverso e heterogeneo em que vivemos, infelizmente ou felizmente, o padeiro nao esta fabricando pao por amor aos demais, ele quer algo em troca. Nos podemos conseguir pao trocando-o pelo que o padeiro quer, ou simplesmente tomando o pao dele via roubo. Como eu analisei anteriormente, todas as formas de roubo tendem a ser eliminadas ou combatidas no longo prazo, inclusive o roubo "socialista".

Se voce quer ser pedante, eu "me corrigirei" (embora isso ja tenha ficado bem claro desde o comeco), dizendo que a propriedade privada emerge "naturalmente" em sociedades de pessoas racionais porem DIVERSAS, com objetivos e fins DIVERSOS, e onde os recursos que serviriam como meios para atingi-los sejam ESCASSOS, de modo que haja um problema real de ORDEM SOCIAL a ser resolvido. Toda vez que ha esse problema, a solucao racional sera a propriedade privada (sociedade de contratos), e a irracional sera a guerra de todos contra todos (sociedade de roubo). A racionalidade dos indiviudos estabelece instituicoes que privilegiariam no longo prazo a solucao racional.

Essas comunidades que voce cita como exemplos representam realidades onde o problema da ordem social nao existe ou e insignificante. As pessoas comungam fins (comunidades isoladas de religiosos fanaticos), ou estao satisfeitas com os recursos disponiveis pela natureza ou ja produzidos de maneira a nao se interessarem em realizar demarcacoes de propriedade (eu nao conheco nenhum exemplo, mas talvez algumas comunidades indigenas coletoras pudessem numa primeira aproximacao se assemelhar a isso). Como eles nao teriam problema da ordem social para resolver, eles estao pouco interessados em estabelecer sua solucao natural. A partir do momento em que eles se diversifiquem ou ampliem suas ambicoes, de modo que os objetivos passem a ser diferentes e os recursos disponiveis passem a ser escassos, eles terao que lidar com a mesma sorte de problemas que nos tratamos acima. Se isso ocorrera no futuro dessas sociedades ou nao, e algo que eu nao posso dizer. Mas de qualquer modo, tendo a acreditar que o simples crescimento da populacao e do estoque de conhecimento disponivel, embora lentos, seriam suficientes para produzir essa transformacao e criar um problema de ordem social.


Samael escreveu:Não, a maioria deles são exatos contrários ao marxismo. O pós-modernismo É uma resposta natural à decadência do paradigma marxista.


Ok, nao sou conhecedor de pos-modernismo, nao vou me aprofundar em algo que eu desconheco.

Samael escreveu:O historicismo ao qual me refiro é a a forma de análise histórica hegeliana, onde delineamos um fim determinado à história (o objeto trabalhado) e então construímos um "caminho coerente" baseado nos fatos anteriores até esse fato tido como objeto. É a única forma mimimamente confiável de se fazer história, na minha opinião. E você não foge a ela. Mises também não.


Ok, agora voce apresentou sua definicao.

Entao, voce esta sendo influenciado exatamente por acreditar que esse e o unico modo de pensar. Voce tem um martelo na mao e por isso pensa que todo problema que aparecer e um prego.

Eu nao estou sendo historicista simplesmente por perceber um determinado tipo de ordem que deve emergir numa sociedade. Observar e analisar a ordem e a tarefa de todo raciocinio cientifico.

O historicista discorda que os agentes historicos individuais tenham papel significativo na construcao dessa ordem, e que fenomenos historicos se processariam para produzir aquilo que ele profetizou como sendo o fim dos tempos.

Minha analise, baseada em Mises, Hayek, Popper, Stuart Mill, Rothbard, Marshall, Locke e diversos pensadores utilitaristas e de direitos naturais, nao tem nada disso. Tenta-se compreender a sociedade como conjunto de individuos racionais e o que o individuo racional quer agindo em sociedade com outros individuos racionais. A historia das sociedades seriam os fenomenos produzidos pela acao desses individuos num determinado estado de conhecimento ao tentar estabelecer a ordem que eles julgariam mais eficiente para satisfazer seus interesses individuais. Esse processo, ainda que possa ser visto como uma marcha para a ordem privada livre, nao tem nada a ver com um fim coletivo de uma classe, mas com as escolhas que os individuos fariam ao agirem racionalmente com outros individuos, buscando a propria felicidade. De consideracoes desse tipo que se tiraria uma interpretacao correta dos fenomenos historicos e economicos, e nao do romantismo de grandes nacoes, classes e racas, cuja existencia e destino seriam dados a priori, lutando no cenario historico ate o climax onde os vencedores seriam hegemonicos. Nacoes, racas e classes sao meros grupos arbitrarios de individuos, cuja existencia e inventada por individuos e dissolvida por individuos. Seu papel historico e o de simples produto da atividade de individuos, nao sao protagonistas de nada.

