Exigência de exame genético
Enviado: 08 Jul 2008, 04:59

Os negócios da vida
| 29.05.2008
A genética começa a se transformar em produto de consumo. E isso deve mudar para sempre a realidade de empresas de alimentos, saúde, medicamentos e de seguros
Por Daniel Hessel Teich e Melina Costa
Há mais de um século, cientistas de todo o mundo têm se dedicado a entender como os genes funcionam. Trata-se de uma epopéia de proporções monumentais que começou em 1905, quando o botânico dinamarquês Wilhelm Johannsen criou o termo “gene”, e ganhou impulso na década de 50, quando os pesquisadores James Watson e Francis Crick publicaram o primeiro desenho de uma molécula de DNA. Imediatamente apelidada de “hélice dupla”, a estrutura tornou-se um ícone global, quase tão reconhecível quanto a logomarca da Coca-Cola ou a do McDonald’s. Desde então, biólogos, médicos e pesquisadores passaram a analisar como os genes contidos naquela fita enrolada no interior das células de todos os seres vivos se organizam, como expressam suas características e, o mais importante, como é possível manipulá-los. Essa é a base de um dos ramos do conhecimento que se propõe a colocar o gene a serviço do bem-estar da humanidade. E tem sido, também, o ponto de partida para um fascinante segmento do mundo dos negócios: aquele que gira em torno do conhecimento da vida. No século 21, não é mais possível traçar cenários para setores como os de medicamentos, diagnósticos, planos de saúde, seguradoras e até alimentos sem avaliar as profundas conseqüências — e os bilhões de dólares — que as descobertas genéticas podem proporcionar.
O exemplo mais recente (e pop) do cruzamento entre pesquisa genética e capitalismo brotou no Vale do Silício, na Califórnia, região onde fica a sede das principais empresas de tecnologia do mundo. Foi lá que nasceram, no ano passado, duas companhias, a 23andMe e a Navigenics, que inauguraram um modelo de negócios inédito, apelidado pelos especialistas mais céticos de “varejo da genômica”. As duas empresas produzem análises de DNA sob encomenda, que podem ser compradas pela internet a preços que variam de 1 000 a 2 500 dólares. Elaborados com a saliva dos consumidores, que recebem o kit em casa e podem checar os resultados nos sites da 23andMe e da Navigenics, os testes rastreiam indicadores ligados a até 18 doenças, como diabetes, obesidade e alguns tipos de câncer. No caso da 23andMe (o nome é uma referência aos 23 pares de cromossomos que carregam o código genético humano), também é possível saber a origem geográfica e as características étnicas dos antepassados mais remotos (veja quadro na pág. 28). A 23andMe, que se tornou uma das mais celebradas e observadas empresas do Vale do Silício dos últimos tempos, mantém ainda um serviço na internet pelo qual os clientes que fizeram os testes podem compartilhar suas características genéticas com amigos, como se estivessem em um site de relacionamento do tipo Facebook ou MySpace.
Ainda não há números que ajudem a dimensionar o desempenho dessas companhias. Tanto a 23andMe como a Navigenics são fechadas, não revelam dados financeiros e começaram a realizar os testes, comercialmente, há apenas seis meses. Mas os especialistas concordam que se trata de um negócio inovador por pelo menos duas razões. A primeira é o apelo universal do produto. Por meio dos testes, qualquer pessoa pode saber se tem risco ou não de apresentar determinadas doenças e, conseqüentemente, tomar providências para diminuir a possibilidade de desenvolvê-las no futuro. Quem não tem curiosidade de saber uma coisa dessas? A segunda, e o fator mais importante de diferenciação, é o custo. Em junho do ano passado, um dos descobridores da estrutura do DNA, James Watson, teve seu código genético mapeado a convite de uma empresa especializada. Caso fosse pagar pelo serviço, Watson teria de desembolsar 1 milhão de dólares. Hoje, o mesmo exame sai por cerca de 300 000 dólares. Os mapas produzidos pela 23andMe e pela Navigenics são infinitamente menos complexos (analisam apenas pequenos fragmentos do código genético ligados à predisposição a doenças) e por isso se tornaram acessíveis a quem deseja enxergar um futuro possível nos próprios genes. “Com esses mapeamentos, o genoma finalmente se transformou num bem de consumo”, diz Patrick Chung, sócio do New Enterprise Association, um dos maiores fundos de capital de risco dos Estados Unidos, e investidor da 23andMe. “Temos em mãos um produto cujo público potencial são os 6 bilhões de habitantes da Terra.”
