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será que os eua vão intervir?

Enviado: 11 Ago 2008, 16:16
por spink
Conflito mostra que Rússia está mais ousada

Marc Champion, Andrew Osborn e John McKinnon
Valor Econômico
11/8/2008


A Rússia expandiu ontem sua campanha militar para outras regiões da Geórgia, enquanto o governo da Geórgia anunciou a retirada de suas tropas da Ossétia do Sul e as tentativas de estabelecer um cessar-fogo fracassaram.

A vigorosa ofensiva de Moscou - sua maior operação militar no exterior desde o colapso da União Soviética, em 1991- representa um marco na política externa cada vez mais assertiva do Kremlin. O presidente russo Dmitri Medvedev, assim como seu mentor, o primeiro-ministro Vladimir Putin, ignoraram o apelo dos líderes do Ocidente para interromper o ataque a um aliado dos EUA, ressaltando os limites da influência dos EUA e da Europa sobre a Rússia.

Enquanto os combates se espalhavam para a Abkhazia, na costa do Mar Negro, diplomatas ocidentais começaram a manifestar sua preocupação com as conseqüências de uma nova ordem em que a Rússia se reserva o direito de usar a força para impor seus interesses aos vizinhos. Em entrevista ontem à noite, o presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, caracterizou o combate como sendo "uma questão de salvar a Geórgia como nação". Ele chamou as ações do governo russo de erro histórico.

"Deixamos claro aos russos que se continuar a ofensiva desproporcional e perigosa do lado deles, isso terá impacto significativo e de longo prazo na relação entre os EUA e a Rússia", disse Jim Jeffrey, representante do alto escalão do governo americano no Conselho Nacional de Segurança. O presidente dos EUA, George W. Bush, comunicou a mensagem pessoalmente a Putin na Olimpíada de Pequim, durante o fim de semana.

Autoridades russas culpam a Geórgia pelo início do conflito e acusam-na de lançar um ataque semana passada contra a Ossétia do Sul, enclave separatista apoiado pela Rússia no norte da Geórgia, que dizem ter causado mortes de civis, muitos com cidadania russa, assim como de tropas russas de manutenção da paz na região. Cerca de 1,5 mil pessoas já morreram.

"Imagine que um único civil americano, ou um soldado de uma missão de paz dos EUA, fosse morto por outro país. Os EUA mandariam na mesma hora várias divisões de infantaria aerotransportada", disse Yuri Popov, representante russo nas negociações sobre impasse entre a Geórgia e a Ossétia do Sul. Putin e Medvedev acusam a Geórgia de praticar "genocídio" contra o povo ossetiano, acusação negada por Tbilisi e seus aliados. Países ricos criticaram como desproporcional a reação russa. Essa visão se fortaleceu ontem, quando forças russas criaram nova frente na Abkházia, outro enclave na Geórgia apoiado por Moscou.

A postura desafiadora de Moscou diante dos pedidos ocidentais também pode desnudar a incapacidade americana e européia de proteger os aliados que emergiram nos últimos 20 anos das ruínas da União Soviética. A Europa depende do gás natural russo para suprir um quarto de sua demanda e reluta em desafiar diretamente o Kremlin. A Casa Branca está ansiosa para conquistar a cooperação russa em questões como o programa nuclear iraniano, o que complica sua decisão de ajudar antigas repúblicas soviéticas.

Autoridades georgianas e diplomatas do Ocidente consideram o ataque como o indício mais agressivo até agora de que Moscou enfrentará a influência externa nos países da antiga União Soviética, especialmente os que, como a Geórgia, integraram o império russo durante séculos. O presidente georgiano, Saakashvili, irritou Moscou com sua postura ativa de aproximação ao Ocidente, especialmente a tentativa de integrar a Otan. O governo da Ucrânia, favorável ao Ocidente, também entrou para a lista negra de Moscou.

Até a ofensiva mais recente, Moscou tinha limitado sua pressão sobre Tbilisi e Kiev a embargos econômicos periódicos, incluindo breves interrupções no suprimento de gás natural. Com o Exército enfraquecido e privado de recursos, e a economia ainda a se recuperar da crise financeira de 1998, a Rússia era vista como despreparada para um conflito aberto. Agora, enriquecida pelas centenas de bilhões de dólares provenientes das exportações de petróleo e gás natural, o Kremlin retomou o que considera o papel natural da Rússia na política mundial, em vez da tênue influência da década de 90.

Numa visão compartilhada por algumas pessoas em Washington, autoridades da Geórgia dizem que a campanha militar de Moscou tem como objetivo não apenas expulsar as tropas georgianas dos enclaves separatistas, mas também minar o governo de Saakashvili, na esperança de trocá-lo por outro mais simpático ao Kremlin.