O fato dos individuos racionais privilegiarem uma ordem privada no longo prazo, assim demonstrado, nada tem de historicista portanto.


Samael escreveu:Alguns capítulos. Mas li por inteiro a análise de Perry Anderson sobre a obra. Li e não gostei, aliás.

Me parece que a obra do Fukuyama vai além disso, ela retoma a idéia que Hegel tinha de "sociedade ideal" com fim no Estado (eu já abordei isso num post anterior) e, assumindo a idéia de que a história é basicamente a "história da luta de classes", como desejava Marx, a História realmente acabou, visto que o capitalismo, mesmo que em formas mais ou menos estatizadas, se provou um sistema de produção e de organização social muito superior a qualquer outro.


Humm... talvez eu leia quando tiver mais tempo livre e menos coisas acumuladas para ler.

Samael escreveu:Você necessariamente cai na concepção de "grupos sociais" quando reforça que a mudança histórica vem de indivíduos que se unem e modificam a sociedade por um objetivo qualquer. Você não saiu o historicismo.


Claro que nao. Porque esses grupos nao sao atores protagonistas de uma historia, mas eventos criados pela associacao de individuos e que podem ser dissolvidos assim que qualquer solucao mais eficaz seja encontrada e conhecida pelos reais atores, os proprios individuos. Ai e que esta a grande diferenca. Nao existe a raca ariana, existiram individuos que acreditam fazer parte de um grupo que chamava a si proprio de "raca ariana".

Samael escreveu:O historicismo não é simplesmente um reducionismo estruturalista, ele é uma forma de fazer a história, com seus milhões de nexos causais muitas vezes inimagináveis e inatingíveis para nosso intelecto, tornar a análise histórica inteligível.


Com certeza e impossivel rastrear a historia de cada individuo que viveu e a forma como ele interfeririu no mundo. Para isso criamos essas estruturas que ajudam a compreender, de uma forma aproximada, determinadas epocas e a mentalidade das pessoas que nelas viveram, tendo assim uma forma de deduzir as razoes principais de suas acoes.

O problema e quando o intelectual que cria essas estruturas auxiliares para ajudar a compreender seus problemas se esquecesse disso e passa a achar que essas estruturas sao o real objeto de sua analise, e nao a ferramenta. Esse e o vicio do historicismo.


Samael escreveu:Analisar apenas indivíduos, isoladamente, não serve de muita coisa. No máximo, serve à história narrativa comum a Ginzburg e algumas "perfumarias" das mentalidades francesas. Nós sempre precisamos sair dessa perspectiva, como colocava Weber, e "analisar a floresta, ainda que tenhamos atentado a algumas poucas árvores anteriormente". Mesmo em Weber, nós iremos tirar alguns indivíduos como amostra e disso deduziremos grupos sociais que serão os verdadeiros atores de um processo histórico efetivo.

Ou seja, não temos como sair do historicismo. O que podemos fazer é quebrar a estrutura de determinado intelectual caso ela apresente problemas (exemplo do que Weber faz com a estrutura de classes de Marx), mas não temos, ao menos enquanto fazemos história, como fugir disso.



E o que eu acabei de dizer. Uma coisa e reconhecer a impossibilidade de se conhecer a historia de cada individuo, outra completamente diferente e dizer que ela nao tem papel na analise dos fatos historicos, que seriam produto apenas da historia dos grandes coletivos (criados arbitrariamente pela analise do intelectual historicista).

Essa diferenca de postura e fundamental, e permite evitar equivocos brutais, como os do historicismo hegeliano e marxista e seus derivados. Naquilo que eles realmente diziam de inovador, nao passavam de misticismo, de uma crenca em grupos sobrenaturais com destinos tracados nos anais da historia do mundo, aos quais tinham acesso apenas as mentes iluminadas de Hegel e Marx.


