Tarso Genro defende punição para torturadores do regime mili
Enviado: 01 Ago 2008, 15:46
Tarso Genro defende punição para torturadores do regime militar
Publicada em 31/07/2008 às 22h38m
Demétrio Weber e Germano Oliveira - O Globo; Agência Brasil; O Globo Online
BRASÍLIA - Uma audiência pública no Ministério Justiça discutiu pela primeira vez nesta quinta-feira a possibilidade de responsabilizar no plano cível e criminal, agentes que participaram de torturas e morte de jovens entre 1964 e 1985 - período de vigência da ditadura militar no Brasil. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que os torturadores que atuaram durante o regime militar no Brasil praticaram crimes comuns e não políticos. Para o ministro, eles deveriam ser punidos.
- Na época do regime militar nenhuma norma permitia a tortura. Seu delito não é político, é comum - afirmou Tarso Genro durante a reunião promovida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Para debater o tema, foram convidados juristas contra e a favor da tese de punição para os militares, familiares de desaparecidos políticos, advogados, professores e ex-perseguidos políticos. Nenhum militar que atuou naquele período foi convidado. Havia a preocupação de que a presença de algum desses oficiais transformaria o debate numa discussão política.
O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vanucchi, considera a discussão "um marco" para preparar avanços no caminho da consolidação da democracia brasileira.
- É o estabelecimento de um sólido sistema de garantias que impeça qualquer tipo de tentação de retomarmos um passado que o Brasil inteiro repele. Por isso, precisa conhecer profundamente e iluminar tudo o que ainda seja reduto de sombra, de sigilo e de segredo. É um momento marcante - disse ele.
É a primeira vez que o Ministério da Justiça discute brechas legais para responsabilizar criminalmente quem praticou tortura na ditadura. Tarso e Vanucchi enfatizaram que cabe ao Judiciário fazer os julgamentos. Eles ressalvaram que o papel das Forças Armadas não está em questão, mas sim a conduta de indivíduos. Qualquer decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, levará em conta também a posição do Ministério da Defesa, que não participou do evento ontem.
- Só as feridas lavadas cicatrizam - disse Vanucchi, citando frase da presidente do Chile, Michelle Bachelet.
Tarso Genro comparou a transição democrática brasileira ao que ocorreu na África do Sul após o apartheid, apontando diferenças entre a forma como isso ocorreu. Segundo ele, na África do Sul houve uma ruptura negociada que resultou nas chamadas Comissões de Verdade e Conciliação.
- No Brasil não houve uma ruptura sequer negociada. Houve uma transição conservadora rumo à democracia.
O Ministério da Justiça entende que cabe ao Poder Judiciário julgar agentes públicos que tenham praticado tortura na época da ditadura. O ministério rejeita a interpretação de que a Lei de Anistia de 1979 tenha perdoado os crimes praticados por militantes de esquerda e militares.
Tarso enfatizou que a responsabilização de militares que cometeram crime na época não atinge as Forças Armadas, mas sim indivíduos isolados.
- Não é o papel das Forças Armadas que está em jogo.
O governo poderá trocar de lado na ação que tramita na Justiça Federal em São Paulo contra os coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Os dois são acusados de crimes contra a humanidade por chefiar um dos principais centros de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante o regime militar: o DOI-Codi do 2 Exército, na capital paulista. Até agora, a União é ré, juntamente com os militares, na ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. Mas, segundo Paulo Vanucchi, o governo poderá passar de acusado a acusador, cobrando a responsabilização dos militares. A decisão será tomada nas próximas semanas.
- A posição da Secretaria Especial de Direitos Humanos é que a União seja parte ativa. Porém, é a posição da secretaria. Pode ser a do governo ou não -disse Vanucchi, após a audiência pública da Comissão de Anistia.
A ação civil pública pede que Ustra e Maciel sejam obrigados a reembolsar a União no valor das indenizações já pagas às famílias de suas vítimas; o reconhecimento de que comandaram um centro de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados; e que não possam mais exercer funções públicas. A ação quer ainda que as Forças Armadas revelem os nomes das mais de sete mil pessoas que passaram pelo DOI-Codi de São Paulo.
O advogado criminalista e professor de direito da FGV Thiago Bottino do Amaral disse que não há base legal para punir militares por tortura. Segundo ele, o Direito Penal segue o princípio da anterioridade, isto é, a lei que prevê o delito não pode retroagir. Ele argumentou que não havia lei tipificando esse tipo de crime na época. O advogado lembrou que os crimes já prescreveram. Segundo ele, a Constituição só considera imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados que atentem contra o Estado.
Em São Paulo, o advogado Paulo Esteves, que defende Ustra, disse que a declaração de Vanucchi não muda a situação da União sobre os processos envolvendo tortura no país. Para ele, a União, representada pelo atual governo, está desde o começo do lado das famílias.