"A Ossétia do Sul e a Abkházia são apenas ferramentas para a Rússia derrubar Saakashvili do poder e controlar a Geórgia, o portal para os recursos energéticos da Ásia Central", disse Temuri Yakobashvili, enviado da Geórgia à zona dos conflitos. "A Geórgia é só o início. A Criméia é a próxima."

No Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, o embaixador americano Zalmay Khalilzad disse ontem que o ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, havia dito por telefone à secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, que o objetivo da Rússia era derrubar o presidente da Geórgia. "Isso é completamente inaceitável", disse Khalilzad ao conselho. Mais tarde, numa coletiva de imprensa em Moscou, Lavrov disse que seus comentários foram mal interpretados e que ele não estava exigindo a saída de Saakashvili.

Vários diplomatas e analistas ocidentais comparam o conflito atual com o bombardeio da Sérvia pela Otan, em 1999, que também pretendia minar o governo de Slobodan Milosevic. Moscou foi totalmente contra um ataque a seu antigo aliado, mas não tinha como intervir naquela época.

Autoridades russas insistem que seu único objetivo é controlar os dois territórios separatistas da Geórgia, a Abkházia e a Ossétia do Sul. Os territórios são protegidos por tropas russas de manutenção da paz e se separaram da Geórgia no início dos anos 90 com a ajuda de voluntários russos e suporte militar velado. Em ambos os casos, os conflitos ocorreram depois de tentativas da Geórgia de acabar à força com ambições separatistas.

Analistas ligados ao Kremlin dizem que o ataque da Geórgia à Ossétia do Sul teve como meta enfraquecer o poder crescente da Rússia na política internacional. "É muito óbvio que isso é uma provocação política", disse Sergei Karaganov, diretor do Conselho para Política Externa e Defesa, um grupo de assessores governamentais. "A Geórgia é totalmente dependente dos EUA. Não elimino a possibilidade de que, em algum nível do governo, suas ações foram aprovadas pelos EUA."

Autoridades do governo Bush se disseram surpreendidas quando os georgianos atacaram a Ossétia do Sul na semana passada. "Fomos bem claros: se você entrar num conflito sério com a Rússia, não vai vencer", disse uma autoridade do alto escalão dos EUA. Enquanto mais tropas e equipamentos russos chegavam à Ossétia do Sul, autoridades da Geórgia informaram que estavam retirando suas tropas da região inteira. A Geórgia bateu em retirada "como parte de uma decisão muito consciente do governo (...) de encerrar a espiral de violência", disse o ministro das Relações Exteriores do país, Eka Tkeshelashvili. (Colaboraram Jay Solomon, de Washington, e Alex Frangos, de Nova York)

http://clipping.planejamento.gov.br/Not ... Cod=449084

Re: será que os eua vão intervir?

Enviado: 11 Ago 2008, 16:17
por spink
Confronto geopolítico

Coisas da Política
Jornal do Brasil
11/8/2008


O confronto entre a Geórgia e a Rússia, a propósito da Ossétia do Sul, explica-se pela importância estratégica da região caucasiana entre o Mar Cáspio e o Mar Negro. A Oeste se encontra a Geórgia e a Leste, o Azerbeidjão, com o petróleo e o gás da Bacia do Cáspio. No território da Geórgia passam os oleodutos e gasodutos. Os americanos, desde o fim da União Soviética, têm atuado intensamente para manter seu controle sobre a terra de Stalin, transformando-a em sua mais dedicada aliada entre as antigas repúblicas soviéticas. Há 2 mil soldados da Geórgia no Iraque.

O confronto nos retorna aos cânones da geopolítica, mais imperativos do que os conflitos de ordem ideológica. Os vastos territórios da Eurásia sempre foram cobiçados pelas nações européias – e pelos povos do Extremo Oriente. Os russos levaram séculos para construir ali o maior império conhecido sobre terras contínuas e, para mantê-lo, enfrentou guerras periódicas. Com a Revolução Industrial e a necessidade de matérias primas básicas, cresceu a cobiça sobre a região.

As duas guerras mundiais do século passado pouco deveram à ideologia como tal. O que estava por detrás dos conflitos era o domínio das fontes de matérias primas e do trabalho semi-escravo dos povos que a Europa considerava atrasados, ignorantes, destinados à obediência. Os russos aproveitaram o primeiro conflito mundial para realizar sua revolução, que era mais nacionalista do que socialista.