Samael escreveu:Eu gostaria de ler.



Achei : viewtopic.php?f=1&t=2529&st=0&sk=t&sd=a&hilit=irracionalidade+crist%C3%A3

O texto foi escrito ha algum tempo, hoje eu revisaria algumas coisas, mas de uma forma geral, e isso ai.


Continua.
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Samael escreveu:Eu não gosto desse tom panfletário. É óbvio que eu prefiro mil vezes estar no que ele chama de "sociedade aberta", mas isso sempre me cheira a bajulação hipócrita daqueles que preferem fechar os olhos aos problemas oriundos dessa mesma sociedade. Ainda que, obviamente, essa seja infinitamente melhor que as outras sociedades existentes.



De novo, acho seria mais conveniente ler do que destilar preconceitos de qualquer ordem.

Mas ja adiantando, fique sabendo que na concepcao desses autores, a sociedade aberta era um conceito, nao uma representacao de sociedade existente. As sociedades podiam ser mais abertas ou mais fechadas, naquilo que sobretudo se referia as liberdades individuais de acao e pensamento consideradas fundamentais para esses autores.

Os defensores da sociedade aberta criticavam e nao bajulavam as sociedades onde viviam, pois achavam-as insuficientemente abertas. Denunciavam os inimigos da sociedade aberta pela influencia que seus pensamentos tinham na construcao de utopias coletivas que na verdade produziam escravidao e ignorancia. Nao direcionavam suas criticas para apenas para a Alemanha Nazista e a URSS, embora muitos autores tenham vivido essas realidades. Eles percebiam as sementes dessas mesmas falhas bem enraizadas na cultura e na politica do proprio "mundo livre", e eles eram bastante claros ao denunciar isso.


Samael escreveu:Acho que temos um probleminha conceitual aqui. Isso que você chamou de "historicismo" eu chamo de "problema de uma análise histórica ultra-estruturalista e generalizante". Mas eu acredito na idéia de "causação circular": os indivíduos alteram o meio e são alterados por esse mesmo meio.


Dependendo de como isso for tomado, e auto-evidente. As pessoas nao ficam apenas alterando o meio em que vivem, elas absorvem a informacao que recebem e transformam a si mesmas.

O que eu estou falando e que essa informacao e produzida e transmitida por individuos, e sao os individuos os que as transformam e influenciam outros individuos a se transformarem. Nao existe o "meio" absoluto, que transforma e e transformado. Existe o "meio" relativo a um individuo especifico, que sao todos os demais individuos que nao sao ele proprio.

A "causacao circular" e um conceito enganador, pois imagina um meio absoluto e independente dos individuos, assim como o conceito de que os individuos sao produtos do meio.

O problema com o historicismo e que nele existe a crenca de que os padroes que a historia revela sao a unica e indubitavel fonte de conhecimento para uma analise do futuro. E o mesmo erro do indutivismo cientifico. So que esses padroes sao escolhidos arbitrariamente segundo as apreciacoes esteticas de seus promotores. Nao ha nenhuma razao para esperar que os fatos que eles consideram como relevantes e como definidores de padroes, fatos que normalmente compreendem determinados coletivos, sao mais importante do que outros que eles simplesmente ignoram.

O que eu estou colocando e que voce chama de historicismo nao e uma analise dos "fatos historicos buscando revelar uma tendencia", muito pelo contrario. Estou tentando examinar quais sao os dados irredutiveis da realidade humana (as categorias da acao), assim como qual e o fundamento da Etica, e atraves das teorias propostas sobre esses dados, buscar interpretar os fatos historicos e lhe atribuir alguma relevancia. E o exato oposto do historicismo.

A historia nao deve ser a fonte de onde deve-se buscar o conhecimento. O conhecimento e algo a ser buscado pelo espirito. A historia pode sugerir pistas verdadeiras como falsas, dependendo dos principios que utilizamos para observa-las e do conjunto de dados que escolhemos como relevante a priori. Sem um conhecimento teorico previo, e levando-se em consideracao que nao temos acesso nem podemos analisar a todos os dados, mas apenas a uma pequena fracao deles, qualquer assertiva baseada em padroes sobre esses dados e simplesmente inconsequente. Somente quando disposmos de alguma hipotese e que a historia, atraves de um conjunto de dados seleto, nos sera util para eventualmente falsear essa hipotese.

