Até ordem franciscana vira alvo de ladrões
Enviado: 02 Nov 2005, 12:13

Grupo invadiu convento dos Capuchinhos na Tijuca, no Rio, e ameaçou frades; quadrilha levou cerca de R$ 1.000
Até ordem franciscana vira alvo de ladrões
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
O convento dos Capuchinhos, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, foi invadido na madrugada de ontem por oito homens que, com uma pistola e facões, ameaçaram matar oito frades e um vigia caso não mostrassem a eles onde estavam guardados "o dinheiro e o ouro".
Os capuchinhos integram parte de uma ordem franciscana, em que os frades são conhecidos por fazerem voto de pobreza.
O assalto durou cerca de 40 minutos. Agarrado pelo pescoço, o frei Reinaldo Ávila de Moura, 35, ficou o tempo todo com a pistola apontada para sua cabeça. O frei Vicente Artuzo, 52, foi mantido com uma faca contra a barriga. Apavorado, o frei Amílton Nascimento Salles, 43, jogou-se da janela do segundo andar na tentativa de escapar dos ladrões.
O convento fica nos fundos da igreja de São Sebastião dos Frades Capuchinhos, na rua Haddock Lobo, uma das mais movimentadas da Tijuca. A igreja não foi invadida. Segundo os frades, ela não guarda peças sacras de valor nem tem objetos de ouro e prata.
A polícia afirmou que a quadrilha levou cerca de R$ 1.000, talões de cheque, dois aparelhos de DVD, uma televisão, um rádio, documentos e relógios.
Os frades contaram na delegacia que dormiam quando dois assaltantes pularam um muro do convento, por volta da 1h15, renderam o vigilante Israife Borges, de 42 anos, e, por telefone celular, chamaram os outros seis integrantes da quadrilha.
A portaria principal foi arrombada e o convento, invadido. Os assaltantes subiram para o segundo andar da construção, onde ficam os aposentos dos frades.
"Acordei com uma pistola na cabeça. Um homem negro, que era o líder deles e parecia estar muito drogado, muito nervoso, gritava a toda hora que ia me matar. Ele repetia sempre que queria o dinheiro e o ouro. "Vou te matar, passa o dinheiro, passa o ouro". Era só isso que falava", disse à Folha o frei Reinaldo.
Em seu quarto, o frei Amílton ouviu os gritos dos criminosos, deduziu que era um assalto e, na tentativa de fugir, jogou-se da janela do quarto. Ao se estatelar em uma varanda localizada quatro metros abaixo, ele fraturou o braço direito e o tornozelo esquerdo e não conseguiu chegar à rua.
No Hospital Santa Terezinha, os médicos, diante da gravidade das fraturas, estipularam em 45 dias o prazo em que o religioso terá que permanecer imobilizado.
A versão dos colegas de que ele teria saltado para buscar socorro foi desmentida pelo próprio frade. "Na verdade, não foi bem assim. Quando saltei, eu pensava em me proteger."
Ao ouvir as batidas na porta, resolveu pular para não ser rendido. Mas, ao cair da mureta, se machucou e acabou esperando no próprio telhado até a ação terminar.
"Achei que a janela fosse um pouco mais baixa. Segurei na murada e tentei descer agarrado. Quando pus a mão em um parapeito mais embaixo, escorreguei, porque estava molhado por causa da chuva. Caí na varanda do primeiro andar", conta. "Caí meio de lado, me machuquei bastante. Fiquei na varanda esperando o movimento passar."
Os ladrões acabaram não entrando no quarto do frade e não o notaram no parapeito.
Novo assalto na fuga
A invasão do convento ocorreu por volta da 1h15. Os assaltantes foram embora pouco antes das 2h, em um Fiat Doblô preto, cuja placa não foi anotada. Na rua, ainda assaltaram um homem, que registrou queixa na delegacia. Perdeu dinheiro, documentos e telefone celular. O nome dele não foi revelado pelos policiais.
Pela descrição dos frades, os assaltantes são jovens, brancos, com cerca de 20 anos. O líder era um negro, que teria entre 25 e 30 anos, segundo as vítimas. Um dos jovens vestia a camisa de um clube de futebol espanhol, o Barcelona.
Há cinco anos no convento, frei Reinaldo disse que nunca acontecera episódios violentos ali.
"No máximo, pequenos furtos", lamentou ele, que isentou o vigia ("é um funcionário excelente") e elogiou a ação da Polícia Militar, que reforçou o patrulhamento da área após o assalto.
"Não respeitam nem mais a casa do Senhor. Para mim, que fiquei com a pistola apontada contra a cabeça, esse assalto durou uma eternidade", declarou.
Para os policiais encarregados das investigações, os integrantes da quadrilha seriam do morro do Turano, a favela mais próxima do convento dos Capuchinhos.
Há duas semanas, o bispo da Diocese de Itaguaí (a 50 km do Rio), dom José Ubiratan Lopes, 56, e oito fiéis da catedral de São Francisco, no centro da cidade, foram vítimas de um violento ataque de três assaltantes, que invadiram a igreja, roubaram dinheiro e objetos sagrados e mantiveram todos como reféns, sob a mira de armas, por aproximadamente uma hora.
Religiosos são conhecidos por voto de pobreza

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SAIBA MAIS
Religiosos são conhecidos por voto de pobreza
DA SUCURSAL DO RIO
O frade da Ordem dos Capuchinhos "vive sem nada de próprio, mas reparte o saber, os dons, os bens, o afeto e o apoio em fraternidade".
Assim vivem os religiosos do convento da igreja de São Sebastião dos Frades Capuchinhos: em dormitórios simples, calçados com sandálias e vestidos com camisas e calças simples.
Os capuchinhos da Tijuca mantêm boas relações com a comunidade. Participam de atividades benemerentes e também na área de assistência social. As procissões costumam ser concorridas.
Surgida na segunda década do século 16, a partir dos ensinamentos de s. Francisco de Assis (1182-1226), a Ordem dos Capuchinhos tem como preceito básico a identificação com o povo e com as causas religiosas.
No Brasil, os capuchinhos chegaram no fim do século 19, vindos da França e estabelecendo-se, inicialmente, no Rio Grande do Sul. Hoje, há espalhados pelo país cerca de 1.100 frades vinculados à ordem. (ST)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidi ... 200509.htm