Ao contrário do que muitos pensam, o anti-semitismo de Hitler não era condenado na Europa. Os demais países europeus foram cúmplices dos nazistas na postura racista, que permanece até hoje, como demonstram a perseguição aos migrantes. O avanço de Hitler sobre a União Soviética, em 1941, se deu em busca do território russo, com suas riquezas. A ideologia do nazismo foi, mais do que tudo, instrumento para a conquista imperial, na aliança dos chefes militares com os industriais e banqueiros alemães.

Terminada a Guerra Fria, continua o confronto, já despido das razões ideológicas que lhe serviram de pretexto nos 45 anos, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do sistema socialista, no início dos anos 90. Os americanos pretendem incorporar a Geórgia à Otan. O governo da Geórgia (como bem indicou o editorial de The Guardian de ontem) calculou mal os riscos que corria, ao iniciar a agressão, com o propósito de tornar a anexação da área um fato consumado, e obter o assentimento para ingressar na Otan. Outras fontes indicam que Mikhail Saakashvili, presidente da Geórgia, fora estimulado pelo governo Bush para a iniciativa de impor a plena soberania georgiana sobre o território osseto. De uma forma ou de outra, tratou-se de aventura irresponsável.

Os Estados Unidos e a Europa se encontram também em constrangimento diplomático, o que está adiando uma resolução do Conselho de Segurança. Eles apoiaram a secessão de Kosovo em nome da autodeterminação de seu povo, agora não podem apoiar a ação militar da Geórgia contra os ossetos. A Ossétia já era uma república autônoma quando a Geórgia se tornou independente e pretendeu anexá-la. A população, por duas vezes – a última, em 2006, com a presença de observadores internacionais – decidiu em plebiscito (com 99% dos votos válidos) declarar-se independente da Geórgia, mas não se livrou da ameaça permanente da força militar do vizinho.

Ao dar-se conta do erro cometido, com a incursão militar, o líder da Geórgia, Saakashvili propôs o cessar-fogo. Os russos continuavam, no entanto, mantendo, ontem, a pressão militar, com o bloqueio naval às costas do país e as operações contra posições remanescentes do inimigo no território da Ossétia. Dentro da lógica russa, é preciso dar uma prova irrefutável de que Moscou está disposta a proteger a incolumidade da população da Ossétia – de maioria absoluta russa – a qualquer custo. Ao mesmo tempo em que continuavam as hostilidades, outra região autônoma, a de Abkhasia, reforçava suas posições na fronteira com a Geórgia e se preparava para participar ativamente do confronto.

A Rússia é hoje país capitalista, tanto quanto a Geórgia e os países europeus. O confronto é entre Estados, com suas respectivas forças militares, para o controle de uma região geopolítica estratégica. Os russos, que já se sentem acossados por Washington na República Tcheca, na Polônia e na Ucrânia, não parecem dispostos a ter nova base inimiga em sua fronteira.

http://clipping.planejamento.gov.br/Not ... Cod=449017

Re: será que os eua vão intervir?

Enviado: 15 Ago 2008, 17:19
por spink
`A guerra nunca deflagra subitamente: a sua extensão não é obra de um instante.` (Carl Von Clausewitz, em `Da Guerra` Martins Fontes, São Paulo 1979 [1832] p: 77).

A Rússia foi a grande perdedora da década de 90 e, contra o senso comum, será a grande questionadora da nova ordem mundial.