A escola Historica germanica dizia que nao havia ponto em estudar os fundamentos das ciencias sociais e economicas, propondo hipoteses sobre a razao e acao do homem em sociedade, quando estas poderiam ser plenamente extraidas da experiencia historica. Isso e uma grave incompreensao da propria metodologia que eles empregavam, cuja tecnica consistia em coletar e divulgar resultados sobre dados que ja eram considerados como adequados por teorias previas e nao por simples apreciacao historica.

Esse e, de forma extremamente resumida, o fundamento da critica ao historicismo feita por Mises e Popper, e mais tarde por Hayek.


Samael escreveu:Cara, não sei quanto a Alemanha, mas a Rússia alternou todo tipo de monarca até a Revolução Russa. O recrudescimento do aparato estatal é mais presente no governo de Nicolau I, por exemplo, mas não é uma regra. Não existe uma caminhada gradual rumo ao estatismo na Rússia. O que existe é um Estado absolutista anacrônico, que perpetua seu poder numa nação ultra agrária e muito atrasada, que dá lugar, a partir de uma Revolução sangrenta e um Golpe de Estado ainda mais sangrento, a um partido socialista que mal conhecia o significado de "democracia moderna", ou, quando conhecia, considerava-o o mais puro sistema burguês de dominação.


Leia "O caminho para servidao".

Voce vera que as politicas de Bismark, apoiado pela escola historica germanica, que embora fossem em teoria contrarias a expansao da ideologia socialista padrao, por serem contra o Reich, implantaram um regime economico centralizado, e muitas reformas sociais (Sozialpolitk), consistindo basicamente numa implementacao sobre uma outra bandeira do programa dos socialistas. Eles achavam que estavam combatendo os socialistas, mas na verdade estavam fortalecendo sua ideologia e produzindo as transformacoes que eles almejavam.

Na Russia czarista a coisa se deu de forma similar. Ainda que o Estado reprimisse rebeldes e opositores comunistas, nas suas politicas eles introduziam exatamente o mesmo programa de reformas proposto por eles. A vitoria marxista ja estava concluida antes de 1917. Os revolucionarios apenas derrubaram via golpe um regime que fez de tudo para se auto-destruir, e eliminaram algumas instituicoes reacionarias que ja estavam caindo de podre. Nao que eles nao tenham feito isso sem derramar muito sangue, como de costume. Mas nao inventaram nada de realmente novo.

Um caso interessante e o do partido socialista americano. Ele nunca conseguiu controle de nada exceto de algumas prefeituras minusculas e algumas cadeiras no legislativo em certos Estados. Os candidatos a presidente lancados por esse partido nunca tiveram mais de um milhao de votos. Na sua plataforma de 1928 eles defendiam reformas radicais que incluiam a criacao da "social security", de salarios minimos e o fortalecimento de sindicatos. Mesmo sem ter nenhum representante eleito, todos os pontos importantes do seu programa se veriam implementados menos de 10 anos mais tarde.

Existe um grave erro em se confundir penetracao politica visivel com penetracao ideologica invisivel. Muitas vezes, a bandeira do governo nao diz absolutamente nada. O fato da Russia e da Alemanha terem sido monarquias conservadoras antes de descambarem para o socialismo totalitario nao atesta para qualquer mudanca subita de mentalidade promovida por uma revolucao, e na verdade a coroacao de um longo processo de infiltracao ideologica que acabava por destruir o sistema por dentro, e nao por fora, como gostam de pensar os apreciadores da rebeliao. Os grandes responsaveis pelas transformacoes que jogaram a Alemanha e a Russia no obscurantismo coletivista nao foram os que hastearam as bandeiras revolucionarias, mas os politicos anteriores que eles acreditam ter derrubado pelo triunfo de suas vontades, e nao por uma sequencia de erros que teima em se reproduzir ate hoje.


Samael escreveu:Ah, claro, e os conflitos CAPITALISTAS colonialistas não significaram nada, né?


O colonialismo nao tinha absolutamente nada a ver com o capitalismo liberal. E claro que existiam capitalistas que lucravam com as colonias, mas esses lucravam com o crescimento do Estado e eram os amigos do rei. Atacar esse capitalismo e simplesmente atacar um espantalho que voce mesmo criou, pois o que eu defendo sao exatamente instituicoes que separem o mercado da influencia do Estado, e que por fim eliminem o proprio Estado.