Calcula-se que, a cada ano, cerca de 350 000 pessoas façam algum tipo de exame genético nos Estados Unidos — a maioria delas, cerca de 300 000, testes de paternidade. A estimativa é que até o fim de 2009 esse segmento do mercado de exames laboratoriais movimente 12,5 bilhões de dólares. Trata-se de um setor altamente pulverizado, formado por laboratórios superespecializados. A grande diferença entre essas companhias e as duas start-ups californianas — e outras quatro novas empresas que já surgiram nos últimos oito meses para explorar esse novo mercado — está na finalidade do mapeamento genético. Enquanto os exames tradicionais são usados para resolver questões legais e diagnosticar doenças genéticas raras que atingem cerca de 5% da população, os novos testes são abertos a qualquer cidadão disposto a decifrar os meandros de seu código genético por simples curiosidade. Em Nova York, segundo reportagem do jornal The New York Times, testes genéticos viraram um objeto de consumo tão cobiçado quanto um iPhone ou um laptop de última geração. “Nosso objetivo não é fornecer diagnósticos médicos de doenças. Queremos tornar a genética interessante e divertida”, diz Anne Wojcicki, uma das sócias da 23andMe. Ex-analista da área de saúde em um fundo de investimento americano, Anne é casada com Sergey Brin, um dos dois fundadores do Google, maior empresa de internet do mundo.
Seria prematuro prever a longevidade e o sucesso financeiro de um negócio como a 23andMe. Para muita gente, enxergar-se no espelho genético pode parecer assustador — ou apenas inútil diante da inevitabilidade do fim. Para seus investidores, porém, é mais uma fronteira dos emergentes, amplos e bilionários negócios que giram em torno dos códigos da vida. A 23andMe recebeu recentemente uma injeção de cerca de 10 milhões de dólares. Entre os investidores estão o próprio Brin (que aplicou 3 milhões de dólares), o Google (4 milhões de dólares) e o laboratório de biotecnologia Genentech, uma das mais inovadoras empresas de produtos farmacêuticos do mundo, ligada à multinacional suíça Roche. A Navigenics tem como principal investidor o fundo de capital de risco Kleiner Perkins Caufield & Byers, do americano John Doerr. Considerado um dos papas do Vale do Silício, Doerr ficou bilionário apostando em empresas como Amazon.com, Netscape e Sun Microsystems quando ainda estavam em fase embrionária. Além dele, a Navigenics tem o apoio de Al Gore, ex-vice-presidente americano e prêmio Nobel da Paz. Gore não apenas colocou dinheiro na companhia como tem usado seu prestígio para promovê-la. No evento de lançamento do serviço de mapeamento genômico, há dois meses, ele fez questão de ressaltar sua confiança no sucesso da empresa num discurso para investidores, cientistas e jornalistas.