Os fatos mais recentes e importantes são conhecidos. No mês de abril de 2008, a última reunião de cúpula da Otan, na cidade de Bucareste, reconheceu a aspiração da Geórgia de participar da aliança militar liderada pelos EUA, apesar da resistência alemã e da oposição explícita do governo russo. E no dia 11 de julho de 2008, aviões da Força Aérea Russa sobrevoaram o território da Ossétia do Sul na véspera da visita, à Geórgia, da secretária de Estado norte-americana, Condollezza Rice, para inaugurar, no dia 15 de julho, à operação `Resposta Imediata 2008`: um exercício militar conjunto do exército norte-americano com as tropas da Geórgia, Ucrânia, Armênia e Azerbaijão, realizado na Base Aérea de Vaziani, que havia pertencido à Força Aérea Russa até 2001. Logo em seguida, no dia 8 de agosto de 2008, as Forças Armadas da Geórgia atacaram a província da Ossétia do Sul e conquistaram sua capital, Tskhinvali. Não está claro por quê a Geórgia atacou a Ossétia do Sul exatamente no dia da abertura das Olimpíadas chinesas. Mas não há dúvida que a grande surpresa dos governos envolvidos nesta história foi a rapidez, extensão e eficácia da resposta russa, que em poucas horas, cercou, dividiu e atacou - por terra, mar e ar - o território da Geórgia, numa demonstração contundente de decisão política, organização militar e poder de conquista. Tudo feito com tamanha rapidez e agilidade que deixou os governos `ocidentais` perplexos, divididos e impotentes, obrigados a acompanhar os desdobramentos da ofensiva russa, hora a hora, por meio de fatos consumados, sem conseguir saber ou poder antecipar o seu objetivo final.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, Hans Morghentau, pai da teoria política internacional norte-americana, formulou uma tese muito simples e clássica sobre a origem das guerras. Segundo Morghentau, `a permanência do status de subordinação dos países derrotados numa guerra pode facilmente produzir a vontade destes países desfazerem a derrota e jogarem por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos, retomando seu antigo lugar na hierarquia do poder mundial. Ou seja, a política imperialista dos países vitoriosos tende a provocar uma política imperialista igual e contrária da parte dos derrotados. E se o derrotado não tiver sido arruinado para sempre, ele quererá retomar os territórios que perdeu e, se possível, ganhar ainda mais do que perdeu, na última guerra`. Em 1991, depois do fim da Guerra Fria, não houve um acordo de paz que estabelecesse as perdas da URSS e que definisse claramente as regras da nova ordem mundial imposta pelos vitoriosos, como havia acontecido no fim da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. De fato, a URSS não foi atacada, seu exército não foi destruído e seus governantes não foram punidos, mas durante toda a década de 90 os EUA e a UE apoiaram a autonomia dos países da antiga zona de influência soviética, e promoveram ativamente o desmembramento do território russo. Começando pela Letônia, Estônia e Lituânia, e seguindo pela Ucrânia, a Bielorússia, os Bálcãs, o Cáucaso e os países da Ásia Central. Neste período, os EUA também lideraram a expansão da Otan na direção do Leste, contra a opinião de alguns países europeus. E mais recentemente, os EUA e a UE apoiaram a independência do Kosovo, aceleraram a instalação do seu `escudo anti-mísseis` na Europa Central, e estão armando e treinando as forças armadas da Ucrânia, da Geórgia e dos países da Ásia Central, sem levar em conta que a maior parte destes países pertenceu ao território russo durante os últimos três séculos. Em 1890, o Império Russo, construído no Século XVIII, por Pedro o Grande e Catarina II, tinha 22.400.000 Km2 e 130 milhões de habitantes, era o segundo maior império contíguo da história da humanidade e uma da cinco maiores potências da Europa. No Século XX, durante o período soviético, o território russo se manteve do mesmo tamanho, a população chegou a 300 milhões de habitantes e a Rússia se transformou na segunda maior potência militar e econômica do mundo. Pois bem, hoje a Rússia tem 17.075.200 km2 e apenas 152 milhões de habitantes, ou seja, em apenas uma década, a década de 1990, a Rússia perdeu cerca de 5.000.000 km2 e cerca de 140 milhões de habitantes.

A maior parte dos analistas internacionais que se dedicam a prever o futuro se esquecem - em geral - que os grandes vitoriosos de 1991 não foram apenas os EUA. Foram os EUA, a Alemanha e a China. Numa virada histórica onde só houve um grande derrotado, a URSS, cuja destruição trouxe de volta ao cenário internacional uma Rússia mutilada e ressentida. A Alemanha e a China ainda tomarão muitos anos para `digerir` os novos territórios e zonas de influência que conquistaram, nas últimas décadas, na Europa Central e no Sudeste Asiático. Enquanto isto, o desaparecimento da União Soviética colocou a Rússia na condição de uma potência derrotada, que perdeu um quarto do seu território e metade de sua população, mas que ainda mantém de pé o seu armamento atômico e o seu potencial militar e econômico, junto com uma decisão cada vez explícita `de desfazer a derrota e jogar por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos (em 1991), retomando seu lugar na hierarquia do poder mundial`. Por isto, neste início do Século XXI, a Rússia é um desafio e uma incógnita para os dirigentes de Bruxelas e de Washington e para os comandantes militares da Otan, quando, na verdade, o mistério não é tão grande - se Hans Morghentau estiver com a razão, se trata de um segredo de Polichinelo: a Rússia foi a grande perdedora da década de 90 e, ao contrário do que diz o senso comum, será a grande questionadora da nova ordem mundial, qualquer que ela seja, até que lhe devolvam - ou ela retome - o seu velho território, conquistado por Pedro, o Grande, e Catarina II. Por isso, a atual guerra na Geórgia não é uma guerra antiga, pelo contrário, é um anúncio do futuro.

José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro `O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações` (Editora Boitempo, 2007). Escreve mensalmente às quartas-feiras.

Publicado originalmente: Valor Econômico (13/08/08)