Tirando as citações inerentes aos respectivos cidadãos, vejam se não parece que estão a falar do sucessor de um e não de outro.
Camelô ou caixeiro viajante
Fernando Henrique Cardoso entrará para a História do Brasil como o presidente que mais viajou para o exterior, encerrando seu período de oito anos com praticamente um ano a passeio pelo mundo, e a precípua missão de vender o País nos centros hegemônicos da economia internacional. FHC voou 88 vezes em 121 viagens oficiais a 44 países, além de três visitas à sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, numa média anual de viagens 2,7 vezes superior à do papa João Paulo II.
Oficialmente, a "diplomacia presidencial" foi qualificada como "instrumento que favoreceu muito o acesso a novos mercados, a conquista de investimentos e a conquista de mais espaço para o Brasil nas decisões internacionais" pelo embaixador Eduardo Santos, assessor especial da Presidência da República para relações internacionais. Mas a situação legada para o sucessor está longe de facultar-lhe um panorama tão favorável.
No exterior, a imagem do Brasil corresponde à das repúblicas da corrupção latino-americana, com suas elites carcomidas pela degradação moral. FHC, com seus títulos e pompa de estadista, poderia muito bem ter o destino de parceiros como Alberto Fujimori, a quem agraciou com elevadas honrarias nacionais, ou de outros elementos da estirpe de Domingo Cavallo, que terminou encarcerado pelo crime formal de contrabando. Na verdade, esses e diversos outros cometeram crimes contra a economia e contra os povos dos seus países - imputação da qual FHC não está livre, de acordo com os diversos processos criminais que correm na Justiça contra ele.
Denúncias de corrupção campearam livres e impunes em seus governos. Desde o escândalo da licitação do projeto Sivam, passando pela compra de votos para a aprovação da Emenda da reeleição, até o episódio das privatizações - e do sistema de telecomunicações brasileiro em particular -, Fernando Henrique teve sempre um fiel escudeiro a comprometê-lo pelos laços de intimidade (embaixador Júlio César, Sérgio Motta, Eduardo Jorge Caldas Pereira, Ricardo Sérgio de Oliveira, entre diversos outros).
Entretanto, passeou sobranceiro sobre todas as dezenas de denúncias e, no limiar de seu segundo mandato, tenta sair ileso: busca o apoio para mais uma saída negociada nesta jovem e contaminada República, buscando comprometer o vencedor com seu passado ambíguo e, de quebra, articula um cargo internacional na ONU que o mantenha olimpicamente acima das punições reservadas ao comum dos mortais.
A corrupção deslavada em seus governos não é apenas mais um atestado secular do baixo padrão moral das elites brasileiras - de onde recebeu um legado que se empenhou em ampliar. Está umbilicalmente articulada à moderna aliança dessas elites reunidas num pacto conservador para elegê-lo em 1994 e em 1998. Fundamentalmente as mesmas forças que ofereceram sustentação à ditadura militar. Ao sociólogo e professor da USP - ele próprio um rebento bem nascido dessas elites - coube ser festejado, promover a festa e patrocinar um dos maiores retrocessos republicanos quanto às conquistas democráticas no Brasil. Políticos conservadores que resistiram ou relutaram ante o movimento pela democratização, aliados e beneficiários da ditadura, foram plenamente restaurados no comando da República pelo pacto neoliberal.
Segue. Quem quiser, olhe lá.