Os Estados estavam grandes demais, e na segunda decada do seculo XX a situacao ficou insustentavel. Os conflitos colonialistas sao apenas uma demonstracao do quanto o estatismo e o nacionalismo sao nocivos, sobretudo quando acompanhados de doutrinas imperialistas retrogradas, que imaginam que a riqueza de uma nacao e calculada pelo territorio que ela domina. Isso consiste basicamente num erro de causalidade: uma nacao para dominar um largo territorio e muitas populacoes precisaria ser muito rica, pois isso custa caro. Assim como alguem precisa ser muito rico para comprar um castelo, ter uma colecao de automoveis ou ter mais de vinte empregados na sua mansao. Mas isso nao e o que torna ninguem rico, e na verdade em geral apenas torna pessoas muito ricas um pouco mais pobres.

O imperialismo nao aumentava a produtividade per capta das nacoes, apenas demandava enormes gastos militares. E evidente que as companias que passavam depois a administrar os monopolios gerados pelo comercio com as colonias ganhavam bastante enquanto o governo as privilegiava, mas o ingles ou o frances medio apenas ficava mais pobre ao ter que financiar com impostos reais ou inflacionarios essas aventuras belicas e conquistadoras inconsequentes.

Os verdadeiros liberais daquela epoca eram fortes opositores da doutrina imperialista e do intervencionismo externo, e diziam que o verdadeiro patriotismo nao consiste em querer que seu pais subjugue as demais nacoes, mas que crie mais prosperidade e liberdade para seus habitantes e para todos que participem do livre comercio com ele.


Samael escreveu:O que é sobretudo bizarro, visto que muito economista por aí diz que "não se entende economia contemporânea" sem se ler o "Economia e Sociedade" do Weber. Como eu não sei nada sobre isso, me abstenho de comentar.


Nao li tambem, mas duvido que a afirmacao "de muito economista por ai" seja realmente relevante. Weber era interessante como sociologo, bastante inteligente nas suas colocacoes tambem sobre ciencia, e se destacava bastante do resto da escola historico germanica com quem mantinha contato. Suas competencias como economista sao questionadas por von Mises, embora eu nunca tenha parado para ler nada do que ele escreveu a respeito.

Samael escreveu:Eu não pretendi identificá-los ahistoricamente. Pretendi apenas mostrar que são termos confusos e que causam problemas a vários estudiosos, e que sua análise tendia a se deixar levar por essa confusão conceitual ao separar autores razoavelmente próximos por conta disso.


Eu estou ciente da confusao conceitual, uma arapuca elaborada justamente para nublar o raciocinio das pessoas e impedi-las temporariamente de produzir alguma conclusao logica. Essa estrategia foi plenamente empregada pelo lado errado: o socialismo.

Eu fui claro na minha definicao de socialismo. Muitos socialistas nao foram, arriscaria dizer a grande maioria. Mas isso nao os redime, apenas os incrimina mais, por faltarem com respeito a logica argumentativa.



Samael escreveu:Pessoalmente, os termos não me dizem nada. Socialista de que forma? Um pró-sociedade? Pró-indivíduo que tem o direito de se inserir no coletivo ou pró-coletivo que domina o indivíduo?

Liberal em relação a quê? Ao Antigo Regime? Aos princípios morais vigentes?

São termos vagos demais e que não fazem muito sentido.



Essa postura tambem nao e correta.

Socialismo tal qual a doutrina que determina a existencia de imposicao de instituicoes que controlem, centralizem e redistribuam a producao numa sociedade e uma doutrina bem definida.

Liberalismo tal qual a doutrina que rejeita esses controles tambem.

E sobre esses termos que eu estou argumentando, independente do esforco continuo de muitos socialistas de esconderem ou disfarcarem essas definicoes por tras de discursos demagogicos para inflamar massas e massagear o ego de certos intelectuais.


Samael escreveu:Eu quase não posto mais no fórum. Se respondo aos seus posts, significa que eu tenho algo a ganhar com isso. E, de fato, debato contigo não por "diversão" ou "birra ideológica", mas para validar minhas posições e encontrar possíveis refutações a elas, de forma a criar um jogo dialético. Por isso, quando você começa com o tom de panfleto, e não debate, eu faço alguma graça ou coisa assim, de forma a puxar o assunto pro cerne dele novamente.