O impacto da genética nos negócios
Os setores mais influenciados pelas novas tecnologias e pesquisas genéticas
Alimentos industrializados
Tamanho do setor
1,5 trilhão de dólares
Impacto
Descobertas sobre como a dieta influencia o funcionamento dos genes levaram ao desenvolvimento de uma nova área de pesquisas para as grandes indústrias de alimentos, a nutrigenômica
O que as empresas estão fazendo
A Nestlé, por exemplo, pesquisa a relação entre os genes e a percepção de sabor. O objetivo é criar produtos para atender à variação de paladar entre os consumidores
Seguros
Tamanho do setor
2,2 trilhões de dólares
Impacto
Informações sobre o potencial que as pessoas têm para desenvolver doenças poderão ter grande reflexo no setor de planos de saúde e seguros de vida — nos Estados Unidos e na Europa já existem leis que garantem o sigilo das informações genéticas de pacientes
O que as empresas estão fazendo
Reunidas em associações, as grandes empresas do setor trabalham para encontrar um meio-termo nas negociações com os governos
Biotecnologia agrícola
Tamanho do setor
7 bilhões de dólares
Impacto
Os produtos agrícolas geneticamente modificados já são comuns nos principais produtores de grãos do mundo (Estados Unidos, China, Argentina, Brasil e Índia).A área destinada ao cultivo desses produtos cresceu 12% no ano passado e chegou a 114 milhões de hectares
O que as empresas estão fazendo
As pesquisas mais recentes buscam alterar o mínimo da estrutura genética original para diminuir a rejeição dos consumidores. É o caso do feijão resistente a vírus desenvolvido pela Embrapa
Produtos farmacêuticos
Tamanho do setor
740 bilhões de dólares
Impacto
Um dos ramos mais promissores da indústria farmacêutica é o dos “medicamentos personalizados”, no qual os produtos são desenvolvidos com base em informações genéticas
O que as empresas estão fazendo
A maioria dos grandes laboratórios farmacêuticos realiza pesquisas na área. O exemplo mais bem-sucedido é o da droga Herceptin, da Roche, com vendas anuais de 5 bilhões de dólares
Por enquanto, as informações fornecidas pelos mapas genômicos produzidos pela 23andMe e pela Navigenics não provocam um impacto direto no funcionamento de outros setores que vêm usando comercialmente a genética. O mérito dessas companhias é trazer um número maior de pessoas para esse universo. Apesar da enorme quantidade de estudos científicos que têm vasculhado o código genético humano nos últimos anos, a verdade é que pouco se sabe ainda sobre as formas de alterar seu funcionamento. O mapeamento genômico em larga escala, porém, pode ser útil para ajudar os cientistas a entender como diferentes grupos de pacientes reagem a certos medicamentos ou alimentos, levando-se em consideração suas características genéticas. São essas particularidades que levam, por exemplo, uma pessoa a ter reação adversa a um remédio e outra não. Da mesma forma, esse é o principal motivo para que duas pessoas com a mesma dieta tenham compleições físicas opostas: uma gorda e a outra magra. “Grandes oportunidades de negócios dos próximos anos sairão da ligação entre genética, indústria farmacêutica e de alimentos”, diz Kari Stefansson, presidente da deCODE, laboratório islandês que também faz mapeamento genômico.
Se existe hoje um consenso entre as maiores empresas de medicamentos do mundo é o fato de que o futuro de seu negócio está diretamente ligado ao estudo dos genes e seu funcionamento. Desde o fim dos anos 90, os laboratórios farmacêuticos apostam em um novo modelo de negócios, que segue o caminho oposto ao utilizado até agora, conhecido também como blockbuster. Segundo esse modelo tradicional, uma única droga é desenhada para um grande número de consumidores. O ganho está na escala. A idéia, agora, é criar drogas voltadas para pequenas porções de mercado, com características específicas. É o caso do Herceptin, da Roche, o mais bem-sucedido medicamento dessa nova geração, dirigido a uma variedade genética do câncer de mama que atinge cerca de 30% das mulheres que desenvolvem a doença. Mesmo com um mercado limitado, a droga fatura 5 bilhões de dólares por ano e tornou-se em pouco tempo um dos produtos mais importantes da Roche. “Os medicamentos personalizados, bem mais eficientes que as drogas convencionais, custam mais caro”, escreveu o analista de biotecnologia da consultoria Ernst & Young em Boston, Glen Giovannetti, em um relatório recém-lançado sobre o setor. O Herceptin é voltado para mulheres cujas células tumorais apresentam a superexpressão de um gene chamado HER2 e tem eficácia em 80% dos casos — ante apenas 40% das drogas comuns. “Hoje, já pesquisamos a possibilidade de personalização de quase todas as nossas novas drogas para verificar se elas atendem melhor um grupo específico de pacientes”, diz Lee Babiss, diretor mundial de pesquisa da Roche.