- A posição de Vanucchi e de alguns governantes já é clara sobre o assunto, que é a de condenar torturadores e defender familiares de torturados, mas isso não significa que essa seja a postura da União, que tem que respeitar o que outros poderes decidem. A União não tem lado. O Estado não pode ser parte de um processo, não pode ficar acima dos poderes - disse Esteves.
Presidente da Comissão defende diálogo com a sociedade
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que é "duro" ouvir cotidianamente relatos de perseguidos políticos sem que se estabeleça um diálogo com a sociedade sobre os fatos ocorridos durante a ditadura militar no Brasil, "até mesmo, para que eles não se repitam".
Ele questionou as possibilidades de punição, no plano cível e criminal, para os que participaram de atos de tortura entre 1964 e 1985 no país.
- É factível, à luz da ordem jurídica brasileira atual, a responsabilização dos agentes violadores de direitos humanos à época dos momentos de exceção da nossa história? A Lei da Anistia compreende um processo de reparação aos perseguidos políticos, mas temos clareza de que a reparação é apenas uma vertente da idéia de justiça que deve permear esse acerto de contas com a nossa história - ele afirmou.
Abrão lembrou ainda que a "responsabilidade" de levar adiante o processo de punição dos torturadores cabe atualmente ao poder Judiciário, mas destacou que a anistia política não é uma iniciativa de governo, mas de Estado, fundada na Constituição brasileira.
- Evidentemente que não cabe à Comissão de Anistia promover a responsabilização dos agentes torturadores, cabe promover o processo de reparação. Mas defendemos que o processo de reparação não se confunde ou concorre com o processo de responsabilização, que é um desafio posto ao Poder Judiciário.
Já os arquivos... Até hoje governo não abriu documentos
O mesmo governo que defende a punição a militares acusados de tortura até hoje não abriu os arquivos da ditadura. Paulo Vannuchi lembrou que o governo será intimado em breve a abrir os arquivos das Forças Armadas sobre a guerrilha do Araguaia. É o que determina uma sentença da Justiça Federal.
O governo já editou medidas provisórias e aprovou normas para permitir o acesso aos arquivos da ditadura militar, mas sem resultado. As Forças Armadas insistem que não têm mais arquivos para abrir. Os documentos mais aguardados, e que nunca apareceram, são os que podem apontar onde estão os corpos de desaparecidos políticos.
Em novembro de 2005, o governo baixou decreto determinando que documentos da época em poder de órgãos públicos e de comandos militares fossem transferidos ao Arquivo Nacional, o que não ocorreu. Vannuchi chegou a fazer um apelo aos militares da reserva que guardam esses relatórios que os encaminhassem ao governo, o que também não foi feito.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/0 ... asp#coment
Publicada em 31/07/2008 às 22h38m
Demétrio Weber e Germano Oliveira - O Globo; Agência Brasil; O Globo Online
BRASÍLIA - Uma audiência pública no Ministério Justiça discutiu pela primeira vez nesta quinta-feira a possibilidade de responsabilizar no plano cível e criminal, agentes que participaram de torturas e morte de jovens entre 1964 e 1985 - período de vigência da ditadura militar no Brasil. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que os torturadores que atuaram durante o regime militar no Brasil praticaram crimes comuns e não políticos. Para o ministro, eles deveriam ser punidos.
- Na época do regime militar nenhuma norma permitia a tortura. Seu delito não é político, é comum - afirmou Tarso Genro durante a reunião promovida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.
Para debater o tema, foram convidados juristas contra e a favor da tese de punição para os militares, familiares de desaparecidos políticos, advogados, professores e ex-perseguidos políticos. Nenhum militar que atuou naquele período foi convidado. Havia a preocupação de que a presença de algum desses oficiais transformaria o debate numa discussão política.
O ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Paulo Vanucchi, considera a discussão "um marco" para preparar avanços no caminho da consolidação da democracia brasileira.
- É o estabelecimento de um sólido sistema de garantias que impeça qualquer tipo de tentação de retomarmos um passado que o Brasil inteiro repele. Por isso, precisa conhecer profundamente e iluminar tudo o que ainda seja reduto de sombra, de sigilo e de segredo. É um momento marcante - disse ele.
É a primeira vez que o Ministério da Justiça discute brechas legais para responsabilizar criminalmente quem praticou tortura na ditadura. Tarso e Vanucchi enfatizaram que cabe ao Judiciário fazer os julgamentos. Eles ressalvaram que o papel das Forças Armadas não está em questão, mas sim a conduta de indivíduos. Qualquer decisão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, levará em conta também a posição do Ministério da Defesa, que não participou do evento ontem.
- Só as feridas lavadas cicatrizam - disse Vanucchi, citando frase da presidente do Chile, Michelle Bachelet.
Tarso Genro comparou a transição democrática brasileira ao que ocorreu na África do Sul após o apartheid, apontando diferenças entre a forma como isso ocorreu. Segundo ele, na África do Sul houve uma ruptura negociada que resultou nas chamadas Comissões de Verdade e Conciliação.
- No Brasil não houve uma ruptura sequer negociada. Houve uma transição conservadora rumo à democracia.