E muito facil tratar argumentos espinhosos com algum gracejo e dizer que se trata de discurso panfletario. Eu nao faco isso com seus argumentos, procuro apresentar respostas que julgo adequadas, e quando tratam de temas que eu desconheco, eu confesso nao poder me aprofundar, como no caso do pos-modernismo e de determinados autores que voce cita.

Eu sei que voce e bastante honesto na maior parte do debate e faz colocacoes pertinentes, so esperaria que voce reconhecesse que eu tento ser tambem, e nao ficasse me acusando. Eu tambem nao ganho nada debatendo, e esses posts enormes tomam um bocado de tempo para serem redigidos. Alem disso, eu sei que voce e a unica pessoa que provavelmente lera isso, entao eu nao tenho a menor razao para ser panfletario. Se o meu estilo te incomoda, voce pode ate critica-lo. Eu procuro sempre empregar um estilo claro e direto, e as vezes isso pode soar agressivo. Mas acho que essas criticas, embora sejam bem vindas e me ajudem a melhorar, serao insuficientes se voce usa-las para se esquivar da problematica principal da discussao.
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Samael escreveu:E como você define esse racionalismo? Ele está presente no conjunto de atributos que definem seres humanos.


A racionalidade nao e um atributo biologico do homem. Seu cerebro na fase adulta como aparato material potencialmente capaz de produzir reflexao racional sim.

Sao coisas diferentes. Existem seres humanos que nao desenvolvem a racionalidade, seja por atavismos geneticos ou congenitos ou por nao terem recebido nenhum estimulo durante a infancia (Kaspar Hauser e outros casos semelhantes de criancas selvagens me vem a cabeca). Seres humanos primitivos talvez por viverem em grupos ja tivessem formas proto-racionais de comunicacao e regras de sociedade, mas com certeza nao eram racionais na forma ampla como concebemos o termo hoje. Eram potencialmente racionais.

E preciso antes de mais nada compreender essa diferenca.


Samael escreveu:Não existe essa de "razão potencial". Espermatozóides também têm potência pra fecundarem óvulos e formarem pessoas e nem por isso são objetos de proteção. A humanidade dos seres depende da inserção no conjunto de características que definem a humanidade, e não em alguma capacidade potencial de desenvolvimento racional.


Mas para a realizacao da sua potencialidade humana os espermatozoides dependem da acao de pessoas que nao tem para com eles nenhum vinculo de responsabilidade derivado de uma acao voluntaria precedente. Essa e uma potencialidade muito fraca, portanto.

A protecao garantida pela etica e extensivel apenas aos individuos cuja situacao existencial foi afetada diretamente pelas escolhas de outros individuos. No caso de uma pessoa que e assaltada, temos que o responsavel e o ladrao que a assaltou e dele que devemos cobrar, e nao do seu patrao que lhe pagou o dinheiro que terminou sendo roubado, nem de qualquer outra pessoa. E justamente por isso que os pais biologicos, e nao qualquer adulto, sao os primeiros a serem eticamente responsabilizados pela providencia dos recursos necessarios para a sobrevida e desenvolvimento de seus filhos, estejam eles em fases pre ou pos-natais.

Nao e a simples condicao humana, atual ou potencial em alguma ordem, mas a responsabilidade sobre acoes que implicam na condicao humana que determinam a necessidade de uma abordagem etica do problema. Voce nao esta eticamente vinculado aos seres humanos que foram vitimas de genocidio na Ucrania em 1931, mas alguem esta (ou estava). Se voce um dia engravidar uma mulher, eu nao serei o responsavel pela futura (espero) crianca, voce sera. E sobre os espermatozoides e ovulos, ninguem no mundo e responsavel.


Samael escreveu:Não é a moral que deve ser definida biologicamente, é o mecanismo material que dá origem ao "pensar moralmente". Sabemos agir eticamente graças a todo um aparato intelectual que pode ser definido biologicamente, e somos dignos de proteção graças a uma série de atributos que nos qualificam ATUALMENTE como pessoas.