Os testes mais comuns
Até 2009, o mercado de exames genéticos deve movimentar 12,5 bilhões de dólares. Veja quais são os mais procurados nos laboratórios especializados
Exame em recém-nascidos
Quando surgiu
Década de 70
Para que serve
Identifica doenças genéticas, como fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito, logo no início da vida
Por que foi importante
Ajuda a deter o avanço de sintomas das doenças por meio de terapias específicas
Quanto custa
Gratuito(1)
Exame pré-natal
Quando surgiu
Década de 70
Para que serve
Identifica alterações cromossômicas de bebês em gestação. É oferecido a mulheres grávidas com mais de 35 anos
Por que foi importante
Ajuda a eliminar eventuais dúvidas dos pais e, em países onde o aborto é permitido, oferece a possibilidade de interromper a gestação
Quanto custa
900 reais
Paternidade
Quando surgiu
Década de 80
Para que serve
Ao se comparar o DNA dos indivíduos, é possível estabelecer relações de parentesco.
Por que foi importante
O exame determina a paternidade com mais de 99,99% de certeza, enquanto os testes anteriores apenas excluíam candidatos, mas não conseguiam indicar quem era o pai
Quanto custa
A partir de 600 reais
Diagnóstico preventivo
Quando surgiu
Década de 90
Para que serve
Identifica a presença de mutações que levam a doenças antes de os sintomas se manifestarem. Hoje, existem cerca de 200 testes desse tipo
Por que foi importante
Permite que as pessoas saibam com antecedência o risco de desenvolver doenças genéticas e, se possível, procurar tratamento
Quanto custa
De 300 a 6 000 reais
Mapeamento de genoma
Quando surgiu
2007
Para que serve
Revela qual a predisposição do indivíduo para desenvolver doenças comuns, como diabetes e alguns tipos de câncer
Por que foi importante
Permite que todos os indivíduos (mesmo aqueles que não têm doenças genéticas) tomem medidas preventivas
Quanto custa
De 1 600 a 500 000 reais
Fonte: Sérgio Pena/Laboratório Gene (1) Serviço pago pelo governo federal
A mesma tendência, de produtos personalizados feitos com base em estudos genéticos, já é corrente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento das empresas de alimentos industrializados. Um novo ramo da ciência chamado nutrigenômica tem se dedicado a investigar os vínculos entre a dieta das pessoas e a forma como os genes se manifestam. Sabe-se, por exemplo, que uma alimentação com baixo teor de gordura nem sempre ajuda a evitar doenças cardíacas — dependendo do perfil genético do indivíduo, pode acontecer exatamente o contrário. Por enquanto, as pesquisas estão em estágio inicial e tanto os cientistas como as empresas alimentícias ainda têm um longo caminho até compreender em detalhes a complexa relação entre nutrientes e genoma. Só então o mercado poderá receber, em escala industrial, produtos que possam mudar para melhor o funcionamento dos genes. “Acredito que levaremos pelo menos cinco anos para poder dizer o que as pessoas devem comer com base nas informações de seu DNA”, diz James Kaput, diretor de medicina e nutrição personalizada do FDA, organismo que regula alimentos e medicamentos nos Estados Unidos. A Nestlé, uma das maiores empresas de alimentos do mundo, já deu o primeiro passo em direção às pesquisas de nutrigenômica. No fim do ano passado, a companhia iniciou um trabalho cujo objetivo é descobrir a influência dos genes na percepção do gosto. O estudo, cuja parte clínica está sendo realizada no Brasil por um time capitaneado pela Associação Alberto Santos Dumont de Apoio à Pesquisa, terá duração de três anos. (O trabalho vem sendo conduzido simultaneamente no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça, sede mundial da Nestlé.) Ao final do projeto, a empresa espera ter informações suficientes para desenvolver alimentos mais agradáveis ao paladar de populações que, por influência genética, percebem o sabor de forma diferenciada. Ao investir nesse tipo de pesquisa, companhias como a Nestlé vislumbram um mercado consumidor futuro muito mais segmentado em relação ao que existe hoje. Esse mercado não seria apenas dividido pelo poder de compra ou por hábitos culturais. Ele também seria segmentado em grupos genéticos, identificados pela crescente indústria de diagnósticos.