O Ministério da Justiça entende que cabe ao Poder Judiciário julgar agentes públicos que tenham praticado tortura na época da ditadura. O ministério rejeita a interpretação de que a Lei de Anistia de 1979 tenha perdoado os crimes praticados por militantes de esquerda e militares.
Tarso enfatizou que a responsabilização de militares que cometeram crime na época não atinge as Forças Armadas, mas sim indivíduos isolados.
- Não é o papel das Forças Armadas que está em jogo.
O governo poderá trocar de lado na ação que tramita na Justiça Federal em São Paulo contra os coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Os dois são acusados de crimes contra a humanidade por chefiar um dos principais centros de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante o regime militar: o DOI-Codi do 2 Exército, na capital paulista. Até agora, a União é ré, juntamente com os militares, na ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. Mas, segundo Paulo Vanucchi, o governo poderá passar de acusado a acusador, cobrando a responsabilização dos militares. A decisão será tomada nas próximas semanas.
- A posição da Secretaria Especial de Direitos Humanos é que a União seja parte ativa. Porém, é a posição da secretaria. Pode ser a do governo ou não -disse Vanucchi, após a audiência pública da Comissão de Anistia.
A ação civil pública pede que Ustra e Maciel sejam obrigados a reembolsar a União no valor das indenizações já pagas às famílias de suas vítimas; o reconhecimento de que comandaram um centro de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados; e que não possam mais exercer funções públicas. A ação quer ainda que as Forças Armadas revelem os nomes das mais de sete mil pessoas que passaram pelo DOI-Codi de São Paulo.
O advogado criminalista e professor de direito da FGV Thiago Bottino do Amaral disse que não há base legal para punir militares por tortura. Segundo ele, o Direito Penal segue o princípio da anterioridade, isto é, a lei que prevê o delito não pode retroagir. Ele argumentou que não havia lei tipificando esse tipo de crime na época. O advogado lembrou que os crimes já prescreveram. Segundo ele, a Constituição só considera imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados que atentem contra o Estado.
Em São Paulo, o advogado Paulo Esteves, que defende Ustra, disse que a declaração de Vanucchi não muda a situação da União sobre os processos envolvendo tortura no país. Para ele, a União, representada pelo atual governo, está desde o começo do lado das famílias.
- A posição de Vanucchi e de alguns governantes já é clara sobre o assunto, que é a de condenar torturadores e defender familiares de torturados, mas isso não significa que essa seja a postura da União, que tem que respeitar o que outros poderes decidem. A União não tem lado. O Estado não pode ser parte de um processo, não pode ficar acima dos poderes - disse Esteves.
Presidente da Comissão defende diálogo com a sociedade
O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que é "duro" ouvir cotidianamente relatos de perseguidos políticos sem que se estabeleça um diálogo com a sociedade sobre os fatos ocorridos durante a ditadura militar no Brasil, "até mesmo, para que eles não se repitam".
Ele questionou as possibilidades de punição, no plano cível e criminal, para os que participaram de atos de tortura entre 1964 e 1985 no país.
- É factível, à luz da ordem jurídica brasileira atual, a responsabilização dos agentes violadores de direitos humanos à época dos momentos de exceção da nossa história? A Lei da Anistia compreende um processo de reparação aos perseguidos políticos, mas temos clareza de que a reparação é apenas uma vertente da idéia de justiça que deve permear esse acerto de contas com a nossa história - ele afirmou.
Abrão lembrou ainda que a "responsabilidade" de levar adiante o processo de punição dos torturadores cabe atualmente ao poder Judiciário, mas destacou que a anistia política não é uma iniciativa de governo, mas de Estado, fundada na Constituição brasileira.
- Evidentemente que não cabe à Comissão de Anistia promover a responsabilização dos agentes torturadores, cabe promover o processo de reparação. Mas defendemos que o processo de reparação não se confunde ou concorre com o processo de responsabilização, que é um desafio posto ao Poder Judiciário.
Já os arquivos... Até hoje governo não abriu documentos
O mesmo governo que defende a punição a militares acusados de tortura até hoje não abriu os arquivos da ditadura. Paulo Vannuchi lembrou que o governo será intimado em breve a abrir os arquivos das Forças Armadas sobre a guerrilha do Araguaia. É o que determina uma sentença da Justiça Federal.
O governo já editou medidas provisórias e aprovou normas para permitir o acesso aos arquivos da ditadura militar, mas sem resultado. As Forças Armadas insistem que não têm mais arquivos para abrir. Os documentos mais aguardados, e que nunca apareceram, são os que podem apontar onde estão os corpos de desaparecidos políticos.
Em novembro de 2005, o governo baixou decreto determinando que documentos da época em poder de órgãos públicos e de comandos militares fossem transferidos ao Arquivo Nacional, o que não ocorreu. Vannuchi chegou a fazer um apelo aos militares da reserva que guardam esses relatórios que os encaminhassem ao governo, o que também não foi feito.
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