A única certeza é o imprevisto

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Res Cogitans
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A única certeza é o imprevisto

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A única certeza é o imprevisto

Um novo livro faz sucesso nos Estados Unidos com uma tese provocativa: o acaso tem um peso muito maior em nossa vida do que imaginamos

Leandro Loyola

Ao deixar o cargo de primeiro-ministro da Inglaterra no mês passado, Tony Blair escreveu um artigo para a revista The Economist. Em seu testemunho, confessou ter sido surpreendido pela realidade. Quando assumiu, dez anos antes, não esperava dedicar tanto tempo a questões de política externa como teve de fazer. Situação semelhante foi vivida por seu colega dos Estados Unidos, George W. Bush. Em 2000, os analistas previam que o governo Bush daria mais atenção à América Latina e teria como principais inimigos a China e a Rússia. As previsões viraram poeira com os atentados terroristas de 11 de setembro, em Nova York. Bush e Blair dedicaram a maior parte de seu tempo às guerras no Afeganistão e no Iraque. Tudo mudou por obra de uma surpresa. Por obra tão-somente do acaso.

O filósofo e matemático libanês Nassim Nicholas Taleb chama acontecimentos assim de “cisnes negros”, título de seu último livro, lançado em abril nos EUA. The Black Swan – The Impact of the Highly Improbable (O Cisne Negro – O Impacto do Altamente Improvável) alcançou na semana passada o décimo lugar na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Dono de um MBA em Wharton, uma das escolas de Administração mais respeitadas do mundo, e de um ph.D. na Universidade de Paris, Taleb foi corretor do mercado financeiro. Fez sua carreira lidando com operações arriscadas, conhecidas como derivativos. Hoje, longe do mercado, se dedica à filosofia e é professor na Universidade de Massachusetts.

Em seu livro, Taleb classifica como “cisnes negros” aqueles acontecimentos fora da normalidade e de extremo impacto. São fatos para os quais, atônitas, as pessoas buscam explicações em retrospecto. Os atentados de 11 de setembro se encaixam nesse perfil. Outros exemplos não faltam. Em 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, foi assassinado por um nacionalista sérvio em Sarajevo. Um evento solitário, que provocou uma reação em cadeia e levou à Primeira Guerra Mundial. Em 1987, numa segunda-feira de outubro, por motivos aleatórios, a Bolsa de Valores de Nova York sofreu a maior queda de sua história. Fortunas desapareceram, investidores faliram e alguns até se suicidaram.

Eis a tese de Taleb: o acaso tem um peso muito maior na História e em nossa vida do que gostaríamos de reconhecer. Somos surpreendidos por fatos fora da normalidade porque não reconhecemos os limites do conhecimento humano. Para Taleb, mais importante que aquilo que sabemos é o que não sabemos. Como a quantidade de coisas desconhecidas é muito maior que a de conhecidas, deveríamos parar de tentar usar nosso parco conhecimento, baseado no passado, para fazer previsões “enganadoras” sobre o futuro. O título do livro é uma alusão a uma história exemplar sobre os limites humanos. Baseados no conceito da observação, até o século XVIII os cientistas acreditavam só haver cisnes brancos – afinal, nunca haviam visto um espécime de outra cor. Tal verdade durou até a descoberta da Austrália, onde existiam cisnes escuros. Aquilo que julgávamos ser a realidade dos cisnes era irreal. Usar nosso conhecimento para prever o futuro não passa, portanto, de uma ilusão, pois o futuro é regido pelo que desconhecemos: o acaso.

Taleb é um partidário do acaso e um crítico feroz da indústria das previsões desde aquela segunda-feira de 1987, quando ainda era corretor. Ele diz ter se convencido de que o mundo não segue as regras do mérito e da lógica e é guiado mais por comportamentos extremos que pelo equilíbrio e pela igualdade. Nesse jogo, a sorte e o imprevisto teriam um impacto muito maior do que nós, humanos, gostamos de admitir.

Taleb se sente à vontade no papel de crítico da ciência tradicional e de seus métodos. Para ele, cientistas, intelectuais e especialistas de todo tipo acreditam saber muito mais do que sabem de fato. Com seu estilo falastrão, ele recomenda esquecê-los. Eles negligenciariam os “cisnes negros” por se concentrar demais em determinado tema, sem prestar atenção ao que está ao redor. Um exemplo prático foi a quebra da empresa gestora de recursos Long Term Capital Management (LTCM), em 1998. A LTCM tinha entre seus gestores os economistas Myron Scholes e Robert Merton, laureados com o Prêmio Nobel um ano antes. Nem isso salvou seus clientes de perder dinheiro, porque eles arriscaram demais em busca de alta rentabilidade.

No livro, Taleb enumera vários “cisnes negros”, sobretudo em sua seara, o mercado financeiro. De acordo com ele, fatos como a quebra da LTCM acontecem porque o método científico tradicional – observar o passado e o pre-sente para definir traços comuns e prever comportamentos futuros – não proporciona garantia. Nenhum sistema de controle teria conseguido prever ou evitar o tsunami de 2004. A onda gigante, resultado de um terremoto no fundo do Oceano Índico, varreu a costa de países da Ásia e da África e matou milhares de pessoas.

Em casos como esse, diz Taleb, manifesta-se outra característica dos “cisnes negros”. Os especialistas começam a construir as explicações em retrospecto e, devido ao pouco conhecimento, tentam forçar associações entre fatos, passam por cima de detalhes e chegam a falácias. Para cada previsão errada, Taleb aponta o “absurdo” de os cientistas não admitirem sua incapacidade ou insistência em fazer previsões. Em certas passagens, Taleb lembra o personagem Confuso, aquela motoquinha irritante do desenho animado, que perseguia seu chefe repetindo: “Eu te disse, eu te disse”.

A falha de Taleb é tentar, com sua tese, demolir todo o edifício científico. Enquanto fala sobre mercado financeiro, sua argumentação é precisa. Quando trata das armadilhas de confiar demais no conhecimento, também se sai bem. Seu problema é tentar expandir demais e desqualificar as explicações históricas diante do poder dos imprevistos. O ato de tentar prever o futuro é uma característica humana. Os investidores procuram antecipar as tendências do mercado, e esse é um dos pilares que mantêm em pé o sistema financeiro internacional. Falhas vão continuar acontecendo, e são elas que ajudam a aperfeiçoar os sistemas de previsão. Numa edição histórica sobre o legado do século XX, a revista inglesa The Economist apresentou um balanço de suas próprias previsões e fez troça com o fato de ter errado mais que acertado. Talvez a ironia ainda seja o melhor caminho para tratar nossas limitações como futurólogos.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/E ... 78,00.html
*Estou REALMENTE muito ocupado. Você pode ficar sem resposta em algum tópico. Se tiver sorte... talvez eu lhe dê uma resposta sarcástica.

*Deus deixou seu único filho morrer pendurado numa cruz, imagine o que ele fará com você.

Trancado