As estatísticas atuais sobre os gastos com saúde mostram que 80% dos recursos movimentados pelo setor têm como destino o tratamento de doenças, entre internações hospitalares, cirurgias, terapias e medicamentos. Apenas 20% são destinados à prevenção — basicamente, exames para detecção precoce de doenças. A estimativa é que essa correlação mude para 50-50 nos próximos dez anos. E os testes de diagnóstico genético terão papel crucial nesse crescimento. Hoje, as maiores empresas do setor, como Siemens, GE e Philips, têm seu modelo de negócios baseado em equipamentos de diagnóstico por imagem, mas algumas delas já começam a rever esse posicionamento. É um movimento drástico, que se compara ao das empresas de telefonia, que, quando pressionadas pela evolução da tecnologia, começaram a migrar para novos negócios, como internet e TV a cabo. Só nos últimos dois anos, a alemã Siemens investiu 18 bilhões de dólares na aquisição de três empresas de exames laboratoriais (exatamente a área na qual o avanço da ciência genética tem ocorrido). Uma delas, a BayerHealthcare, faz análises genômicas para terapias personalizadas em casos de Aids e hepatite C. Graças a essa estratégia, a relevância da unidade de cuidados com a saúde aumentou e passou a concentrar 11% do faturamento da empresa, ante 4% no ano anterior. “A tendência é nos envolvermos cada vez mais com a análise de DNA e diagnósticos com base nessa tecnologia”, diz Reynaldo Goto, executivo de marketing da Siemens no Brasil. A GE trilha um caminho semelhante. Há quatro anos, a empresa comprou a Amersham, fabricante de equipamentos para pesquisa genética, como seqüenciadores de DNA.
Por boa margem de distância, o setor da economia em que as promessas dos avanços genéticos já se transformaram em realidade é a agricultura — as sementes geneticamente modificadas, ou os transgênicos, são o mais vistoso exemplo. Trata-se de uma vertente muito diferente da que se dedica ao estudo do DNA humano. A manipulação de genes de plantas é também complexa, mas começou cerca de 20 anos antes dos estudos com seres humanos. Apesar do histórico de resultados, ainda enfrenta uma tremenda resistência de grupos ambientalistas. Demonizados por supostos riscos ao meio ambiente e à saúde dos consumidores, esses produtos começam a vencer as resistências com base em um único fator: eficiência. Para os agricultores, sejam eles americanos, brasileiros ou senegaleses, os transgênicos representam uma brutal redução no consumo de água, energia, fertilizantes e, portanto, dinheiro. Atualmente, 63% de todo o milho e 78% do algodão cultivados nos Estados Unidos são modificados geneticamente. No Brasil, a área dedicada ao plantio de transgênicos cresceu 30% entre 2006 e 2007. Em meio à atual crise nos preços dos alimentos e grãos, os transgênicos começaram a ser aceitos até mesmo em países que não permitiam sua importação, como Japão e Coréia do Sul. O motivo é o custo: 1 tonelada de milho transgênico importada por esses países custa hoje 330 dólares, ante 430 dólares do milho convencional.
Atualmente, uma segunda geração de produtos transgênicos é pesquisada tanto nos laboratórios das grandes empresas do setor quanto em instituições públicas, como a brasileira Embrapa. “São produtos mais avançados que os da geração anterior e cuja manipulação é mais elegante”, diz o chefe-geral do Centro de Recursos Genéticos da Embrapa, João Manuel Cabral Dias. “Em vez de inserir genes de outros organismos no genoma, procuramos silenciar ou estimular os próprios genes da planta para conseguir determinado efeito.” Nos últimos três anos, a Embrapa tem se dedicado a pesquisar um tipo de feijão geneticamente modificado para resistir a um vírus conhecido como mosaico dourado, uma das maiores causas de perdas nas plantações do Brasil. Os pesquisadores inutilizaram um dos genes do DNA do feijoeiro que facilitava a infecção pelo vírus. Essa mesma técnica tem sido utilizada em vários outros lugares do mundo para, por exemplo, desenvolver plantas mais resistentes à seca, soja capaz de produzir maior volume de óleo e cana com teor mais alto de açúcar. A expectativa é que, com essa segunda geração de produtos geneticamente modificados, a indústria de biotecnologia aplicada à agricultura movimente 50 bilhões de dólares por ano em 2025. Atualmente, o setor fatura cerca de 7 bilhões de dólares.