Ai e que esta. O "pensar moralmente" nao e produto de um mecanismo material. O cerebro humano apenas permite que o homem acesse verdades que continuariam sendo verdadeiras se seu cerebro fosse mais simples ou defeituoso e nao as alcancasse. A moral em si nao pode ser explicada pela biologia ou pela mecanica, ela e uma verdade a parte. Ela nao deriva do mecanismo especifico que a alcanca, mas de conceitos e valores eternos.


Samael escreveu:E você ainda não deu justificativas plausíveis a ninguém para considerar isso relevante.


Exceto para todos aqueles que considerem imoral assassinar alguem dormindo, ou em coma, ou um bebe.

Samael escreveu:Não, pois crianças possuem as características necessárias, contidas no conjunto P, que as delimitam enquanto seres humanos.


Pois entao porque voce nao nos brinda com uma enunciacao dessas caracteristicas do conjunto P, que se aplicariam a bebes recem-nascidos mas nao a fetos de 8 meses? Ou talvez se aplicassem a fetos de 8 meses, mas nao de 4, tanto faz.

Samael escreveu:O conjunto de características que define a pessoalidade não se caracteriza por maior ou menor quantidade de células ou coisa assim, mas pelas características que (derivadas dessas mesmas células ou não) as pessoas possuem. Essas características não são imanentes. São adquiridas com o desenvolvimento biológico, e todo e qualquer corte no processo é sempre arbitrário. Entretanto, o corte arbitrário na questão do aborto defende que potência de humanidade não é característica suficiente para que se considere aquele ser como um "ser humano".


Um corte arbitrario nas fases do sono; ou no tempo de coma; ou na infancia de um individuo produziria efeito moral semelhante e voce ainda nao apresentou nenhuma contra-argumentacao valida a essa colocacao.

Abortistas precisam assumir que o seu principal argumento nao difere de uma defesa da execucao sumaria de criancas pequenas e ainda desprovidas de todos os atributos biologicos e morais que definiriam um ser humano adulto. Alias, tais atributos ainda dependem da civilizacao que esse homem pertence, ou mesmo da sua familia e de seus tracos particulares de personalidade. Assim, o abortismo ao assumir cortes arbitrarios estaria estabelecendo uma base moral para a segregacao civilizacional ou segundo qualquer criterio, autorizando o exterminio dos seres humanos subdesenvolvidos nao possuidores dos atributos definitivos (que eles proprios arbitraram). Abortismo = nazismo.


Samael escreveu:Analogia inválida. No primeiro caso, as características P estão apenas temporariamente inutilizadas, mas não deixaram de existir. No segundo, elas já existem.


Apresente as caracteristicas P, e mostre porque voce pode fazer isso sem ser considerado tao imoral quanto Adolf Hitler, que essencialmente fez a mesma coisa. E isso mesmo, e pro diabo com a lei de Godwin.

Samael escreveu:Deixa eu ver se entendi o seu argumento: não se sabe se um embrião é um ser humano ou não. Na dúvida, não podemos matar. Na dúvida, também não poderíamos matar também gametas, devido a esse desconhecimento. Mas, como as pessoas só podem ser responsabilizadas por atos seus, que partiram da sua vontade própria, elas não podem ser penalizadas pela morte de tais gametas. Mas podem ser responsabilizadas pela morte de um embrião, é isso?


De uma forma bastante resumida, e uma aproximacao do que eu venho dizendo desde o inicio. De qualquer modo, gametas sao irrelevantes, eles so foram introduzidos no debate devido a uma insistencia pueril dos abortistas na sua importancia.


Samael escreveu:Potencialidade de humanidade NÃO É humanidade e não há motivo algum para ser tomado como tal.


Quando os criterios que separam a potencialidade da atualidade tem necessariamente de ser arbitrarios, creio que o motivo e claro e manifesto para essa tomada.

Samael escreveu:O que valida seu argumento, embora não o faça deixar de soar completamente absurdo.


Talvez soe, pois conflita com os seus credos basicos. Mas nao se deixe enganar pela primeira impressao causada por conclusoes que diferem do senso comum, e procure examinar por falhas reais principios adotados e silogismos decorrentes.
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RicardoVitor
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Re: Quatro medidas para melhorar o sistema de saúde

Mensagem por RicardoVitor »

Samael escreveu:As sociais democracias são o quê?


Capitalistas.

Samael escreveu:Aliás, a sua análise histórica é teleológica e extremamente hegeliana.


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Trancado