Toda grande inovação científica traz consigo dúvidas e críticas. Na área de genética, assuntos como produtos transgênicos, uso de células-tronco em pesquisas terapêuticas e clonagem suscitam debates apaixonados — e aparentemente infindáveis. No caso dos testes genômicos, não é diferente. O principal temor é que eles sejam mal utilizados pelas empresas de seguros ou de planos de saúde, que passariam a cobrar mais de clientes com propensão a doenças graves. Nos Estados Unidos e em outros seis países da Europa, já existem leis que impedem a utilização dos dados de mapas genômicos por seguradoras. O problema é que esse tipo de medida, além de não contribuir para melhorar a saúde das pessoas, pode causar o que, em tese, deveria evitar: um aumento no preço dos seguros. E a razão é prosaica. Todo o cálculo dos custos desse setor é baseado em probabilidades e riscos — matemática pura e simples. Com base nessa premissa, uma pessoa acima de 60 anos paga hoje cerca de quatro vezes mais do que um jovem de 20 anos em um plano de saúde. Não podendo utilizar as informações genéticas em seus cálculos, que serão disponíveis apenas para os clientes, as seguradoras e os planos terão dificuldade de mensurar corretamente os riscos de cada associado. Como saber se o cliente que acaba de comprar um plano de saúde completo ou um seguro de vida polpudo não tem uma propensão genética grave? Como saber que os clientes com boa predisposição genética provavelmente custarão menos ao sistema de saúde e, portanto, poderiam pagar menos pelo serviço? “Na dúvida, as seguradoras aumentarão o preço para todos os seus clientes”, diz Michael Hoy, professor de economia da Universidade de Guelph, no Canadá. Segundo um estudo realizado por Hoy, o preço dos seguros de vida pode aumentar, em casos específicos, até 300% devido a essa distorção. O uso desse tipo de interseção entre genética e mercado, por mais racional que seja, está longe de um consenso. Estabelecer limites para o uso desse tipo de informação passará, necessariamente, por respostas a questões filosóficas. Uma delas: um suposto benefício coletivo justifica o uso de dados puramente individuais?
Nos países onde ainda não existem leis banindo o uso de informações genéticas, as companhias de seguro, reunidas em associações, têm tentado encontrar uma espécie de meio-termo nas negociações com os órgãos governamentais que regulam o setor. No Canadá, por exemplo, as companhias de seguro de vida não exigem que os consumidores façam exames de DNA, mas, caso já o tenham feito, solicitam acesso às informações. No Reino Unido, para evitar possíveis regulamentações impostas pelo governo, as próprias empresas decidiram não usar informações genéticas, salvo uma exceção: consumidores que comprarem seguros de vida com apólice de valor superior a 500 000 libras (cerca de 1,6 milhão de reais) e que tenham feito teste genético para a doença de Huntington — tipo de desordem neurológica que leva à morte — devem apresentá-lo. No entanto, essa posição é temporária. As seguradoras podem revê-la em 2011, dependendo das descobertas que forem feitas até lá e do grau de aceitação dos exames de mapeamento genético pela população. Para os ingleses, é uma solução prática no sentido de evitar confrontos entre as empresas, o governo e a opinião pública e, principalmente, para ganhar tempo até que se conheçam melhor os impactos que os testes genéticos terão na sociedade. As dúvidas são muitas. Uma coisa, porém, parece certa: uma nova fronteira de conhecimento está se abrindo rapidamente, com potencial, oportunidades e riscos ainda desconhecidos — e o mundo dos negócios já não pode ignorá-la.
FONTE: http://portalexame.abril.com.br/revista ... 60642.html
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